Direito Humano à Maternidade para Mulheres Privadas de Liberdade

Resumo

Nas últimas décadas, intensificam-se os caminhos da advocacia na pesquisa acadêmica, problematizando fenômenos jurídicos complexos, a partir de um olhar crítico e contextualizado. Especificamente no campo da execução criminal, as pesquisas nas prisões com recorte de gênero têm apontado violações a direitos humanos, impulsionando alterações legislativas e a implantação de políticas públicas.
A mulher privada de liberdade sofre com o processo de feminilização do encarceramento em massa e dados oficiais do Ministério da Justiça apontam para um crescimento significativo de 567% da população prisional feminina entre os anos 2000 a 2014 (DEPEN, 2014).
Segundo informações prestadas pelo Depen no Habeas Corpus nº 143641/2017 em tramitação no Supremo Tribunal Federal, esse percentual atingiu 800% até 2016. O encarceramento produz uma série de demandas específicas de gênero, inclusive no campo da saúde pública, como o nascimento e permanência de filhos das mulheres privadas de liberdade no sistema penitenciário. Dados inéditos da primeira pesquisa nacional sobre “Nascer nas Prisões” revelam que 65% das mulheres com filhos no cárcere teve um pré-natal inadequado, registrando-se o uso de algemas em 36% das gestantes em algum momento da internação para o parto, sendo 8% algemadas mesmo durante o parto (Leal et al, 2016). As Nações Unidas editaram, em 2010, as Regras de Bangkok para regular medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, reconhecendo que uma parcela dessas mulheres não representa risco à sociedade e seu encarceramento pode dificultar sua reinserção social. Em geral, são acusadas de crimes sem violência, 72,2% são jovens, 70% são negras e 52,4% não têm sequer o ensino fundamental completo (Leal et al, 2016).3 As normas de Bangkok seguem os princípios norteadores das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos (ONU, 1955) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) (ONU, 1990). Incentivam os Estados a adotar legislações para estabelecer alternativas à prisão e a priorizar o financiamento de tais sistemas de proteção. Fundamental perceber que as Regras se referem a antes, durante e depois da aplicação da pena. Destaca-se que: “ao sentenciar ou decidir medidas cautelares a mulheres grávidas ou pessoa que seja fonte primária ou única de cuidado de uma criança, medidas não privativas de liberdade devem ser preferíveis quando possível e apropriado” (ONU, 2010). Os juízes devem considerar fatores atenuantes, tais como ausência de histórico criminal, a não gravidade relativa da conduta criminal e as responsabilidades maternas. Tanto na aplicação de prisão preventiva como em relação à execução da pena, as decisões precisam considerar favoravelmente o vínculo materno e necessidades específicas de reintegração social. Nesse sentido, as necessidades das mulheres presas devem representar diferentes cuidados com a saúde e medidas de segurança. Não se aplicarão, por exemplo, sanções de isolamento, instrumentos de coerção ou segregação disciplinar a mulheres grávidas, nem a mulheres com filhos ou em período de amamentação. Do mesmo modo, não são permitidas sanções disciplinares para mulheres presas que correspondam a proibição de contato com a família, especialmente com as crianças.

Artigo

DIREITO HUMANO À MATERNIDADE PARA MULHERES PRIVADAS DE LIBERDADE

Luciana Simas[1]

Miriam Ventura[2]

 CONTEXTUALIZAÇÃO

Nas últimas décadas, intensificam-se os caminhos da advocacia na pesquisa acadêmica, problematizando fenômenos jurídicos complexos, a partir de um olhar crítico e contextualizado. Especificamente no campo da execução criminal, as pesquisas nas prisões com recorte de gênero têm apontado violações a direitos humanos, impulsionando alterações legislativas e a implantação de políticas públicas.

            A mulher privada de liberdade sofre com o processo de feminilização do encarceramento em massa e dados oficiais do Ministério da Justiça apontam para um crescimento significativo de 567% da população prisional feminina entre os anos 2000 a 2014 (DEPEN, 2014). Segundo informações prestadas pelo Depen no Habeas Corpus nº 143641/2017 em tramitação no Supremo Tribunal Federal, esse percentual atingiu 800% até 2016.

