ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS PROPOSTAS DE REFORMA TRIBUTÁRIA

Resumo

As reformas tributárias atualmente em discussão no congresso nacional revelam um consenso da necessidade de modificar o sistema tributário nacional, corrigindo injustiças fiscais e simplificando o sistema mais complexo do mundo em especial no que diz respeito a tributação sobre o consumo. Em geral, as propostas em tramite têm sido abordadas como equivalentes, mas uma análise mais detida do conteúdo de cada uma revela que a decisão do constituinte sobre este aspecto implica em diferentes efeitos no mundo jurídico que podem ou não atingir os objetivos almejados com a realização da reforma. Diante desta dubiedade, o presente estudo apresenta uma análise individual comparativa entre as propostas, através da pesquisa documental dos textos aprovados pelas casas do congresso nacional, contextualizando com as bibliografias sobre o tema. Ao final, pretende-se trazer luz aos possíveis efeitos jurídicos decorrentes da adoção de uma ou outra proposta e os aspectos em que as propostas sem confrontam e se complementam.

Artigo

ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS PROPOSTAS DE REFORMA TRIBUTÁRIA

André Vinícius Ferreira de Castro*

 

RESUMO

As reformas tributárias atualmente em discussão no congresso nacional revelam um consenso da necessidade de modificar o sistema tributário nacional, corrigindo injustiças fiscais e simplificando o sistema mais complexo do mundo em especial no que diz respeito a tributação sobre o consumo. Em geral, as propostas em tramite têm sido abordadas como equivalentes, mas uma análise mais detida do conteúdo de cada uma revela que a decisão do constituinte sobre este aspecto implica em diferentes efeitos no mundo jurídico que podem ou não atingir os objetivos almejados com a realização da reforma. Diante desta dubiedade, o presente estudo apresenta uma análise individual comparativa entre as propostas, através da pesquisa documental dos textos aprovados pelas casas do congresso nacional, contextualizando com as bibliografias sobre o tema. Ao final, pretende-se trazer luz aos possíveis efeitos jurídicos decorrentes da adoção de uma ou outra proposta e os aspectos em que as propostas sem confrontam e se complementam.

Palavras-chave: Reforma Tributária. PEC n.°45/19. PEC n.°110/19.

INTRODUÇÃO

A reforma tributária é, de longa data, um tema recorrente na política nacional, sendo certo que diversos governos já tentaram em algum grau reformar o sistema tributário, encontrando resistência ora por intervenções dos fatores reais de poder operantes na sociedade, ora por resistências parlamentares diante da ineficiência das reformas propostas[1].

Atualmente diante da maior politização da sociedade brasileira o tema das reformas tem sido recorrente no debate nacional, elevando o interesse político na aprovação de diferentes reformas, tais como a tributária e a administrativa, na esteira do que ocorreu com a recentemente aprovada reforma previdenciária.

O presente estudo versa sobre as atuais Propostas de Emenda Constitucional (PEC) atualmente em deliberação no Congresso Nacional, partindo-se de uma análise de seus elementos centrais. Não se pretende, contudo, esgotar o tema, ou julgar em qualquer medida as propostas, tarefa que compete ao constituinte derivado, mas estabelecer um debate sobre as diferentes propostas, corriqueiramente tratadas como equivalentes.

* Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural. Pós-graduando em Direito e Planejamento Tributário pela Universidade Estácio de Sá. Advogado. Mentorado do Projeto de Mentoria da OAB-RJ. E-mail: [email protected].

Para tanto se realizou uma análise e comparação do texto da PEC n.°45/19 aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e do texto substitutivo apresentado pelo relator da PEC n.°110/19 na CCJ do Senado Federal e aprovado por aquela comissão após receber mais de cento e trinte emendas[2].

Tal análise foi contextualizada com o cenário político atual, dados econômicos e tributários sobre o Brasil e a revisão bibliográfica das valiosas lições da doutrina nacional. Tudo isso, a fim de esclarecer os efeitos jurídicos da adoção de uma ou outra proposta nas relações do contribuinte com o poder público e dos próprios entes Federados entre si.

A comparação só é possível pela existência de pontos de contato em ambas as reformas como: a substituição de diversos tributos por um imposto de valor agregado e a pretensão explícita de simplificar o sistema tributário mantendo o nível atual da carga tributária e garantido, em certa medida, a arrecadação atual dos entes Federados.

A PEC N.°45/2019

A proposta de Emenda Constitucional n.°45/2019 tem como objeto a reforma do sistema tributário visando a simplificação do mesmo através da substituição de cinco tributos hoje existentes – Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Imposto sobre operações relativas a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza (ISS) – por um único imposto com característica de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além da criação de um novo tributo denominado Imposto Seletivo (IS) de característica essencialmente extrafiscal[3].

Para tanto, como não poderia deixar de ser, a referida proposta altera dispositivos constitucionais. Entretanto, não cabe uma avaliação específica de cada dispositivo alterado, haja vista que tal avaliação qualitativa já foi realizada na justificativa da PEC apresentada[4].

O IBS é criado através da inclusão do art.152-A na Constituição Federal que prevê a criação, por lei complementar, de um único imposto de competência da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Além de ser criado por lei federal complementar, o que uniformiza a regulamentação do tributo em todo território nacional, o §1°, II do dispositivo veda que o tributo seja regulado por qualquer outra lei que não a Lei Complementar que o cria. Desta forma obriga que toda alteração legislativa sobre o tributo ocorra em um único texto legal, no claro intuito de simplificar a legislação tributária.

Resta claro também o intuito de acabar com a conhecida “guerra fiscal[5]” ao passo que o §1°, IV do dispositivo veda a concessão de quaisquer benefícios que de qualquer forma “resulte direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação das alíquotas nominais”. Conjugando os dispositivos, nem o Congresso Nacional poderia conceder qualquer benefício tributário, exclusivamente sobre o IBS, tão pouco os Estados que não tem competência legislativa para tanto.

A única exceção, e indispensável exceção, está prevista no §9° do dispositivo, que prevê a possibilidade da devolução de parte do IBS recolhido de famílias de baixa renda através de mecanismos de transferência de renda.

Quanto às hipóteses de incidência o dispositivo resolve diversas controvérsias sobre a tributação de bens digitais ao prever, no §1°, I, a incidência do IBS sobre bens intangíveis ou cessão e licenciamento de direitos, entre outros.

O IBS proposto será não-cumulativo (§1°, III) e não incidirá nas exportações (§1°, V), abrindo possibilidade para compensação dos valores já pagos em momento anterior da cadeia de consumo/produção com os valores devidos no momento da operação, assegurados os créditos tributários nos serviços destinados as exportações.

Também incidirá no destino (§3°, I e II) e o imposto será devido ao ente do local de destino da mercadoria, substituindo a dinâmica atual de regime misto com ICMS cobrado na origem e destino que é causa de diversos litígios envolvendo contribuintes e entes federados. Dessa forma também simplifica a administração tributária acabando com o ICMS interestadual e suas compensações e trocas entre Estados.

No que diz respeito ao exercício da competência de todos os entes da federação, por sua vez, caberá a definição da alíquota de sua parte do imposto (§2°). Assim, caberá à União fixar uma alíquota, aos Estados-membros outra alíquota e aos Municípios uma terceira alíquota que somadas serão a alíquota “total” do novo imposto.

Ainda, o §1°, VI do dispositivo em comento determina que o imposto terá uma alíquota uniforme, seja para bens tangíveis ou intangíveis, serviços e direitos, podendo variar, tão somente, em razão do local onde se dá a tributação.

Em outras palavras, não há alíquotas diferentes em razão da essencialidade de um produto ou de características específicas de um serviço, no entanto, em razão da competência de cada ente fixar sua própria alíquota haverá uma diferença de alíquotas para cada local.

