CRIANÇAS-SOLDADO E MENORES NO NARCOTRÁFICO: UM PARALELO ENTRE CONFLITOS ARMADOS

Resumo

O presente estudo tem por objetivo traçar um paralelo entre a atuação infantil e infantojuvenil em conflitos armados. A participação de crianças e adolescentes será analisada dentro das denominadas "nova guerra" e "novíssima guerra". De forma mais específica, a dissertação visa demonstrar semelhanças e diferenças desses atores nas guerras civis africanas e no tráfico de drogas brasileiro. Se faz necessário ressaltar que a presente trabalho leva em consideração uma visão imparcial e rousseauniana de criança, que não nasce boa ou má, sendo tábula rasa, ou seja, fruto da sua história que ainda será escrita, de acordo com o momento e o local em que encontra-se inserida na sociedade.

Abstract

Crianças; adolescentes; guerras; tráfico;

Artigo

CRIANÇAS-SOLDADO E MENORES NO NARCOTRÁFICO: UM PARALELO ENTRE CONFLITOS ARMADOS

 

JANUSE DA SILVA MACHADO

Resumo:

O presente estudo tem por objetivo traçar um paralelo entre a atuação infantil e infantojuvenil em conflitos armados. A participação de crianças e adolescentes será analisada dentro das denominadas “nova guerra” e “novíssima guerra”. De forma mais específica, a dissertação visa demonstrar semelhanças e diferenças desses atores nas guerras civis africanas e no tráfico de drogas brasileiro.  Se faz necessário ressaltar que a presente trabalho leva em consideração uma visão imparcial e rousseauniana de criança, que não nasce boa ou má, sendo tábula rasa, ou seja, fruto da sua história que ainda será escrita, de acordo com o momento e o local em que encontra-se inserida na sociedade.

 

Palavras-chave:

Crianças; adolescentes; guerras; tráfico;

 

Introdução

 O presente estudo tem por objetivo traçar um paralelo entre a participação infantil e infantojuvenil em conflitos armados. A atuação de crianças e adolescentes será analisada dentro das denominadas “nova guerra” e “novíssima guerra”. Se faz  necessário ressaltar que a presente dissertação leva em consideração uma visão imparcial e rousseauniana de criança, que não nasce boa ou má, sendo tábula rasa, ou seja, fruto da sua história que ainda será escrita, de acordo com o momento e o local em que encontra-se inserida na sociedade.

As guerras clássicas, caracterizadas pelos Estados que lutavam por territórios ou ideologias, deram vez, a partir da década de 80, a denominada “nova guerra”, conceito introduzido de forma pioneira por Mary Kaldor1, ao explicar uma guerra entre a própria sociedade em busca de recursos, tendo em vista a incapacidade dos Estados em fornecerem funções básicas de prestações públicas.

Quanto ao tema, Tatiana Moura vai além2, introduzindo a questão da “novíssima guerra”, que caracteriza-se pelos conflitos de poder paralelo ao Estado, dentro de um microespaço urbano em situação oficial de paz. Alguns autores, como Dowdney, preferem a denominação “violência armada organizada”, tendo em vista que a palavra “guerra” poderia gerar complicações, já que alguns conflitos armados não são reconhecidos pela comunidade internacional como guerra3.

Como exemplo do primeiro caso exposto, ou seja, a “nova guerra”, podemos destacar a guerra da Bósnia-Herzegovina, e exemplificando a “novíssima guerra”, esta pode ser retratada pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro4. Mas serão as duas realidades assim tão distantes? Carla Marcelino Gomes entende que a situação brasileira traduz um novo paradigma de conflitualidade e especificidade, diante da intensidade da violência, utilização de armas de fogo e número de vítimas muitas vezes superior ao número de vítimas de guerras oficiais e declaradas como tal5.