O encarceramento produz uma série de demandas específicas de gênero, inclusive no campo da saúde pública, como o nascimento e permanência de filhos das mulheres privadas de liberdade no sistema penitenciário. Dados inéditos da primeira pesquisa nacional sobre “Nascer nas Prisões” revelam que 65% das mulheres com filhos no cárcere teve um pré-natal inadequado, registrando-se o uso de algemas em 36% das gestantes em algum momento da internação para o parto, sendo 8% algemadas mesmo durante o parto (Leal et al, 2016).

As Nações Unidas editaram, em 2010, as Regras de Bangkok para regular medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, reconhecendo que uma parcela dessas mulheres não representa risco à sociedade e seu encarceramento pode dificultar sua reinserção social. Em geral, são acusadas de crimes sem violência, 72,2% são jovens, 70% são negras e 52,4% não têm sequer o ensino fundamental completo (Leal et al, 2016).[3]

As normas de Bangkok seguem os princípios norteadores das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos (ONU, 1955) e as Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) (ONU, 1990). Incentivam os Estados a adotar legislações para estabelecer alternativas à prisão e a priorizar o financiamento de tais sistemas de proteção.

Fundamental perceber que as Regras se referem a antes, durante e depois da aplicação da pena. Destaca-se que: “ao sentenciar ou decidir medidas cautelares a mulheres grávidas ou pessoa que seja fonte primária ou única de cuidado de uma criança, medidas não privativas de liberdade devem ser preferíveis quando possível e apropriado” (ONU, 2010). Os juízes devem considerar fatores atenuantes, tais como ausência de histórico criminal, a não gravidade relativa da conduta criminal e as responsabilidades maternas. Tanto na aplicação de prisão preventiva como em relação à execução da pena, as decisões precisam considerar favoravelmente o vínculo materno e necessidades específicas de reintegração social.

Nesse sentido, as necessidades das mulheres presas devem representar diferentes cuidados com a saúde e medidas de segurança. Não se aplicarão, por exemplo, sanções de isolamento, instrumentos de coerção ou segregação disciplinar a mulheres grávidas, nem a mulheres com filhos ou em período de amamentação. Do mesmo modo, não são permitidas sanções disciplinares para mulheres presas que correspondam a proibição de contato com a família, especialmente com as crianças.

 REFERENCIAL DOS DIREITOS HUMANOS

A análise da saúde materna e infantil nas prisões brasileiras possibilita não apenas o estudo de leis, tratados e jurisprudências (Simas et al, 2016), mas principalmente observar práticas institucionais sobre o direito das mulheres e de seus filhos nascidos no cárcere. Como referencial teórico-metodológico, adota-se a perspectiva dos direitos humanos enquanto conquista ética e social, capaz de servir como alicerce de garantias mínimas universais.

A compreensão dos direitos humanos, segundo Cook et al, parte de um sentido de injustiça – sentimento vivenciado com certa frequência pela advocacia criminal, especialmente no ambiente carcerário. A delimitação de sua abrangência, “a linguagem e determinados conceitos dos direitos humanos têm se desenvolvido por meio da luta dos indivíduos para corrigir os erros com que se deparam” (Cook et al, 2001: 07). Assim sendo, pressupõe-se que a construção normativa é fruto de embates sociais complexos e representam referenciais importantes a serem considerados na abordagem do fenômeno jurídico.

Berta Esperanza Hernández-Truyol e Christy Gleason (2002: 10) defendem que o sistema de direitos humanos é útil para a abordagem crítica de preocupações complexas e multifacetadas pautadas a partir do eixo comum do imperialismo. São explorados temas contemporâneos frequentes e controvertidos no direito nacional e internacional, dentre os quais podemos incluir o direito à maternidade nas prisões.

