BREVE ENSAIO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO CONTEXTO DOS DESASTRES AMBIENTAIS EM MARIANA E BRUMADINHO

Resumo

Este breve ensaio abordará primeiramente sobre o conceito de responsabilidade civil e o conceito de Estado como ente federativo. Em seguida analisar-se-á sobre a referida temá- tica tendo como objeto de estudo os casos das barragens de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, considerados como maiores desastres ambientais ocorridos até a presente data no Brasil. Logo, a sistemática deste estudo contemplará a análise dos aspectos rela- cionados às tragédias, buscando realizar uma reflexão acerca da possibilidade de respon- sabilização do Estado e se o mesmo poderá responder solidariamente pelos danos causa- dos pelas mineradoras.

Artigo

BREVE ENSAIO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO CONTEXTO DOS DESASTRES AMBIENTAIS EM MARIANA E BRUMADINHO

  

Autora: Diana Amaral dos Santos1

Autora: Júlia Ellen Ramos Martins2

Orientador: Marcelo Resende Rodrigues3

RESUMO

Este breve ensaio abordará primeiramente sobre o conceito de responsabilidade civil e o conceito de Estado como ente federativo. Em seguida analisar-se-á sobre a referida temá- tica tendo como objeto de estudo os casos das barragens de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, considerados como maiores desastres ambientais ocorridos até a presente data no Brasil. Logo, a sistemática deste estudo contemplará a análise dos aspectos rela- cionados às tragédias, buscando realizar uma reflexão acerca da possibilidade de respon- sabilização do Estado e se o mesmo poderá responder solidariamente pelos danos causa- dos pelas mineradoras.

Palavras-chave: responsabilidade civil do Estado. Crimes ambientais. Responsabilidade solidária.

1-  INTRODUÇÃO

 Ao abordar-se a respeito da temática Responsabilidade Civil do Estado faz-se imprescindível elucidar sobre dois importantes conceitos: o conceito de responsabilidade e posteriormente o de Estado.

Nas palavras do ilustre professor José dos Santos Carvalho4“a noção de respon- sabilidade implica a ideia de resposta, termo que por sua vez, deriva do vocábulo latino respondere com o sentido de responder, replicar”. Ainda fazendo menção as suas pala- vras: “esses dois pontos- o fato e sua imputabilidade a alguém- constituem pressupostos inafastáveis do instituto da responsabilidade”.

Subtende-se, portanto, que o exercício da responsabilidade civil diz respeito à obrigação que o responsável, gerador do dano, tem de assumir perante o indivíduo lesado, em outras palavras é o dever de tomar para si e reparar todos os prejuízos do sujeito que teve sua esfera jurídica prejudicada. A base legal da responsabilidade civil do Estado está positivada na Constituição Federal e segundo o artigo 37 parágrafo sexto:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Abordando sobre o conceito de Estado, a palavra Estado tem sua origem etimo- lógica do latim status que significa posição e ordem. Na presente pesquisa, portanto, é indispensável se ater a noção de Estado no sentido lato sensu, ou seja, Estado Federativo Brasileiro que por sua vez é composto por seus entes conforme alude o artigo 18 da Cons- tituição da República Federativa do Brasil de 1988: “A organização político-administra- tiva da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição5”.

Nesse sentido, falar sobre Responsabilidade Civil do Estado é dizer a respeito da obrigação que as pessoas federativas do Estado têm de compor prejuízos causados por seus agentes no exercício de suas funções seja por ação ou omissão.

Pode ocorrer também a Responsabilidade Civil quando o Estado autoriza o exer- cício de atividades a particulares em seu território. É o que ocorre quando há o procedi- mento de licenciamento ambiental concedido a determinada empresa com o intuito de exploração de recursos ambientais.

Neste caso, na ocorrência de danos a terceiros advindas da imprudência de par- ticulares, o Estado responderá subsidiariamente caso não tenha assumido o risco dos po- tenciais danos ambientais. Contudo, se assumidas as possíveis consequências do exercí- cio da atividade autorizada, o Estado deverá responder solidariamente com o particular, fatos estes que serão objetos de análise do presente trabalho de pesquisa.

1-   A CONCESSÃO DE LICENÇAS AMBIENTAIS E A RESPONSA- BILIDADE CIVIL DO ESTADO

Ao se falar em Estado é fundamental o estabelecimento da ideia de existência de uma relação de subordinação. Ou seja, conforme as palavras do jurista Norberto Bobbio6:

O Estado, ou qualquer outra sociedade organizada onde existe uma esfera pú- blica, não importa se total ou parcial, é caracterizado por relações de subordi- nação entre governantes e governados, ou melhor, entre detentores do poder de comando e destinatários do dever de obediência, que são relações entre de- siguais.7

Acontece, porém, que essa subordinação acaba trazendo alguns prejuízos para o hipossuficiente dessa relação que muitas vezes tem a sua vida afetada diretamente pelas decisões do Estado, trazendo prejuízos irreparáveis sob o manto do bem da coletividade. Acostado ao princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o interesse do particular, o Estado tem o poder de conceder licenças ambientais, como por exemplo, para a exploração de minério de ferro.

