ADOÇÃO: As modalidades de adoção no Brasil e uma síntese de sua evolução

Resumo

O presente trabalho foi dedicado à análise dos vários tipos de adoção existentes na sociedade brasileira, bem como, à sua evolução conceitual e procedimental ao longo do tempo, embasados pelas diretrizes dos Direitos das Famílias. Com o objetivo de demonstrar as suas consequências na vida, tanto dos adotantes quanto dos adotados, buscou-se ajustar às novas imposições, atendendo aos envolvidos de forma isonômica. Nesse sentido, foi possível observar as mudanças após a Constituição Federal de 1988, alicerçando as inovações efetuadas pelo Código Civil de 2002 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que serviram para fortalecer os direitos tutelados pelo instituto da adoção. Ademais, houve a análise desses impactos baseada em várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais, que foram objetos de constatação de possíveis melhorias fundamentadas e propagadas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, é notório que os legisladores buscaram seguir, em regra, o melhor interesse do adotado, valorando os laços socioafetivos construídos no ambiente familiar.

Abstract

The present work was devoted to the analysis of the various types of adoption existing in Brazilian society, as well as their conceptual and procedural evolution over time, based on the guidelines of the Rights of Families. In order to demonstrate its consequences in the life of both adopters and adoptees, we sought to adjust to the new impositions, meeting those involved in an isonomic way. In this sense, it was possible to observe the changes after the Federal Constitution of 1988, underpinning the innovations made by the Civil Code of 2002 and the Statute of the Child and Adolescent - ECA, which served to strengthen the rights under the adoption institute. In addition, there was an analysis of these impacts based on various doctrinal and jurisprudential currents, which were the object of possible improvements based on and propagated by the current Brazilian legal system. Therefore, it is notorious that legislators sought to follow, as a rule, the best interest of the adoptee, valuing the socio- affective bonds built in the family environment.
Keywords: Adoption. Families. Legal Planning. Society.

Artigo

ADOÇÃO:

As modalidades de adoção no Brasil e uma síntese de sua evolução

 

 ADOPTION:

The adoption modalities in Brazil and a synthesis of their evolution

 

 

 

Caroline Amorim Costa1

Italo Nogueira de Moro2

Luciana Costa Estêvão2

Sergio Milanez Gomes2

Stephane Kelly da Silva Lima2

  

RESUMO

 O presente trabalho foi dedicado à análise dos vários tipos de adoção existentes na sociedade brasileira, bem como, à sua evolução conceitual e procedimental ao longo do tempo, embasados pelas diretrizes dos Direitos das Famílias. Com o objetivo de demonstrar as suas consequências na vida, tanto dos adotantes quanto dos adotados, buscou-se ajustar às novas imposições, atendendo aos envolvidos de forma isonômica. Nesse sentido, foi possível observar as mudanças após a Constituição Federal de 1988, alicerçando as inovações efetuadas pelo Código Civil de 2002 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que serviram para fortalecer os direitos tutelados pelo instituto da adoção. Ademais, houve a análise desses impactos baseada em várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais, que foram objetos de constatação de possíveis melhorias fundamentadas e propagadas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, é notório que os legisladores buscaram seguir, em regra, o melhor interesse do adotado, valorando os laços socioafetivos construídos no ambiente familiar.

Palavras-chave: Adoção. Famílias. Ordenamento Jurídico. Sociedade.

ABSTRACT

 The present work was devoted to the analysis of the various types of adoption existing in Brazilian society, as well as their conceptual and procedural evolution over time, based on the guidelines of the Rights of Families. In order to demonstrate its consequences in the life of both adopters and adoptees, we sought to adjust to the new impositions, meeting those involved in an isonomic way. In this sense, it was possible to observe the changes after the Federal Constitution of 1988, underpinning the innovations made by the Civil Code of 2002 and the Statute of the Child and Adolescent – ECA, which served to strengthen the rights under the adoption institute. In addition, there was an analysis of these impacts based on various doctrinal and jurisprudential currents, which were the object of possible improvements based on and propagated by the current Brazilian legal system. Therefore, it is notorious that legislators sought to follow, as a rule, the best interest of the adoptee, valuing the socio- affective bonds built in the family environment.

Keywords: Adoption. Families. Legal Planning. Society.

1   Considerações Iniciais

 No presente artigo, será abordado um dos institutos do Direito que mais sofreu alterações no decorrer do tempo. Na antiguidade, a adoção tinha como objetivo principal garantir a preservação de uma determinada linhagem familiar às famílias que não pudessem gerar os filhos naturalmente. Já na Idade Média, o referido instituto

não foi bem recebido, e não pôde mais ser utilizado por determinação da Igreja Católica que, na época, influenciava diretamente na sociedade, cuja justificativa era que tal prática poderia induzir o reconhecimento de filhos concebidos em relacionamentos adulterinos e incestuosos – prática extremamente condenável aos olhos da Igreja.

