DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA

Resumo

O atual trabalho tem por objetivo realizar um estudo relativo aos direitos da personalidade na esfera das relações familiares. Busca-se destacar que todos os direitos intrínsecos à pessoa humana devem ser protegidos e assegurados no agrupamento familiar, principalmente nas relações paterno-filial, entre cônjuges e conviventes, apontando que o desrespeito a estes direitos poderá, teoricamente, configurar-se como dano moral não passível de indenização.

Artigo

DIREITOS DA PERSONALIDADE NAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA

 

Mauro Castro Anátocles da Silva Ferreira,

Advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil, pós-graduado pela Universidade Cândido Mendes.

Resumo

O atual trabalho tem por objetivo realizar um estudo relativo aos direitos da personalidade na esfera das relações familiares. Busca-se destacar que todos os direitos intrínsecos à pessoa humana devem ser protegidos e assegurados no agrupamento familiar, principalmente nas relações paterno-filial, entre cônjuges e conviventes, apontando que o desrespeito a estes direitos poderá, teoricamente, configurar-se como dano moral não passível de indenização.

Palavras chaves: personalidade, família; direitos humanos; direitos fundamentais.

1-Introdução

O direito de família, especialmente, dispõe de uma grande importância, maior do que nos demais setores, visto que a instituição familiar é vista como um grupo responsável por irradiar, preservar e disseminar a raça humana, tendo um compromisso com a criação de novas gerações. Devido a isso, dispondo de tutela estatal, a proteção aos direitos da personalidade deve ser garantida integralmente, compreendendo o contexto das relações familiares e também a possibilidade de sua infração, sendo atribuição do Direito a função de propiciar mecanismos a fim de impossibilitar, refrear ou prevenir o seu descumprimento. O respeito aos direitos é essencial para garantir, no âmbito familiar, a consumação do valor precursor do sistema normativo jurídico, que refere-se à dignidade da pessoa humana.

A esfera familiar deve dispor de normas internas apropriadas, favorecendo a completa construção da personalidade humana. Esta constitui-se como uma “formação social”, “lugar comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes”. Sendo, portanto, o motivo pelo qual os genitores não podem determinar aos filhos princípios comportamentais divergentes do valor supremo da dignidade humana.[1]É possível afirmar que a família tem uma importante função no desenvolvimento da pessoa humana, destituindo-se de tutela no mesmo momento em que deixar de exercer a mesma.

Torna-se impossível tratar, no atual trabalho, acerca de todos os direitos da personalidade a serem protegidos, no que tange às relações familiares interiores, entre seus integrantes, e às relações exteriores, entre a família e outros indivíduos, até porque o conjunto de tais direitos mostra-se flexível e impreciso. Assim, selecionamos alguns deles, como o direto à vida, o direito à igualdade e à liberdade, abrangendo o direito de casar ou de estar em uma união estável, o direito de rescindir o casamento ou a união, o direito ao planejamento familiar, o direito à moradia, o direito ao nome, o direito à privacidade e intimidade na família, com destaque para as questões polêmicas e para as circunstâncias de conflito. Nestes casos, buscaremos abordar meios de solucionar e colaborar para um possível abrandamento doutrinário, capaz de orientar a um trajeto satisfatório e viável, garantindo a dignidade dos indivíduos no âmbito familiar.

2- Direito de personalidade. Um entendimento sobre personalidade.                                      

A definição de personalidade não é homogênea, compreendendo vários sentidos, sendo empregada na linguagem usual, por indivíduos normais, e na linguagem técnica, pelas várias áreas das ciências humanas. Na primeira linguagem, a personalidade é vista como a maneira de ser do indivíduo. Na concepção filosófica, personalidade constitui-se como o estado ou modo de ser de um indivíduo, sendo a ordenação que o indivíduo confere à pluralidade de relações que o compõem, ou então a ordenação parcialmente sólida e permanente do caráter, temperamento, intelecto e físico de um indivíduo, a ordenação que estabelece seu ajustamento ao contexto.

O caráter representa o conjunto de condutas conativas (vontade); o temperamento significa o conjunto de condutas afetivas (emoção); o intelecto, por sua vez, remete ao conjunto de condutas cognitivas (inteligência); e o físico, o conjunto de organização corporal e de dotação neuroendócrina, sendo tais componentes parcialmente sólidos e permanentes.[2] Na perspectiva da Psicologia, a personalidade, de forma genérica, consiste na “unidade estável e individualizada de conjuntos de condutas”.[3]Entendida como uma maneira particular de se comportar frente aos princípios e de comandar a vontade, a expressão “personalidade”, na acepção empírico-psicológica, tem o mesmo sentido de “caráter”.[4]

Na definição jurídica, o termo “personalidade” mostra uma relação histórica com a noção de pessoa, originada da palavra latim persona, que remete à caracterização utilizada pelos atores romanos. Para Antonio Chaves, “o sentido primitivo correspondia à do verbo personare, isto é, fazer ressoar, fazer retumbar, ferir com um som, atroar. Originariamente, dava-se o nome de pessoa às máscaras usadas pelos atores romanos nas representações. Tinha, numa abertura que se ajustava aos lábios, umas lâminas metálicas, que aumentavam a sonoridade, e o volume da voz”.