Conforme menciona o artigo 17-L da Lei de n° 6938/1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente: “As ações de licenciamento, registro, autorizações, concessões e permissões relacionadas à fauna, à flora, e ao controle ambiental são de competência exclusiva dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente8”. Conforme visto anteriormente, cabe somente ao Estado por meio do procedi-

mento administrativo chamado licenciamento ambiental conceder ao empresário a licença ambiental que consiste na autorização para a exploração de determinado recurso ambien- tal.

O licenciamento ambiental é composto por diversas etapas previstas em lei. O artigo 10 da resolução de n° 237/97 do CONAMA apresenta um rol exemplificativo que abarca os procedimentos a serem seguidos: definição do órgão ambiental competente, requerimento da licença, análise, esclarecimentos e solicitações, audiência pública, pare- cer técnico e por fim, deferimento ou indeferimento.

Muitas vezes por haver um grande interesse econômico envolvido, o Estado consente a exploração de bens ambientais em seu território.

Ocorre que se por um lado há um benefício econômico, por outro há um exorbi- tante grau de periculosidade nas atividades realizadas que trazem riscos aos colaboradores envolvidos e ao próprio meio ambiente, vindo à tona os prejuízos supramencionados o Estado tem a obrigação de reparar solidariamente ou subsidiariamente os danos causados. A luz do artigo 927 do Código Civil: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),

causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Mas nem sempre tem sido assim, pois, ainda que a lei ordene que os devidos reparos sejam feitos, na prática o que se vive em linhas gerais é um grande descaso com os indivíduos agravados e há uma preocupante falta de solução para os problemas gerados, conforme observar-se-á nos casos concretos abordados a seguir.

1-    UMA REFLEXÃO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA AO ESTADO NOS CASOS DA BAR- RAGEM DE MARIANA E BRUMADINHO

 

Muito se fala a respeito do desenvolvimento nacional trazido pelas empresas mineradoras que existem no país, porém é sabido que as atividades desenvolvidas por essas empresas trazem um grande impacto ambiental e social quando não são observadas as normas de segurança para o desenvolvimento de tal atividade.

Ao todo no Brasil existem aproximadamente 24 mil barragens registradas e que possuem diferentes propósitos e deste total, 790 são de contenção de rejeitos de minera- ção9. Recentemente tivemos dois crimes ambientais causados por barragens localizadas no Estado de Minas Gerais nos municípios de Mariana em 2015 e Brumadinho recente- mente em janeiro de 2019.

Como expõe Milanez, além da classificação de estabilidade comprometida, al- guns elementos suscitaram para que ocorresse o desastre em Mariana município de Minas Gerais que vão desde sistemas de emergência que não funcionaram a equipamentos de monitoramento danificados, assim como também a falta de análise de risco participativa e planejamento do impacto10.

Dentre todos esses elementos supracitados, temos principalmente a falta de par- ticipação ativa do Estado na fiscalização das atividades dessas mineradoras. Neste con- texto, muito se discute a respeito do evento e da responsabilidade da empresa, porém   o ordenamento jurídico brasileiro prevê a responsabilidade solidária do Estado quando se trata de danos ambientais.

Como é sabido, as empresas mineradoras já respondem por inúmeras ações in- dividuais propostas pelas vítimas dos desastres. Conforme dados do CNJ o rompimento de barragens nas cidades mineiras de Brumadinho e Mariana gerou mais de 84 mil ações no Tribunal de Justiça de Minas Gerais11. Continua a expor que De acordo com os dados do TJ-MG, o desastre de Mariana gerou um número de 82,3 mil ações, das quais 27 mil foram julgadas com tempo médio de 414 dias para a decisão. No setor pré-processual (Cejusc), implementado no se- gundo semestre de 2017, já foram celebrados 47,5 mil acordos e resolvidos 31,7 mil casos.

Em relação a Brumadinho, foram ajuizadas 1,9 mil ações, desde o rompimento da barragem, em janeiro deste ano. Deste total, 1,7 mil foram distribuídas à justiça comum, com tempo médio de 66 dias para julgamento; e 266 aos Jui- zados Especiais, com julgamento em 62 dias, em média. Foram sentenciadas 389 e 74 estão suspensas, a pedido das partes, para tentativa de acordo. No Cejusc foram celebrados 516 acordos por famílias de atingidos e 25 acordos em tramitação.