Entretanto, na Idade Moderna, a adoção ressurge às custas do Direito Francês, mais especificamente com o Código Napoleônico, uma vez que o Imperador Napoleão Bonaparte não tinha filhos e necessitava de um sucessor. Segundo Wald:

Coube à França ressuscitar o instituto, dando-lhe novos fundamentos e regulamentando-o no Código Napoleão, no início do século XIX, com interesse do próprio Imperador, que pensava adotar um dos seus sobrinhos. A lei francesa da época só conheceu a adoção em relação a maiores, exigindo por parte do adotante que tenha alcançado a idade de cinquenta anos e tornando a adoção tão complexa e as normas a respeito tão rigorosas que pouca utilidade passou a ter, sendo de rara aplicação. Leis posteriores baixaram a idade exigida e facilitaram a adoção, permitindo que melhor desenvolva o seu papel na sociedade moderna. (Wald, 1999, p. 188)

Por fim, o instituto da adoção foi introduzido no Brasil por meio das Ordenações Filipinas, e trouxe fortes influências do direito português.

Entretanto, a regulamentação da adoção só ocorreu com o Código Civil de 1916 que foi o primeiro diploma oficial brasileiro a tratar do assunto, mas como já mencionado, tal instituto foi objeto de inúmeras modificações estruturais e funcionais, e com o passar do tempo, surgiram outras leis que regulamentaram esse mesmo tema, cronologicamente: a Lei 3.133/1957, a Lei 4.655/1965, a Lei 6.697/1979 – Código de Menores e a Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Código Civil de 2002 também dispôs sobre o assunto, tratando tanto da adoção de maiores quanto da adoção de menores.

Ainda assim, vale mencionar que antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, havia duas formas distintas de adoção previstas no ordenamento jurídico brasileiro, Tartuce (2019), sucintamente, as distinguiu:

  1. Adoção plena ou estatuária – para os casos de menores, crianças e adolescentes – tratada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
  1. Adoção simples, civil ou restrita – para os casos envolvendo maiores – tratada pelo código civil de 1916. (TARTUCE , 2019, p. 516)

Só foi possível superar essa distinção com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cuja lei passou a tratar de forma igualitária os filhos, estabelecendo que todos teriam os mesmos direitos e qualificações e proibindo quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (art. 227, § 6º, CF/88). É este o pressuposto que alicerça todo o ordenamento jurídico sobre o assunto.

Constantemente se modificando, em 3 de agosto de 2009, foi promulgada a Lei 12.010, que trouxe significativas atualizações sobre o instituto da adoção, uma vez que alterou alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e revogou os dispositivos do Código Civil de 2002 que regulamentavam o tema.

A então denominada Lei Nacional de Adoção, de 2009, significou um grande remodelamento na abordagem dessa temática, ao estabelecer que todas as adoções, tanto em relação aos menores, quanto aos maiores, seriam regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, colocando um fim ao debate que existia em torno de qual diploma legal regulamentaria o instituto da adoção.

Antes de aprofundar nas ponderações mais específicas relativas à adoção, é necessário conceituar o instituto. Nas palavras de Fiuza:

A adoção pode ser definida do ponto de vista formal e material. Pela ótica do Direito Material, a adoção é o ato pelo qual uma pessoa deixa de ser filha de alguém, para se tornar filha de outro; ou simplesmente, é o ato pelo qual uma pessoa adquire o estado não biológico de filho. Do ângulo do Direito Processual, a adoção é o processo judicial pelo qual se confere a um indivíduo o estado de filho não biológico de alguém. (Fiuza, 2016, p. 782).

Uma importante consideração é que com a introdução da lei de 2009, a adoção tornou-se medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa (art. 39, § 1º, do ECA).

A família natural é a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Já a família extensa ou ampliada é aquela que se estende para além da unidade composta por pais e filhos, ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos deafinidade e afetividade, conforme o art. 25 da mesma norma.

Uma ponderação que pode se fazer nesse momento, é a supervalorização das famílias biológicas em detrimento às famílias adotivas, sobrepondo os laços de sangue ante a qualquer outro fator. Ainda que a lei disponha que será considerada a relação de afinidade ou de afetividade do adotado com seu adotando, mais uma vez faz referência aos laços de consanguinidade quando afirma que deverá ser levado em conta o grau de parentesco como fator determinante.

Em outra vertente, é importante mencionar que a Constituição Federal de 1988 reconhece o princípio do melhor interesse da criança, isto é, a lei magna estabelece fatores a serem analisados no caso concreto considerando requisitos subjetivos e objetivos da situação, ocasião em que se deve optar sempre por soluções que efetivamente representem maiores benefícios para a criança e para o adolescente.

Todavia, vemos que no Brasil existe a cultura da “adoção às avessas”, em que se escolhe para a família e para a pessoa habilitada o “modelo de criança ou adolescente” que seja mais adequado aos adotantes, quando deveria ser o oposto.

Ainda no tocante à adoção nacional, outro ponto que sobressai é a morosidade no tratamento aos processos de adoção. Consequentemente muitas pessoas optam por uma adoção mais rápida e sem qualquer burocracia objetivando agilizar o processo. Infelizmente, os interessados na criança ou adolescente recorrem a artifícios paralelos à lei, pois receiam que sejam impedidos de legalizar a adoção em decorrência do respeito que se deve à ordem no cadastro de habilitados à adoção.

