DA PROTEÇÃO DA ENTREGA LEGAL PARA A ADOÇÃO COMO FORMA DE EVITAR AS ADOÇÕES IRREGULARES.

Resumo

O presente artigo tem por objeto o estudo do instituto da entrega voluntária para adoção. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude. A entrega voluntária traz benefícios aos pais biológicos e ao neonato, evitando as adoções irregulares, pois, estas podem gerar consequências de ordem criminal e pela Justiça da Infância para todos os envolvidos.

Artigo

Da PROTEÇÃO DA ENTREGA LEGAL PARA A ADOÇÃO COMO FORMA DE EVITAR AS ADOÇÕES IRREGULARES.

 

Aline da Silva Vieira Chaves [1]

Resumo – O presente artigo tem por objeto o estudo do instituto da entrega voluntária para adoção. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude.  A entrega voluntária traz benefícios aos pais biológicos e ao neonato, evitando as adoções irregulares, pois, estas podem gerar consequências de ordem criminal e pela Justiça da Infância para todos os envolvidos.

Palavras-chave – entrega voluntária, adoção, proteção, recém-nascido, crime.

Sumário – Introdução. 1. Breves Noções sobre a Adoção no Brasil. 2.  Da entrega voluntária para adoção. 3. Do direito ao parto anônimo. 4. Dos benefícios da entrega legal. 5. Da entrega irregular de crianças e adolescentes para adoção. Conclusão. Referências.

Introdução:

O presente artigo aborda tema sensível, trazendo reflexões sobre as consequências nocivas da quebra do sigilo na entrega voluntária ou entrega legal para adoção, tendo em vista que a entrega busca proteger tanto a mãe ou a gestante, como também ao bebê.

O Instituto da Entrega Voluntária para Adoção, normatizado no art. 19-A c/c o art. 166 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei nº8.8.069 de 13 de julho de 1990, legitimado pela Constituição Federal em seu art. 226, parágrafo 7º, afirma que “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”

 Não obstante a prerrogativa legal, a sociedade e o sistema de proteção à infância, não se encontram aptos para abordagem do tema, em razão do conceito estruturado no mito da maternidade e do amor incondicional da mãe.

Daí, quando a mulher ao se sente oprimida pelo preconceito, pela sociedade e pela própria família e estando desamparada, ela pode ser levada a ter o bebê em local inseguro com abandono da criança ou, por exemplo, deixar o recém-nascido na maternidade, retirando-se do local, sem formalizar junto à Vara da Infância e da Juventude sua intenção de entrega voluntária para adoção, acarretando no acolhimento institucional da criança.

Com efeito, a entrega voluntária evita a prática do crime de abandono de incapaz, bem como, busca dar proteção à criança, evitando a conduta das adoções irregulares e os riscos da entrega para conhecidos não habilitados para adoção.

Desta forma, devemos avançar para implementação de políticas e ações voltadas para o esclarecimento à população e aos profissionais da rede de proteção que a entrega legal para adoção é um direito da gestante e da criança.

  1. Breves Noções sobre a Adoção no Brasil.

A Constituição Federal assegura que em seu art. 227, § 6º que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

A Constituição Cidadã adotou o princípio da dignidade humana como regra, portanto, descabida qualquer forma de distinção no tocante à pessoa dos filhos, sejam estes por consanguinidade ou adotados.

A igualdade entre os filhos é imposta pelos efeitos do ordenamento jurídico, especialmente, no direito sucessório. Isto é, os filhos adotados e consanguíneos possuem os mesmos direitos e obrigações nos termos da lei civil, podendo exigir alimentos, o direito ao uso do nome de família pelo que não seja consanguíneo, o exercício do poder familiar pelo adotante, do exercício da tutela e da curatela.

Toda criança tem direito a um lar e uma família e quando a família não tem condições de criá-la, não possui recursos materiais e muito menos psicológicos, o Estado intervém e encaminha a criança a uma Instituição para posterior adoção. Essa é a finalidade da adoção: oferecer um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma criança que, por algum motivo, ficou privada de sua família biológica.[2]

Posteriormente, a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, denominada o Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurou tratamento jurídico no tocante à ADOÇÃO, nos artigos 39 a 51, em consonância com a Constituição Federal, destacando os direitos fundamentais da criança e do adolescente, bem como, o direito ao convívio familiar.