Nos contextos exclusivamente jurídicos, a personalidade, como é tratada no art. 2º do CC/2002[5], é vista como a aptidão abrangente a qual todos os indivíduos detêm, para assumir direitos e responsabilidades do âmbito civil. Dessa forma, a personalidade jurídica consiste em um atributo jurídico. E, enquanto atributo, mostra-se dependente do sistema normativo jurídico. Cabe a tal sistema determinar quem possui personalidade jurídica. Isto é, a concepção de personalidade é identificada com a concepção técnica de capacidade.[6]

O “ser pessoa” é confundido com o “ser apto para assumir direitos e obrigações”.[7]A personalidade dos indivíduos é instrumentalizada pelo método jurídico, o que circunscreve o conteúdo dos direitos da personalidade, subordinando-os à designação jurídica de pessoa. Isto significa que só é detentor de direitos da personalidade quem o sistema normativo jurídico confere a designação de pessoa. Nessa perspectiva, o mais adequado seria utilizar o termo “direitos da personalidade”, que refere-se à pessoa física ou jurídica de seu titular e que não é confundido com os direitos da personalidade, que constituem-se como objeto do nosso estudo e são marcados por um conteúdo especial.[8]

Em relação ao conteúdo, a personalidade é definida como o grupo de características naturais do indivíduo, preservadas pelo sistema normativo jurídico e compreendida como o grupo de particularidades da pessoa, sendo uma parte inerente da mesma. É vista, pela perspectiva jurídica, como um bem que a pessoa possui. Refere-se ao primeiro aspecto do indivíduo, que é intrínseco, sendo sua utilidade primitiva. Por meio da personalidade, o indivíduo é capaz de obter e proteger os outros bens.

Os bens do indivíduo são tutelados pelos produtos do direito objetivo e pelo direito subjetivo, que apresenta um caráter variado. Os bens aqui tratados são os intrínsecos à pessoa humana, tais como a vida, a liberdade, a honra e outros. A tutela conferida a estes bens primeiros do ser humano são chamados de direitos da personalidade.[9]A tutela conferida pelo sistema normativo jurídico a estes bens não mostra relação de dependência com a definição legal de pessoa. Aqui tratamos sobre a tutela da pessoa humana, do indivíduo, e não apenas do “ser com capacidade de assumir direitos e obrigações” ou do “sujeito de direito”.

A pessoa humana é compreendida, com finalidade de titularizar os direitos da personalidade, como todo ser humano, com ou sem vida, embrionário ou nato, concepto ou concepturo, pertencente à espécie humana. Devido a isso, defende-se que o melhor termo a ser utilizado é “direitos de humanidade”, em vez de “direitos da personalidade”.[10]Os direitos da personalidade constituem-se como direitos relativos à proteção da pessoa humana, imprescindíveis para assegurar a dignidade e integridade. Piovesan concebe os mesmos como “as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim seus prolongamentos e projeções”.[11]São direitos de ordem subjetiva, privativos, inerentes e perpétuos, que têm como fim demonstrações internas do indivíduo e que, devido à sua natureza inerente, extrapatrimonial e fundamental, não podem ser difundidos ou determinados plena e totalmente.

Os direitos da personalidade constituem direitos intrínsecos à vida humana e fundamentais para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, pensada de forma ampla, no campo físico e no plano moral, em todas as esferas da vida.[12]Em síntese, pode-se afirmar que os direitos da personalidade constituem-se como direitos intrínsecos e fundamentais à pessoa humana, derivados unicamente de sua condição de ser humano, e que tutelam suas projeções, nos âmbitos físico ou espiritual, o que possibilita que o indivíduo defenda aquilo que possui, como honra, vida, liberdade, intimidade, privacidade, entre outros aspectos. [13]

Geralmente, os direitos da personalidade são classificados pela doutrina em três categorias distintas, a saber: direitos à integridade física, que refere-se ao corpo, incluindo o direito à vida, à comida; direitos à integridade intelectual, como de autor, de inventor, etc; e direito à integridade moral, compreendendo honra, liberdade, recato, privacidade, intimidade, etc. Entretanto, esta divisão não é esgotada, compreendendo uma quantidade interminável de hipóteses.[14]

Conforme Borges,

[…] são direitos em expansão. Com a evolução legislativa e com o desenvolvimento do conhecimento científico acerca do direito, vão-se revelando novas situações que exigem proteção jurídica e, consequentemente, novos direitos vão sendo reconhecidos. […] são listas apenas exemplificativas e refletem dado momento histórico que está em veloz mutação. Lembre-se da regra do art. 5º, § 2º, do texto constitucional, que afirma que os direitos e garantias ali previstos não excluem outros que venham a ser reconhecidos posteriormente.