Ocorre que, a licença para o funcionamento da mineradora foi concedida pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental Central Metropolitana da Zona da Mata em Brumadinho, sem ser encaminhada ao Conselho Estadual de Política Ambi- ental e tais fatos ocorreram por omissão na fiscalização na gerência da autarquia12. O que reforça a ideia de responsabilização solidária do Estado pelos danos ambientais e sociais ocorridos pelos rompimentos das barragens.

CONCLUSÃO

  

Os rompimentos das barragens demandam uma discussão acerca da fiscalização do Estado, bem como a tendência de responsabilização solidária nos casos de crimes am- bientais. Em conformidade com os dispositivos legais analisados anteriormente é de com- petência exclusiva do Estado a concessão de licenças ambientais. Cabe também a ele o dever de fiscalização uma vez que autorizada a execução de determinada atividade em seu território. Segundo o que está consignado em lei, havendo danos a terceiros ou ao próprio meio ambiente o Estado poderá responder solidariamente com a empresa a qual consentiu o exercício da atividade.

Nos casos concretos de Mariana e Brumadinho trazidos a presente pesquisa nada ainda foi decidido pelo Poder Judiciário acerca da responsabilidade civil. Frisa-se aqui que o desastre ambiental ocorrido em Mariana foi no ano de 2015e até a presente data, não há uma efetiva conclusão quanto à imputabilidade do Estado. Quanto ao desastre de Brumadinho, o Ministério Público propôs perante o Juízo Cível, Criminal, da Infância e da Juventude da Comarca de Brumadinho, ação esta que ainda está em tramitação perante o Juízo supracitado.

Muitas questões acerca do assunto merecem esclarecimentos, pois grandes danos foram causados à natureza e acima de tudo às famílias residentes nas localidades referi- das. Fica aqui consignada a crítica a respeito da falta de reparação justa aos indivíduos lesados. Além disso, consigna-se a morosidade e omissão judicial no que tange a atribui- ção de responsabilidade aos causadores dos prejuízos.

REFERÊNCIAS

  

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 STJ, REsp 1.454.281/MG, DJe 9/9/2016. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/ju- risprudencia/569356471/agravo-em-recurso-especial-aresp-1125532-es-2017-0153458- 1/decisao-monocratica-569356489?ref=serp.> Acesso em: 12. mai.2019.

Notas:

1Bacharel em Relações Internacionais pela UFRRJ e Graduanda em Direito na UNIABEU- Universidade Abeu – Associação Brasileira de Ensino Universitário; estagiária do TJ/RJ; Email: dianaamsan- [email protected]

2Graduanda em Direito na UNIABEU- Universidade Abeu – Associação Brasileira de Ensino Universitário; Email:[email protected];

3 Professor Titular na UNIABEU – Universidade Abeu – Associação Brasileira de Ensino Universitário; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UVA – Universidade Veiga de Almeida; Mestre em Direito pela UNESA – Universidade Estácio de Sá. Email: [email protected].

4Carvalho,2007, p.491, apud TEPES, p. 409.

5Constituição -Planalto. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituica- ocompilado.htm- > Acesso em 14. mai. 2019.

6BOBBIO, Norberto, Estado, Governo e Sociedade para uma teoria geral da política – 14ª ed. São Paulo, Paz e Terra, 2007. págs. 15 e 16.

7Constituição 1988 Disponível em https://senado.leg.br/- Acesso em 14 mai.2019

9FEDERAÇÃO NACIONAL DE ENGENHEIROS (FNE) – Disponível em: <http://www.fne.org.br/in- dex.php/todas-as-noticias/5259-e-preciso-dar-um-basta-as-tragedias-anunciadas>. Acesso em: 12. mai. 2019

10 MILANEZ, Bruno, et al. DESASTRE NO VALE DO RIO DOCE Antecedentes, impactos e ações sobre as destruições. 2016. Ed. Letra e Imagem. Pág. 54.

11 Rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho- Disponível em https://www.con- jur.com.br/2019-dez-11/rompimentos-barragens-geraram-84-mil-acoes-tj-mg Acesso em set. 2020

12 ANGELO, P. Relator da Comissão das Barragens diz que houve ‘facilitação’ em Fundão. G1. 2016. Dis- ponível em:<http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambientalem-mariana/noticia/2016/02/relator-da- comissao-das-barragens-diz-que-houve-facilitacao-em-fundao.>Acesso em: 14 maio. 2019

 

Palavras Chaves

responsabilidade civil do Estado. Crimes ambientais. Responsabilidade solidária.