A alteração trazida pela Lei nº 12.010, de 03.08.09, que acrescentou, entre os princípios que regem a aplicação das medidas de proteção, o “interesse superior da criança e do adolescente“, assegurado nos termos do art. 100, parágrafo único, IV do ECA, demonstra a relevância e aplicabilidade expressa do princípio nessa norma.

Dispõe o art. 39 § 1º: “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 dessa Lei”.

 

  1. Da entrega voluntária para adoção.

A entrega voluntária para adoção é precipuamente um direito da mulher, a Lei nº 13.059 de 22 de novembro de 2017, alterou o Estatuto da criança e do Adolescente para dispor sobre entrega voluntária para adoção, inserindo o art. 19-A que dispõe o seguinte:

Art. 19-A.  A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude.

  • A gestante ou mãe será ouvida pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, que apresentará relatório à autoridade judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal.
  • De posse do relatório, a autoridade judiciária poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe, mediante sua expressa concordância, à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado.
  • A busca à família extensa, conforme definida nos termos do parágrafo único do art. 25 desta Lei, respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período.
  • Na hipótese de não haver a indicação do genitor e de não existir outro representante da família extensa apto a receber a guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.
  • Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1 do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega.
  • (VETADO). 
  • 6º  Na hipótese de não comparecerem à audiência nem o genitor nem representante da família extensa para confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, a autoridade judiciária suspenderá o poder familiar da mãe, e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la.
  • Os detentores da guarda possuem o prazo de 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção, contado do dia seguinte à data do término do estágio de convivência.
  • Na hipótese de desistência pelos genitores – manifestada em audiência ou perante a equipe interprofissional – da entrega da criança após o nascimento, a criança será mantida com os genitores, e será determinado pela Justiça da Infância e da Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
  • É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei.
  • 10.  (VETADO). 
  • 10.  Serão cadastrados para adoção recém-nascidos e crianças acolhidas não procuradas por suas famílias no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir do dia do acolhimento.

Para tanto, é de suma importância saber o significado do direito ao sigilo no parto anônimo.

  1. Do direito ao parto anônimo.

 

De acordo com Rossato, Lépore e Cunha (2019, p. 254) “O direito ao parto anônimo é aquele que, dentro do mais absoluto sigilo, permite à mulher não assumir a maternidade da criança que gerou, encaminhando o neonato a outra família por meio de mecanismos à disposição da genitora pelo estado”.[3]

Neste sentido, determina o § 1º do art. 13 do ECA (com redação dada pela Lei nº 13.257/2016) que as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude.

Portanto, cabe esclarecer que a genitora não tem o direito de entregar o infante a quem quiser, tendo em vista que o encaminhamento outra família se dá através do Juízo de Infância e Juventude, atendida a ordem de preferência firmada pelo Estatuto.

Não podemos nos olvidar que pelas mais variadas razões, uma mãe pode perceber que não tem aptidão para exercer a maternidade. Estas razões podem ser decorrentes, por exemplo, de uma gravidez indesejada, da ausência de recursos financeiros para gravidez, ou seja, de um conjunto de situações que demonstrem que a mulher não mantenha o interesse de cuidar do filho.

Desde o século XVIII crianças são abandonadas no Brasil, haja vista que a sociedade brasileira não aceitava mães solteiras criando seus filhos e a situação permanece até os dias atuais com mães solteiras ainda sofrendo discriminação e abandonando seus filhos, tanto por esse processo discriminatório quanto pela miséria e falta de condições econômicas para criá-los.

Muitas situações de abandono poderiam ser evitadas aplicando-se o direito ao parto anônimo previsto no ECA, que as mulheres que não quiserem cuidar de seus recém-nascidos devem ser encaminhadas à Vara da Infância e Juventude, sendo ouvida por equipe interprofissional da Justiça da Infância e Juventude.

Para garantia do parto anônimo, assegura o § 9º do art. 19-A do Estatuto que é garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, e ainda, de ser respeitado o direito ao conhecimento sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos, nos termos do art. 48 do Estatuto.