Nesse sentido, essas pessoas preferem a adoção “à brasileira”, que, todavia, não é considerada uma modalidade válida pelo ordenamento jurídico, posto que, no Código Penal, tal prática é considerada crime, sendo ela conceituada como “dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.” (art. 242).

Além da punição penal, a lei prevê consequências extrapenais como, por exemplo, a nulidade do registro, uma vez que se trata de uma falsa declaração de vontade.

Ademais, a Lei de 2009 foi cautelosa, e, também dispôs sobre a adoção internacional. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seus artigos 50 a 52 estabeleceu requisitos e condições específicas e rigorosas a serem atendidas para a efetivação do procedimento.

Tamanho rigor tem por finalidade garantir o melhor interesse da criança (fim último), levando em consideração os fatores de adaptação do adotado relativos à cultura, aos costumes, às línguas estrangeiras, e também, busca inibir problemas de outra natureza como: exploração sexual, tráfico de menores e outros riscos que podem recair sobre os adotados por não brasileiros.

Nesse sentido, serão abordadas, adiante, as modalidades de adoção conhecidas no Brasil e o que a lei determina como essencial para cada uma delas.

2   Adoção de Menores

 Grandes são as listas de espera para a adoção. A burocratização para a adoção de menores é evidente, pois, precisa-se escolher um adotante capaz para tal ato, que acima de tudo, queira o bem da criança ou adolescente e que esteja disposto a arcar com todas as suas responsabilidades. Ademais, esses, são os requisitos que devem sempre preservar o melhor interesse do adotado, que é extremamente comentado no Direito das Famílias contemporâneo, e ainda está intimamente ligado com o princípio da proteção integral, que se encontra, sobretudo, disposto no CF/88:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro organiza o processo de adoção fundamentado na lista de espera, onde dependendo da idade da criança pode demorar ainda mais.3

3 TJMG. Campanha de adoção tardia. 2019. Disponível em: <https://www.tjmg.jus.br/portal- tjmg/servicos/adocao.htm>

De acordo com o TJMG, cerca de 92% das crianças à espera da adoção possuem 7 anos ou mais, pois, preservando o “melhor interesse do adotante”, estes optam geralmente por adotar os menores de 2 anos, sendo que o princípio prezado no Direito das Famílias é o do melhor interesse do adotado.

A partir do exposto, indaga-se: quem de acordo com a legislação pode requerer a adoção de uma criança ou adolescente? O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13/07/90) dispõe todos os requisitos acerca do assunto, dentre eles destacando-se:

Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.

  • 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
  • 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
  • 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando. (BRASIL, 1990)

Verifica-se, portanto, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, proíbe que os avós ou irmãos da criança ou adolescente adotem-no, contudo, a possibilidade de solicitar a guarda ou tutela é autorizada.

Quanto à adoção por casais, a lei brasileira não proíbe que esta seja requerida por consortes homoafetivos, desde que sigam todos os processos necessários.

Ademais, referindo-se aos adotados nesta circunstância, o ECA explicita quem pode ser adotado, sendo autorizado aquele que, na data do pedido, deverá contar com, no máximo, 18 anos.

Após os adotantes atenderem aos requisitos previstos em lei, e manifestando o desejo de adoção, devem procurar a Vara da Infância e da Juventude, ou caso não haja, procurar o fórum competente para dar início ao processo.

Neste caso, é necessário que lá se apresente a petição com todos os dados e documentos. Após passar por entrevistas com assistente social e for declarado apto, o querente poderá se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção, e ao inserir os dados, deverá especificar o perfil da criança ou adolescente que deseja adotar. Além disso, deverá o adotante participar de um curso preparatório, e ao encontrar o futuro adotado, o juiz determinará um período de convivência. Preenchidos os requisitos, o magistrado permitirá a efetiva adoção.

As normas regulamentadoras da adoção no Brasil, não permitem em nenhuma hipótese, que o procedimento seja feito por pessoas que não estejam inscritas no Cadastro Nacional de Adoção. Com isso, verifica-se a exclusão de muitas pessoas que não tinham o intuito de adotar, mas, ao ter contato com a criança ou adolescente, intermediado pelos pais biológicos, tiveram a oportunidade de constituir um vínculo afetivo, que resultou em uma possível adoção comumente conhecida como intuitu personae. De acordo com a revista Síntese, nota-se que:

Na adoção intuitu personae, os pais biológicos, em tese, ficariam mais seguros, sabendo qual família iria adotar seu(s) filhos(s), inclusive a escolhendo e exercendo a fiscalização sobre a criação deles junto à família escolhida – ao revés do que ocorre atualmente, em que, na maioria da vezes, as crianças ou adolescentes ficam abrigados durante anos. (Oliveira, 2016, p. 69).

Em regra, esse tipo de adoção não é admitido. Porém, quando identificada pela justiça, imediatamente as crianças ou adolescentes são retiradas do convívio familiar e encaminhadas para o processo de adoção, obrigando os pais socioafetivos a ingressarem no cadastro de pessoas habilitadas. Essa via pode levar anos, contradizendo totalmente o que é preservado pelos Direitos das Famílias, ao se falar no melhor interesse do menor.