Em relação à “nova guerra”, temos a situação das crianças associadas as forças e grupos armados, pejorativamente denominadas de crianças-soldado, ou “Filhos de um Deus Menor”6, diante de sua vulnerabilidade. Quanto à “novíssima guerra”, nos deparamos com a situação de crianças marginalizadas, os “Novíssimos Filhos de um Deus Menor”, ou, no caso específico do Rio de Janeiro, os “Aviõezinhos do Tráfico”, “fogueteiros”, “embaladores”, etc. Estes, atuantes dentro de uma cadeia de comando armada e organizada.

Diante desse crescente problema de crianças sendo utilizadas em meio hostil e violento, o Direito Internacional vem caminhando e ampliando sua normatização, a fim de melhor proteger vulneráveis. No entanto, apesar das diversas semelhanças existentes entre as crianças-soldado e os menores atuantes no tráfico de drogas, a comunidade internacional não reconhece a aplicação das regras internacionais específicas no último caso, que deve ser solucionado internamente pelos Estados, levando-se em consideração seu sistema jurídico e soberania. Sendo assim, não há aplicação do Direito Internacional Humanitário no narcotráfico brasileiro, porém aplica-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Análise normativa

 Como norma principal, aplicada às crianças de forma geral, destaca-se a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (CDC), Tratado Internacional adotado pela Assembléia-Geral da ONU, em 1989. A referida norma constitui a base da proteção internacional dos direitos humanos das crianças, devendo ter aplicação aos cidadãos dos Estados Parte em época de guerra ou de paz. O dispositivo preconiza que:

“Todas     as     decisões     relativas     as      crianças,     adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”

 A mesma Convenção reconhece que toda criança é detentora de direitos humanos e que estes não derivam e nem dependem dos direitos dos pais, assim elevando a criança a um sujeito de direito.

Em 12 de fevereiro de 2002, entrou em vigor o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à Participação de Crianças em Conflitos Armados, proibindo o recrutamento compulsório de jovens antes dos 18 anos e exigindo garantias mínimas para proteção especial para recrutamentos voluntários abaixo dos 18 anos.

O Protocolo I adicional às Convenções de Genebra, relacionado à Proteção das Vítimas de Conflitos Armados Internacionais, que entrou em vigor no dia 07 de dezembro de 1979, é o primeiro Tratado Internacional que proíbe que as partes envolvam crianças em hostilidades. O parágrafo 2 do artigo 77 diz que:

“As partes no conflito tomarão todas as medidas possíveis na prática para que as crianças de menos de 15 anos não participem diretamente nas hostilidades, abstendo-se nomeadamente de recrutá-las para as suas forças armadas”.

Quanto à normatização que visa regulamentar a “nova guerra”, podemos nos deparar com o conceito de criança-soldado definido pela primeira vez nos Princípios da Cidade do Cabo, entre 27 e 30 de abril de 1997, no Simpósio sobre Prevenção do Recrutamento de Crianças em Forças Armadas e sobre a Desmobilização e a Reintegração Social de Crianças Soldado na África. Sendo assim, criança soldado é qualquer pessoa menor de 18 anos de idade que é parte de qualquer tipo de grupo armado, de forma direta ou indireta, incluindo cozinheiros, carregadores, mensageiros e escravos sexuais. O texto original do documento diz que:

“any person under eighteen years of age who is part of any kind of regular or irregular armed force or armed group in any capacity, including but not limited to cooks, porters, messengers, and those accompanying such groups, other than purely as family members. It includes girls recruited for sexual purposes and forced marriage”.

Vale ressaltar que o Estatuto de Roma (1998), que criou o Tribunal Penal Internacional, define como crime de guerra, em seu artigo 8º, o recrutamento e alistamento ou o uso de menores de 15 anos em hostilidades.

Ademais, o tema em estudo ganhou maior relevância no cenário internacional nos anos 1990 com a publicação do relatório escrito por Graça Machel, denominado “Impact of Armed Conflict on Children”, apresentado à Assembléia Geral das Nações Unidas em 1996. Nas seguintes palavras:

“…the dilemma of dealing with children who are accused of committing acts of genocide illustrates the complexity of balancing culpability, community’s sense of justice and the best interest of the child. The severity of the crime involved, however, provides no justification to suspend or to abridge the fundamental rights and legal safeguards accorded to children under the Convention on the Rights of the Child.”7

Em relação à legislação interna brasileira, é fato que a partir do ano de 1988, após a promulgação da Constituição Federal cidadã, os direitos das crianças e adolescentes passaram a receber uma atenção constitucional maior.