O foco de análise gira em torno de uma estrutura internacional dos direitos humanos, construída após a segunda guerra mundial, quando atores internacionais fracassaram em concordar sobre uma convenção única capaz de incorporar o amplo alcance dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais determinados na Declaração Universal de Direitos Humanos. Apesar de sua operacionalidade, complementam as referidas autoras:

“o sistema de direitos humanos não é perfeito; ele é repleto de tensões que emergem da diversidade de culturas, línguas e religiões em torno do mundo, e é afetado por contradições de origem ideológicas. O desafio […] é ser capaz de tornar as louváveis e desejáveis normas de direitos humanos e princípios uma realidade sem dependência da disparidade de poderes entre atores domésticos, internacionais e mesmo supranacionais” (Hernández-Truyol & Gleason, 2002: 09).

O exercício de repensar a linguagem dos direitos humanos, “a partir de um espaço simbólico de luta e ação social” (Piovesan, 2009: 68), caracteriza uma construção axiológica dinâmica. Portanto, pressupõe-se o embate tanto no momento de produção quanto de aplicação da norma, refletindo, nos termos propostos por Santos (1997: 11), uma “tensão dialética entre regulação social e emancipação”.

A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos ressalta a “dimensão positiva do direito à vida” em relação à proteção de direitos sociais, nos termos comentados por Piovesan (2009: 78). Essa perspectiva é relevante para o objeto desse estudo, por conceber o direito à vida não restritivamente. Logo, compreende não apenas uma dimensão negativa, no sentido de não privar arbitrariamente o nascimento, mas também uma dimensão positiva, que demanda do Estado “medidas apropriadas para proteger a vida digna – o ‘direito a criar e desenvolver um projeto de vida’ ” (Piovesan, 2009: 79).

Especificamente no tocante aos direitos reprodutivos, Ventura (2009) argumenta que sua implementação envolve direitos civis e sociais de forma indissociável, realizáveis por meio de leis e políticas de equidade. A definição de saúde reprodutiva incorpora diversas dimensões, não se limitando à capacidade de procriação e à ausência de enfermidade ou doença. Significa, por conseguinte, “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, em todos os aspectos relacionados com o sistema reprodutivo e suas funções e processos” (ONU, 1995), incluindo o direito de acesso a serviços apropriados de atendimento à saúde que permitam o acompanhamento seguro durante a gravidez e partos sem riscos, nos termos propostos na IV Conferência Mundial Sobre a Mulher.

Os Comitês das Nações Unidas determinam tratamento com respeito à dignidade, sem qualquer distinção, ou condição. Recomendam aos Estados-Partes que sejam observados os direitos à saúde, à alimentação e aos cuidados básicos das pessoas privadas de liberdade. Ademais, as grávidas presas devem receber tratamento humanizado e deve ser preservada sua dignidade em todos os momentos, particularmente durante o parto; garantindo-se atenção médica a essas mulheres e a seus filhos (Ventura, 2003: 85)

Tais diretrizes associam-se à atenção à criança, resguardada como a mais alta prioridade possível, com direito a um padrão de vida adequado ao seu bem-estar e ao mais alto padrão de saúde e educação (ONU/Programa de Ação do Cairo, 1994). É, portanto, um direito da criança ser protegida contra toda forma de violência, por meio de adequadas medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais, o que deve estar conjugado com o direito da mulher de exercício da maternidade.

O pertencimento dos direitos das mulheres privadas de liberdade e seus filhos na seara dos direitos humanos, em especial, dos direitos reprodutivos à saúde e à família, implica em um elevado status de proteção e exigência de cumprimento, tanto por parte do Estado, quanto pela sociedade. O desenho dos marcos normativos internacionais acerca do tema serve como mecanismo de defesa contra violações e sedimenta o entendimento segundo o qual a garantia do direito à vida e à saúde destas mulheres e crianças não pode estar condicionada a critérios que supervalorizem aspectos de segurança pública. A discricionariedade restrita, associada ao princípio da legalidade e dos direitos humanos, deve pautar a aplicação da lei de execução penal.