Nota-se que a permissão desse tipo de adoção por juízes e desembargadores é extremamente rara, sendo que, nas ocasiões em que há a autorização, não há dúvidas que esta é motivada visando o melhor interesse da criança, como é o caso da sensata decisão do TJMG:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO ‘INTUITU PERSONAE’ – ENTREGA DA CRIANÇA LOGO APÓS O NASCIMENTO – GUARDA DEFINITIVA – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE MÁ-FÉ – NÃO INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE PRETENDENTES À ADOÇÃO – CRIANÇA COM 05 (CINCO) ANOS DE IDADE E CONVIVÊNCIA COM A ADOTANTE NO MESMO PERÍODO – VÍNCULOS SÓCIO-AFETIVOS COMPROVADOS – MITIGAÇÃO DA OBSERVÂNCIA RÍGIDA AO SUPRACITADO CADASTRO – PREPONDERÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA – PRIORIDADE ABSOLUTA – SENTENÇA QUE INDEFERIU A ADOÇÃO – RECURSO PROVIDO.

  • O cadastro de adoção se destina a dar maior agilidade e segurança ao processo de adoção, uma vez que permitem averiguar previamente o cumprimento dos requisitos legais pelo adotante, bem como traçar um perfil em torno de suas expectativas. Evita influências outras, negativas ou não, que, por vezes, levam à sempre indesejada “adoção à brasileira”.
  • Todavia, deve-se ter em mente sempre o melhor interesse da criança. É certo que existem casos, excepcionais, em que se mitiga a habilitação dos adotantes no competente cadastro para o deferimento do pedido de adoção, possibilitando a chamada adoção direta ou ‘intuito personae’.
  • Retirar uma criança com 05 (cinco) anos de idade do seio da família substituta, que hoje também é a sua, e lhe privar, inclusive, da convivência com seus 02 (dois) irmãos biológicos, sob o pretexto de coibir a adoção direta, é medida extremamente prejudicial. O menor poderá ser exposto a grande instabilidade emocional, em face de uma brusca mudança.
  • A retirada do infante da casa de sua guardiã após o transcurso de longo período de convivência e constatada a formação de fortes laços de afetividade, não se mostra recomendável, pois certamente resultará em traumas e frustrações para o menor, com prejuízo ao seu ideal desenvolvimento, inserido que está como verdadeiro membro daquele núcleo familiar. (TJMG – Apelação Cível 1.0194.12.006162-8/002, Relator(a): Des.(a) Hilda Teixeira da Costa, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/01/2015, publicação da súmula em 04/02/2015)

 É notório que a adoção intuiutu personae traz grandes benefícios à criança ou adolescente, ao permitir que os pais biológicos entreguem seus filhos a uma família conhecida, provocando-lhes uma sensação de conforto.

Ainda assim a sociedade detém um preconceito acerca das pessoas que entregam seus filhos à adoção, considerando-as seres indignos. A despeito do assunto, Maria Berenice Dias já dizia:

Não se reconhece o direito de a mãe eleger a quem dar o filho à adoção, sem atentar que este é o maior gesto de amor que existe: sabendo que não poderá cria-lo, renunciar ao filho, para assegurar-lhe uma vida melhor da que pode lhe propiciar, é atitude que só o amor justifica! (Dias, Maria Berenice, 2016: 808,809)

Contudo, o Brasil lamentavelmente segue a cultura da “adoção às avessas” onde há a escolha de uma modelo de criança para à família, ou seja, a criança ou adolescente tem que estar de acordo com os requisitos que a família deseja, priorizando “o melhor interesse dos adotantes”.

3   Adoção de Maiores

Ao ouvir falar sobre adoção, grande parte dos casos remete-se a adoção de menores, mas no Brasil também é permitida a adoção de maiores de idade.

Entretanto, há o seguimento de regras diferentes. Deve-se ressaltar que antes de nosso vigente Código Civil, este tipo de adoção se fazia por mera escritura pública, e após janeiro de 2003, objetivando o domínio jurisdicional, passou-se a exigir sentença constitutiva.

Nesse sentido, a adoção dos maiores de idade constitui uma relação legal de pais e filhos e estabelece direitos de herança e compromissos legais.

Ademais, além de formalizar a relação de pai de nascimento (caso isso não tenha sido feito logo que a pessoa nasceu) ela também edifica o relacionamento de padrastos e madrastas com enteados, além de gerar uma conexão simbólica permanente entre adotante e adotado. Portanto, o Código Civil dispõe claramente sobre:

Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRASIL, 2002)

A CF/88 consagrou um princípio demasiado importante para o Direito das Famílias, conhecido como o princípio da igualdade de filiação:

CF/88 Art. 227. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988)

Existem divergências doutrinárias acerca do tema, alegando algumas que, a adoção tem como função principal, ou ainda única, o exercício do poder familiar designado a alguém, sendo desnecessário aos maiores. Entretanto, tal fato sobre adotar maiores produz diversos efeitos personalíssimos, como o fim dos vínculos jurídicos entre o adotado e a sua família anterior; impedimentos matrimoniais; e, ainda, em alguns casos, a alteração do nome do adotado.