 Dispõe o artigo 227, da Constituição Federal Brasileira que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Ainda sobre o ordenamento jurídico do Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei especial 8.069 de 13 de julho de 1990, se encarregou de dispor especialmente sobre a proteção integral das crianças e adolescentes. O seu art. 2º, caput, estabelece que “Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

Quanto ao direito africano, temos a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem- Estar da Criança, criada em 1990. Refere-se a um tratado de direitos humanos adotado pela União Africana, possuindo 45 Estados Partes e criando um Comitê Africano de Peritos sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança, responsável por examinar relatórios dos Estados Partes, apreciar queixas e efetuar inquéritos. Em seu artigo terceiro, menciona que:

” Toda a criança deve ter o direito de gozar plenamente todos os direitos a liberdade reconhecidos e garantidas nesta Carta, sem qualquer diferença em relação a raça, grupo étnico, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra opinião, origem nacional a Social, riqueza, nascimento ou outros estatutos de seus país ou de seus legítimos guardiães.” 8

Recrutamento e voluntariado infantil/ infantojuvenil

 As crianças-soldado são recrutadas de diferentes formas. O recrutamento pode ser forçado ou voluntário. Algumas são alistadas, outras são arrebanhadas ou raptadas, e muitas são forçadas a se unirem a grupos armados para defenderem suas famílias, sendo que, ao se recusarem, poderão ser mortas.9

Uma parte das crianças soldado se envolvem em conflitos armados de maneira voluntária, ou seja, sem serem seqüestradas ou fisicamente forçadas, se acreditarem que essa é a única forma de assegurarem bens mínimos de sobrevivência. Ademais, fome e pobreza podem levar os pais a oferecerem seus filhos para serviços militares ou estimularem que eles se voluntariem como forma de garantir refeições regulares, vestimentas e cuidados médicos.10

Alguns casos de estudo mencionam pais que encorajam as filhas a irem para a tropa se as perspectivas de casamento forem fracas. Existem, ainda, casos em que algumas crianças já nascem no cativeiro e no meio do combate, e ali permanecem.

Como evidencia o relatório de Graça Machel sobre Crianças em Conflitos Armados (1996), existem três principais razões para o aumento do uso de crianças- soldado nas guerras: a vulnerabilidade para recrutamento forçado, a utilização de armas leves e as “novas guerras”. Nesse sentido, Nwoko afirma que a participação infantil é  facilitada com armas tradicionais, no lugar de armas tecnológicas.11

De forma comparativa, a situação dos aviõezinhos do tráfico, fogueteiros e menores empacotadores, atuantes no narcotráfico, também se dá em razão da grande vulnerabilidade social e econômica dessas crianças e adolescentes, bem como as chamadas “novíssimas guerras”. Além disso, a utilização de armas militares pelos poderes paralelos do tráfico, também favorece o aumento do problema. Outros fatores

que influenciam para que menores sejam recrutados, tanto para agirem como crianças- soldado, quanto no tráfico de drogas, é que eles não enfrentam a mesma punição legal que os adultos e recebem um pagamento relativamente menor, atraindo ainda mais o interesse dos recrutadores.

A despeito de não haver guerra civil declarada no Brasil, há alguns anos têm-se intensificado os conflitos armados internos, notadamente entre traficantes com a utilização de menores de idade na estrutura da atividade. Sabe-se que o país é tradicionalmente pacífico e não se encontra na pirâmide de conflitos internacionais, porém convive indisfarçadamente com um cenário de guerra sem trincheiras.