Cabe, então, à doutrina conceber como inadequado o termo “direito da personalidade”, optando pela denominação “direito geral de personalidade”. Este é um direito singular, de conteúdo impreciso, que embora apresente diversos termos, todos são tutelados por normas individuais.[15]Os apoiadores desta corrente defendem que “a pessoa humana é um valor unitário e que os seus interesses relativos ao ser, mesmo se dotados de características conceituais próprias, apresentam-se substancialmente interligados”.[16]Sustentam também que as várias regras relativas à proteção da personalidade retratam a observância de questões próprias de sua tutela, da qual seria o verdadeiro desenvolvimento. Este direito constitui-se como singular, apresentando um conteúdo impreciso e diverso, que não se define com o somatório de suas diversas expressões individuais, tuteladas por regras particulares.

Há, no entanto, uma parte significativa da doutrina que defende a existência de diversos direitos da personalidade, argumentando que a identificação dos bens jurídicos fundamenta-se na identificação das demandas próprias dos indivíduos, o que possibilita a distinção entre os bens, além dos direitos a respeito dos mesmos. Assim, é imprescindível que haja a distinção entre o direito à vida e o direito à liberdade ou à igualdade.

Contudo, cabe destacar que os projetos monista e pluralista, que visam resguardar a pessoa humana, mostram-se deficientes, visto que “tais correntes tratam, uma e outra, os direitos da personalidade como expressão de tutela meramente ressarcitória e de tipo dominical”.[17]. De acordo com o autor, a proteção à pessoa humana não se contenta com os métodos ressarcitório e repressivo (binômio lesão-sanção), demandando, ao contrário disso, ferramentas de estímulo ao indivíduo, pensado em qualquer contexto jurídico no qual esteja envolvido, contratual ou extracontratual, de direito público ou privado.

 Não se refere à apresentação de um único direito subjetivo ou à especificação de diversos direitos da personalidade, mas, de outra forma, de tutelar o indivíduo em sua atuação econômica, seja mediante os direitos subjetivos (determinados pela Constituição e pelo legislador, tais como saúde, imagem, nome, etc), seja como inibitório da proteção jurídica em relação a qualquer atitude patrimonial ou extrapatrimonial que não considere a realização da personalidade. Aqui, compartilhamos completamente do posicionamento do autor, pois, com vistas a favorecer e assegurar a dignidade da pessoa humana, aparentemente, não importa a perspectiva apresentada acerca dos direitos da personalidade, se estes são visto de forma unitária ou pluralista.[18]

O termo “diretos humanos” diz respeito a direitos específicos, geralmente caracterizados em documentos internacionais, conferidos a todos os indivíduos, unicamente em função de pertencerem à espécie humana, de modo a independer de sua associação a uma ordem estatal. Seriam direitos com vistas a compreender todas as populações, em todas as épocas, apresentando uma natureza jus naturalista-individualista, enquanto os direitos da personalidade se relacionariam com a projeção desses direitos na esfera interna, especialmente no campo das relações interprivadas.[19]

De modo geral, os direitos humanos e da personalidade são os mesmos, porém, é preciso compreender que, em relação aos direitos humanos, estes são direitos fundamentais do indivíduo no que tange ao direito público, quando há a intenção de salvaguardá-los contra as injustiças estatais.[20]Defende-se, portanto, a total impossibilidade de se sustentar uma visão puramente privatística acerca dos direitos da personalidade, sem que haja o reconhecimento de sua relação com os direitos humanos.

O direito da personalidade, por sua vez, é o direito disposto por qualquer indivíduo de proteger o que lhe pertence, tais como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a privacidade, a honra, em oposição aos particulares ou ao Estado. Consiste no direito subjetivo de demandar uma conduta desfavorável de todos, entidades do âmbito público ou privado. Entretanto, é imprescindível que estes estejam introduzidos na categoria de direitos humanos, uma vez que os direitos da personalidade têm o propósito de fornecer proteção ao ser humano e à sua dignidade, independentemente do local em que ela é manifestada, o que faz com que eles se tornem inegavelmente “direitos humanos”.

No que tange à expressão “direitos fundamentais”, esta é empregada com intuito de tratar sobre alguns direitos explicitamente afirmados no Texto Constitucional. Tais direitos compõem o grupo de direitos e liberdades assegurados de maneira institucional pelo direito positivo do Estado, referindo-se, assim, a direitos determinados espacial e temporalmente, tendo sua designação associada à natureza elementar e fundamentadora do ornamento jurídico do Estado de Direito.[21]

 

3 Origem e evolução histórica do Direito da Personalidade

Ao tratar sobre a gênese dos direitos da personalidade, é preciso apontar que a sua emergência provocou extensas discordâncias e conflitos doutrinários, por constituir-se como uma nova questão, atípica aos pensadores do período. Dessa forma, surgiu a necessidade de determinar e demarcar tais direitos, bem como sua origem, caráter e classificação.[22] Desde o primórdio da Grécia, pode-se observar questões relativas à tutela da personalidade, tal como a proteção de ações desmedidas e cruéis contra o ser humano. Nesse contexto, torna-se extremamente importante mencionar a Roma Antiga, na qual os direitos da personalidade eram restringidos aos que dispusessem dos status libertatis, status civitatis e o status familiae.