A alíquota do IBS pertencente a União será a mesma para todo o território nacional, para todas as hipóteses de incidência a que se apliquem. Por sua vez cada Estado poderá fixar uma alíquota diferente que terá validade em todo seu território, o mesmo vale para os Municípios:

Se, por exemplo, a alíquota federal do IBS for 7%, a alíquota do Estado de São Paulo for 11% e a alíquota do município de Campinas for 2%, as vendas em Campinas e para Campinas sofrerão a incidência do IBS à alíquota de 20%[6].

Complementando o exemplo supracitado, caso a alíquota fixada pelo Município de São Paulo seja de 5% a alíquota do IBS para as vendas naquele município serão de 23%. Ainda, se o Estado do Rio de Janeiro fixa sua alíquota em 13% e o Município do Rio de Janeiro fixa sua alíquota em 3% as vendas naquele município serão os mesmos 23%, variando apenas a repartição dos valores arrecadados.

Muito embora sejam diversas as alíquotas que compõe o que chamamos de alíquota final do imposto para o consumidor ou responsável tributário haverá a percepção de uma única alíquota, pois o imposto será integralmente recolhido ao “Comitê Gestor Nacional do IBS”, órgão criado pelo §6° do dispositivo ao qual caberá a arrecadação (do contribuinte) e a repartição (entre os entes federativos), entre outras atribuições.

É na repartição dos valores arrecadados que há a maior complexidade na reforma tributária que se pretende introduzir através desta PEC. Isto pois há um mecanismo para manutenção da arrecadação dos entes federados destinado tanto à preservação da receita proveniente dos impostos substituídos quanto à preservação das despesas vinculadas[7] que estavam abrangidas por estes mesmos impostos.

Para a preservação da receita “total” dos impostos substituídos o Art.152-A, §2°, II previsto na PEC cria uma “alíquota de referência”, nos termos do, também inserido pela proposta, art.119 do ADCT. Em síntese, tal dispositivo versa que a alíquota de referência será fixada pelo Senado Federal através de estudo realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de modo a compensar os valores que seriam arrecadados pelos tributos substituídos.

Deste modo, alíquota de referência será aquela que garante a arrecadação do IBS em valor equivalente ao que era arrecadado por cada ente da federação através dos impostos substituídos, não implicando em diminuição da receita dos entes da federação tão pouco em aumento da carga tributária incidente sobre os contribuintes.

Para a preservação da receita vinculada dos impostos substituídos a PEC prevê a criação de “alíquotas singulares” para cada destinação específica de cada imposto substituído através da inserção dos arts. 159-A até 159-G à Constituição Federal.

O art.159-A, por exemplo, é formado por dez incisos e determina que a alíquota do IBS fixada pela União será formada pela soma das alíquotas singulares vinculadas à: I- seguridade social; II- financiamento do programa de seguro desemprego; III- financiamento de programas de desenvolvimento econômico; IV- fundo de participação dos Estados; V- fundo de participação dos Municípios; VI- programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; VII- transferência aos Estados proporcionalmente ao valor das exportações de produtos industrializados; VIII- manutenção de desenvolvimento do ensino; IX- ações e serviços públicos de saúde e; X- recursos não vinculados.

Usando o exemplo dos incisos II e III do dispositivo, apenas para ilustrar, tanto o financiamento do programa de seguro desemprego quanto o financiamento de programas de desenvolvimento econômico utilizam de recursos hoje provenientes da receita do PIS (60% e 40%, respectivamente) que no regime não cumulativo tem alíquota de 1,65% incidente sobre o total de receita auferida pelas pessoas jurídicas[8].

Poderíamos dizer, a grosso modo, que bastaria substituir a alíquota do PIS por duas alíquotas singulares de 0,99% e 0,66%, a primeira destinada ao programa de seguro desemprego e a segunda ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico. Contudo, isso é uma não verdade, pois outros fatores influenciam na formação das alíquotas singulares.

A hipótese de incidência, por exemplo, da atual PIS é o total da receita auferida pelas pessoas jurídicas no mês. No IBS a hipótese de incidência será a disposição de bens ou prestação de serviços e, assim, mudando a hipótese de incidência também há mudança na base de cálculo, razão pela qual a substituição das alíquotas proporcionalmente como sugerido acima não equivaleria efetivamente a carga tributária atual. O novo IBS também incide sobre novas atividades, como referimos ao tratar da inclusão do Art.152-A, §1°, I pela PEC. Portanto, para equalizar a alíquota e manter a carga tributária anterior há necessidade de cálculos que levem em conta o potencial arrecadatório do novo imposto.

A vista da necessidade de operar essa equivalência real da carga tributária, as alíquotas de referência criadas pelo Art.152-A, §2°, II deverão ser fixadas relativamente a cada uma das alíquotas singulares, compensando a arrecadação para cada uma das receitas específicas.

Portanto estamos falando em quatro “tipos” de alíquotas: a “alíquota total” do IBS é formada pela soma das “alíquotas parciais” dos entes da federação (União, Estados e Municípios), sendo que as próprias “alíquotas parciais” são formadas pela soma das alíquotas singulares para cada destinação específica hoje existente. As alíquotas de referência, por sua vez, servem como parâmetro para que a carga tributária com a adoção do novo imposto seja equivalente a carga tributária existente na vigência dos tributos substituídos.

Não obstante o exposto, não há nenhuma quebra do pacto federativo na fixação do novo imposto em sede federal, pois não é obrigatório que os entes da federação adotem a alíquota de referência. Os entes podem, a qualquer tempo, mudar suas alíquotas singulares, portanto, sua “alíquota parcial”. Exceto reduzir as alíquotas a percentual inferior às alíquotas de referência nos casos de transferência entre entes ou programas de desenvolvimento regionais (incisos IV à VII do art.159-A e inciso III do art.159-B) e aplicação em políticas de educação e saúde (incisos VIII e IX do art.159-A, incisos I e II do art.159-B e incisos I e II do art.159-C).

Tal previsão consta dos incisos I à IV do art.159-E incluído pela PEC e tem a notória destinação de evitar que, a pretexto de reduzir a carga tributária, um ente prejudique o repasse constitucionalmente determinado a outros entes ou destinado ao desenvolvimento regional ou, ainda, reduzam os valores mínimos a serem aplicados em políticas públicas de saúde e educação.

A modificação legislativa, embora possa parecer simples à primeira vista, revela dois grandes desafios estruturais. O primeiro, já exposto, diz respeito a substituição dos cinco impostos, como proposto, por alíquotas que componham um único imposto, mas que compensem equitativamente as receitas arrecadas pelos impostos substituídos.

O segundo, discorremos brevemente por não haver uma grande complexidade legislativa, mas detém uma grande dificuldade prática. Trata-se da substituição do modelo de tributação misto pela tributação no destino.

Para superar o primeiro desafio a proposta introduz os art.117 e 118 no ADCT que preveem um mecanismo gradual de substituição dos tributos onde nos dois primeiros anos a alíquota do IBS será de 1% autorizada a compensação com os valores devidos relativos à COFINS.

Isso permite que se faça uma estimativa do potencial de arrecadação do novo imposto para que o TCU tenha elementos mais concretos para estabelecer as alíquotas de referência[9].

Ato contínuo, do terceiro ao décimo ano as alíquotas de todos os tributos substituídos serão reduzidas em 1/8 (um oitavo) e as alíquotas de referência do IBS serão elevadas proporcionalmente para que a estimativa de receita do IBS seja equivalente, em termos de carga tributária, a fração reduzida dos tributos substituídos.

Após o décimo ano os tributos substituídos serão extintos (revogados) e o IBS estará consolidado como principal imposto sobre bens e serviços, mas, como veremos, não será o único tributo incidente sobre o consumo.

Para superar o segundo desafio a mudança é mais complexa e mais demorada. Está prevista no art.120, caput e inciso I do ADCT e aduz que nos primeiros 20 (vinte anos) de transição do regime, eventual redução de receita experimentada pelos Estados-membros e Municípios será compensada, repassando a eles a receita equivalente a esta redução, relativamente às alíquotas de referência corrigidas pela inflação.