Trata-se de procedimento sigiloso, estando protegido por segredo de Justiça e não acessível ao público. Em relação ao anonimato no parto, muito bem lecionam Rossato, Lépore e Cunha (2019, p. 255/256) que:

“Considerando o que dispõe o art. 19-A do Estatuto e seus parágrafos (incluídos pela Lei n. 13.509/2017), bem como as demais normas pertinentes ao direito fundamental à convivência familiar titularizado por crianças, o procedimento para o exercício do direito ao parto anônimo deve cumprir as seguintes etapas:

  1. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude. Vale destacar que, nos termos do art. 258-B do Estatuto, considera-se infração administrativa, apenada com multa de R$1.000,00 a R$3.000,00, a conduta de deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de efetuar imediato encaminhamento à autoridade judiciária de caso de que tenha conhecimento de mãe ou gestante interessada em entregar seu filho para adoção.
  2. A gestante ou mãe será ouvida pela equipe interprofissional da Justiça da infância e Juventude.
  3. A equipe interprofissional apresentará relatório à autoridade judiciária, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal.
  4. De posse do relatório, a autoridade judiciária poderá determinar o encaminhamento da gestante ou mãe, mediante sua expressa concordância, à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado.
  5. Tendo ou não nascido a criança, a partir do momento em que a mãe manifesta o interesse em encaminhar o infante para a adoção, deve ser iniciada a busca pela família extensa ou ampliada, o que deverá respeitar o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável uma única vez, por igual período.
  6. Havendo manifestação de interesse por parte da mãe quanto ao encaminhamento do neonato para adoção, assim que nascer, caso o genitor manifeste interesse em assumir a paternidade, a criança ficará desde logo sob seus cuidados. Não havendo interesse manifesto por parte do genitor, ou mesmo se o genitor compartilhar a vontade da genitora quanto ao encaminhamento do infante para adoção, a criança deverá ser encaminhada para membros da família extensa ou ampliada, ou para acolhimento familiar ou institucional. Não havendo manifestação da vontade do genitor ou de membros da família extensa ou ampliada, no prazo de 30 dias a contar do primeiro dia do acolhimento, os recém-nascidos ou crianças serão desde logo cadastrados para adoção.
  7. Após o nascimento da crianças, deverá ser marcada a audiência para a situação do neonato. Nessa oportunidade, na presença de equipe interprofissional, a vontade de encaminhar a criança à adoção deve ser manifestada e audiência especialmente designada para essa finalidade (consoante art. 166 do Estatuto), por quem exerceria o poder familiar, ou seja, a genitora e o genitor (registral ou indicado). Também serão ouvidos os membros da família extensa ou ampliada que eventualmente tenham manifestado interesse pela adoção do infante (respeitados os impedimentos referentes a irmãos e ascendentes).”[4]

Caso o genitor ou o representante da família extensa não compareçam à audiência para confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, a autoridade judiciária irá suspender o poder familiar da mãe e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la.

Na hipótese de arrependimento da mãe, a criança será encaminhada ao seu cuidado e convívio, com o regular exercício do poder familiar, daí, será determinado pela Justiça da Infância e Juventude o acompanhamento familiar pelo prazo de 180 (cento e oitenta dias).

Contudo, se a mãe firmar o interesse em não exercer a maternidade, porém o genitor manifestar o interesse em assumir a paternidade e os cuidados com o recém-nascido, a autoridade deverá declarar extinto o poder familiar em relação à genitora e o infante deverá ser encaminhado ao convívio com o pai.

Assim, confirmadas as vontades dos genitores quanto ao não exercício do poder familiar, a autoridade judiciária declarará a extinção do poder familiar em relação a ambos.

Contudo, caso haja membro da família extensa ou ampliada interessado na criança e, constatando a autoridade judicial a presença de todos os requisitos para adoção, a autoridade judiciária formalizará o encaminhamento da criança a esses parentes mediante guarda para realizar o estágio de convivência, mas se não houver o membro interessado na criança a autoridade judicial deverá determinar a colocação da criança sob guarda provisória de quem estiver habilitado para adoção ou entidade que desenvolva acolhimento familiar ou institucional.

Saliente-se que a mulher tem o direito de manter em segredo o nome do pai e também é garantido à mãe ou aos pais o direito de não contar a ninguém de sua família ou convívio social sobre a entrega voluntária.

