COVID-19: EDUCAÇÃO ONLINE, NEGÓCIOS E PROTEÇÃO DE DADOS

Resumo

O ano de 2020 mudou a forma como a sociedade vive. Desde 1918, quando a pandemia da Gripe Espanhola moldou a sociedade de uma nova forma, a humanidade não tinha vivenciado, até então, um desafio como a pandemia COVID-19, mesmo considerando a doença do HIV no início dos anos 80. A rápida evolução do vírus e a necessidade de se evitar o colapso do serviço de saúde foram a base de diversas ações de confinamento adotadas ao redor do mundo. Medidas para a adaptação do sistema educacional, bem como para o setor empresarial, tiveram que ser realizadas por conta do fechamento de escolas, universidades e espaços públicos. Ditas restrições devem permanecer até o alcance da imunidade global. Com base nisso, em um primeiro momento, ainda há a necessidade de proteger os membros mais vulneráveis da sociedade, que incluem os idosos, aqueles com comorbidade, alunos e profissionais da educação, do contato com uma pessoa infectada. Por outro lado, não é possível parar todo o sistema educacional, pois as consequências são inimagináveis. Uma solução tinha que ser encontrada e uma maneira possível era através da educação online. O uso da internet e de todas as plataformas de software possíveis relacionadas aos estudos online devem permitir que os alunos continuem seus cursos, assim como devem as ferramentas digitais contribuir para a manutenção das atividades empresariais. Não é apenas lidar com uma nova forma de estudar ou fazer negócios, mas também com questões de segurança da internet. Como proteger dados pessoais e implementar essa modalidade? Como capacitar a maioria dos alunos, professores e empreendedores e garantir que tenham uma conexão de internet adequada e dispositivos para executar suas tarefas? Nesse âmbito, há aspectos legais a serem considerados relacionados à proteção de dados.

Artigo

COVID-19: EDUCAÇÃO ONLINE, NEGÓCIOS E PROTEÇÃO DE DADOS

 

Ricardo Luiz Sichel[1]

Gabriel Ralile de Figueiredo Magalhães[2]

RESUMO: O ano de 2020 mudou a forma como a sociedade vive. Desde 1918, quando a pandemia da Gripe Espanhola moldou a sociedade de uma nova forma, a humanidade não tinha vivenciado, até então, um desafio como a pandemia COVID-19, mesmo considerando a doença do HIV no início dos anos 80. A rápida evolução do vírus e a necessidade de se evitar o colapso do serviço de saúde foram a base de diversas ações de confinamento adotadas ao redor do mundo. Medidas para a adaptação do sistema educacional, bem como para o setor empresarial, tiveram que ser realizadas por conta do fechamento de escolas, universidades e espaços públicos. Ditas restrições devem permanecer até o alcance da imunidade global. Com base nisso, em um primeiro momento, ainda há a necessidade de proteger os membros mais vulneráveis da sociedade, que incluem os idosos, aqueles com comorbidade, alunos e profissionais da educação, do contato com uma pessoa infectada. Por outro lado, não é possível parar todo o sistema educacional, pois as consequências são inimagináveis. Uma solução tinha que ser encontrada e uma maneira possível era através da educação online. O uso da internet e de todas as plataformas de software possíveis relacionadas aos estudos online devem permitir que os alunos continuem seus cursos, assim como devem as ferramentas digitais contribuir para a manutenção das atividades empresariais. Não é apenas lidar com uma nova forma de estudar ou fazer negócios, mas também com questões de segurança da internet. Como proteger dados pessoais e implementar essa modalidade? Como capacitar a maioria dos alunos, professores e empreendedores e garantir que tenham uma conexão de internet adequada e dispositivos para executar suas tarefas? Nesse âmbito, há aspectos legais a serem considerados relacionados à proteção de dados.

PALAVRAS-CHAVE: COVID-19. Educação. Estado Digital. LGPD. Negócios.