Apesar disso, ainda que não obtivesse um absoluto reconhecimento e que não compreendesse todos os indivíduos, estes se constituem como progressos relevantes na concepção do ordenamento jurídico dos direitos da personalidade. No entanto, uma maior responsabilidade deve ser atribuída às doutrinas germânica e francesa, que permaneceram em construção no decorrer dos séculos XVI, XVII, XIX e, finalmente, XX. Neste intervalo, surgiu a noção do direito de personalidade com um direito subjetivo, que não foi aprovada devido à impossibilidade de se permitir o“direito do homem sobre a própria pessoa”.[23]

Com o decorrer do tempo, esta alegação não apresentou progressos, sendo a personalidade compreendida como característica humana. Em função disso, o direito de personalidade passou a ser reconhecido e valorizado, tido como intrínseco à condição humana. Assim, todas estas etapas e progressos colaboraram para a constituição do direito de personalidade, sendo digno de tutela por parte da ordem jurídica e de tutela jurisdicional por parte do Estado.

Na Grécia antiga do período clássico, cada lugar, cidade-estado ou polis, como eram denominados, possuía sua própria ordem jurídica, bem como o seu estatuto. Estas ordens determinavam que somente os cidadãos livres e os chefes de família teriam direito ao acesso às assembleias e exercício de ações jurídicas. Nesta época histórica, ainda que houvesse o reconhecimento dos escravos enquanto pessoas, estes não detinham direitos, sendo considerado o princípio da personalidade do direito, em que, levando em consideração o direito da Grécia, dispunha de uma distinção entre as categorias personalidade e capacidade jurídica.

No entanto, a noção de um direito geral de personalidade se fortaleceu nos séculos III e IV a. C., que contaram com uma forte influência filosófica. Neste período, Sócrates, um importante filósofo, passa a considerar o homem como centro do universo, com base em uma visão científica relacionada ao bem moral do indivíduo, sendo seguido por Platão, seu aprendiz, e o aprendiz deste, Aristóteles. Nesse sentido, a tutela da personalidade humana se estabeleceu em três pontos principais.[24]O primeiro tratava sobre a concepção de repúdio à injustiça, enquanto o segundo vetava a execução de ações excessivas realizadas por um indivíduo contra o outro. Já o terceiro desautorizava a realização de ações de abuso indecoroso contra o ser humano.

A tutela da personalidade humana foi se fortalecendo de forma gradual através da tutela de infração contra o ser humano pela execução de ações ilícitas, como os referentes à lesão corporal, difamação e estupro. Pode-se afirmar que, neste período, a proteção da personalidade humana apresentava um caráter puramente penal. Devido à importância e influência da obra de Aristóteles, passou a se estabelecer uma equidade entre os indivíduos e a compreensão de que a Lei é a responsável por assegurar e orientar as relações humanas estabelecidas na sociedade, visando sempre alcançar um bem comum.

Fundamentado nesta concepção, motivada pelos filósofos gregos, se reconhece a existência de um singular e universal direito de personalidade, do qual todos os seres humanos detêm, determinando uma cláusula geral a fim de proteger a personalidade de cada pessoa, formada pela hybris, que se constituía como um ato judicial punitivo, apresentando uma natureza penal com o intuito de punir injúrias ou crueldades contra o indivíduo, segundo Capelo de Souza. Na Grécia Clássica e pós-clássica, conferia-se ao indivíduo o princípio e o propósito da Lei e do Direito, visto que, nesta época, já havia o conhecimento de que o ser humano constitui-se como objetivo primário e final do ordenamento jurídico.

Apesar de a descoberta do direito de personalidade ter se dado na Grécia Antiga, sabe-se que os romanos foram os responsáveis pela elaboração da Teoria jurídica da personalidade. No direito romano, o termo “personalidade” estava restrito às pessoas que apresentassem três status, sendo eles: o status libertatis, o status civitatis e o status familiae.[25]

Quanto ao Direito Romano, cabe dizer, liminarmente, que, ao longo de toda a sua extensa história, os estatutos jurídicos das pessoas físicas foram extremamente diversificados. Só tinha plena capacidade jurídica, e consequentemente integrais direitos de personalidade, quem possuísse os três status: o status familiae (com a inerente qualidade de pater-famílias), o status civitatis (ou seja, a categoria de cidadão, que era desde logo negada aos estrangeiros e aos escravos e cuja plenitude muito custou alcançar aos plebeus) e o status libertatis (ou seja, a qualidade de pessoa livre, que era condição, embora não suficiente, da cidadania). As demais pessoas apenas tinham direitos em função do peso especifico de seu status.[26]

Em síntese, não dispunham de liberdade, o que impossibilitava que desfrutassem do status civitatis e familiae, ainda que se constituíssem como seres humanos. Isto significa que, estando destituído de liberdade, o indivíduo não era compreendido como ser humano, passando ser visto como objeto de propriedade.

Os romanos eram divididos em duas categorias: ingênuos, que consistiam em indivíduos que nunca foram escravizados, e libertos, que se referiam a pessoas que foram escravizadas, mas que obtiveram sua liberdade. Era ensinado que somente os cidadãos da Roma dispunham de capacidade jurídica plena, isto é, quem não se constituía como cidadão romano, não possuía o status civitatise, portanto, não apresentava capacidade jurídica.