Problematizar a situação das mulheres privadas de liberdade e seus filhos como uma questão de direitos humanos implica, portanto, em uma interpretação ampla da normatização internacional sobre direitos reprodutivos, articulada com as recomendações especiais dirigidas à população carcerária.

INTRANSCENDÊNCIA DA PENA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No âmbito nacional, a Constituição Federal (Brasil, 1988) reflete a ótica dos direitos humanos ao prever como direito fundamental das mulheres privadas de liberdade a possibilidade de permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação, de acordo com seu artigo 5º, inciso L[4]. A saúde e, especificamente, a proteção à maternidade e à infância são considerados direitos sociais, exigindo prestações positivas do Estado na elaboração de políticas públicas, inclusive para resguardar às mulheres privadas de liberdade e seus filhos uma convivência digna e saudável.

O princípio fundamental de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, nos termos do artigo 5º, inciso XLV, da Carta Magna, simboliza que a medida sancionatória não pode ultrapassar a figura da pessoa privada de liberdade e produzir uma sanção aos seus filhos e familiares, principalmente àqueles nascidos no cárcere. Deste modo, considerando-se que o convívio entre a mãe e a criança se legitima pelo reconhecimento do direito à companhia materna para o desenvolvimento do recém-nato, é exigível do Estado tratamento adequado na garantia do direito à maternidade para esses sujeitos de direitos.

A Lei de Execução Penal – LEP (Brasil, 1984) prevê a existência de berçários nos estabelecimentos prisionais destinados a mulheres, vinculando o cuidado e a convivência à amamentação. Porém essa diretriz, além de não ser aplicada na prática em muitos casos, encontra limites éticos interpretativos, pois tende a limitar o papel materno ao seu valor nutricional para a alimentação do bebê.

O Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária (Brasil, 2011) aponta, como uma das evidências da realidade prisional, a “precariedade na assistência à saúde da mulher presa e nas condições e cuidados com as crianças”. De acordo com o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Sistema Carcerário (Brasil, 2009), são raras as unidades prisionais que possuem berçários para os recém-nascidos, nos termos do artigo 89 da LEP, mantendo-se crianças no cárcere com suas mães sem a assistência adequada. No mesmo diapasão, o relatório do Instituto Terra, Trabalho, Cidadania em conjunto com a Pastoral Carcerária (2009) narra diversos casos de violações aos direitos humanos[5], como mulheres em cadeias públicas que tinham dado à luz e não sabiam que tinham direito de amamentar, tendo sido obrigadas a entregar seus bebês ainda no hospital, ou que receberam injeções para secar o leite.

Nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio de Mello, nos autos da ADPF nº 347/2015, há inconteste violação generalizada de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro,

“no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno”.

Nesse quadro de violências e crueldades, não é crível a efetivação plena do direito à maternidade como uma garantia para as mães e para as crianças. Por isso, é fundamental reiterar uma lógica de desencarceramento, tanto em relação às presas provisórias, quanto às já condenadas.

Um dos destaques atuais na legislação federal brasileira diz respeito à possibilidade de prisão domiciliar, nos casos de presa provisória quando for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; for gestante; ou tiver filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (Brasil, CPP, 1941: art.318). Tal previsão foi incluída incialmente em 2011, estipulando que a prisão domiciliar seria concedida para gestantes a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo considerada gestação de alto risco. Contudo, essa redação foi alterada em 2016, quando foram ampliadas as hipóteses de concessão para qualquer gestante, sem especificidades, bem como mãe de crianças até 12 anos.

A legislação, alterada pelo marco da Primeira Infância, passou a prever que a autoridade policial, assim que tiver conhecimento da prática da infração penal, está obrigada a “colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa” (artigo 6º, inciso X, CPP). Também passou a constar no auto de prisão em flagrante e no interrogatório “a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa” (artigos 185, § 10, e 304, § 4º). Tais exigências são fundamentais, inclusive sob pena de nulidade desses atos processuais, tendo em vista possível cerceamento de defesa.

