CLASSE HOSPITALAR E O DIREITO A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES CRONICAMENTE ADOECIDOS EM UMA PERSPECTIVA INTERSETORIAL

Resumo

O artigo tem como objetivo a publicização da classe hospitalar como uma modalidade de ensino especial destinada ao atendimento de crianças e adolescentes durante rotinas hospitalares. A pesquisa bibliográfica apresenta um panorama sobre o atendimento educacional hospitalar no Brasil, identificando um percentual crescente, porém insuficiente de classes hospitalares para a garantia do direito a educação das crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, problematizando a necessidade de ações intersetoriais para a efetivação com qualidade deste serviço.

Artigo

CLASSE HOSPITALAR E O DIREITO A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES CRONICAMENTE ADOECIDOS EM UMA PERSPECTIVA INTERSETORIAL

 Bárbara Menezes Silva Santos[1]

RESUMO

O artigo tem como objetivo a publicização da classe hospitalar como uma modalidade de ensino especial destinada ao atendimento de crianças e adolescentes durante rotinas hospitalares. A pesquisa bibliográfica apresenta um panorama sobre o atendimento educacional hospitalar no Brasil, identificando um percentual crescente, porém insuficiente de classes hospitalares para a garantia do direito a educação das crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, problematizando a necessidade de ações intersetoriais para a efetivação com qualidade deste serviço.

PALAVRAS-CHAVE: Classe Hospitalar, Criança, Adolescente, Intersetorialidade.

INTRODUÇÃO

            O presente artigo versa sobre o direito à escolarização de crianças e adolescentes que passam por rotinas hospitalares frequentes, especificamente por conta do adoecimento crônico.  O objetivo geral deste estudo é publicizar a modalidade de ensino especial que atende a crianças e adolescentes no ambiente hospitalar, operacionalizada por meio da classe hospitalar. Já os objetivos específicos tratam de problematizar a sua incipiente implementação no Brasil e ressaltar a intersetorialidade como pressuposto para a efetivação deste serviço com qualidade.

A partir da observação como profissional de um hospital pediátrico da frequência de reinternações e internações de longa permanência de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, levantou-se a preocupação com a escolarização deste público e o interesse de estudo pelo tema.

Sendo assim, o artigo está dividido em duas partes, a primeira apresenta conceitos preliminares necessários para o entendimento do assunto, elucida o que é uma classe hospitalar no Brasil, realizando um breve levantamento de dados sobre a realidade do país; já a segunda parte se propõe a problematizar a necessidade do planejamento intersetorial das políticas sociais para a efetivação com qualidade do serviço de classe hospitalar.

A CLASSE HOSPITALAR NO BRASIL

Conceitos preliminares

Inicialmente, faz-se necessário compreender que as políticas sociais se constituem como estratégias de enfretamento das expressões da questão social por parte do sistema capitalista em sua fase monopolista, são respostas às demandas da classe trabalhadora viabilizadas pelo Estado de formas diferenciadas a depender da correlação de forças da época. Porém, essas também exercem a função de estimular a economia do país e atenuar as desigualdades sociais, apaziguando os conflitos de classe.

É a política social do Estado burguês no capitalismo monopolista (e, como se infere desta argumentação, só é possível pensar-se em política social pública na sociedade burguesa com a emergência do capitalismo monopolista), configurando a sua intervenção contínua, sistemática, estratégica sobre as sequelas da “questão social”, que oferece o mais canônico paradigma dessa indissociabilidade de funções econômicas e políticas que é própria do sistema estatal da sociedade burguesa madura e consolidada. Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista procura administrar as expressões da “questão social” de forma a atender às demandas da ordem monopólica conformando, pela adesão que recebe de categorias e setores cujas demandas incorpora, sistemas de consenso variáveis, mas operantes. (Netto, 2006: 30)

Sendo assim, a educação se constitui enquanto uma política social brasileira, garantida na Constituição Federal de 1988 como dever do Estado de oferecê-la de forma gratuita, no que abrange o ensino básico, sendo obrigatória a matrícula e frequência na faixa etária de quatro a dezessete anos.