Isso significa que se o Estado ou Município passar a arrecadar menos através do IBS do que arrecadava com o ICMS ou ISS a União irá repassar os valores equivalentes a diferença da arrecadação. Para tanto, considerará as arrecadações desses impostos nos anos anteriores e compensará com a desvalorização da moeda pela inflação.

O §2° do mesmo dispositivo prevê que nos trinta anos subsequentes a esse período inicial de 20 anos (totalizando 50 anos de transição) essa parcela de compensação da arrecadação será diminuída em 1/30 avos por ano, até que ao final de 50 anos não haverá mais compensações e os Estados e Municípios receberão apenas o valor arrecadado através de suas alíquotas singulares do IBS.

Vale dizer que, conforme previsto no art.120, II e §1° do ADCT, caso os Estados e Municípios decidam por elevar ou reduzir suas alíquotas, fixando-as em percentual diferente da alíquota de referência o valor recolhido com base na elevação ou redução das alíquotas será transferido para o ente diretamente, não se aplicando o mecanismo de compensações, permitindo que os entes gozem de plena autonomia fiscal.

Em outras palavras, a proposta impede que haja redução de arrecadação simplesmente pela implementação do novo imposto, mas não impede que os entes majorem ou diminuam suas alíquotas. Contudo, se assim o fizerem, o resultado dessa alteração de alíquotas na arrecadação do IBS (para maior ou menor) será inteiramente arcado pelo próprio ente.

Esse mecanismo resolve o problema da resistência as modificações do sistema tributário historicamente sustentado por alguns Estados-membros[10], que por serem grandes produtores de bens a tributação no destino diminuiria a arrecadação própria.

Por fim, a proposta ainda inclui, entre as competências da União (art.154, III), instituir mais um imposto sobre o consumo, de caráter seletivo e com finalidade estritamente extrafiscal, especificamente para desestimular o consumo de determinados bens.

Isto já ocorre por meio da elevação das alíquotas dos tributos incidentes sobre produtos de fumo e bebidas alcoólicas, o que não poderia ser feito através do IBS, uma vez que tem alíquota uniforme às suas hipóteses de incidência, justificando, pois, a criação deste Imposto Seletivo (IS).

A PEC N.°110/2019

A Proposta de Emenda Constitucional n.°110/2019 tem um objeto muito mais amplo que a PEC n.°45/2019, não focando exclusivamente na questão da tributação em si, mas estabelecendo algumas normas que tem impacto apenas reflexo na tributação, como a modificação pretendida no art.20 da CF para excluir os terrenos existentes em sedes de Municípios dos bens da União e garantir ao Estado do Maranhão participação na receita auferidas pelo Centro de Lançamento de Alcântara[11].

Também versa sobre situações específicas, como o regime aduaneiro especial ao Maranhão com a criação de uma “Zona de Processamento de Exportações do Maranhão” (art.116 do ADCT), disposição sobre participação em políticas de desenvolvimento regional, como garantidas para a região de MATOPIBA (Art.115 do ADCT) e tratamento diferenciado à Zona Franca de Manaus (art.15 da PEC).

No que nos interessa, ela altera o regime tributário extinguindo, criando e substituindo impostos, além de modificar a competência tributária para alguns, tanto sobre o patrimônio, quanto sobre a renda e o consumo.

Altera a competência tributária para o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), bem como a destinação dos recursos deste imposto, mantém a competência tributária do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), mas também altera a destinação dos recursos. Extingue a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) permitindo aumento de alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) que compense essa extinção.

Substitui o IPI, COFINS, PIS/PASEP, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Salário Educação, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) combustíveis, ICMS e ISS por três novos impostos, sendo dois deles Impostos sobre operações com Bens e Serviços (IBS) um de competência Federal e o outro Estadual e Municipal (Subnacional[12]) e um Imposto Seletivo (IS) de caráter essencialmente extrafiscal e de competência Federal.

De forma geral estas modificações visam uma simplificação do sistema tributário e uma otimização dos mecanismos de fiscalização, cobrança e arrecadação, como podemos ver melhor analisando as modificações que agrupamos por afinidade nos subitens abaixo.

Impostos de Competência do Município

A proposta altera a dinâmica de cobrança do IPTU suprimindo a palavra “predial” de sua previsão constitucional. Com isso o constituinte derivado pretende adotar um modelo de tributação do valor da terra, a fim de desonerar o valor da construção.

Revoga os atuais §§1° e 3° do art.156 da CF que trata da base cálculo e alíquota do IPTU e ITBI e inclui o §5° no mesmo dispositivo fixando competência para a Lei Complementar definir estas alíquotas mínimas e máximas, critérios para definição da base de cálculo e limites para concessão de benefícios fiscais.

Ainda, inclui o §6° ao dispositivo para permitir que a cobrança dos impostos seja feita pelos Estados mediante convênio com os Municípios.

A modificação pretendida possui uma lógica interna consistente ao passo que unifica a questão relativa à base de cálculo, alíquota e benefícios fiscais e uma Lei Complementar Federal, simplificando significativamente o sistema tributário nacional que contém mais de cinco mil e quinhentas legislações sobre esses tributos.

Tal simplificação tem como impacto direto viabilizar o previsto no §6°, permitindo que os Estados procedam a fiscalização e cobrança desses impostos mediante convênio com seus Municípios, medida que em muito beneficia municípios pequenos que não tem grande infraestrutura para realizar essa fiscalização.

Impostos transferidos aos Municípios

Como dito, a proposta modifica a dinâmica tributária relativa a dois impostos estaduais, o IPVA e o ITCMD. Primeiramente o IPVA passa a incidir sobre veículos automotores aquáticos e aéreos, mantendo a incidência sobre os veículos terrestres, na forma do art.155 caput da alteração pretendida.

Tal qual o IPTU e ITBI, passa a ter alíquotas mínimas e máximas fixadas por lei complementar (art.155, §6°, I), que disporá também sobre isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos a este imposto. A novidade fica a cargo da possibilidade de haverem alíquotas diferentes em função do tipo, valor, utilização e tempo de uso dos veículos (inciso II). O dispositivo ainda prevê uma hipótese de não incidência que beneficia a pesca artesanal, o transporte público de passageiros e populações indígenas e ribeirinhas (inciso III).

A maior modificação em relação a este imposto, no entanto, ocorre no art.158, III da CF que passa a prever o repasse integral dos valores recolhidos à título de IPVA para os Municípios, substituindo a previsão anterior onde o repasse era de apenas 50% (cinquenta por cento).

Novamente há uma pretensão explícita de simplificação do sistema tributário ao fixar a competência da Lei Complementar para fixar critérios de base de cálculo, alíquotas e benefícios fiscais, que trazer uma uniformidade para o assunto em caráter nacional.

Também prevê dois mecanismos de isonomia tributária. O primeiro para prever a incidência do imposto também sobre veículos aquáticos e aéreos que, em regra, são possuídos por cidadãos de melhor capacidade contributiva que os veículos terrestres, salvo nos casos que a própria constituição já estabelece não incidência.

O segundo mecanismo diz respeito a fixação da alíquota com base no tipo, valor, utilização e, principalmente, tempo de uso dos veículos, que permite uma desoneração de veículos mais antigos, em regra, possuídos por populações economicamente mais vulneráveis.

Vale anotar que a fiscalização, cobrança e arrecadação do IPVA ainda fica a cargo dos Estados, deixando claro a intenção do constituinte derivado de desonerar os Municípios de tais ônus, assim como o faz ao regular o IPTU e o ITBI supra analisados.

No que se refere ao ITCMD há deslocamento da competência tributária para União através da inserção do inciso IX ao art.153 do texto constitucional. Mas tal qual o IPVA a receita do imposto é destinada aos Municípios conforme a alteração introduzida no inciso VI do art.158 da CF.

Aqui vale a mesma observação feita em relação a desoneração dos Municípios do ônus de fiscalização, cobrança e arrecadação dos tributos, cabendo destacar que parte da receita será retida pela União para financiar essas atividades e que os Municípios poderão auxiliar a União, conforme previsões inseridas no art.153, §7°, II, a’ e b’ da CF.