  1. INTRODUÇÃO

 As novas tecnologias cada vez mais permeiam a sociedade de forma a aprofundá-la em uma realidade digital. A pandemia da COVID-19 acelerou esse processo devido às restrições que impôs, levando setores como o de educação e de negócios a recorrer a soluções digitais. No entanto, os riscos com, por exemplo, ataques cibernéticos, uso indevido de dados pessoais e um mercado de informações descontrolado também aumentam.

Nesse contexto, está inserida a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em 2020, e trata da questão do processamento de dados justamente em um momento em que a sociedade é obrigada a se adaptar digitalmente diante da pandemia. Portanto, é necessário compreender os impactos causados pela pandemia na sociedade e como a nova realidade está sujeita ao escopo da LGPD.

Assim, este artigo, além da presente introdução, divide-se da seguinte forma: a primeira parte trata dos impactos da pandemia na sociedade, abordando especificamente o caso do setor educacional e empresarial; a segunda parte, por sua vez, aborda a LGPD e sua importância no momento atual da pandemia; e, finalmente, a terceira parte traz as conclusões. O estudo foi baseado em material coletado a partir de artigos, notícias, leis e dados oficiais relevantes para o tema.

  1. IMPACTOS DA PANDEMIA NA SOCIEDADE E NO ESTADO DIGITAL

             Em momentos de reorganização da sociedade, como resultado de uma pandemia, a busca por novas soluções, visando evitar aglomerações, ao mesmo tempo em que visa a promoção do desenvolvimento em aspectos sociais e econômicos, deve ser pautada pela adoção de políticas baseadas na inovação tecnológica. A tecnologia possibilita a busca de novos meios e soluções para os mais diversos problemas da humanidade, possibilitando com isso traçar uma ruptura de modelos antigos para o estabelecimento de um novo, visando assim resolver um determinado problema.

Portanto, é preciso entender o cenário de digitalização no país para entender sua capacidade de adaptação à pandemia. O Brasil, nos últimos anos, tornou-se um país com rápida expansão da internet, cenário no qual o número de dispositivos móveis, segundo dados oficiais, ultrapassa o tamanho da população: o país tem 225,6 milhões de celulares ativos. Claro, há fatores que dificultam o acesso à rede, como a limitação dos planos, já que 50,50% deles são pré-pagos. Ademais, existem outras restrições, como a dificuldade de acesso à banda larga e a limitação da franquia, que, de qualquer forma, não deixam de caracterizar a penetração dessa rede de dados móveis no Brasil.[3]

No quadro internacional, o Brasil se estabelece com os seguintes parâmetros ainda modestos quando comparado com as nações mais desenvolvidas:

Tabela 1 – Índices internacionais

País Índice Global de Inovação (2019) Preparação do e-commerce (2019) Inclusão do acesso à internet (2020) Competitividade Digital (2019)
Brasil 66° 60° 34° 57°

Fonte: Dutta; Lanvin; Wunsch-Vincent (2019); IMD (2019); The Economist (2020); UNCTAD (2019)

Além desses números, deve-se notar que já existem iniciativas no Brasil que contribuem para um projeto de governança digital, Isto é, uso das tecnologias de informação e comunicação para a realização de atividades do governo. Nesse ponto, e especialmente devido à pandemia COVID-19, pode-se pensar na evolução de um sistema de saúde digital, além de outros setores como economia e educação, atendendo tanto às demandas sociais quanto à criação de subsídios para a economia.

Como exemplo, já existe um sistema público e universal de saúde (SUS) no país, garantido pela Constituição de 1988. Esse sistema pode ser integrado ao Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), aproveitando-se a existência de infraestrutura razoável de internet no país. Segundo estudo realizado em 2018, disponível no site da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), 98,2% dos brasileiros têm acesso a dados de internet móvel. De fato, essa estrutura deve ser garantida aos diversos setores de prestação de serviços de saúde, incluindo médicos, postos de saúde e farmácias. Assim, é possível estabelecer um banco de dados com informações pessoais, que já exige maior segurança, garantindo assim a privacidade. Isso já parece ser uma possibilidade no Brasil, como pode ser visto nas informações que passam pelo site da Receita Federal do Brasil (RFB).[4]