O Estado, ao falhar na proteção e segurança da população, não oferecendo educação e oportunidades de empregos para os jovens, estimula que crianças entrem em conflitos armados, seja na qualidade de soldados combatentes ou atuantes dentro do tráfico. Ademais, crianças possuem menor desenvolvimento psicológico e emocional, facilitando seu recrutamento voluntário. 12

Além disso, muitos jovens procuram essas atividades, pois encontram-se em situações de abandono afetivo, discriminação racial, baixa perspectiva de ascensão econômica e social, falta de estrutura familiar; dificuldade de continuarem nos estudos  e, futuramente, de ingressarem em uma universidade, necessidade de trabalharem para ajudar na renda familiar, falta de apoio para se inserirem em atividades culturais, dificuldade de conseguirem empregos formais, falsa proteção, falta de alternativas e perspectivas, dentre outros fatores.

A pobreza familiar pode levar essas crianças a terem que apoiar financeiramente suas famílias. Ademais, a falta de oportunidades educacionais e treinamento vocacional podem render a esses menores poucas alternativas de emprego, principalmente em um contexto de conflito armado onde escolas e creches são fechadas. Dessa forma, para aqueles sem educação e sem emprego, a possibilidade de se envolver com um grupo armado é maior.13

Ademais, o contato com parentes e amigos que já estão envolvidos no tráfico/guerras, contribuem para que a juventude enxergue nesse trabalho um caminho, sendo as atividades vistas como uma perspectiva de obter status social e ganhos econômicos difíceis de serem alcançados de outra forma. Existe, ainda, a percepção de que entrar para o narcotráfico e guerras é uma forma de compensar parte das desigualdades e injustiças sociais, bem como fazer jus ao espírito de vingança familiar. Este último exemplo fica claro no filme Beasts of no Nation. Dessa forma, o  alistamento voluntário é percebido por esses jovens como uma maneira de empoderamento frente as sociedades, visto que agora eles serão respeitados por estarem armados e não mais permitirão abusos e explorações.14

Um Estado frágil, em meio à pobreza e conflito armado ou poder paralelo realizado pelo tráfico de drogas, dificilmente conseguirá garantir que todas as suas crianças sejam devidamente registradas e possam comprovar sua idade. Sendo assim, a ausência de documentos que comprovem a idade de um jovem pode servir para justificar seu uso por grupos armados, que alegam desconhecerem que estavam empregando crianças quando demandados em cortes nacionais e internacionais. Logo, os recrutadores acabam por atribuir 18 anos aos recrutas para dar a aparência de conformidade com a legislação nacional.

A situação é agravada, ainda, com o aumento da violência urbana, da discriminação, da pobreza extrema, da exclusão política e econômica, da falta de proteções e estruturas de apoio legais e de instituições.15

Para menores em situações precárias e de extrema pobreza, sem perspectivas de desenvolvimento pessoal e econômico ou emprego, juntar-se a um grupo armado é uma forma de segurança coletiva e individual.16 Para esses jovens, o voluntariado envolve o modelo da vida militar, servindo a uma causa religiosa, étnica ou política, ou, ainda, buscando por aventura, identidade e reconhecimento.17

Além disso, em situações de total quebra dos laços familiares e sociais, grupos armados podem se vistos como os únicos provedores de refúgio e segurança para essas crianças e adolescentes, permitindo o acesso a refeições regulares, roupas e cuidados médicos, e segurança por estarem armados, além de desfrutarem de uma sensação de poder e das supostas regalias da vida militar, sendo, na cabeça desses menores, situação mais vantajosa do que simplesmente permanecerem como um civil desprotegido pelo Estado e à mercê da vontade de grupos armados.18

Alguns menores sentem-se obrigados a tornarem-se soldados para sua própria proteção. Confrontados com a violência e o caos por todo o lado, decidem que estão mais seguros tendo armas nas mãos. Freqüentemente, essas crianças juntam-se a grupos armados da oposição depois de terem sofrido abusos por parte das forças governamentais. Além disso, quando os menores permanecem com um grupo durante longos períodos, tendem a identificá-lo como seu protetor ou como uma “nova família”.