Impostos sobre operações com Bens e Serviços

A maior complexidade da reforma tributária e também o seu ponto de contato com a reforma tributária pretendida pela PEC n.°45/2019 diz respeito às modificações na tributação sobre o consumo de bens e serviços.

Como já referido, a proposta prevê a criação de dois IBSs, sendo um de competência federal e outro de competência Subnacional, além do IS de competência Federal.

Muito embora existam de fato dois dispositivos destinados a regulação do IBS, eles são praticamente idênticos, mudando tão somente poucos detalhes um em relação ao outro, motivo pelo qual vamos tratar dos dois de forma conjunta, fazendo observações quando tratarmos de um ou outro especificamente.

O IBS é instituído por Lei Complementar. No caso específico do IBS Subnacional a Lei Complementar seguirá um rito especial, também introduzido pela PEC, que prevê a modificação do art.61 da CF para introduzir os §§3° e 4° que tratam da iniciativa de lei reservada à algumas autoridades e órgãos, além de exigir representação de pluralidade de Estados ou Municípios.

Será uniforme em todo o território nacional, naturalmente, tal previsão se encontra no disposto relativamente ao IBS Estadual (art.155-A, §1°, I) uma vez que o IBS Federal tem essa característica inata. Também é dotado de regulamentação única, através da referida Lei complementar, sendo vedada a adoção de Lei autônoma estadual, salvo se autorizado pela própria Lei Complementar.

Não integra sua própria base de cálculo, nem a de nem um outro imposto, nem outro imposto integra a base de cálculo dele e será não cumulativo. Tais previsões permitem que o valor pago pelo consumidor final seja exatamente proporcional ao tributo cobrado durante toda cadeia de consumo/produção.

Há previsão para compensação e aproveitamento de créditos imediatamente, independentemente de autorização do fisco e, não havendo compensação a se realizar, imediato e preferencial reembolso dos valores ao contribuinte. Relativamente ao IBS Federal a proposta ainda prevê (art.153, §6°, d’) a possibilidade de aproveitamento dos créditos das Contribuições Patronais (art.195, I, a’ da CF), se previsto na Lei complementar.

Também há um ampliamento das hipóteses de incidência do imposto para abranger operações com bens intangíveis, locações, algumas atividades financeiras e as importações.

O imposto terá uma alíquota padrão-residual, que será aplicada a todas as hipóteses de incidência que não contarem com alguma alíquota diferenciada estabelecida pela Lei Complementar que institui o tributo.

Não incide sobre exportações, movimentação de valores de natureza financeira ou prestação de serviço de comunicação de radiodifusão sonora e visual de recepção livre (art.153, §6°, IV e art.155-A, §1°, V). Não obstante não incidir sobre exportações ambas os dispositivos preveem a possibilidade de se estabelecer regime aduaneiro que favoreça as exportações (art.153, §6°, VII e art.155-A, §2°), o que deixa dúbia a aplicação de ambos os dispositivos.

Há vedação para que sejam concedidas isenções ou outros benefícios fiscais, salvo se estabelecido pela Lei Complementar e se tiverem por objeto alguns bens ou serviços previstos nas alíneas do Art.153, §6°, V no caso do IBS Federal e no  Art.155-A, §1°, VII no caso do IBS Subnacional, os bens e serviços são estritamente os mesmos, o que permite concluir que o rol é taxativo.

Neste rol são previstos itens básicos de consumo como alimentos, medicamentos, produtos de higiene pessoal, gás de cozinha para uso residencial e também alguns bens de incentivo à produção e investimentos, como biocombustíveis, produtos para pesquisa e desenvolvimento, cadeia produtiva da saúde e etc.

O IBS Subnacional caberá ao Estado e Município de destino dos bens e serviços, a proposta no entanto não impõe que o recolhimento seja feito de forma centralizada, mas abre essa opção, juntamente com duas outras, sendo uma a exigência do imposto na origem com repasse ao destino e a outra a utilização de câmara de compensação, a opção por um ou outro método caberá à Lei Complementar específica (art.155-A, §1°, VI).

O recolhimento do imposto devido nas transações cujos pagamentos sejam feitos em ambiente eletrônico devem ser recolhidos automaticamente com a liquidação do pagamento e disponibilização imediata do crédito. Se o pagamento se der por maneira diversa da eletrônica o tributo deve ser apurado pelo responsável pelo recolhimento.

O art.3° da PEC prevê um regime de transição dos tributos também passa por um período de adaptação de um ano onde será cobrada alíquota de 1% (um por cento) posteriormente compensada com os valores devidos à título de COFINS, muito embora não haja uma definição clara do constituinte em sua justificativa. Muito provavelmente o intuito é o mesmo que o da PEC n.°45/19, ou seja, fornecer maiores detalhes quanto ao potencial arrecadatório do tributo, permitindo a elaboração de cálculos para definição de sua alíquota.

A equalização dos níveis de tributação está prevista no art.4° da PEC que estabelece um período de transição de cinco anos e determina que ao final deste período as alíquotas do IBS Federal e do IS sejam fixadas de modo que a receita do IBS Federal somada a 80% (oitenta por cento) da receita IS deverá ser equivalente a arrecadação de todos os tributos substituídos em âmbito federal, IPI, IOF, PIS/PASEP, Salário Educação, COFINS e 71% (setenta e um porcento) da CIDE-combustíveis.

No mesmo sentido a alíquota do IBS Subnacional deve ser fixada de modo que a receita do IBS Subnacional somada à 20% (vinte por cento) da receita do IS seja equivalente a arrecadação do ICMS, ISS e 29% (vinte e nove por cento) da CIDE-combustíveis.

Após o período de testes do art.3° da PEC (ou seja, a partir do segundo exercício após a aprovação da PEC) as alíquotas do IBS e IS deverão ser fixadas e 1/5 (um quinto) do valor final estimado, sendo acrescidas de 1/5 por ano, até que no 6° exercício será aplicada integralmente. Concomitantemente, o valor das alíquotas dos tributos substituídos será reduzido a medida de 1/5 por ano.

No que se refere ao cálculo específico das alíquotas, a proposta delega tal previsão às Leis Complementares que regulam o IBS em âmbito Federal e Subnacional, cabendo à estas dispor sobre a substituição dos tributos pelo IBS, os instrumentos de aferição e manutenção da carga tributária e a forma pela qual poderão ser propostos os ajustes das alíquotas.

De uma forma geral, o tratamento da substituição destes tributos é todo delegado a Lei complementar. Não obstante, a PEC determina que as alterações de alíquotas feitas na forma estabelecida em Lei complementar não se submeterão ao Princípio da Anterioridade Anual (sem vedação de que se aplique a noventena). Ainda, determina a redução da alíquota do IBS Federal, proporcionalmente a eventual aumento de carga tributária do Imposto de Renda (IR), revelando mais um mecanismo de combate a regressividade.

O §5° deste mesmo dispositivo reitera que é vedado o aumento de carga tributária durante todo o período de transição, sendo certo que qualquer aumento de carga constatado deve ser compensado pela redução da carga em momento posterior.

Também durante o período de transição, o art.5° da PEC determina que os tributos IBS Federal, IBS Subnacional e IS tenham recolhimento unificado e sejam transferidos para cada ente respeitando a participação de cada um dos tributos substituídos na formação da alíquota dos novos tributos.

O §1° deste dispositivo, por sua vez, determina que os Entes deverão observar a vinculação de receita dos impostos substituídos quando do recebimento da receita do IBS, mantendo igual proporção de gastos relativos às despesas vinculadas. O §4° confere ao TCU atribuição para realizar os cálculos que permitam o exercício de todo disposto no art.5° da PEC.