Dessa forma, pode-se afirmar que se atribuía ao romano absolutos direitos civis, conferidos pelo status civitatis, possibilitando que este tivesse direito ao voto, dispusesse de comércios e propriedades, casasse e possuísse o direito de ação. Os direitos de personalidade eram tutelados, normalmente, através de demonstrações isoladas. A tutela em Roma se dava através da actio injuriarum. De fato, o Direito Romano não considerou os direitos da personalidade de acordo com as formas conhecidas atualmente. Criou somente a actio injuriarum, que consiste em uma ação contra o ultraje que, na concepção romana, compreendia qualquer “atentado à pessoa física ou moral do cidadão”.[27]

3.1 Tutela da personalidade humana na Idade Média

O declínio do Império Romano do Ocidente e o advento da Idade Média tiveram como consequência intensas modificações nos âmbitos econômico e social da Europa Ocidental. A Europa Ocidental, durante o século V, sofreu várias invasões pelos germanos e, devido ao fato de o direito germânico ser costumeiro, não houve alterações do direito romano. Os países da Europa, como França, Itália e Espanha, sofreram influência do direito romano, simultaneamente ao direito costumeiro. [28]  Assim, com o declínio do Império Romano do Ocidente, este foi subdividido em diversos reinos, que dispunham de independência política, devido à invasão realizada pelos bárbaros. No entanto, os preceitos da Igreja eram seguidos, provocando diversas modificações e propiciando um sistema político com princípios próprios.

No século VII, aproximadamente, era comum que o reino fosse dividido entre os filhos do Rei. Esta conjuntura contribuiu para o estabelecimento de uma hostilidade e competitividade entre os príncipes, que tinham por objetivo conseguir a coroa, através de guerras e brigas. Porém, diferentemente do que se esperava, estes combates propiciavam a decadência destes poderes. Neste período histórico, o direito romano mostrou-se enfraquecido e, diante da falta de poder por parte do Rei sobre o seu reino, a população submetia-se à autoridade de líderes locais, guerreiros com clãs debilitados. Logo, a Europa experimenta um regresso no direito.

Ao fim do século XI, ressurge o direito romano, aplicado no Baixo Império Romano, com a emergência da Escola dos Glosadores de Bolonha, originando um poder que mostrou-se dominante no contexto europeu até a chegada do século XIX.  Dom João I foi o responsável por concretizar, no contexto português, o Corpus Iuris Civilis, as Glosas de Acúrsio e as de Bartolo, como direito subsidiário. Este direito emergente constituiu-se como o primeiro direito europeu a ter validade no território brasileiro, não provocando modificações relevantes no que tange à tutela do direito de personalidade, mantendo a proteção da personalidade humana nos padrões da actioinjuriarum.

Levando em consideração os diversos episódios que ocorreram durante a Idade Média, compreendendo desde o declínio do Império Romano até a atualidade, pode-se afirmar que cada fato, cada período, cada progresso contribuiu para a construção do entendimento atual acerca da pessoa humana, lesada na dignidade e reconhecimento enquanto pessoa.

O sentido dos termos “pessoa” e “personalidade” estão em contínuo desenvolvimento, experimentando várias transformações, realizadas por pensadores distintos. Anteriormente, na perspectiva de alguns pensadores, como Boécio, a pessoa era compreendida como um ser substancial, por constituir-se como uma entidade que existe por si. Estas considerações fundamentaram o pensamento de vários pensadores relevantes, no campo da Filosofia e do Direito de personalidade. Torna-se preciso destacar a posição adotada por Santo Tomás de Aquino, a qual defendia que o princípio da individualização não decorre da forma, e sim da matéria. Além disso, pensava a individualidade enquanto matéria própria, analisando a expressão “individua substantia”, proposta por Boécio, que alega que o indivíduo consiste em uma substância individual, composta por dignidade, sendo esta a razão do ser humano.

4- O Direito da Personalidade e o Novo Código Civil

O Código Civil estabeleceu diversas modificações, como a introdução de um capítulo próprio, destinado a abordar os direitos da personalidade (arts. 11 a 21), sendo esta alteração uma das mais celebradas. Na verdade, esta não constitui-se como uma inovação, visto que a Constituição Federal proporciona uma tutela mais ampla, especialmente em seu art5º, caput, que determina alguns dos direitos fundamentais do ser humano. A tutela da pessoa humana é uma característica importante do direito privado corrente, que cria uma cláusula geral a respeito da proteção da personalidade.

Desse modo, a proteção da pessoa natural é formada baseando-se em três diretrizes principais, dispostas no Texto Maior, sendo elas: a proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); a solidariedade social, também objetivando a eliminação da pobreza (art. 3º, I e II); e a igualdade, dispondo de um significado amplo, ou isonomia. Tais normas norteiam a disciplina que visa estudar o direito privado, não baseando-se somente no Código Civil, mas tendo um ponto de partida invariável: a Constituição Federal. A disciplina em questão é chamada de Direito Civil Constitucional. Certamente, estas diretrizes vão surgir em diversos contextos e questões jurídicas, apontando para a direção de tutela da pessoa, em detrimento de qualquer outra coisa.[29]

É possível definir os direitos da personalidade como aqueles intrínsecos ao ser humano e à sua dignidade. Emergem daí cinco atributos fundamentais: vida/integridade física, honra, imagem, nome e intimidade, que são capazes de expressar satisfatoriamente a noção destes direitos. É importante destacar que estes direitos não são conferidos somente à pessoa natural, se estendendo também à pessoa jurídica, conforme determinado no art. 52 do novo Código Civil, que corrobora com a concepção jurisprudencial antecedente, na qual a pessoa jurídica poderia ser alvo de um dano moral, no caso de prejuízo à sua honra objetiva, com repercussão social (súmula 226 do STJ).