Ademais, o fascínio da ideologia é particularmente forte no início da adolescência, quando os jovens começam a desenvolver as identidades pessoais e a procurar um sentido de significado social.

As crianças também são recrutas desejáveis porque são mais maleáveis, mais ágeis, menos socializadas e mais dóceis do que os adultos, sendo mais obedientes e mais fáceis de serem coagidas a cometerem atrocidades.19

Ademais, o uso de crianças-soldado também é uma tática psicológica e econômica de guerra destinada a atingir o inimigo psicologicamente, somado ao fato de grupos militares perceberem as crianças como mais passíveis de doutrinação, mais leais e menos propícias a questionarem seus comandantes e apresentarem dificuldades morais para cumprir ordens.20 Comandantes militares reconhecem, ainda, que seus tamanhos pequenos e a maneira como podem ser fisicamente e psicologicamente controladas sem dificuldades seriam vantagens.21

Ainda considerando-se os aspectos físicos, crianças, em um contexto de conflito armado, são consideradas com custos financeiros baratos, porque comem pouco e demandam treinamento mínimo, além de um recurso ilimitado, visto que estão “disponíveis para serem recrutadas” após a ruptura de relações estatais, familiares e sociais.22

Por fim, o uso de crianças-soldado é uma forma poderosa de aterrorizar a população civil adulta,23 porque crianças possuem um simbolismo particular (relacionado à idéia de futuras gerações) para determinado grupo étnico ou religioso, porque elas simbolizam uma possível mudança política e social no futuro, ou simplesmente porque a perda da infância machuca tais comunidades, gerando maior comoção social.24

Funções desempenhadas pelos menores

 Uma criança ou adolescente pode assumir diferentes funções no narcotráfico: os fogueteiros ou olheiros ficam encarregados de vigiar e avisar sobre a chegada de forças de segurança ou grupos rivais através de fogos de artifícios ou rádio comunicadores; os enroladores ou embaladores servem para empacotar as drogas; os aviõezinhos do tráfico possuem a função de levar a droga da boca de fumo da favela até os clientes no asfalto.

Os menores que atuam no narcotráfico trabalham em turnos de 8 a 15 horas, incluindo em horário noturno. Esses jovens possuem salários compostos por comissão em relação às mercadorias vendidas e freqüentemente estão expostos à violência policial e ao crime.

As crianças-soldado servem os exércitos apoiando tarefas como cozinheiros, carregadores, mensageiros e espiões. Papéis comuns para crianças incluem ficar de

guarda, verificar pontos de encontro, roubar e garantir o provimento de alimentação e munição, fornecer informações e cuidar de atividades domésticas25

Ademais, crianças combatentes são recrutadas para lutar, matar, torturar, destruir propriedades e armar minas. Elas também são usadas como cozinheiras, mensageiras, espiãs, limpadoras, carregadoras e para serviços sexuais26.

Depoimentos de ex-combatentes

 

pEdcptdedmaosaeaeinmurmrpsselaneeeabcmiimlrsteictvréanitupainomazDrsecrnalsñdeseahenuanedsopnsdtalceosciercacmnoseosrcocegronriamdmnotralraidolgdnoepoaaonfesdvcsrltoñcoeoiecisoragsmcsomunmí,mtaqmhdeobsueoebsa,asresamicftrilditusiolgereeon.rnvsnsrcMsag.et.idneoSoAniuotsngsipaclniseneymgyhñscsaueapoeaocnmdnsnedonseoantabcosfaupsialrñnopnreracdaiegsoicoarsñaroyunstmooyoe,.iisHsñncoUsnqyoucsiuiunepisñmaeaaoasnn  Rights  Watch  e  da  Children  and Armed Conflict, as crianças são expostas a torturas e maus tratos, trabalhos perigosos e violência sexual. A seguir, alguns depoimentos de crianças vítimas de conflitos de guerra.27

“Me levaram em 1999, quando eu tinha treze anos. No início, me ocuparam no transporte de armas, suprimentos e outros materiais. Mais tarde, me mostraram como combater. Aprendemos a atirar com os fuzis AK-47 e outras armas. Eu era o mais jovem de uma tropa com cerca de setenta crianças e adultos. Estávamos na linha da frente e eu fiquei doente, tive surtos de malária e às vezes não tinha o que  comer. Só  fiquei  na tropa porque foi aí que me colocaram depois de me capturarem. Não fui eu que tomei esta decisão.” (Manoel P., ex- criança-combatente da UNITA, 3 de dezembro de 2002).”