De modo geral, a jurisprudência brasileira entende que se trata de uma ação legítima e de valor significativo para os participantes em lide, conforme preceitua o seguinte julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. ADOÇÃO DE PESSOA MAIOR E CAPAZ. PEDIDO FORMULADO POR ADOTANTE E ADOTANDA. SENTENÇA        DE        IMPROCEDÊNCIA.        IRRESIGNAÇÃO       DAS

REQUERENTES. Guarda concedida à primeira requerente desde os sete anos de idade da adotanda, ante o óbito de seus pais biológicos. Documentos acostados aos autos que comprovam o vínculo socioafetivo. Inexistência de óbice para o pedido de adoção, tendo em vista que formulado por adotante e adotanda, a qual tinha 22 anos quando ajuizada a presente demanda. Reconhecimento da maternidade socioafetiva que não afasta a maternidade biológica. Precedentes do STJ. Relevância do tema reconhecida pelo STF, que, em recente julgado, admitiu expressamente a possibilidade jurídica da pluralidade de vínculos familiares, reconhecendo a multiparentalidade – RE 898.060/SC. Pedidos que devem ser julgados procedentes, declarando-se a maternidade socioafetiva da primeira requerente, Rosana de Albuquerque Xavier, em relação à segunda, Beatriz Xavier Gomes, determinando-se a inclusão dos dados qualificativos da mãe socioafetiva no registro civil da adotada, sem exclusão dos dados da mãe biológica. (REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO A QUE SE  DÁ  PROVIMENTO.  0128515-55.2017.8.19.0001  –  APELAÇÃO  –  1ª

Ementa. Des(a). JOSÉ ACIR LESSA GIORDANI – Julgamento: 30/01/2018 – DÉCIMA. SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)

Em síntese, após o transitado em julgado, o adotado terá seu registro original cancelado e um novo será remetido constando a nova filiação com o sobrenome modificado. Oportunamente lembra-se que diferentemente da adoção de menores, este procedimento é de caráter voluntario, que independe do afastamento prévio do poder familiar.

4   Adoção por Estrangeiros

 Na antiguidade o instituto da adoção estava relacionado às crenças primitivas e conservadoras da época, sendo exigido a existência de filhos como um dos requisitos principais para a construção familiar.

Além disso, no decorrer da história, com a Segunda Guerra Mundial – que foi um fator preponderante para impulsionar a evolução social – manifestou-se uma nova visão sobre o instituto da adoção internacional. Milhares de crianças foram atingidas duramente por conta das consequências do conflito, tornando-se órfãs e quando sobreviviam, eram poucas as chances de viverem novamente em um âmbito familiar.

Em função desses fenômenos ocasionados pelas revoluções, houve a necessidade de o  Estado  implementar leis  específicas  regulamentando  a adoção, sendo esse ato estatal, o responsável pelo surgimento de novas espécies de adoção, incluindo a adoção feita por estrangeiros.

Desse modo, sobreveio a necessidade de os países criarem acordos internacionais para desenvolverem normatizações e proteções relacionadas a matéria.

Um dos exemplos dessa relação interpessoal entre os países foi a Convenção de Haia de 1993, que possui o objetivo de criar proteção jurídica das crianças e dos adolescentes e impulsionar a cooperação entre países, no que se refere à adoção internacional.

Além disso, a Convenção de Haia se tornou um meio para estabelecer comunicação entre os países ao se tratar de adoção, verifica-se no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual o pretendente possui residência habitual em país-parte da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, promulgada pelo Decreto no 3.087, de 21 junho de 1999, e deseja adotar criança em outro país-parte da Convenção. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

O Brasil como um Estado democrático de direito, prioriza a liberdade dos adotantes a partir das leis positivadas no ordenamento jurídico vigente, garantindo o direito das crianças e dos adolescentes a se reintegrarem em uma família e se desenvolverem de forma saudável em um âmbito afetivo.

Ademais, o rol de arranjos familiares concebidos pós Constituição de 1988 reforçou ainda mais a ideia da adoção, tendo em vista a impossibilidade de procriação encontrada em diversas espécies de famílias. A consequência dessa realidade foi uma maior demanda pelos processos de adoção.

Porém, nota-se que os adotantes nem sempre se simpatizam pelas crianças ou adolescentes disponíveis para adoção por uma questão de perfil preferencial, ou desistem da adoção por causa da burocracia aliada à sobrecarga processual. Por essa razão, acabam por buscar alternativas com objetivo de adotar uma criança ou adolescente conforme as peculiaridades dos adotantes, chegando ao ponto de fazerem adoções de crianças ou adolescentes originados de outro país.

Tal modalidade é reconhecida pelo Estado brasileiro em função das principiologias e alicerces normativos. Por esse motivo o território brasileiro ampara as pessoas nesse processo, como um meio alternativo de efetivar o direito à liberdade e o direito das crianças ou adolescentes a serem incluídos em um lar familiar, sendo fundamental para o desenvolvimento social de forma saudável.