Administração Tributária

Um outro ponto fora da curva nesta PEC diz respeito a inclusão do art.162-A na proposta para regular as administrações tributárias, dotando estes órgãos de autonomia administrativa, orçamentária e financeira, tal qual alguns outros órgãos como o Ministério Público e Defensoria Pública (art.127, §2° e art.134, §2°, respectivamente), sobretudo por incluir também as administrações tributárias Municipais.

O mais curioso é a previsão de vinculação da remuneração desses servidores ao teto do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e a nenhum outro, o que parece uma previsão em contrassenso a economicidade do orçamento público.

A administração do IBS Estadual e Municipal fica a cargo do conjunto das administrações tributárias do Estados e Municípios nos termos do art.155-B da proposta, complementado pelo art.162-A que prevê a criação do Comitê Gestor da Administração Tributária Subnacional, órgão, ao que tudo indica, que ficará responsável pela fiscalização, recolhimento e distribuição dos recursos do IBS dos Estados e Municípios.

Imposto sobre a renda

A modificação na tributação sobre a renda decorre essencialmente da extinção da CSLL e da modificação do regime de repasses do Imposto sobre a Renda (IR). A CSLL fica extinta desde logo na forma do art.19 da PEC. O art.7° da PEC prevê que parte da receita do IR será destinada ao financiamento da seguridade social.

Não há previsão expressa para alteração da alíquota do IR para compensar as perdas da extinção da CSLL, mas o constituinte prevê essa medida ao passo que determina que a arrecadação proveniente da CSLL deve ser somada a arrecadação do IR e, após, verificado o coeficiente que representa a participação da CSLL no todo.

Esse coeficiente será a percentagem vinculada do IR que deverá financiar a seguridade social a partir da adoção integral do novo regime (art.7°, II da PEC).

A ausência de determinação de compensação da CSLL com a alíquota do IR parece proposital, analisando a proposta de forma holística. Sobretudo pela análise do já citado art.4°, §2°, I da PEC e os §§1° e 2° do art.17. O primeiro dispositivo permite que o IBS Federal seja proporcionalmente reduzido caso haja elevação da carga tributária existente sobre a renda, lembrando que o §5° do art.4° veda qualquer elevação de carga tributária, impondo tal compensação.

Já o §1° do art.17 prevê que após dez anos contados da publicação da proposta (portanto, ainda durante o período de transição) o Senado deverá avaliar medidas que aumentem a tributação sobre o patrimônio e a renda e desonerem o consumo. Já o §2° do mesmo dispositivo determina que qualquer aumento de carga tributária deverá ser feito sobre renda e patrimônio, vedando expressamente que seja feito sobre o consumo.

Não obstante, a proposta não deixa claro se a compensação da arrecadação da CSLL deve operar sobre o IRPJ ou IR como um todo, distribuindo o ônus da operação também entre as pessoas físicas o que geraria um grau de injustiça fiscal ainda mais acentuado que o existente atualmente.

Além disso, a proposta posterga para dez anos após sua vigência a discussão sobre a reforma da tributação sobre a renda que deveria ser modificada desde logo para corrigir a disparidade da concentração de tributação sobre renda comparativamente a outros países[13] e para reestabelecer a faixa de isenção do IRPF que, devido aos efeitos da inflação, impõe cada vez mais tributação às camadas mais economicamente vulneráveis da população[14].

Repartição de receitas, fundos e vinculações

Naturalmente, com a extinção de diversos tributos também houve a extinção da repartição de receitas a eles vinculados. E com a criação de novos tributos, o estabelecimento de novos repasses.

Em relação aos Estados fica revogada a participação deles nos impostos previstos no art.154, I da CF, mas ganham 20% (vinte por cento) de participação no IS. Além disso terão direito a 65,59% (sessenta e cinco inteiros e cinquenta e nove centésimos por cento) do IBS Subnacional. Note-se que estas serão as únicas receitas de impostos estaduais, visto que o ITCMD e o IPVA foram transferidos para os Municípios.

Os Municípios perdem a participação no extinto ICMS prevista no art.158, IV da CF, mas todo o produto da arrecadação do IPVA e do ITCMD é destinado a eles. Além disso, tem participação de 34,41% (trinta e quatro inteiros e quarenta e um centésimos por cento) na arrecadação do IBS Subnacional.

Além dessas verbas há também repasses da União sobre seus tributos. A União deixa de entregar 49% (quarenta e nove por cento) da receita sobre IR e IPI na forma do atual inciso I do art.159 da CF e passa a entregar 40,83% (quarenta inteiros e oitenta e três centésimos por cento) da receita do IR assim divididos: a) 17,92% ao Fundo de Participação dos Estados; b) 20,41% ao Fundo de Participação dos Municípios e; c) 2,5% ao financiamento de políticas de desenvolvimento regional.

A União também repassará da receita do IBS Federal o equivalente à: a) 3,26%; b) 3,71% e; c) 0,46% aos mesmos destinatários do parágrafo anterior respectivamente e ainda 3,04% da receita aos Estados de forma proporcional a diferença entre importações e exportações (substituindo a mesma previsão relativa ao repasse do IPI), desse último os Estados deverão repassar 25% dos recursos recebidos aos Municípios.

A proposta também cria mais dois fundos, um no art.159-A e outro no art.159-B. O fundo do Art.159-A é destinado a compensar Estados e Municípios em eventual perda de receitas provenientes da modificação do sistema tributário promovida pela proposta, sendo que maiores detalhes sobre o funcionamento e custeio do fundo são delegados à Lei Complementar.

O fundo criado através do art.159-B é destinado a desenvolvimento de algumas áreas como saneamento básico, diminuição da pobreza, infraestrutura entre outros e é financiado por 3% (três por cento) da receita do IBS Federal e do IBS Estadual e Municipal.

De uma forma geral a PEC mantém a vinculação de despesas a percentuais das arrecadações dos entes como pode ser visto na destinação de no mínimo 1% (um por cento) da receita para investimentos em infraestrutura (art.169-B) e mantendo a mesma vinculação de receitas relativas a saúde (art.198, §2° da CF) e educação (art.212, caput, §§5° e 6°), fazendo alterações apenas para compatibilizar os dispositivos com a nova ordem tributária, o mesmo vale para o custeio do PIS e do BNDES (art.239, caput e §1°) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB – art.60, II do ADCT).

Períodos de transição da distribuição da receita tributária

A proposta prevê três períodos de transição diferentes, mas com funcionamento quase totalmente idêntico destinados a regular a transferência de receitas relativas ao IBS Subnacional (art.6° da PEC), receitas relativas aos ITCMD (art.9° da PEC) e receitas relativas ao IPVA (art.10° da PEC).

O período de transição do IBS Subnacional tem como objetivo, também, a transferência da tributação pelo regime misto para a tributação incidente no destino. Prevê que do sexto exercício (quando os tributos substituídos deixam de ser cobrados) até o décimo quarto exercício a receita do IBS será distribuída observando a receita anteriormente recebida por cada ente, sendo que, no sexto exercício, 90% (noventa por cento) da tributação será repassada observando as regras do art.5° da PEC (ou seja, através do repasse de receita equivalente ao regime anterior de tributação) e 10%  (dez por cento) será repassada observando as novas regras do IBS.

A cada novo exercício a receita distribuída na forma do art5° será reduzida em 10% e a receita distribuída observando as novas regras do IBS será aumentada em 10%. Assim, no décimo quarto exercício apenas 10% dos valores serão repassados observando a regra do art.5° da PEC e 90% dos valores serão repassados observando na nova regra de distribuição do IBS. No décimo quinto ano 100% do repasse observará as novas regras, totalizando um período de transição de 10 anos e concretizando a tributação no destino.

O regime de transição do ITCMD é essencialmente o mesmo. No sexto exercício após a entrada em vigor da PEC 90% (noventa por cento) da receita do ITCMD cobrando em âmbito nacional será repassado aos Estados conforme as regras do antigo art.155, I da CF e 10% (dez por cento) serão repassados aos Municípios seguindo a nova legislação sobre o assunto.