Assim, percebe-se a possibilidade de adoção de um processo de digitalização do sistema de saúde. De fato, no início de 2020, o governo lançou a Câmara de Saúde 4.0, parte do “Plano Nacional de Internet das Coisas” (IdC), instância dedicada a propor formas de promover a digitalização da saúde no país. Entre as intenções do Executivo está a integração de dados de cidadãos que utilizam esses serviços, seja na iniciativa pública ou privada (JONAS, 2020). Além disso, no campo da saúde, o Governo do Brasil lançou um site para validação de ineptos e prescrições, pelo qual a inscrição médica pode ser enviada em formato digital por e-mail e até mesmo por aplicativo de mensagens ao paciente, com proteção integral de dados pessoais, de acordo com a Lei 13.989/2000 e a Portaria de Telemedicina do Ministério da Saúde.

Como mencionado, além do setor de saúde, diversas áreas-chave têm sido afetadas pela pandemia e pela adoção de medidas de isolamento social, como atividades empresariais e de ensino. A busca por soluções foi baseada principalmente no uso de serviços digitais, tanto privados quanto governamentais. Para o ensino e os negócios, setores que são objeto deste estudo, é essencial ter um dispositivo tecnológico que permita o desempenho de suas atividades, algo que também levou a um forte desempenho no campo legal. Assim, é necessário analisar cada caso separadamente.

Por sua vez, vale ressaltar que o Brasil reconhece a necessidade de digitalizar cada vez mais e busca se desenvolver nesse ambiente. A “Estratégia Governo Digital” para o período de 2020 a 2022, instituída pelo Decreto 10.332/2020, visa a digitalização total dos serviços federais. Além disso, para centralizar seus serviços e informações oficiais digitalmente, o país lançou em 2019 o Portal Único de Governo (gov.br) reunindo cerca de 3.000 serviços e 50% totalmente digitais (AGÊNCIA BRASIL, 2019).

2.1 Setor Empresarial

             Sem dúvida, uma das áreas mais afetadas pela pandemia foi a economia e, por isso, acabou sendo um dos setores que mais gerou preocupação para a população e o governo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2020), na 2ª quinzena de agosto de 2020, 33,5% das empresas em operação relataram que a pandemia teve efeito negativo sobre elas, contra apenas 28,6% que indicaram efeito positivo; 8,1% indicaram que reduziram seu número de funcionários; 32,9% indicaram queda nas vendas ou serviços comercializados; 31,4% indicaram dificuldade na fabricação de produtos ou no atendimento aos clientes; e 21,4% adotaram pelo menos uma medida com apoio do governo.

            Diante disso, deve-se notar que os principais impactos no ambiente de negócios nacional levaram a uma política de rápida adaptação. Diante da situação, duas ferramentas foram utilizadas para minar os efeitos negativos da crise da saúde: mudanças nas leis trabalhistas e aumento do uso de serviços digitais, bem como sua melhoria.

            No primeiro ponto, destacam-se duas Medidas Provisórias (MP): a MP 927 e a MP 936 que flexibilizaram regras trabalhistas e permitiram diversos acordos entre empresas e empregados. Algumas das medidas incluíam redução salarial e de jornada de trabalho, suspensão de contratos de trabalho, antecipação de férias e maior flexibilidade para a adoção do trabalho à distância. Deve-se notar que ambas as Medidas Provisórias perderam sua validade.

            O segundo ponto, mais pertinente a este trabalho, também trouxe à tona um grande debate. As iniciativas de digitalização dos serviços vieram tanto de empresas quanto do governo. No lado privado, o crescimento do e-commerce, o uso de mídias sociais, ferramentas digitais e a revitalização de produtos e atendimento ao cliente foram algumas das estratégias mais comuns. No campo jurídico, além das mudanças na esfera trabalhista, muito se utilizou da renegociação de contratos, da busca de novas estratégias tributárias e da utilização de regimes tributários especiais.