Observando as convenções e tratados internacionais relacionados com a matéria, a adoção internacional deve ser realizada por adotante e adotados que residem fora do país de origem. De acordo com atual Código Civil:

Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no Artigo 2° da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo no1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto n° 3.087, de 21 de junho de 1999.(Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)

Preenchidos todos os requisitos legais, o Brasil deve permitir e estimular a adoção internacional como meio de positivar o direito das crianças e adolescentes a terem uma família. É inegável que o Estado deva fiscalizar de forma árdua e efetiva este processo, sendo norteado, principalmente, pelos princípios da dignidade da pessoa humana e o do melhor interesse da criança, evitando qualquer tipo de irregularidade processual. Nesse contexto, é válido destacar o julgado a seguir:

ADOÇÃO – Disputa com estrangeiros – Prevalência do interesse do menor. Adoção de criança brasileira por estrangeiro – Caráter supletivo – Interesse do menor – Prioridade. O Estatuto da Criança e do Adolescente não faz discriminação entre brasileiros e estrangeiros. O que a lei quer é que se dê supremacia à criança ou ao adolescente, seu bem-estar, seus direitos, dignidade, convivência familiar etc., e, estando brasileiros e estrangeiros nas mesmas condições,sendo ambos convenientes à criança ou ao adolescente, deve-se preferir o brasileiro ao estrangeiro. Se, porém, as condições oferecidas pelo casal estrangeiro forem melhores e trouxerem vantagens ao menor, a medida excepcional deve ser aplicada. TJMG, 4ªC., Ag. 22.528-4, rel. Des. Alves de Melo, j. 2.4.92, (Minas Gerais II 5.12.92, p.1, ementa oficial).

A adoção internacional, além de conceder aos novos arranjos familiares a oportunidade de poderem se responsabilizar por uma criança ou adolescente, também é usada como um meio de proteção jurídica dos vulneráveis em questão, evitando o contrabando desses, tendo em vista a existência do banco de registros de crianças ou adolescentes órfãos, além das normas pactuadas na Convenção de Haia.

A instituição da adoção por estrangeiros é um mecanismo de grande importância para a proteção jurídica no aspecto internacional, criando uma cooperação entre os países e estimulando-os à efetivação dos direitos das crianças e adolescentes. Estes indivíduos necessitam de amparo por parte do Estado, sendo derramado as virtudes norteadas pelo amor e o respeito, pois, quando estiverem capazes de exercerem seus direitos no âmbito civil, serão eles os titulares da democracia.

5   Adoção à Brasileira

 De início, o método que viola os procedimentos judiciais e os trâmites legais do processo de adoção é conhecido, popular e até mesmo doutrinalmente, como “adoção à brasileira”.

Para Maria Berenice Dias, este tipo de adoção ocorre quando “o companheiro de uma mulher perfilhar o filho dela, simplesmente registrando a criança como se fosse seu descendente” (DIAS, 2005, p. 435).

Observa-se que este tipo de perfilhação é uma forma ilegítima de se realizar o almejado sonho de construir uma família, inobservando os dispositivos do Código Penal, que por sua vez, expressam taxativamente como crime tal conduta em seus artigos.

Prevê o artigo 242 do Código Penal que:

Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil. Pena – reclusão, de dois a seis anos. Parágrafo único – Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. (BRASIL, 1940).

Destaca-se também o artigo 297 do mesmo código, “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.” (BRASIL, 1940).

Contemplando o cenário da adoção, a tentativa de enganar uma etapa necessária (que se faz por meio de uma ação judicial), acaba por tornar o que, teoricamente seria menos custoso, em uma forma mais embaraçada e incoerente.

Cumpre salientar, que as pessoas em geral ignoram o fato de a mãe biológica pode ter o direito de reassumir a criança, uma vez que, apresentado exame em DNA, comprova o vício da adoção, o que pode acarretar, inclusive, na retirar do adotado do convívio no qual encontra-se inserido. De antemão, para não deixar dúvidas referente ao tema, Cleber Masson estabelece que:

Esta conduta é conhecida como “adoção à brasileira”, em razão de tratar-se de atividade comum no território nacional, quase uma criação pátria, no mais das vezes cometidas por pessoas que buscam auxiliar amigos, parentes ou mesmo estranhos que não têm condições para cuidar do próprio filho, ou então para em conjunto criar, como se também seu filho fosse, o descendente de seu cônjuge ou companheiro. (MASSON, 2013)

5.1 Adoção à brasileira x Socioafetividade

Muito embora este tipo de adoção se perfaça de forma ilícita, tanto o Código Civil, quanto a jurisprudência brasileira, têm reconhecido os vínculos de pais e filhos seguindo os princípios da afetividade e do melhor interesse da criança.

Nesse sentido, após o registro voluntário por parte do adotante, observa-se sentenças na direção de se tornar esta prática irrevogável. Inclusive, o professor Flávio Tartuce defende que

… a jurisprudência nacional tem aplicado o conceito de parentalidade socioafetiva em tais situações, de modo que aquele que reconheceu a criança como seu filho não possa mais quebrar esse vínculo depois de estabelecida a afetividade, o que comporta análise caso a caso” (TARTUCE, 2019).