Em cada ano o valor repassado aos Estados é reduzido em 10%. A medida que se eleva o repasse aos Municípios no mesmo percentual, até que no décimo quinto exercício toda a receita do ITCMD será repassada aos Municípios.

Já o regime de transição do IPVA é um pouco diferente uma vez que pela dinâmica atual os Municípios já recebem 50% (cinquenta por cento) da receita arrecadada com este imposto. Assim, o período de transição prevê que serão acrescentados 5% (cinco por cento) de receita aos Municípios a cada exercício a contar do sexto até que no décimo quinto exercício toda a receita do IPVA também será repassada aos Municípios.

COMPARAÇÃO DA REFORMA TRIBUTÁRIA NAS PECs N.°45 E 110 DE 2019

A comparação proposta neste artigo não tem como finalidade encerrar assunto sobre o mérito de cada reforma tributária, tão pouco pormenorizar as técnicas e opções legislativas adotadas pelos constituintes derivados na redação de suas propostas.

Diante da diversidade dos objetos é evidente que uma comparação direta se mostra impossível, razão pela qual estabelecemos cinco aspetos centrais para a comparação destacando aquilo que as propostas tem de diferente e complementares, buscando estabelecer as consequências pela adoção de um ou outro formato.

Autonomia dos Entes Administrativos

A autonomia dos Entes é uma questão central nas propostas, sobretudo pois o Princípio Federativo protegido já no art.1°, caput da CF é guardado como cláusula pétrea conforme inciso I do §4° do art.60 do texto constitucional. Não podendo ser objeto de deliberação proposta de Emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.

Como próprio de qualquer Princípio Fundamental a proteção dele emanada não se limita à semântica de suas palavras, mas sim ao núcleo essencial daquilo que o poder constituinte pretende proteger[15].

Neste aspecto, ao proteger a forma federativa de Estado, a Constituição não impede apenas que seja estabelecido um Estado Unitário, por exemplo, mas também o conjunto de direitos-poderes que servem ao adequado exercício de um Estado federado.

Ao tratar sobre o tema, Barroso (2010) identifica três elementos para caracterização de um Estado Federal, sendo eles a repartição de competências, a autonomia (ou poder de autodeterminação) e a participação na formação da vontade do ente global e conclui:

Portanto, para que seja inválida por vulneração do limite material ao poder de reforma, uma emenda precisará afetar o núcleo essencial do princípio federativo, esvaziando o ente estatal de competências substantivas, privando-o de autonomia ou impedindo sua participação na formação da vontade federal (BARROSO, 2010).

Especificamente sobre o elemento da repartição de competências o autor cita a competência tributária de forma que a indevida ou excessiva modificação do aspecto fiscal dos entes federados, via reforma constitucional, pode ofender ao disposto no art.60, §4°, I da CF, deixando claro que a preocupação do constituinte para com esse assunto está longe de ser exagerada.

Por este motivo ambas as propostas visam respeitar a competência tributária dos entes federados através de mecanismos próprios. A PEC n.°45/19 prevê o exercício desta competência através do poder de cada ente de alterar as alíquotas singulares de sua parte do IBS através de leis ordinárias do próprio ente.

A PEC n.°110/19, por sua vez, estabelece que essa competência será exercida através da iniciativa concedida aos poderes dos entes federados (tanto o Executivo, quanto o Legislativo, estadual e municipal) para proposta de lei que verse sobre o IBS, inclusive para fixação de alíquotas, bases de cálculo, formas de arrecadação e etc.

A adoção de um ou outro modelo de exercício da competência tributária repercute em mais dois aspectos que trataremos abaixo. Interessa dizer, que o modelo adotado na PEC n.°45/19 melhor garante a autonomia dos entes federados.

Isto pois, uma vez aprovado o IBS naqueles termos, os entes poderão exercer sua competência tributária mediante lei ordinária, alterando somente a alíquota de sua parte do IBS. Na proposta da PEC n.°110/19 os entes precisarão reunir-se a diversos outros entes, considerando a exigência de representação de todas as regiões do País, um terço dos Estados ou dos Municípios. A criação deste consenso entre os entes para propor alterações à Lei Complementar do IBS pode dificultar ou inviabilizar o exercício da competência tributária.

Além disso, muito embora as propostas sejam feitas pelo Executivo ou Legislativo dos entes federados, em última análise, quem delibera sobre seu mérito é o Congresso Nacional, revelando algum grau de subordinação o que é inapropriado em uma federação.

Repartição de Receitas

Ambas as propostas alteram muito a forma as receitas são repartidas. Naturalmente, a PEC n.°110/19 faz alterações mais profundas visto que altera até mesmo a competência tributária em relação a diversos impostos além do IBS, como IPVA e ITCMD.

Enquanto a PEC n.°45/19 prevê a criação de alíquotas singulares para cada receita que os entes recebiam dos impostos substituídos. A PEC n.°110/19, com fundamento em critérios técnicos[16], propõe novas distribuições em percentuais (como já é no modelo atual), inclusive para as receitas vinculadas.

Não obstante ambas as reformas trazerem mecanismos de manutenção da carga tributária nos níveis atuais, inclusive ambas utilizando o mesmo órgão de auxílio (TCU) para elaborar os cálculos das novas alíquotas os efeitos da vinculação por alíquotas singulares ou percentuais de arrecadação, no entanto, é bem diverso.

Por um lado, a PEC n.°45/19 pode simplificar muito a administração tributária e transparência fiscal no Brasil. Ao criar o sistema de arrecadação por alíquotas singulares a PEC n.°45/19 permite uma maior clareza da quantidade nominal de valores destinados a determinado a cada parcela do financiamento público aumentando a transparência em relação a destinação dos recursos e a responsabilização dos gestores com os gastos públicos.

Isto pois diante da, não incomum, alegação dos gestores de que o déficit de investimentos públicos em alguns setores socialmente relevantes decorre da falta de orçamento, a solução passa pela simples elevação da alíquota, sazonal ou não, destinada aquele setor ou programa específico, na exata medida da necessidade social apresentada.

No modelo atual de vinculação, em percentuais, caso se pretenda elevar a despesa pública em infraestrutura, no valor “x” será necessário elevar as alíquotas dos impostos em valor “x+y”, sendo “y” o valor que obrigatoriamente será destinado as despesas vinculadas, o que pode acabar por onerar ainda mais o contribuinte.

Por exemplo, se um Município pretende criar um projeto de saneamento básico ao custo de R$1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) e financiar esse projeto com um aumento da arrecadação de ISS o Município precisará elevar a alíquota do ISS em valor suficiente para arrecadar R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), uma vez que 25% (R$500.000,00) é obrigatoriamente destinado a educação (art.212, caput da CF) e 15% (R$300.000,00) é obrigatoriamente destinado a saúde (art.198, §2° da CF c/c art.77 do ADCT), restando os R$1.200.000.00 para o projeto de saneamento básico. Isso sem considerar que pode haver outras despesas vinculadas ao ISS.

Por outro lado, a manutenção das despesas vinculadas em percentuais garante a elevação dos gastos públicos em determinadas áreas socialmente relevantes, como as citadas saúde e educação, proporcionalmente a elevação da arrecadação, como fica claro no exemplo citado.

Essa vinculação proporcional é, em muitos casos, essencial para a elevação dos investimentos nestas áreas como demonstra a pesquisa desenvolvida pelo IPEA (2017), na qual os pesquisadores concluem que o aumento do investimento em saúde e educação, em muitos Estados e Municípios, está diretamente ligada ao aumento da arrecadação dos tributos com receita vinculada.

Assim, a opção pelo modelo da PEC n.°45/19 garante uma maior liberdade gerencial para os administradores públicos aplicarem os recursos nos programas que sejam mais necessários naquele momento específico[17]. Enquanto o modelo atual, que é mantido na PEC n.°110/19 garantem a elevação de investimentos em setores considerados de maior relevância social, como saúde, educação, desenvolvimento regional, programas relacionados a seguridade social, entre outros.