O prazo dos detentores da guarda da criança para promover a ação de adoção é de 15 dias, contados a partir da data seguinte ao término do estágio de convivência.

Portanto, o objetivo do sigilo e procedimento no parto anônimo é para que as gestantes ou mães sejam encaminhadas à Justiça da infância e juventude, sendo orientadas a respeito, assegurados seus direitos e do recém-nascido.

  1. Dos benefícios da entrega legal.

A mãe ou gestante ou os pais que decidem entregar a criança ou recém-nascido para adoção tem a garantia de que não serão responsabilizados pelo ato nas esferas civil, penal e administrativa, inclusive, de serem eventualmente investigados, por exemplo, pelo crime previsto no artigo 238 do ECA. Vejamos, ipsis verbis:

Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:

Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa.

Cabe salientar que, não ocorrerá ação de destituição do poder familiar na entrega legal para adoção.

Evidentemente, a proteção da criança é assegurada, pois ela será adotada por pessoa habilitada no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), ou seja, a pessoa habilitada para adoção cumpriu todas as exigências dispostas no Estatuto e cumpriu as etapas do processo judicial de habilitação para a adoção até ser considerada apta, sendo oposto do que acontece quando a entrega é feita a conhecidos da mãe ou do casal, em que o recém-nascido pode ficar exposto a riscos, tendo em vista que estas pessoas podem não estar preparadas para cuidar do infante.

O Poder Judiciário acompanha a inclusão na nova família, como também orienta e auxilia na superação das dificuldades naturais de inserção de um novo membro na família.

Assim, o processo judicial de adoção da criança vítima de abandono é mais célere, pois, não há a necessidade de se instaurar um processo de destituição do poder familiar.

Frise-se que o abandono de bebês é crime, por isso a entrega legal evita um ato de desespero, evita o crime de abandono de incapaz. Senão, vejamos:

Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a três anos.

  1. Da entrega irregular de crianças e adolescentes para adoção.

A Lei da entrega voluntária para adoção beneficia crianças e mães biológicas, mas, infelizmente ainda é pouco conhecida pela população brasileira.

Trata-se de proteção das crianças e evitar práticas que não são permitidas no Brasil, como o abandono de bebês e adoção irregular. Segundo o Ministério Público do Paraná, em Curitiba, “desde que a regra começou a ser aplicada, em novembro de 2017, 23 mulheres procuraram a Vara da Infância e da Juventude para entregar recém-nascidos”.[5]

Infelizmente, no Brasil há o costume de que tudo se dá um jeito. No entanto, esse jeitinho brasileiro não se aplica ao instituto da adoção, assim, as adoções irregulares, que são aquelas realizadas sem a intervenção do Poder Judiciário, concorrem em extremo risco para todos os envolvidos, sejam para as crianças e adolescentes, sejam para as pessoas que não são acompanhadas pela Vara de Infância e Juventude.

Inclusive, existe o risco para os pais biológicos que entregam seus filhos de forma irregular, pois, podem ser acionados pela polícia e pelo Poder Judiciário para dar explicações quanto ao ato, uma vez que a entrega foi realizada de forma não oficial, tendo por consequência a investigação criminal.

Além disso, os pais biológicos podem responder a processo para destituição do poder familiar, nos termos do inciso V do artigo 1.638 do Código Civil. Vejamos:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

(…)

V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.

Por outro lado, o risco as pessoas que recebem crianças e adolescente de forma irregular, é que se chegar ao conhecimento do Poder Judiciário sobre uma adoção irregular, a criança pode ser encaminhada para uma instituição de acolhimento ou acolhimento familiar, não permanecendo com as pessoas que a receberam. Ademais, os pais biológicos podem mudar de ideia, ou seja, podem arrepender-se da entrega e exigir o filho de volta mediante ação judicial.

Vale ressaltar que as pessoas que praticam adoções irregulares podem ser chamadas para prestar esclarecimentos à Polícia e ao Poder Judiciário.

Por fim, cabe lembrar que a adoção irregular que é frequentemente nomeada pelo termo adoção à brasileira, se praticada poderá incidir nos crimes previsto no artigo 242 e 297 do Código Penal. Vejamos abaixo:

 Art. 242 – Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena – reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único – Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:

Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

(…)

 Art. 297 – Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina seus artigos art. 50, § 13, incisos I, II e III da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 as hipóteses em que poderá ser deferida a adoção, nos casos em que o pretendente não cadastrado no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) que foi implantado pela Resolução nº 54 de 29/04/2008.

Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.

(…)

  • 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I – se tratar de pedido de adoção unilateral;

II – for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;

III – oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

 

Da leitura do dispositivo legal acima, depreende-se o entendimento a adoção poderá ser feita por pessoas não habilitadas, apenas nos seguintes casos:

  1. Adoção unilateral, segundo Pereira (2020, p. 443) é a modalidade de adoção pela qual o novo cônjuge ou companheiro adota filho do outro, de forma que permite a substituição de somente um dos genitores e a respectiva ascendência. Ocorre nos casos de registro de nascimento, constando o nome de apenas um dos pais, e ainda, no caso de registro por ambos os pais, um deles decai do poder familiar, ou, por falecimento de um dos pais do adotando;
  2. Parente com vínculos afetivos:
  3. Terceiro com tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, com prova de tempo de convivência e vínculos afetivos, ausente de má-fé ou nos as hipóteses dos artigos 237 ou 238 do Estatuto.

Noutra ordem, a Recomendação n.º 058, de 07 de novembro de 2012, do Conselho Nacional de Justiça, traz o seguinte entendimento:

“Art. 1º. Recomendar aos juízes com jurisdição na infância e juventude que ao conceder a guarda provisória, em se tratando de criança com idade menor ou igual a 3 anos, seja ela concedida somente a pessoas ou casais previamente habilitados nos cadastros a que se refere o art. 50 do ECA, em consulta a ser feita pela ordem cronológica da data de habilitação na seguinte ordem: primeiro os da comarca; esgotados eles, os do Estado e, em não havendo, os do Cadastro Nacional de Adoção.”

A referida recomendação, reforça o entendimento da importância da habilitação para adoção, pois, as pessoas que adotam de forma irregular podem não estar aptas para os cuidados do neonato. Daí, ressaltando a importância na participarem dos cursos ou reuniões realizadas pelos Grupos de Apoio à Adoção, os quais são oficialmente vinculados às Varas de Infância e Juventude.

Saliente-se não haverá destituição do poder familiar na entrega legal para adoção, ao passo que quando a pessoa que entrega seu filho irregularmente é considerada uma das hipóteses de destituição do poder familiar e, portanto, poderá não receber seu filho de volta.

Quando a entrega envolve pagamento ou promessa de recompensa, a conduta é considerada crime para quem entrega e para quem recebe, nos termos do art. 238 do ECA. Vejamos:

Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:

Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa.

Portanto, a pessoa que exerce da guarda ilegal, mediante paga ou recompensa incide no crime do art. 238 do ECA, e ainda, poderá responder ação de busca e apreensão.

Ademais, os riscos da criança que está na guarda ilegal são indeléveis, inclusive, em virtude da ausência de garantia aos direitos fundamentais que são assegurados no art. 227 da Constituição Federal. Vejamos, in verbis:

 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Portanto, os prejuízos para as crianças são gigantescos, pois, a pessoa que exerce a guarda ilegal não pode realizar matrícula na creche ou escola, como também, não poderá acompanhar a criança a uma consulta médica.

Há prejuízo inclusive, para aqueles que passaram pelas etapas do processo de habilitação e regularmente inscritos no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (implementado pela Resolução nº 289 de 14/08/2019), tendo em vista que passaram por todas as etapas exigidas no processo de habilitação à adoção, na forma da lei.

 Por fim, cabe esclarecer que o Estatuto determina que a criança ou adolescente pode ser adotada pela família de origem, nos termos aro art. 39, § 1º: “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.”, ou seja, a entrega legal pode ser feita à família natural ou extensa, como por exemplo, os tios.

Conclusão

Trata o presente de estudo sobre o instituto da entrega voluntária, inclusive o sigilo no parto anônimo, bem como, do procedimento da entrega legal pra adoção em contrapartida aos riscos de uma adoção irregular.

A Justiça da Infância e Juventude é fundamental no processo de entrega legal para adoção, com a finalidade de que seja feita com muita responsabilidade pela mãe ou gestante ou os pais, recebendo acompanhamento interprofissional.