Assim, o nascituro, isto é, o ser humano já concebido, cujo nascimento é garantido, também é detentor de tais direitos, sendo necessário que este seja compreendido como pessoa. O indivíduo que foi concebido, mas que não dispôs do nascimento, detém personalidade jurídica formal: possui direito à vida, à integridade física, a alimentos, ao nome, à imagem. [30] Não é correto, então, afirmar que o nascituro dispõe de expectativas de direitos. A personalidade jurídica material, referente aos direitos patrimoniais, de outra forma, é adquirida somente no caso de nascimento do nascituro. A tutela dos direitos da personalidade do nascituro deve compreender também o natimorto, que possui personalidade, conforme recente súmula, nº 642 do STJ.

É certo afirmar que os direitos da personalidade são inabdicáveis e intransferíveis, conforme previsto no art.11 do Código Civil de 2002. Desse modo, nunca haverá a possibilidade de se aplicar um afastamento por conduta volitiva, como os casos em que o indivíduo, como um atleta, se coloca em uma situação de risco e rejeita explicitamente a concessão de indenização no futuro. A declaração não apresentará validade, porém a quantia referente à indenização será reduzida, perante a responsabilidade e culpabilidade da vítima, de acordo com os arts. 944 e 945.

No art. 12 do novo Código Civil, trata-se sobre o princípio da prevenção e da reparação no que diz respeito às situações de danos aos direitos da personalidade. É estabelecida a aplicação da súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, que possibilita solicitar reparo material e moral através de uma só ação. O artigo em questão determina os direitos do morto, estabelecendo os graus de relação possíveis de solicitarem a indenização, nos casos de danos à personalidade de um indivíduo que faleceu. Já o art. 13 do Código proíbe que as partes do corpo sejam dispostas, exceto diante de solicitação médica e da condição de que esta concessão não acarrete na ineficácia do órgão, sendo necessário que estejam em conformidade com os bons costumes.

O artigo estende-se também às situações que envolvem o transexualismo.[31] Atualmente não é incomum que seja aprovada a realização de cirurgia de mudança de sexo no Brasil, o que demanda a modificação do nome e emissão de registro do transexual. Considerando a dignidade da pessoa humana, é inconcebível que as ações discriminatórias em relação à opção sexual sejam apoiadas ou omitidas. Os direitos deste indivíduo são determinados pelo art. 15 do novo Código Civil, assim como o princípio da beneficência. Nessa perspectiva, não há a possibilidade de um indivíduo ser submetido ou impelido a tratamento médico ou cirurgias que possam causar riscos à vida do mesmo.

Cabe questionar como proceder no caso de um paciente necessitar ser submetido a uma intervenção cirúrgica, mas, em função de ideologias religiosas, recusar a efetuação do procedimento. Há dúvidas sobre a conduta adequada a ser adotada pelo profissional, acerca da realização ou não do procedimento necessário. É consenso que nenhuma decisão tomada será capaz de causar agrado a todos, porém, nos casos em questão, por segurança, recomenda-se que a instituição hospitalar, por meio de seus representantes legais, solicite a autorização judicial para que o caso seja analisado pelo magistrado, definindo o valor jurídico a ser preservado.[32]

Já os artigos 16 a 19 tratam e asseguram a tutela do nome da pessoa natural, o que a caracteriza no contexto social, assim como do pseudônimo. Em casos de danos aos direitos da personalidade, salvo o dano à imagem, os colaterais até quarto grau são compreendidos como lesados indiretos.

Encerrando a questão dos direitos da personalidade, o art. 21 do Código Civil determina o direito à intimidade, já disposto na Constituição Federal de 1988, estabelecendo que a vida privada da pessoa natural não é passível de violação, sendo permitida a adoção de providências a fim de assegurar essa inviolabilidade.  O novo Código Civil não atende às expectativas no que tange ao tratamento acerca dos direitos da personalidade, que nem mesmo são passíveis de serem considerados dentro de um modelo ou rol taxativo de normas e circunstâncias. Ainda assim, os onze artigos que compõem a codificação privada vigente representam um grande progresso em relação à matéria, cabendo a realização de mais estudos por aqueles que aplicam o direito.[33]

 

5- A dignidade da pessoa humana: tutela jurídica dos direitos da personalidade

Apesar de o Código Civil de 2002 dispor da disciplina dos direitos da personalidade no campo da novel codificação, e, assim, a nível de legislação infraconstitucional, todas e quaisquer análises acerca destes direitos têm de, indispensavelmente,         advir de seu substrato constitucional, que é o princípio da dignidade da pessoa humana. É possível afirmar que os direitos de personalidade se fundamentam nesse princípio, tido como o principal. O grupo de direitos fundamentais aqui envolvidos, incontestavelmente os direitos da personalidade, baseia-se na dignidade da pessoa humana, ou seja, na noção que determina o indivíduo como base e objetivo da sociedade e do Estado. Em função disso, o princípio da dignidade humana foi considerado como o “alfa e ômega” do sistema das liberdades constitucionais e, logo, dos direitos fundamentais.[34]