O processo de construção da Constituição Federal de 1988 teve participação atuante de movimentos sociais organizados pela ampliação dos direitos a serem garantidos, visto que o Brasil retornava ao Estado Democrático de Direito, após anos do regime ditatorial.

A luta dos movimentos também culminou na aprovação de outras leis complementares, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) que redefine o status jurídico das crianças e adolescentes no Brasil, incorporando a Doutrina da Proteção Integral como norteadora dos direitos.

Esse entendimento revolucionou o direito da criança no país, transformando-as em sujeitos de direito a serem protegidos de qualquer mal que possa atrapalhar o seu desenvolvimento físico, espiritual, social, mental e moral, atribuindo responsabilidades à família, à comunidade, à sociedade em geral e ao Estado de garantir sua proteção integral (Brasil, 1990).

Uma dessas garantias é o direito à educação, abrangendo também a educação especial para crianças e adolescentes com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais. Todavia, somente em 1995, com a Resolução Nº 41, do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, a educação hospitalar foi citada pela primeira vez.

Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados:

  1. Direito a desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do curriculum escolar, durante sua permanência hospitalar. (Brasil, 1995)

 História da classe hospitalar no Brasil

Apesar da Resolução Nº 41/1995 ser o primeiro marco normativo que cita a educação hospitalar, a primeira classe hospitalar no Brasil foi inaugurada em 1950, no Hospital Municipal Jesus, na cidade do Rio de Janeiro. Todavia, a iniciativa não serviu como incentivo para os demais hospitais pediátricos pelo país.

O primeiro levantamento sobre as classes hospitalares realizado no Brasil foi desenvolvido por Fonseca entre os anos de 1997 e 1998. A época, havia 30 classes hospitalares em funcionamento no país, divididas em 11 estados da federação (incluindo o Distrito Federal), equivalente a 41% do total de unidades federadas brasileiras, atendendo a cerca de 2.000 crianças e adolescentes por mês (Fonseca, 1999: 121).

Mas somente em 2002 foi publicada uma cartilha regulamentando normas de operacionalização da classe hospitalar, definindo-as como:

O atendimento pedagógico-educacional que ocorre em ambientes de tratamento de saúde, seja na circunstância de internação, como tradicionalmente conhecida, seja na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental. (Brasil, 2002: 13)

Em novo estudo também realizado por Fonseca, foram constatadas 155 escolas em hospitais no Brasil no ano de 2014, localizadas em 20 das 27 unidades federadas (Fonseca, 2015: 18).

Mesmo após as regulamentações específicas referentes a esse direito, os dados apresentados mostram que as classes hospitalares ainda não se popularizaram enquanto uma modalidade de atendimento pedagógico a crianças e adolescentes cronicamente adoecidos e não estão presentes em todo o território nacional, concentrando-se nos grandes centros urbanos, especificamente nas regiões sudeste, sul e centro-oeste, onde todos os estados possuem o serviço.

Já nas regiões norte e nordeste que representam a maioria dos estados brasileiros (16), a realidade é um pouco diferente. Nem todas as unidades federativas possuem o serviço, somando 36 classes hospitalares, o que representa 23% do total.

Portanto, mesmo com a legislação sobre o assunto datando de 1995, o direito à educação das crianças e adolescentes hospitalizadas não é efetivado de forma plena no Brasil.

A Organização da Classe Hospitalar no Brasil

O atendimento educacional hospitalar se faz extremamente necessário para crianças e adolescentes cronicamente adoecidos que, por questões específicas de saúde, passam por rotinas hospitalares frequentes, com consultas ambulatoriais, internações prolongadas e recorrentes, exames, que dificultam o acompanhamento do currículo escolar no ensino regular.

Essa modalidade de ensino, portanto, possibilita ao aluno o acesso efetivo ao direito à educação e à continuidade do aprendizado, compreendendo as necessidades especiais impostas pela condição de saúde.