A entrega voluntária é proteção a mulher e a criança recém-nascida, constituindo-se em forma de evitar o abandono de incapaz que é crime, além disse, colabora para a proteção de pessoas que estão previamente cadastradas no Sistema Nacional de Adoção.

Ademais, quem realiza a entrega de seu filho para adoção irregular sofre consequências drásticas como a destituição do poder familiar imediatamente, e ainda, incidir em outros crimes, dependendo de como foi realizada essa entrega.

Cabe ressaltar que, uma adoção irregular poderá acarretar condutas a serem investigadas pela autoridade policial, com responsabilidade criminal e civil pelo Poder Judiciário.

Não restam dúvidas que o caminho legal é o seguro na entrega para adoção do filho, pois, não impactam em prejuízos ao manter uma criança escondida dos “olhos da lei” e privada de seus direitos fundamentais assegurados pela nossa Carta Magna.

A sociedade em geral não tem conhecimento da entrega voluntária, pela simples falta de informação e em outros casos pelo conceito equivocado e preconceituoso da família brasileira de a mulher nasceu para maternidade, como também, de que a entrega para adoção é uma atitude reprovável, ou, pela ausência de apoio familiar para criar o filho, e ainda pela falta de recursos financeiros, entre outros.

Portanto, qualquer que seja a decisão da mulher ou do casal e qualquer que seja a motivação, a lei garante que ela ou o casal não poderá ser submetido a constrangimento em nenhum momento do processo de entrega para adoção.

Infelizmente, surgem notícias na mídia e em grandes veículos de comunicação, informando sobre a entrega legal como se fosse uma atitude criminosa.

Ocorre que, divulgação midiática poderá trazer consequências imensuráveis, seja para mulher que entregou para adoção, seja para aquela criança que foi adotada, bem como, pelas famílias.

Pois bem, para evitarmos consequências desastrosas na entrega legal é necessário divulgar ao máximo e com isso evitando o abandono das crianças, protegendo as pessoas habilitadas para adoção no SNA, bem como, é necessária uma mudança de conduta para que a população brasileira compreenda que a adoção de forma irregular é prejudicial às crianças e a todos envolvidos.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União de 31.12.1940.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União de 11.1.2002

BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16.7.1990.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ (MPPR). Lei da entrega voluntária para adoção beneficia crianças e mães biológicas. Disponível em: https://mppr.mp.br/2021/01/23315,10/Lei-da-entrega-voluntaria-para-adocao-beneficia-criancas-e-maes-biologicas.html# (05/01/2021). Acesso em: 11/07/2022.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 443.

REDE, Jaime Elisabete; SARTORI, Gina Lisa Zanardo. Adoção e os Fatores de Risco: do afeto à devolução das crianças e adolescentes: perspectiva. Erechim. V.37, n.138, p. 143-154, junho/2013.

ROSSATO, Luciano; LÉPORE, Paulo; CUNHA, Rogério. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069/90 – comentado artigo por artigo. – 11. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Notas:

[1] Aline da Silva Vieira Chaves é advogada familiarista, pós-graduada em Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes, pós-graduanda em Direito das Família e Sucessões pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), Presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da 55ª Subseção OAB-RJ/Méier, Coordenadora das Comissões de Direito da 55ª Subseção OAB-RJ/Méier, Coordenadora e coautora do livro Diálogos de Direitos da Criança e do Adolescente (2022).

[2] REDE, Jaime Elisabete; SARTORI, Gina Lisa Zanardo. Adoção e os Fatores de Risco: do afeto à devolução das crianças e adolescentes. Erechim. V.37, n.138, p. 145, junho/2013.

[3] ROSSATO, Luciano; LÉPORE, Paulo; CUNHA, Rogério. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069/90 – comentado artigo por artigo. – 11. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[4] ROSSATO, Luciano; LÉPORE, Paulo; CUNHA, Rogério. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069/90 – comentado artigo por artigo. – 11. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[5] Disponível em: https://mppr.mp.br/2021/01/23315,10/Lei-da-entrega-voluntaria-para-adocao-beneficia-criancas-e-maes-biologicas.html# (05/01/2021). Acesso em: 11/07/2022.

Palavras Chaves

entrega voluntária, adoção, proteção, recém-nascido, crime.