Há uma enorme relação entre os direitos da personalidade e dignidade humana, pois os primeiros constituem-se como os elementos básicos e fundamentais que asseguram o desenvolvimento digno do ser humano. O conteúdo disposto pelo princípio da pessoa humana, como é atualmente apresentado na maior parte das Constituições instituídas no período pós-guerra, teve sua concepção e consolidação, principalmente, a datar na última metade do século XX. O mundo experienciou e observou um grande retrocesso, em direção à crueldade. Os direitos humanos foram violados de diversas formas nesta época, da maneira apática, insensível e metódica. Com isso, foi constatado que a falta de humanização não alcança somente uma pessoa, mas toda a população, sendo manifestada e representada em cada indivíduo.

A Constituição brasileira do ano de 1988, de maneira semelhante às demais Constituições do Segundo Pós-Guerra, determina a dignidade da pessoa humana como princípio do Estado Democrático de Direito. Isto é, o ser humano e sua dignidade começam a ser compreendidos como razão de ser do direito, seu último fundamento (ratio e telos).[35] A dignidade da pessoa humana localiza-se no topo da pirâmide axiológica. Esta é a real GRUNDNORM, em acepção lógica, ontológica e deontológica da ordem.

                       

A Constituição erigiu a pessoa humana ao patamar de princípio fundante do ordenamento jurídico. Não se trata de mera consequência ou reflexo da ordenação. Tem existência prévia, não obstante caiba ao ordenamento dotá-la de significação e efetividade. A primeira consequência da dignidade é a identificação entre ser humano e pessoa. Não existe no mundo quem, sendo antropologicamente pessoa, também não o seja juridicamente. A dignidade é expressão unívoca e não é suscetível de medida ou de variedade; toda pessoa tem necessariamente o mesmo coeficiente de dignidade. O reconhecimento da qualidade (e dos atributos) da pessoa se justifica pelo fato de que o homem, ao contrário das coisas, tem um fim próprio a cumprir, é um ser de “fins”, frente aos seres que o rodeiam. A dignidade não é a superioridade de um homem sobre outro, mas de todos os homens sobre os seres irracionais. A dignidade é predicado indissociável do conceito pode pessoa, independentemente de reciprocidade, ou seja, mesmo uma pessoa indigna é dotada desse predicado.[36]

A dignidade humana está introduzida no pórtico da Constituição Federal de 88 (art. 1o, III), representando legítima cláusula geral de tutela, a fim de assegurar a proteção absoluta da personalidade, considerando todas as suas expressões. Não está limitada a este princípio, mas o utiliza como seu ponto inicial, adentrando as subdivisões do ordenamento, associando as relações jurídicas, do âmbito público ou privado. Até mesmo, especialmente, na família. É inconcebível pensar na vida do indivíduo sem ser remetido à família, sendo possível dizer que o direito à vida envolve o direito à família.

O princípio da dignidade humana visa garantir que os seres humanos tenham respeito um pelo outro, começando pelo âmbito familiar, no qual a educação deve compreender a conscientização acerca desta questão.[37]Além disso, é de extrema importância apontar que a dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento e norma essencial do sistema normativo jurídico, baseia-se em três direitos essenciais: o direito à vida, compreendendo o direito à integridade física e psíquica, o direito à liberdade e o direito à igualdade.

5.1 Direito à vida

O direito à vida e à existência diz respeito ao direito de viver, compreendendo elementos relativos à eliminação da vida, a morte. Este direito é abarcado pelos direitos de personalidade, que se referem à integridade física e engloba questões referentes à concepção, abordo e eutanásia. Concerne a ter direito sobre o corpo, incluindo a integridade física, esbarrando em pontos e discussões acerca da eutanásia, no que se refere ao direito à morte digna.[38]

O debate dos extremos compreende a vida uterina, seu princípio, sua tutela e considerações acerca da personalidade do ser que está preste a nascer, assim como a vida humana gerada em outro contexto, que não o uterino, como em tubos de ensaio e em laboratório. Do lado oposto, está a morte, a eliminação da vida, as possibilidades de a morte constituir-se como um desejo da pessoa ou de outros, em virtude de haver um sofrimento intenso, implicando na eutanásia, a boa morte.

Geralmente, os ordenamentos jurídicos alegam que para que seja compreendida a pessoa em direito, portadora de personalidade para titularização dos direitos, é preciso que haja um nascimento com vida, sendo esta a condição. Entretanto, em relação aos direitos humanos, titularizado por cada indivíduo, estes não são dependentes da personalidade. É preciso diferenciar, dessa forma, o ser humano de pessoa humana. E, logo, cabe destacar que o princípio da dignidade, apresentada de forma significativa no que tange à pessoa humana, não se encontra restrita à mesma, devendo levar em consideração a espécie humana, tida em sua integralidade. O embrião já é considerado ser humano com vida própria, garantindo o ordenamento jurídico à tutela do mesmo  do nascituro, merecendo a observação do que é ado a todo homem, à partir do momento da concepção, merecendo, desta forma o amparo jurídico.