Simplificação do Regime Tributário

Neste aspecto ambas as propostas revelam um significativo avanço em comparação ao regime tributário atual, uma vez que substituem diversos tributos por dois impostos principais, o IBS e o IS.

A PEC n.°110/19 toma a dianteira nessa disputa pela simplificação do regime tributário, uma vez que substitui 9 (nove) tributos em comparação com os 5 (cinco) substituídos pele PEC n.°45/19.

Contudo a PEC n.°110/119 cria dois IBS que apesar de serem muito parecidos tem dinâmicas diferentes. Na prática, o IBS Federal será regulado por uma Lei Complementar nos moldes do art.61, caput da CF, enquanto o IBS Subnacional será regulado por uma Lei Complementar nos moldes do art.61, §§3° e 4° da CF, de forma que o regime aplicado a um ou a outro pode ser diferente, observadas as regras gerais estabelecidas pelo texto constitucional.

Além disso, a proposta deixa claro que apenas o IBS Subnacional será cobrado pelo Comitê Gestor Nacional, mas não faz a mesma previsão em relação ao IBS Federal de forma que este pode ser cobrado diretamente pela União, salvo no período de transição onde há previsão expressa de que o imposto será recolhido de forma centralizada. Isso implica que o contribuinte deverá fazer dois recolhimentos de IBS diferentes, receberá dois créditos diferentes e terá que fazer duas compensações diferentes. Não está claro se poderá aproveitar o crédito de um IBS em relação ao outro e vice versa.

A PEC n.°45/19 garante o recolhimento do IBS (tanto a parcela Federal, quanto Estadual e Municipal) a um único órgão central, ou seja, permitindo um único recolhimento, um único aproveitamento de créditos e uma única compensação, que poderá ser feita tanto em relação a parcela Federal quanto subnacional.

Por outro lado, junto ao IBS da PEC n.°45/19 incidiriam, em alguns casos, outros impostos como a CIDE-Combustíveis, IOF e etc., revelando uma maior complexidade por manter diversos outros tributos que a PEC n.°110/19 pretende extinguir.

Outrossim ao estabelecer o exercício da competência tributária através de iniciativa de lei reservada a PEC n.°110/19 cria um mecanismo custoso, burocrático e que retira autonomia dos Estados e torna todo o processo legislativo demasiadamente complexo, indo na contramão da simplificação pretendida.

Sistemas de Transição do Regime

As propostas adotam um sistema similar que podemos dividir em três fases, sendo uma fase de testes, uma fase de ajuste de alíquotas e uma fase de adaptação dos entes federados ao novo regime, sobretudo em relação a modificação do modelo misto de incidência do ICMS para um modelo com incidência no destino.

A existência destes períodos de transição possuí uma importância central nas propostas, uma vez que esta matéria tem sido objeto de análise pelo congresso nacional desde a década de 1990, sendo que os conflitos de interesse entre diversos estados é fator determinante para a frustração das tentativas de reforma desde então[18].

Para a fase de testes ambas as propostas preveem uma adaptação de um ano onde o IBS será cobrado com alíquota de 1% (um por cento) sobre todas as suas hipóteses de incidência, compensando tais valores com o que seria devido à título de COFINS.

A fase de ajustes ocorre de forma diversa em cada proposta. Na PEC n.°45/19 essa fase terá 8 (oito) anos. Na PEC n.°110/19 essa transição é mais rápida com apenas 4 (quatro) anos. Vale dizer que durante esta fase a PEC n.°45/19 não prevê uma fonte especifica para custear eventual redução de receita dos entes federados, deixando, implicitamente, tal tarefa a cargo da União. A PEC n.°110/19, por sua vez, estabelece que o custeio de eventuais perdas de arrecadação dos entes federados será realizado através de dois fundos custeados por contribuições da União, Estados e Municípios.

Por fim, a fase de adaptação dos entes se inicia concomitantemente à fase de ajustes e consiste no repasse do IBS mantendo-se o nível de arrecadação dos impostos substituídos e o gradual repasse conforme as novas regras de repartição. Para a PEC n.°110/19 está fase levará quinze anos, enquanto a PEC n.°45/19 prevê uma transição em cinquenta anos.

Este período de transição é essencial para que contribuintes possam rever seus planejamentos de negócios e os entes federados possam ajustar suas finanças a nova arrecadação estabelecida. Sem entrar no mérito do tempo ideal para fazer essas transições – o que demandaria estudos específicos – é importante ressaltar que, conforme falamos sobre a autonomia, na PEC n.°45/19 eventual diminuição na arrecadação causada pelo novo IBS poderia ser revertida facilmente pelo ente, bastando a alteração, via lei ordinária própria, de sua alíquota do IBS. Já na PEC n.°110/19, além da transição ser muito mais rápida, a recomposição de eventuais perdas locais pode ser dificultada diante da necessidade de se alterar a legislação pelo procedimento especial dos §§3° e 4° do art.61 da CF.

Mecanismo contra regressividade

Ao estabelecer a vedação à concessão de quaisquer benefícios fiscais, a PEC n.°45/19 estabelece como única exceção a possibilidade de devolução parcial dos tributos recolhidos de famílias com vulnerabilidade econômica, sendo este o principal mecanismo contra a regressividade tributária desta proposta.

Isto pois a extinção de qualquer benefício fiscal importa na incidência de imposto sobre alguns produtos hoje isentos em razão de sua essencialidade, como ocorre com os alimentos da “cesta básica”[19], elevando o valor dos bens e, portanto, dificultando o acesso da população economicamente vulnerável a estes produtos essenciais.

Assim a proposta estabelece que caberá a lei complementar estabelecer a forma como parte da tributação recolhida da população economicamente vulnerável será devolvida através de programas de transferência de renda. Tal medida possui prós e contras.

Por um lado, uma vez que o critério da desoneração passa a ser a pessoa e não o produto, a proposta permite a desoneração de bens além dos produtos da “cesta básica”, como por exemplo, produtos de higiene, medicamentos e produtos eletrônicos como celulares ou computadores, que também são consumidos pela população economicamente vulnerável.

Ainda, permite o recolhimento de tributo sobre os produtos, hoje isentos, das famílias com maior capacidade contributiva, o que distribui melhor o ônus da contribuição para a manutenção do governo.

Por outro lado, veicular qualquer benefício a um aspecto subjetivo gera um problema prático de identificação do contribuinte do imposto, que muitas vezes não é possível em relação as pessoas mais vulneráveis. Isto pois em muitos casos os comércios nos bairros mais humildes são, em sua maioria, informais. Mesmo que sejam formais, podem ter dificuldades de identificação do contribuinte por não disporem de organização e recursos tecnológicos para tanto, já que, em sua maioria, são MEI ou EIRELI.

A PEC n.°110/19 tem idêntica previsão (art.146, IV) em relação a criação de um mecanismo de devolução do tributo recolhido de pessoas economicamente vulneráveis, mas não adota a rigidez em relação aos benefícios fiscais da PEC n.°45/19. Pelo contrário, prevê um rol taxativo de bens e serviços sobre os quais podem ser concedidos benefícios fiscais, especialmente para favorecer a população economicamente vulnerável e investimentos do setor privado.

A previsão da PEC n.°110/19 consegue conciliar o melhor das alternativas. Por um lado, determina a criação de um mecanismo de devolução de impostos cobrados de pessoas com vulnerabilidade econômica (modelo da PEC n.°45/19), por outro desonera alguns produtos essenciais para esta mesma população (modelo atual).

Ao fazer isso seria possível, por exemplo, desonerar apenas produtos básicos que realmente fossem indispensáveis a subsistência como alimentos economicamente mais acessíveis ou alguns tipos de produtos de higiene e tributar outros produtos deste mesmo seguimento, em regime similar ao que acontece hoje com os impostos incidentes sobre os veículos dito “populares” e os veículos “de luxo”.

Em qualquer caso, ambas as propostas delegam essa tarefa à Lei Complementar, de forma que um efetivo combate a regressividade do sistema tributário que garanta a devida arrecadação das pessoas com maior capacidade econômica deve ser traçada, necessariamente em momento posterior.