O direito a medidas desencarceradoras condiz com um olhar específico para a questão de gênero, devendo estar associado a ações e políticas intersetoriais, inclusive da área da Saúde, que efetivamente integrem mulheres e seus filhos na coletividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A população carcerária simboliza um grupo social avo de estigma e discriminação. São constantes as graves violações a direitos humanos e a situação de vulnerabilidade acentua-se no caso de mulheres acompanhadas de seus filhos. Embora se exija que a presa se insira nas regras uma comunidade moral pela suposta ressocialização, a aplicação dessas regras lhe são negadas, com forte desconsideração moral.

A invisibilidade social das crianças que já nascem e crescem “presas” nos muros do cárcere, posteriormente retiradas de forma abrupta do convívio com sua mãe, sem amparo social adequado, é um problema contemporâneo de fundamental importância para o ordenamento jurídico na construção de uma sociedade efetivamente justa e solidária. Além da escassez de recursos materiais, pode-se verificar a falta compromisso ético e político em garantir direitos fundamentais. Convém problematizar a implantação de políticas públicas para a socialização digna e a convivência saudável entre mães e filhos como imperativo para a garantia de direitos humanos.

A caracterização da maternidade como um direito humano pressupõe que há um legítimo reconhecimento universal de que seu titular deve ser protegido pelo simples fato de ser pessoa. Traz implícita a vinculação a garantias fundamentais, independentemente de qualquer restrição ou requisito. Por conseguinte, uma violação a essas regras representa muito mais do que uma quebra de contrato ou uma infração administrativa; significa um desrespeito à própria condição humana. Os direitos humanos vinculam-se a necessidades básicas e são “uma ferramenta poderosa na promoção da justiça social”, como defendem Women, Law & Development & International and Human Rigts Watch (1997), fortalecendo a luta por seu cumprimento.

A prisão expõe um apartheid social, em limites que estão muito além dos seus muros. A precariedade do atendimento durante o pré-natal e no parto, o uso de algemas, a desumanização no trato com a gestante, a ausência de espaços e atividades voltadas para a criança, a não aplicação de medidas não privativas de liberdade, por exemplo, constituem graves violações aos direitos humanos. Em regra, as presas não são vistas como mulheres, capazes de ter demandas específicas, sonhos e desejos. Ao mesmo tempo em que nossa comunidade aspira por saúde, educação, moradia, trabalho e outros direitos humanos, para o universo carcerário tais aspirações são boicotadas. Buscar alternativas para que a sociedade possa reverter esse quadro de exclusão e abandono, implica em se alterar valores morais e sociais, principalmente na atuação do Sistema de Justiça.

REFERÊNCIAS

BOITEUX, L.; FERNANDES, M.; PANCIERI, A.; CHERNICHARO, L. Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro. 2015. Disponível em http://fileserver.idpc.net/library/M–es-encarceradas-UFRJ.pdf, acesso em 22/10/2017.

BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília: Diário Oficial da União, 2011.

BRASIL. Congresso Nacional. Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. CPI Sistema Carcerário – Relatório final. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. Disponível em http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/sistema-prisional/relatorio-final-cpi-sistema-carcerario-2008/view, acesso em 22/10/2017.

BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 4.316, de 30 de julho de 2002. Promulga o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Brasília: Diário Oficial da União, 2002.

BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Brasília: Diário Oficial da União, 1990.

BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Congresso Nacional: Diário Oficial, 1988.

BRASIL. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília: Diário Oficial da União, 1984.

BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília: Diário Oficial da União, 1941.

CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº 03, de 15 de julho de 2009. Brasília: 2011. Disponível em http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/servlet/INPDFViewer?jornal=1&pagina=34&data=16/07/2009&captchafield=firistAccess, acesso em 22/10/2017.

COOK, R.J. et al. Promovendo a maternidade segura através dos Direitos Humanos. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2001.

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN Mulheres – junho de 2014. Disponível em https://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf, acesso em 22/10/2017.