“Eu estava com minha família, tivemos que sair devido à guerra – os combates chegaram onde morávamos e tivemos que fugir. Eu tinha 16 anos. Nosso trabalho era carregar coisas pesadas, como por exemplo, os projéteis de morteiros. Havia outras crianças no meu grupo, éramos de trinta a quarenta crianças de 14 a 16 anos de idade. Nosso trabalho principal era carregar as munições desde as bases na altura até as linhas de  frente. Era um trabalho difícil porque as cargas eram pesadas. Passávamos fome, não tínhamos roupas adequadas e, às vezes, as pessoas simplesmente “desapareciam””. (Carlos B., ex- criança-combatente da UNITA).

“Participei dos combates e das ações. No início, me fizeram carregar materiais e ajudar a preparar a comida, mas mais tarde me ensinaram a combater.Com 14 anos, eu era o mais jovem na minha unidade, apesar de haver outros de 15 e 16  anos. Vi pessoas na minha frente perderem seus braços.” (Luiz J., ex-criança-combatente da UNITA.)

“Fomos treinados no uso de armas automáticas como os fuzis AK-47, e nos ensinaram a usar granadas. Alguns jovens também receberam treinamento quanto ao uso de mísseis e armas antitanques. Também recebemos treinamento técnico sobre conserto de veículos, mecânica e limpeza e reparos de armas.” (Felipe A., ex-criança-combatente da FAA).

 Particularidades das meninas-soldado

 Inicialmente, cabe ressaltar que crianças-soldado do sexo masculino também sofrem abusos sexuais, porém em escala menor do que acontece com as meninas, razão pela qual estas ocupam uma situação bastante particular no tema.

As menores são mais vulneráveis a abusos sexuais do que mulheres, tendo em vista o medo que soldados possuem de contrair doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como o vírus HIV/AIDS, pois meninas mais jovens e virgens são menos propícias a estarem infectadas28.

Além de escravas sexuais, meninas-soldado desempenham também o papel de espiãs, carregadoras, cozinheiras, enfermeiras, mensageiras e combatentes29.

Muitas menores se alistam de forma voluntária para fugirem de abusos físicos e sexuais domésticos, bem como para escolherem o comandante que servirão, evitando, assim, que sejam estupradas por um batalhão inteiro. A grande maioria sofre com espancamentos, torturas, estupro e até morte.

Dentro do narcotráfico, a utilização de meninas ocorre em escala bastante reduzida, porém adolescentes saem de suas casas pelos mesmos motivos, ou seja,

agressões domésticas, e procuram parceiros dentro do tráfico, como forma de se sentirem seguras e protegidas pelo “dono do morro”, assumindo uma posição de “primeira dama” de um líder com poder.

Em razão do machismo predominante em diversas culturas, as ex-combatentes são excluídas de programas de reintegração, sendo rejeitadas e estigmatizadas pela sociedade, inclusive dentro da própria família30.

Muitas retornam dos combates já com um filho nos braços, fruto das violências sexuais sofridas, dificultando ainda mais a sua reinserção e aceitação dentro da comunidade, pois a sociedade as impede de conseguirem relacionamentos estáveis, tornando-as, inclusive, mais vulneráveis a novos abusos sexuais31.

Sendo assim, ocorre um círculo vicioso, pois essas menores se alistam para fugirem de discriminação e abusos dentro de casa, porém ao retornarem, são ainda mais marginalizadas32. Situação similar ocorre com meninas que se envolvem com o tráfico, pois muitas vezes passam a ser excluídas por suas famílias e pela sociedade, sendo constantemente julgadas por suas escolhas.