Dessa forma, as normativas preveem uma flexibilização na estrutura do serviço, entendendo que as aulas podem ocorrer no leito, na enfermaria ou em quarto de isolamento de acordo com a possibilidade de saúde de cada criança. Todavia, são requisitos mínimos para o funcionamento da classe hospitalar uma sala própria com mobiliário e uma bancada com pia (Brasil, 2002).

Pressupõe-se também para a efetivação do serviço uma articulação entre a classe hospitalar e a escola de origem da criança, com vistas a proporcionar sua reintegração e continuidade do ensino no momento da alta hospitalar.

Entretanto, o que se percebe a partir dos estudos sobre o tema é que a responsabilidade da operacionalização da classe hospitalar recai quase que unicamente à política de educação, contrariando o que está previsto em normativas e a perspectiva intersetorial das políticas sociais.

A INTERSETORIALIDADE COMO ESSENCIAL À EFETIVAÇÃO DA CLASSE HOSPITALAR

A perspectiva intersetorial é indissociável do conceito atual de política social, visto que diversas expressões da questão social permeiam o mesmo fenômeno, necessitando da articulação das diferentes áreas para se conseguir dar uma resposta efetiva, conforme explicita Pereira:

A intersetorialidade tem sido considerada como: uma nova lógica de gestão, que transcende um único “setor” da política social; e/ou uma estratégia política de articulação entre “setores” sociais diversos e especializados. Além disso, relacionada à sua condição de estratégia, a intersetorialidade também é entendida como: instrumento de otimização de saberes; competências e relações sinérgicas, em prol de um objetivo comum; e prática social compartilhada, que requer pesquisa, planejamento e avaliação para a realização de ações conjuntas. (Pereira, 2014: 23)

Não diferente, a classe hospitalar foi planejada de forma intersetorial, ao menos no ponto de vista legal, abrangendo as políticas de saúde e educação em uma atuação conjunta e integrada entre os profissionais de saúde, educação e gestores.

Todavia, na definição das atribuições no documento de orientação sobre as classes hospitalares (Brasil, 2002) à política de saúde compete a solicitação do serviço e a disponibilização de um local para as aulas. Os demais insumos, como recursos humanos (capacitação e contratação), práticas pedagógicas, provisão de recursos financeiros e matérias recaem sobre a política de educação.

Na forma como está organizada atualmente, as maiores responsabilidades ficam a cargo da política de educação, no que tange a operacionalização do ensino hospitalar, porém em nenhum momento dos atos normativos há a previsão da pesquisa, do planejamento e da avaliação conjunta do serviço, que se entende como intersetorialidade de acordo com o conceito de Pereira (2014).

No mesmo documento (Brasil, 2002) se entende a necessidade da ação conjunta, mas quando há a especificação do que seriam essas ações, a intersetorialidade se restringe mais as formas de operacionalização, dependendo dos profissionais inseridos na execução dos serviços de saúde e educação, não no planejamento enquanto política pública.

De todo modo, há um entendimento de que somente de forma articulada que é possível estruturar com qualidade o atendimento educacional hospitalar:

Considerando a complexidade do atendimento pedagógico-educacional realizado em ambientes hospitalares e domiciliares, faz-se necessária uma ação conjunta dos Sistemas de Educação e de Saúde, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, na perspectiva de melhor estruturá-los. (Brasil, 2002: 27)

Outra política não explicitada na legislação vigente sobre o assunto, nos documentos normativos ou na literatura é a assistência social, que tem um papel de extrema relevância neste contexto.

A política de assistência social inclui em sua estrutura os Conselhos Tutelares e o Conselho de Direitos das Crianças e Adolescentes (em âmbito municipal, estadual e federal). O Conselho Tutelar é o órgão criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. Já os Conselhos de Direitos são órgãos deliberativos e controladores das ações dos três poderes voltadas ao público infanto-juvenil.