Além disso, iniciativas governamentais, seja para a criação de novos recursos digitais, seja para o aprimoramento dos previamente estabelecidos, foram essenciais para enfrentar o momento. Um caso notório é o processo de criação de sociedades empresariais, algo muito complexo e burocrático no Brasil, assim como o cumprimento das obrigações fiscais. Por exemplo, a nível estadual, algumas Juntas Comerciais permitem o processo de registro de empresas de forma completamente digital. Estados como o Rio de Janeiro, por causa da pandemia, aceleraram seu processo de digitalização, enquanto estados como São Paulo, que já haviam concluído essa transição anteriormente, puderam aproveitar suas ferramentas.

Por exemplo, no caso de São Paulo, o processo de abertura é 100% digital e autodeclaratório, reduzindo seu tempo de conclusão de 100 para 3,5 dias (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2020). De acordo com o site da prefeitura, o “Empreenda Fácil”, as seguintes etapas fazem parte do processo de abertura de uma empresa: 1. Análise de viabilidade; 2. Coletor Nacional; 3. Registro (DBE); 4. Inscrição Municipal; e 5. Licenciamento. Vale ressaltar que para formalização como microempreendedor individual (MEI) existe a possibilidade de realizar esse processo totalmente online em todo o Brasil.

Além da abertura de negócios, diversas atividades podem ser realizadas digitalmente junto à Receita Federal do Brasil (RFB), como a realização de declarações de imposto de renda, abertura de processos, consulta de informações e adesão a regimes especiais. Esses serviços facilitam a gestão empresarial diante das limitações trazidas pela COVID-19.

Outro ponto relevante foi o comércio exterior, setor inicialmente muito afetado pela pandemia. Vale ressaltar que nesse campo o Brasil já havia inovado, servindo, então, como modelo para outros países. As atividades de registro, monitoramento e controle das exportações e importações de bens e serviços são feitas de forma totalmente virtual pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) e Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços (SISCOSERV), respectivamente. Com a pandemia, foram adotadas medidas para facilitar o uso do sistema e sua melhoria.[5][6]

Por fim, mais duas iniciativas são destacadas. Em primeiro lugar, no plano judicial, temos a instauração de processos eletrônicos e sua regulamentação através da Lei nº 11.419/2006, fator que permitiu a contenção do impacto da pandemia no Judiciário. Além disso, na esfera administrativa, vale ressaltar a digitalização de processos relacionados à área de propriedade intelectual, iniciativa recente.

Em 2019, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) lançou o “Plano PI Digital” que inclui 24 ações de baixa burocracia do serviço ao cidadão, implementando novos recursos de tecnologia da informação e comunicação e se tornando 100% serviços digitais oferecidos (MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2019). Os serviços incluem[7]: petição para aplicação de registro de marcas, patentes, topografia de circuitos integrados e projetos industriais; consulta de ativos cadastrados e protegidos; contratos; consulta de estatísticas e manuais; acompanhamento de processos; entre outros.

Com base nisso, pode-se notar que o mundo digital e os usos dos dados tornaram-se fundamentais para a sobrevivência do negócio, o que acabou por trazer novos desafios no campo jurídico, especialmente diante da LGPD.

2.2 Educação

 Com as limitações trazidas pela pandemia e a necessidade de distanciamento, as atividades de ensino no Brasil exigiram uma adaptação rápida. Diante disso, a solução veio através da implementação do ensino a distância (EaD). Em março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) emitiu a Portaria 343 para autorizar o ensino remoto dos cursos presenciais por um período de 30 dias prorrogáveis, o que ocorreu sucessivamente. Nesse contexto, há o Parecer  nº 19 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que estende até 31 de dezembro de 2021 a permissão para atividades remotas no ensino fundamental e superior em todo o país.

No entanto, deve-se notar que, nos últimos anos, mais e mais a educação remota vem ganhando terreno. De acordo com a Associação Brasileira de Ensino a Distância (ABED), a história da educação a distância no Brasil começou em 1904, com artigo publicado no Jornal do Brasil, onde foi encontrado um anúncio nos classificados oferecendo um curso de digitação por correspondência (ABED, 2011 apud ALMEIDA, CARVALHO, PASINI, 2020, p.3). No entanto, a educação a distância surgiu pelo Decreto nº 5.622/2005, posteriormente revogado, sendo atualizado pelo Decreto nº 9.057/2017, vigente até o momento. Hoje o crescimento é tamanho que, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), para o período de 2009 a 2019, o aumento de alunos nessa modalidade foi de 378,9%, com mais da metade dos alunos de instituições privadas nessa modalidade de ensino (ISTO É, 2020).