Por essa razão, os programas de reintegração devem ser pensados de forma a responderem às necessidades especiais das crianças-soldado, principalmente diante das peculiaridades das meninas-soldado e de suas comunidades33.

Conclusão

 A ativista de direitos humanos Graça Machel, em participação no Terceiro Comitê da Assembléia Geral das Nações Unidas, comentou sobre problemas da guerra frente aos direitos das crianças: “A guerra viola todos os direitos da criança: o direito à

vida, o direito de crescer em um ambiente familiar, o direito à saúde, o direito a desenvolver-se integralmente e o direito de ser sustentada e protegida, entre outros.”34 Além disso, há relatos de que as crianças sofram as piores formas de abuso, incluindo trabalhos físicos, escravidão sexual e uso forçado de drogas. 35

Importante ressaltar que as mesmas considerações acima destacadas por Graça Machel no cenário de guerra strictu sensu, aplicam-se também para a situação de crianças e adolescentes atuantes no tráfico de drogas do Rio de Janeiro.

A Constituição Federal Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente, através de seus instrumentos e imperativos normativos, objetivam a melhoria da realidade dos menores no Brasil, possibilitando-lhes oportunidades de educação, saúde  e alimentação. No entanto, a desigualdade social e econômica permanece, tendo em vista a omissão de todos diante da inaplicabilidade e não efetividade das garantias previstas apenas teoricamente nos diplomas legais citados.

O maior desafio do tema em estudo é conseguir convencer a sociedade, uma vez vítima de atos violentos praticados por menores de idade, que as crianças e adolescentes também são vítimas do sistema, e, portanto, merecem a oportunidade de refazerem as suas vidas e serem reintegrados no convívio com os demais. Os direitos dos menores precisam ser respeitados, levando-se em consideração a antropologia, sociologia e filosofia, a fim de evitar que as crianças percam sua infância.

O recrutamento ou voluntariado de menores combatentes e jovens que atuam no narcotráfico são fenômenos vistos como alternativas de sobrevivência, conforme já explicado, diante de situações de pobreza extrema, porém que acabam por prejudicar o desenvolvimento das crianças, das famílias e dos países de forma global. Trata-se de destruição física, humana, moral e cultural. Na prática, os problemas são similares, tanto a nível internacional quanto interno, devendo-se, portanto, utilizar estratégias para além daquelas utilizadas apenas no cenário de violência urbana ou segurança pública.

Quando o recrutamento é voluntário, deve-se eliminar os fatores que levaram o jovem a se voluntariar, considerando-o agente em seu processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR). Infelizmente, resoluções de organizações internacionais que exijam que grupos armados deixem de recrutar crianças, será pouco efetiva para lidar com o problema, tendo em vista que os menores continuarão, por conta própria, a buscarem um lugar junto aos combatentes pelas diversas razões já apresentadas.

 Um dos grandes problemas enfrentado pelas crianças-soldado é a sua reintegração em comunidade, pois os menores são vistos como culpados por suas sociedades, que se negam a aceitá-los como seus membros, sendo importante reeducar os civis para receber com dignidade esses ex-combatentes e menores do tráfico, a fim de evitar qualquer estigma, estereótipo e prejuízos sociais36.

 Outro problema nítido tanto no caso das crianças-soldado, como na atuação de jovens no tráfico, é que na maioria das vezes, os menores carecem de habilidades para o mercado de trabalho e não possuem fontes de rendimentos. Logo, conforme a Assembléia Geral das Nações Unidas (AGNU) estabelece, algumas medidas de prevenção e reabilitação dos jovens devem ser levadas em consideração, como envolvimento em educação vocacional, serviços psicossociais, trabalhos recreativos, atividades para a geração de renda e reunificação familiar, reconhecendo a educação como fundamental para uma solução duradoura e efetiva.