Desta forma, a modalidade de adoção intuito personae não é totalmente rejeitado em nosso ordenamento jurídico, considerando os princípios supracitados no início deste item de forma relevante para determinados julgados. Segue processo transcrito:

APELAÇÃO CÍVEL – ADOÇÃO CONSENSUAL – VINCULOS DE AFINIDADE E AFETIVIDADE INEXISTENTES – ART. 50, § 13, II DO ECA – MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA –  SENTENÇA  MANTIDA.  PRECEDENTE   DO

STJ. – “(. . .) A observância do cadastro de adotantes, vale dizer, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de 13 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: 13 de julho de 1990 existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro; (…) (STJ – REsp 1172067/MG RECURSO ESPECIAL 2009/0052962-4 Relator (a) Ministro MASSAMI UYEDA (1129)

Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 18/03/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 14/04/2010). APELAÇÃO NÃO PROVIDA.(TJ- PR 8285636 PR 828563-6 (Acórdão), Relator: Gamaliel Seme Scaff, Data de Julgamento: 14/03/2012, 11ª Câmara Cível)

De igual forma, destaca-se também a prevalência de ações mantendo o vínculo afetivo produzido por meio deste tipo de adoção:

Ação negatória de paternidade. Adoção “à brasileira”. Paternidade Socioafetiva. O registro de nascimento realizado com o ânimo nobre de reconhecer a paternidade socioafetiva não merece ser anulado, nem deixado de se reconhecer o direito do filho assim registrado”. (TJRS, 00502131NRO- PROC70003587250, Rio Grande, 8.ª Câmara Cível, Rel. Rui Portanova, 21.03.2002)

Em consonância aos dispositivos apresentados, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou procedente o pedido de filiação “à brasileira”, conforme apelação transcrita abaixo:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO ‘INTUITU PERSONAE’ – ENTREGA DA CRIANÇA LOGO APÓS O NASCIMENTO – GUARDA DEFINITIVA – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE MÁ-FÉ – NÃO INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE PRETENDENTES À ADOÇÃO – CRIANÇA COM 05 (CINCO) ANOS DE IDADE E CONVIVÊNCIA COM A ADOTANTE NO MESMO PERÍODO – VÍNCULOS SÓCIO-AFETIVOS COMPROVADOS – MITIGAÇÃO DA OBSERVÂNCIA RÍGIDA AO SUPRACITADO CADASTRO – PREPONDERÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA – PRIORIDADE ABSOLUTA – SENTENÇA QUE INDEFERIU A ADOÇÃO – RECURSO                          PROVIDO.

  • O cadastro de adoção se destina a dar maior agilidade e segurança ao processo de adoção, uma vez que permitem averiguar previamente o cumprimento dos requisitos legais pelo adotante, bem como traçar um perfil em torno de suas expectativas. Evita influências outras, negativas ou não, que, por vezes, levam à sempre indesejada “adoção à brasileira”.
  • Todavia, deve-se ter em mente sempre o melhor interesse da criança. É certo que existem casos, excepcionais, em que se mitiga a habilitação dos adotantes no competente cadastro para o deferimento do pedido de adoção, possibilitando a chamada adoção direta ou ‘intuito personae’.
  • Retirar uma criança com 05 (cinco) anos de idade do seio da família substituta, que hoje também é a sua, e lhe privar, inclusive, da convivência com seus 02 (dois) irmãos biológicos, sob o pretexto de coibir a adoção direta, é medida extremamente prejudicial. O menor poderá ser exposto a grande instabilidade emocional, em face de uma brusca mudança.
  • A retirada do infante da casa de sua guardiã após o transcurso de longo período de convivência e constatada a formação de fortes laços de efetividade, não se mostra recomendável, pois certamente resultará em traumas e frustrações para o menor, com prejuízo ao seu ideal desenvolvimento, inserido que está como verdadeiro membro daquele núcleo familiar. (TJMG – Apelação Cível 1.0194 12.006162-8/002, Relator(a): Des.(a) Hilda Teixeira da Costa , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/01/2015, publicação da súmula em 02.2015)

Diante do exposto, diga-se de passagem, imensamente delicado, as decisões judiciais vêm trilhando o caminho do afeto, visto que no Brasil, os pedidos de revogação de paternidade, em regra, não são deferidos pelos tribunais, ainda que adotados de forma irregular. Os pais adotivos, frequentemente, permanecem com a guarda do filho em lide, incidindo, por isso, o art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê a irrevogabilidade da adoção, bem como o artigo 1.609 do Código Civil, que determina que o reconhecimento voluntário de filiação é irreversível.

Referente a adoção ilegal, também conhecida como “à brasileira”, nota-se que, embora praticada por conduta ilícita positivada no código penal, na verdade, quando caracterizada por motivo nobre, os magistrados têm desprendido o perdão judicial, distinguindo desta forma as práticas de más intenções das que visam apenas o bem da criança, desconhecendo, na maioria das vezes, o seu caráter ilícito.

6   Considerações Finais

 Historicamente, o instituto da adoção passou por várias reviravoltas de acordo com cada momento que esteve presente na sociedade. Como visto, para cada época a adoção tinha determinada finalidade, mas o que de fato nos interessa é questionar o verdadeiro desígnio desse instituto na sociedade contemporânea.

A promulgação da Lei Nacional da Adoção, de 2009, redimensionou esse assunto trazendo uma considerável transformação conceitual e procedimental, com consequências positivas e negativas sobre a matéria.

Umas das alterações mais significativas foi a extinção, exceto em alguns casos, da adoção consensual (intuitu personae), na qual a mãe poderia entregar a criança para pessoas que ela livremente escolhesse, objetivando cessar com as práticas ilícitas de adoção, como por exemplo a adoção “à brasileira”.