Além disso, vale mencionar iniciativas como a Universidade Aberta do Brasil (UAB) que foi criada pelo Decreto nº 5.800/2006, com o objetivo de desenvolver a modalidade de educação a distância e ampliar e internalizar a oferta de cursos e programas de ensino superior no país. É um sistema arrojado que democratiza o ensino, inclusive ao promover o desenvolvimento em regiões remotas do Brasil. Segundo dados do Ministério da Educação, o projeto conta com 555 polos em todo o território nacional.[8]

No entanto, apesar dos benefícios como inclusão, conveniência e economia de tempo e dinheiro, a modalidade não está livre de desafios e críticas. Nesse sentido, podemos citar problemas com a aquisição de dispositivos como computador, smartphone e tablets, além de acesso à internet de qualidade. Além disso, a adaptação à modalidade exige uma infraestrutura mínima na casa de cada aluno, muitas vezes incomodada com questões sociais como a violência doméstica. Por fim, muito se questiona sobre a capacidade de ensinar e absorver conteúdo através dessa modalidade.

Por fim, é pertinente ao tema deste trabalho, vale destacar o uso de ferramentas digitais para o ensino remoto. Em geral, os seguintes programas e aplicativos são usados para atividades de ensino: sistema Moodle e Google Classroom (para organização de aulas online), redes sociais e Google Meet (para transmissão de aulas), Google Drive (para disponibilidade de material). Em meio a isso, a discussão recai principalmente sobre os riscos de vazamento de dados de professores e alunos. A questão é tão pertinente que foi abordada pelo Projeto de Lei (PL) 4695/20, que propõe a exigência de que critérios e medidas de segurança sejam observados de acordo com as diretrizes da LGPD e as recomendações governamentais.

  1. LGPD E A NOVA REALIDADE

 A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/2018) entrou em vigor em 18 de setembro de 2020 tendo como função promover a proteção dos dados pessoais de cada cidadão que está no Brasil, alterando alguns artigos do Marco Civil da Internet e estabelecendo novas regras para empresas e órgãos públicos sobre o tratamento da privacidade e segurança das informações dos usuários e clientes. Por sua vez, as punições previstas na Lei só começaram a valer em agosto de 2021, podendo chegar até 2% do faturamento da entidade infratora, no limite de 50 milhões de reais.

Segundo a LGPD, os dados pessoais são aqueles que permitem a identificação, direta ou indiretamente, da pessoa viva. Exemplos de dados pessoais são (TRF3, 2021): nome e sobrenome; endereço de residência; endereço de e-mail como  [email protected]; o número de um cartão de identificação; dados de localização, como a função de dados de localização no celular; um endereço IP (protocolo de internet); cookies; identificador de publicidade de telefone; dados mantidos por um hospital ou médico; isto é, o que permite identificar uma pessoa de forma inequívoca.

Além disso, entre os dados pessoais, há aqueles que estão sujeitos a condições específicas de tratamento:  os de crianças e adolescentes e os “sensíveis”, estes que revelam origem racial ou étnica, convicções religiosas ou filosóficas, opiniões políticas, filiação sindical, genética, biométrica e informações sobre a saúde ou vida sexual de uma pessoa. No caso de crianças e adolescentes, é essencial obter o consentimento inequívoco de um dos pais ou responsável e solicitar apenas o conteúdo estritamente necessário, sem repassar nada a terceiros. Sem consentimento, os dados só podem ser coletados para casos urgentes.