 A recuperação e a reinserção do menor deve ter lugar num ambiente que favoreça a saúde, o respeito por si próprio e a dignidade da criança, a fim de criarem novos fundamentos de vida com base nas suas capacidades individuais, físicas, afetivas e intelectuais.

 Para que o problema seja reduzido, a educação deve ser a grande prioridade, aliada ao incentivo de atividades recreativas e culturais. Ademais, se faz necessário comprometimento, monitoramento e esforço dos Estados, das organizações internacionais e da sociedade civil, atuando diretamente nas causas deste cenário caótico, fazendo com que o recrutamento de menores em conflitos armados internos ou

internacionais seja mais custoso do que benéfico. Isso porque, enquanto os benefícios forem tidos como maiores do que os custos, as legislações que proíbem o uso de crianças-soldado serão vazias e continuarão a serem violadas37.

 Como forma de desencorajar os recrutamentos de menores, seria de bom tom  que os Estados se comprometessem a parar de comercializar com grupos que adotem tais práticas38, lançando mão de sua influência, a fim de encorajar os grupos a respeitarem as normas internacionais e internas39. A atuação da mídia também cabe como meio de exemplo e esforço coletivo, a fim de chamar atenção dos líderes nacionais e internacionais e da sociedade para o problema40.

 Como forma de potencializar o ativismo no tema, se faz necessário que os países internacionalizem normas que proíbam a utilização de crianças soldado, sensibilizando a opinião pública41 e, ainda, utilizando as ONGS como fonte de pressão perante os Estados, para que estes cumpram os acordos assumidos internamente e dentro da sociedade internacional42.

 No âmbito interno, o Estado deve fazer valer o ordanemento pátrio vigente, aplicando-se com seriedade os direitos fundamentais, bem como o ECA – Estatuto de  Criança e do Adolescente, nos casos de menores no tráfico no Brasil. Tal como sublinha o artigo 391 da Convenção sobre os Direitos da Criança, a recuperação e a reinserção devem ter lugar num ambiente que favoreça a saúde, o respeito por si próprio e a dignidade do menor. A educação e o treinamento vocacional também são importantes mecanismos de reintegração e de prevenção do envolvimento infantojuvenil em conflitos futuros.

As nações tem o dever de evitar que jovens sejam envolvidos em negócios de guerra; de processar aqueles que forçam os menores a virarem combatentes; de  reabilitar ex crianças-soldado e reintegrá-las à sociedade, bem como de educar os cidadãos sobre o tema, para que eles atuem como agentes rumo a erradicação dessa prática em futuros conflitos.

Internamente, os Estados devem fornecer o correto registro de nascimento a todos, bem como acesso à educação como medidas que podem evitar o fenômeno da marginalização. Ainda na mesma linha, as oportunidades de emprego devem estar presentes, reduzindo a pobreza e elevando o padrão de vida, bem como a disseminação de informações sobre direitos humanos em geral, criação de programas para ensinar valores comunitários e familiares.

No caso da reintegração e reagrupamento de meninas-soldado, a cautela deve ser observada, tendo em vista a peculiaridade do caso, levando-se em consideração a discriminação e preconceito ainda maiores nessas situações, que colocam a mulher em posição de vulnerabilidade, sendo marginalizada dentro da sua própria família.

O apoio a programas sociais, como consultorias jurídicas, serviços sociais, reinserção das famílias com segurança econômica e oportunidades profissionais para todo o núcleo familiar, também se faz necessário, assim como aprendizagem sobre cidadania, direitos humanos e o sistema de justiça criminal. Portanto, o apoio psicológico e emocional devem ser fornecidos tanto às crianças que participaram das hostilidade civis e conflitos armados, quanto às suas famílias.

O apoio inclusivo do jovem na sociedade é ponto crucial para que ele se sinta importante e participativo dentro de uma sociedade, não sendo mero sujeito passivo de direitos, mas ativo e capaz de expressar opiniões e realizar mudanças efetivas em sua comunidade, reconhecendo-o como agente transformador de uma sociedade melhor, mais igual e mais justa, e não como inimigo a ser combatido.

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