HERNÁNDEZ-TRUYOL, B.E. & GLEASON, C. Introdution. In HERNÁNDEZ-TRUYOL, B.E. (org.).  Moral imperialism: A critical anthology. Nova York: New York University Press, 2002.

ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania & Pastoral Carcerária. Direitos Humanos e Mulheres. 2009. Disponível em http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2012/09/Livro-Direitos-Humanos-e-mulheres.pdf, acesso em 22/10/2017.

LEAL, M. C. Birth in prison: pregnancy and birth behind bars in Brazil. Ciência & Saúde Coletiva, 21(7): 2061 – 2070, 2016.

ONU – Organização das Nações Unidas. Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Bangkok: 65ª Assembleia, 2010

ONU – Organização das Nações Unidas. IV Conferência Mundial Sobre a Mulher. Disponível em http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_beijing.pdf. 1995. Pequim.

ONU – Organização das Nações Unidas. Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. Cairo: 1994.

ONU – Organização das Nações Unidas. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade. Tóquio: 1990.

ONU – Organização das Nações Unidas. Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos. Genebra: 1955

PIOVESAN, F. Direitos Sociais: Proteção nos sistemas internacionais e regional interamericano. Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 5, p.67- 80, outubro/2009.

SANTOS, B. S. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 48, junho 1997.

SIMAS, L. et al. The Brazilian Jurisprudence about Motherhood in Prison. Working Paper, 2, 7. Oxford: Faculty of Law – Oxford Human Rights Hub. 2016. Disponível em http://ohrh.law.ox.ac.uk/wordpress/wp-content/uploads/2015/07/Working-Paper-Series-Volume-2-No-7.pdf.

VENTURA, M.; SIMAS, L.; LAROUZE, B. Maternidade atrás das grades: em busca da cidadania e da saúde. Um estudo sobre a legislação brasileira. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 31, n. 3, p. 607-619, mar. 2015.

VENTURA, M. Direitos reprodutivos no Brasil. 3ª ed. Brasília: UNFPA, 2009.

VENTURA, M. (org.). Direitos sexuais e direitos reprodutivos na perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: ADVOCACI, 2003. 120 p.

WOMEN, LAW & DEVELOPMENT; INTERNATIONAL AND HUMAN RIGTS WATCH. Direitos Humanos das Mulheres Passo a Passo. Trad. Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação. Rio de Janeiro: 1997.

NOTAS DE RODAPÉ:

[1]Advogada. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva – PGBIOS /IESC/UFRJ, com intercâmbio sanduíche na Universidade da Flórida – Levin College of Law. Mestre em Direito e Sociologia; especialista em Direito Público. Integrante do grupo de pesquisa Saúde Prisional da ENSP/FIOCRUZ.

[2]Advogada. Professora Adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ) e dos Programas de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (interinstitucional entre UFRJ, FIOCRUZ, UERJ e UFF) e Programa de Saúde Coletiva (IESC/UFRJ). Doutora em Saúde Pública. Membro da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ (2008/2009).

[3] Esse perfil conflui com análise local realizada por Boiteux et al, que acrescentam: “A maioria era primária (70%) […] 75,6% tinham algum parente preso, sendo que quase metade delas tinha o seu companheiro preso (46,3%), dos quais 52,6% pelo crime de tráfico” (2015: 03).

[4] Tal direito foi regulamentado pela Resolução nº 03/2009 do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) e por diferentes normas no âmbito dos estados, diante da competência legislativa concorrente em matéria penitenciária. A respeito, ver Ventura, M.; Simas, L.; Larouzé, B., 2015.

[5] Relata o caso de uma presa grávida que, quando a bolsa de água estourou, lhe foi dito que era um “corrimento normal”, sendo-lhe dados absorventes e remédio para dor; em seguida, foi mandada de volta para a cela. Quando finalmente resolveram levá-la ao hospital, a escolta demorou, por ser ela uma detenta de “máxima cautela” (ITTC, 2009: 80).