Em se tratando de dados confidenciais, o processamento depende do consentimento explícito da pessoa e de um propósito definido. Sem o consentimento do titular, a LGPD define que isso é possível quando é indispensável em situações relacionadas, por exemplo (TRF3, 2021): obrigação legal; políticas públicas; estudos via figura de pesquisa; um direito, em contrato ou processo; à preservação da vida e integridade física de uma pessoa; à tutela de procedimentos realizados por profissionais sanitários ou de saúde; e à prevenção de fraudes contra o titular.

Além disso, de acordo com o artigo 7º da LGPD, há a possibilidade de os dados pessoais se tornarem públicos com o consentimento do titular. A boa-fé e o interesse público devem estar presentes na prestação dos dados, bem como estar em consonância com o princípio constitucional da publicidade. Por fim, há também os chamados dados anonimizados. A anonimização é uma técnica de processamento de dados que remove ou modifica informações que podem identificar a pessoa, hipótese na qual a LGPD não se aplicará aos dados (TRF3, 2021).

Os princípios da LGPD são dez (TRF3, 2021): adequação, necessidade de transparência, livre acesso, qualidade dos dados, segurança, prevenção, responsabilidades e prestação de contas, não discriminação e finalidade.

De acordo com o art. 17 da LGPD, a cada pessoa física é garantido a titularidade de seus dados pessoais e os direitos fundamentais de liberdade, intimidade e privacidade. Além disso, o artigo 18º lista dos direitos que os titulares têm de obter dos controladores (a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais) (TRF3, 2021): confirmação da existência de processamento; acesso aos dados; correção de dados incompletos, imprecisos ou desatualizados; anonimização, bloqueio ou exclusão de dados desnecessários, excessivos ou processados em descontamento das disposições da LGPD; portabilidade dos dados a outro prestador de serviço ou produto, mediante solicitação expressa, de acordo com as normas da autoridade nacional, observados os segredos comerciais e industriais; exclusão de dados pessoais processados com o consentimento do titular; informações das entidades públicas e privadas com as quais o controlador fez uso compartilhado dos dados; informações sobre a possibilidade de não fornecer consentimento e sobre as consequências do negativo; e retirada do consentimento.

Assim, a palavra que permeia a realidade de proteção criada pela LGPD é o consentimento. É através dele que (GROSSI, 2020, p. 23):

O titular dos dados pessoais é capaz de emitir autorizações conscientes para os diversos processamentos aplicáveis aos seus dados – e, portanto, pode exercer controle total sobre o que deve ou não ser disponibilizado, bem como para quem e para que finalidade. Em última análise, ele pode até revogar tal consentimento quando não concorda mais com nenhuma das formas de uso de seus dados.

Em meio a isso, quando se trata de instituições de ensino e empresas, o cuidado com a gestão e o tratamento dos dados individuais e a necessidade recorrente de obter seu consentimento para a coleta de informações necessárias para suas atividades é fundamental.

Nesse escopo, os riscos a serem considerados incluem o vazamento de dados pessoais, a coleta de dados confidenciais sem o consentimento de seu titular e a falta de definição de quais dados são realmente essenciais para o desempenho das atividades de uma entidade, entre outros exemplos.

Por exemplo, para evitar tais ameaças, a startup brasileira Sympla, que oferece uma plataforma de gestão de eventos e venda de ingressos, vem adotando uma metodologia de compliance em privacidade e proteção de dados pessoais que tem, como um dos pilares, o treinamento de funcionários. De acordo com Frederico Félix, Coordenador de Privacidade e Proteção de Dados do Sympla, o entendimento da empresa é que várias medidas devem ser adotadas para conscientizar e capacitar  seus  colaboradores (2019 apud GROSSI, 2020, p. 380-381):

Todo novo funcionário realiza um treinamento em vídeo sobre privacidade e proteção de dados, com perguntas a serem respondidas no final.

Além disso, o novo funcionário participa, na primeira semana, do onboarding, onde cada área apresenta suas frentes de trabalho, incluindo a área de privacidade e proteção de dados.

São realizadas ações especiais, como uma semana de segurança da informação e privacidade, convidando palestrantes externos a falar sobre os temas.