Além da proibição da adoção consentida, a lei referenciada estabeleceu também a possibilidade de maiores de 12 anos opinarem no processo, dando liberdade ao menor adotado de manifestar sua vontade.

Outra relevante novidade foi a de que qualquer pessoa maior de 18 anos (obedecendo os requisitos legais) pode dar entrada em um processo de adoção. Ademais, a Lei 12.010/2009 preocupou-se em estabelecer requisitos rígidos para o processo de adoção internacional, visando sempre a segurança e o bem-estar das crianças e adolescentes, promovendo ao máximo o melhor interesse do adotado.

Nessa vertente, foram expostas, em apertada síntese, as modalidades da adoção, assim como, a evolução legislativa sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro.

Observou-se então que a adoção foi uma conquista que passou por diversos contratempos, sendo pacífica somente no mundo atual. Por esse motivo, atualmente, o instituto é tratado com muita seriedade, sobretudo com os olhos totalmente voltados ao adotado, a fim de assegurar à criança e ao adolescente um lar adequado para a sua formação social.

César Fiuza, como entusiasta da tese da afetividade como vínculo que deve ser levado em conta, de forma relevante, em sensatas palavras descreve “[…] se a adoção antes tinha o objetivo precípuo de dar um filho quem não tinha, hoje seu objetivo é, acima de qualquer outro, dar um lar a quem não tem.” (FIUZA, 2010, p. 1006).

REFERÊNCIAS

 A ADOÇÃO NO BRASIL: ALGUMAS REFLEXÕES. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v10n2/v10n2a05.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2019.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

Brasília,1988. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 26 jun. 2019.

                    . DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código

Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto- lei/Del2848compilado.htm>. Brasília, 1940. Acesso em: 27 jun. 2019.

                      . LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 26 jun. 2019.

                      . LEI Nº 12.010, DE 3 DE AGOSTO DE 2009. Lei Nacional da Adoção. Brasília, 2009. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/lei/l12010.htm>. Acesso em: 26 jun. 2019.

                      . LEI Nº 13.509, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2017. Brasília, 2017.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2017/lei/L13509.htm>. Acesso: 26 jun. 2019.

                      . LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 26 jun. 2019.

COMO FAZER ADOÇÃO DE MAIOR DE IDADE?. São Paulo, 2018. Disponível em <

http://trasmonteadvocacia.com.br/como-fazer-a-adocao-de-maior-de-idade/>. Acesso em: 27 jun. 2019.

CUNHA, Tainara Mendes. A evolução histórica do instituto da adoção. Conteúdo Jurídico, Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/? artigos&ver=2.34641&seo=1>. Acesso em: 27 jun. 2019.

DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo Código Civil. Edição 4ª. São Paulo: Del Rey, 2005.

                         . Manual de Direito das Famílias. Edição 11ª. São Paulo: Afilhada, 2016.

EDIGNTON, Doracy Costa Vianna. DA IMPOSSIBILIDADE DA REVOGAÇÃO DA

ADOÇÃO À BRASILEIRA. Brasília, 2006. Disponível em <https://repositorio.ucb.br/ jspui/bitstream/10869/3148/2/Doracy%20Costa%20Vianna%20Edington.pdf> Acesso em: 27 jun. 2019.

FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. Edição 14ª. São Paulo: Del Rey, 2010.

                         . Direito Civil: Curso completo. Edição 2ª. São Paulo: Afilhada, 2016.

LIMA, Fernanda da Silva; DOMBROWSKI, Carolina. A ADOÇÃO IRREGULAR NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.,

Rio Grande, 2011. Disponível em :<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10591>. Acesso 27 jun. 2019.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Especial. Edição 3ª. São Paulo: Método, 2013.

OLIVEIRA, Claudio Gomes de. ADOÇÃO Intuitu Personae: a Prevalência do Afeto. 2016. Revista Síntese: Direito de Família. São Paulo, 2016. Vol. 97. P. 68-74. Ago- Set. 2016.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Famílias. Edição 14ª. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

Notas:

1 Pós-Doutoranda, Phd Doutora com distinção “cum laude” e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG; Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/IAVM; Pós-Graduanda em Moderna Educação: Metodologias, Tendências e foco no aluno, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS; Professora Adjunta da Faculdade de Minas – FAMINAS/BH; Professora Adjunta do Centro Universitário UNA de Belo Horizonte/MG; Associada Titular do Instituto Brasileiro de Estudos em Responsabilidade Civil – IBERC; Associada Titular da Associação Mineira de Professores de Direito Civil – AMPDIC; Coordenadora de Diretoria de Articulação Política e Social do Instituto Abolicionista Animal – IAA; Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/MG; Autora Jusanimalista; Consultora Jurídica; Advogada, Sócia Proprietária do Escritório de Advocacia BCAP – Burmann, Carvalho, Amorim e Paulino Sociedade de Advogados.

 

2 Graduandos do Curso de Direito, do Centro Universitário UNA, Belo Horizonte – Unidade Barreiro.

 

Palavras Chaves

Adoção. Famílias. Ordenamento Jurídico. Sociedade.