Vale ressaltar que a PEC n.°110/19 trás a possibilidade de desoneração do IBS Federal caso fique constatado o aumento da carga tributária em relação ao IR, o que é positivo, desonerando a tributação sobre o consumo e passando para a tributação sobre a renda o que diminui a regressividade e gera maior justiça tributária.

Contudo, caso haja elevação da carga tributária do IR, possivelmente, isso irá repercutir na parcela do IR retido pelos Estados e Municípios e, certamente, repercutirá na parcela do IR repassada pela União. Mas não há a previsão de que se diminua o IBS Subnacional nestes casos, o que revela a perda de uma oportunidade de melhorar ainda mais o sistema tributário.

CONCLUSÃO

As propostas de reforma tributária analisadas possuem de fato diversas similaridades ao ponto de serem tratadas como um mesmo objeto pela mídia e nas conversas no meio social. Contudo, uma abordagem mais detida, ponto a ponto, das propostas revela que a adoção de uma ou outra proposta causa efeitos jurídicos diversos, que tem impacto tanto no dia a dia das pessoas quanto dos entes, uma vez que definiram seu regime de arrecadação de sua aprovação em diante.

Tanto uma como outra proposta possuem pontos de excelência e genialidade que merecem ser incorporadas ao ordenamento jurídico, bem como possuem deméritos que merecem ser revistos pelo constituinte para melhor garantia do bem estar social e justiça tributária, como apontamos relativamente aos cinco aspectos que destacamos ao final das análises.

O objetivo não é outro senão jogar luz ao que se está sendo discutido, no Congresso Nacional, quando se opta por uma ou outra proposta, razão pela qual há um enfoque especial sobre aquilo que as propostas tem de diferente.

Certo é que as propostas, apesar de inovarem no sistema tributário e cumprirem o objeto central ao qual se propõem (simplificação do sistema tributário), podem – e devem – melhorar em diversos aspectos, especialmente em relação aos mecanismos para combate da regressividade tributária, que possuem uma abordagem muito genérica pelo contribuinte e delegam tal medida a Lei Complementar – assim como o texto original da Constituição Federal previu a criação do Imposto Sobre Grandes Fortunas, pendente de regulamentação até os dias de hoje.

Não obstante, as propostas conversam entre si e chegam a se complementar em algum aspecto, deixando claro que como quase sempre na história da humanidade a melhor resposta não surge de uma tese, tão pouco de uma antítese, mas, quase sempre, da síntese e da pluralidade de ideias que apenas conflitam aparentemente.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional n.°45 de 03 de abril de 2019, autor Dep. Baleia Rossi, publicado no Diário Eletrônico da Câmara dos Deputados em 06 de abril de 2019.

_______. Senado Federal. Proposta de Emenda Constitucional n.°110 de 09 de julho de 2019, autor Sen. Davi Alcolumbre, publicado no Diário Eletrônico do Senado Federal em 10 de julho de 2019.

_______. Receita Federal. Carga Tributária no Brasil-Análise por Tributos e Bases de Incidência. Ministério da Economia, 2020.

BORBA, Claudio. Direito Tributário. 27ª ed. São Paulo – Método, 2015.

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DA FONSECA, Ricardo Coelho; BORGES, Djalma Freire. Tributação interestadual do ICMS e adoção do princípio do destino. Revista de Administração Pública, v. 39, n. 1, p. 17-42, 2005.

DULCI, Otávio Soares. Guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relações federativas no Brasil. Revista de Sociologia e Política, n. 18, p. 95-107, 2002.

LOPES, Ana Maria D.’Ávila. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Revista de Informação Legislativa, v. 164, p. 7-15, 2004.

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TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. v.1, Renovar, 2009.

NOTAS:

[1] TORRES (2009, p.433-449), faz uma análise detalhada de diversas propostas de reforma tributária que tramitaram no Brasil desde a década de noventa na tentativa de modernizar o sistema tributário.

[2] O presente estudo tem como referência o texto original da PEC n.°45/19, aprovado pela CCJ da Câmara dos Deputados em 22 de maio de 2019 e o texto substitutivo da PEC n.°110/19 aprovado pela CCJ do Senado Federal em 02 de dezembro de 2019.

[3] MACHADO (apud BORBA, 2015) define a extrafiscalidade como a característica do tributo que tem por objetivo principal “a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros”, em geral, tributos extrafiscais tem por objeto desestimular a prática de determinado ato ou consumo de determinado bem.

[4] BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional n.°45 de 03 de abril de 2019, autor Dep. Baleia Rossi, publicado no Diário Eletrônico da Câmara dos Deputados em 06 de abril de 2019.

[5] DULCI (2002, p.1) define guerra fiscal como “[…] um jogo de ações e reações travado entre governos estaduais com o intuito de atrair investimentos privados ou de retê-los em seus territórios”.

[6] Exemplo extraído da justificativa da PEC n.°45/19, p.33, anteriormente citada.

[7] Usaremos a expressão receitas vinculadas também para definir a repartição obrigatória de receitas, por ser assim tratado em ambas as PEC, sem olvidar da distinção técnicas entre receita vinculada e repartição obrigatória traçadas por Carvalho (2010, p.81).

[8] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n.°10.637 de 30 de dezembro de 2002. Publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 2002.

[9] Esta finalidade consta da justificativa da PEC n.°45/19 (p.36).

[10] FONSECA e BORGES (2005) expressam essa resistência no estudo realizado em relação a adoção da tributação pelo critério do destino no qual concluem que este modelo beneficia os estados “consumidores”, em detrimento dos Estados “produtores”.

[11] BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda Constitucional n.°110 de 09 de julho de 2019, autor Sen. Davi Alcolumbre, publicado no Diário Eletrônico do Senado Federal em 10 de julho de 2019.

[12] Adotaremos a denominação “subnacional” para tratar do IBS de competência dos Estados-membros e Municípios, pois o órgão gestor de tal imposto tem essa denominação na PEC.

[13] A RFB (2020) publicou seu estudo anual sobre a carga tributária no Brasil em comparação com os países da OCDE no qual o Brasil apresenta tributação sobre a renda em 7 pontos, enquanto a média da OCDE é de 11,4 pontos. O que é diametralmente compensada pela carga tributária incidente sobre bens e serviços na qual o Brasil apresenta tributação em 14,3 pontos e a média da OCDE é de 11,1 pontos. Notoriamente a concentração da tributação sobre o consumo eleva a regressividade do sistema tributário.

[14] O SINDFISCO (2020) elaborou um estudo com base em dados do IBGE e da RFB no qual conclui que a defasagem na atualização da tabela do IRPF em relação a inflação de 1996 até 2019 implicou na elevação da incidência de IRPF sobre contribuintes, a cada ano abrangendo contribuintes com rendimentos relativamente menores.

[15] SMEND (1970) apud LOPES (2004) define núcleo essencial como “[…] o concreto sistema jurídico de valores que promovem a integração material e a legitimidade da ordem jurídico-política estatal”.

[16] Na justificativa da PEC os propositores expõem que a proposta apresentada é um aproveitamento de uma outra proposta já aprovada na comissão especial, que foi discutida em mais de 170 palestra e 500 reuniões técnicas.

[17] BRAMI-CALENTANO e CARVALHO (2007), fazem duras críticas a este modelo de tributação denominado flat tax, voltaremos a tratar do assunto ao falar sobre a regressividade.

[18] Os já citados estudos de TORRES; FONSECA e BORGES; BRAMI-CALETANO e CARVALHO (2009, 2005 e 2007) apontam, todos, este mesmo fator como um elemento de resistência a realização de uma ampla reforma tributária como a pretendida.

[19] BRASIL. Congresso Nacional. Lei n.°10.865 de 30 de abril de 2004. Publicada no Diário Oficial da União em 30 de abril de 2004.

Palavras Chaves

Reforma Tributária. PEC n.°45/19. PEC n.°110/19.