Também são produzidas e são ministradas oficinas personalizadas para cada área, como a equipe de suporte ao cliente, que precisa identificar e tratar solicitações relacionadas ao exercício dos direitos dos titulares, ou à equipe de marketing, sobre como lidar com perfil, ações de e-mail marketing, etc..

Além disso, são elaborados panfletos temáticos (“pílulas virais”) fazendo uso de personagens conhecidos da “cultura pop”, com conteúdo relacionado à privacidade, a fim de aumentar o nível de conscientização. Por ser uma empresa de cultura jovem e mais dinâmica, esse tipo de artifício funciona, que, talvez, não ocorra em uma empresa mais “tradicional”.

Todo o material é produzido internamente, com um esforço conjunto das áreas para dar efetividade à entrega planejada.

Logo após a divulgação de conteúdo e treinamento, nota-se que os funcionários ficam mais alertas e cautelosos, validando ações com a equipe de privacidade e proteção de dados antes de adotá-los.

Por isso, o trabalho de treinamento e conscientização deve ser constante. O projeto de adequação da LGPD não é uma corrida que terminará em 2020, mas uma maratona que não terá uma linha de chegada, incluindo a possibilidade de novas regulamentações e requisitos pela autoridade reguladora.

Com base nisso, fica claro que a crescente digitalização do Estado, impulsionada pelas necessidades trazidas pela pandemia, deve se mover concomitantemente com as adaptações exigidas pela LGPD, seja no campo dos negócios ou na educação. O cuidado com os dados coletados dos clientes ou estudantes deve passar por planejamento e treinamento prévio, bem como monitoramento constante.

  1. CONCLUSÃO

A sociedade está evoluindo a um ritmo cada vez mais rápido, adaptando-se às novas tecnologias e às limitações impostas por ameaças. Os desafios e necessidades trazidos pela pandemia COVID-19 fomentaram o processo de digitalização do Estado, para mencionar o campo dos negócios, educação e da inovação.

Ao mesmo tempo, há uma necessidade crescente de melhorar um marco legal para a proteção de dados pessoais. Riscos com ataques cibernéticos, uso indevido de dados e um mercado de informações descontrolado que está aumentando são alguns dos fatores que justificam a urgência em abordar o assunto.

Por isso, a LGPD é fundamental para o controle da nova sociedade e faz parte de um momento em que as mídias digitais e o fluxo de dados pessoais nunca foram tão utilizados. Assim, adaptar-se à pandemia é também estar se adaptando à nova lei de dados e a uma lógica que prioriza o consentimento do indivíduo.

Portanto, cabe tanto às empresas, quanto às instituições de ensino, criar estruturas internas que garantam o cumprimento das diretrizes da LGPD, bem como mitiguem e evitem riscos inerentes às modalidades digitais de suas atividades.

REFERÊNCIAS

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Notas:

[1] Graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1983). Mestrado em Propriedade Industrial – Westfälische Wilhelms Universitat Münter (1995) e Doutorado em Direito Europeu de Patentes – Westfälische Wilhelms Universitat Münter (2002). É professor associado da Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e do Programa de Mestrado de Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM).

[2] Bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2018) e MBA/E em Comércio Exterior pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2019). Atualmente cursa Graduação em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

[3] Disponível em: <https://www.teleco.com.br/ncel.asp>. Acesso: 08 jul.2020.

[4] Anatel: 98,2% da população brasileira tem acesso à internet móvel, https://canaltech.com.br/telecom/anatel-982-da-populacao-brasileira-tem-acesso-a-internet-movel-122178/, acesso em 07.08.2020

[5] Criado em 1993.

[6] Criado em 2012. Após suspensão prevista pelo Portaria Conjunta Secint/RFB n. 25/Em 2020, o Ministério da Economia anunciou a paralisação do Sistema.

[7] Visto: https://www.gov.br/inpi/pt-br. Acesso em: 28 ago.

[8]Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=346-uab&category_slug=documentos-pdf&Itemid=30192>. Acesso: 08 jul. 2020.

Palavras Chaves

COVID-19. Educação. Estado Digital. LGPD. Negócios.