Assim, a articulação com a política de assistência social facilitaria a implicação de outras instituições na defesa da escolarização das crianças e adolescentes hospitalizados no sentido de cobrar a sua implementação e universalização no Brasil de forma a atender aos direitos das crianças e adolescentes cronicamente adoecidos garantidos por lei.
Por exemplo, os Conselhos de Direito da Criança e Adolescente poderiam fazer um mapeamento dos hospitais de atendimento pediátrico que não oferecem o serviço de classe hospitalar, de forma conjunta com as políticas de saúde e educação, repassando os dados ao Conselho Tutelar que poderia acionar o Ministério Público e a Defensoria Pública para forçar a implementação do serviço nas unidades de saúde que violam o direito a educação de crianças e adolescentes.

Portanto, aqui se defende a intersetorialidade como determinante para o planejamento e execução da educação hospitalar, porém de forma mais ampla do que é previsto hoje na legislação, implicando além das políticas de saúde e educação, a assistência social, no sentido de dar visibilidade a essa questão e cobrar do Estado que a efetive, garantindo o direito de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos.

CONCLUSÃO

            O artigo se propôs a publicizar o serviço de atendimento educacional de crianças e adolescentes hospitalizados no Brasil, problematizando a intersetorialidade como ponto fundamental para a sua implementação e execução com qualidade.

A classe hospitalar se apresenta como um serviço essencial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes cronicamente adoecidos, por ser, muitas vezes, a única forma de acesso à escolarização, visto que a condição de saúde é deveras limitante ao ponto de impedir a frequência no ensino regular (Santos, 2017).

Em alguns casos, a modalidade do ensino domiciliar também não atende a essas crianças, tanto pela forma como se organiza no Brasil, quanto pelas crianças e adolescentes não estarem sempre dispostas fisicamente para cursá-las.

Entretanto, as classes hospitalares não são amplamente discutidas ou mesmo conhecidas, haja vista a incipiente bibliografia sobre o assunto e alguns estudos que confirmam que profissionais de hospital que prestam esse atendimento desconhecem o serviço (Ramires, 2013).

Dessa forma, o primeiro passo é a publicização desta modalidade de ensino, para que se mobilizem forças em prol da garantia pelo Estado da educação para crianças e adolescentes hospitalizados em todo o país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 Brasil. (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília.

Brasil. (1990) Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Brasília.

Brasil. (1995) Direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Resolução nº. 41, de 13 de outubro de 1995. Brasília.

Brasil. (2002) Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações para sua implantação e implementação. Secretaria de Educação Especial do MEC. Brasília.

Fonseca, E. S. (1999) A Situação Brasileira do Atendimento Pedagógico-Educacional Hospitalar. In. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 25, n. 1, p. 117-129, Jan.-Jun.

Fonseca, E. S. (2015) Classe hospitalar e atendimento escolar domiciliar: direito de crianças e adolescentes doentes. In. Revista Educação e Políticas em Debate – v. 4, n.1, p. 12-28, Jan.-Jul.

Netto, J. P. (2006) Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 5. ed. São Paulo. Editora Cortez.

Pereira, P. (2014) A intersetorialidade das políticas sociais na perspectiva dialética. In: A Intersetorialidade na agenda das políticas sociais. Almeida, N. L. T. Monnerat, G. L. e Souza, R. G. Editora Papel Social.

Ramires, C. (2013) Representações sociais de trabalho docente por acompanhantes e equipe de saúde em um hospital pediátrico. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro.

Santos, B. (2017) A Articulação de Políticas Sociais na Efetivação dos Direitos de Crianças e Adolescentes Hospitalizadas: Uma Reflexão sobre a Classe Hospitalar. Trabalho de Conclusão de Residência Multiprofissional em Saúde da Criança e do Adolescente. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.

 Notas:

[1] Assistente Social do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG-UFRJ). Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Direito da Criança e do Adolescente pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em Saúde da Criança e do Adolescente na modalidade residência multiprofissional pelo IPPMG-UFRJ.

Palavras Chaves

Classe Hospitalar, Criança, Adolescente, Intersetorialidade.