 

5.2 O direito à moradia: hipótese prévia e necessária para a dignidade da família.

Pode-se afirmar o estabelecimento da ideia de que a dignidade humana consiste em um princípio primordial, que foi transformado em um elemento jurídico de estatura constitucional, devido à sua efetivação em norma expressa ou por seu reconhecimento enquanto uma determinação jurídica presente no sistema. Desse modo, configura-se como justificativa moral e como critério normativo para os direitos fundamentais. É possível constatar que o direito à moradia mostra-se profundamente relacionado à dignidade da pessoa humana aqui tratada.

De fato, é preciso dispor de um local apropriado, que forneça proteção ao indivíduo e à sua família contra as possíveis adversidades da vida, um espaço para usufruir de sua intimidade e privacidade, um lugar que possibilite minimamente conforto e segurança. Isto é extremamente necessário para que a dignidade do indivíduo seja assegurada. Sem esta condição, não há a possibilidade de garantir a existência física e, assim, o direito à vida.[39] Nesse sentido, podemos compreender que o direito à moradia é abarcado como aspecto intrínseco à garantia do denominado “mínimo existencial”.[40] Para o autor, o mínimo existencial caracteriza-se como a asseguração das condições materiais básicas e fundamentais de vida, apresentando uma esfera negativa e uma positiva.

Alguns acreditam que o mínimo existencial “corresponde às condições elementares de educação, saúde e renda que permitam, em uma dada sociedade, o acesso aos valores civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público.”[41] Em sua esfera negativa, atua como uma demarcação, impossibilitando a realização de ações, pelo Estado ou por particulares, que privem o indivíduo das condições fundamentais para uma existência digna. A sua esfera positiva relaciona-se a um grupo primordial de direitos prestacionais. Nessa perspectiva, o direito à moradia configura-se como um direito intrínseco ao ser humano, sendo fundamental, pois ele assegura a dignidade de outros direitos, como o direito à vida e à dignidade. Sem esta condição, de que o indivíduo possua sua moradia, seu local, os demais direitos não são executados adequada e integralmente.

Além disso, o direito à moradia provoca impacto e influência no universo exterior físico, moral, psíquico e social, uma vez que compreende uma parte significativa da sociedade, configurando-se como um interesse social e público, especialmente quando se caracteriza como incumbência da ação do Estado. Conforme uma perspectiva antropológica, a expressão “casa” não se refere somente ao ambiente físico em que o indivíduo dispõe de abrigo e alimento, mas um ambiente que propicia realização individual aos seres humanos.

Com base neste argumento, a Comissão da Organização das Nações Unidas desenvolveu alguns fatores necessários, concretizados no Comentário nº 4 do Conselho de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, com o intuito de estabelecer o que é compreendida como uma moradia apropriada. Tais fatores são: segurança jurídica para propriedade, independendo de sua estrutura e origem, compreendendo um complexo de proteções legais e judiciais contra despejamentos impostos; disponibilidade de infraestrutura básica, de forma a assegurar saúde, segurança, bem-estar e alimentação aos detentores do direito, como água potável, energia, saneamento básico, entre outros aspectos essenciais; os custos direcionados ao mantimento da moraria não podem afetar o atendimento às outras necessidades básicas; a moradia deve dispor de um ambiente habitável, garantindo a segurança física dos moradores; acessibilidade adequada à moradia, principalmente aos portadores de necessidades especiais; localização que favoreça o acesso aos serviços sociais existentes, bem como ao emprego, educação, saúde; a moradia e a forma de sua estruturação devem considerar e exprimir a pluralidade cultural do povo.

É extremamente importante que a propriedade disponha de respeito à diversidade cultural, aos padrões habitacionais da população, grupos sociais e época em que é construída, o que contribui para que esta seja mais apropriada, visto que a mesma não pode ser desassociado de suas esferas econômica, social, cultural e ambiental.[42] O art. 5º, XXXIII, da CF de 1988 determina que a moradia deve exercer sua irrevogável função social. De acordo com o que é determinado por este dispositivo legal, o art. 1.228 do Código Civil, em seu parágrafo primeiro, prevê que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

A suposição do direito civil possui uma relação ilustrativa de pressupostos, com o objetivo de que haja o controle, por parte da sociedade, da efetivação do decreto constitucional. Na Constituição da República e nas leis especiais que protegem os referidos interesses, estão determinadas medidas consensuais para a inobservância da concepção de função social da moradia. Tal função constitui-se como uma determinação e demanda da existência em sociedade, uma vez que a tutela dos direitos individuais dos donos da propriedade é extremamente importante, assim como é primordial que seja imposto ao proprietário a execução das potencialidades econômicas e sociais dos patrimônios, que deverão ser transformados em prol da sociedade.  Além disso, com o objetivo de instrumentalizar a função social da propriedade, cabe determinar esta concepção com exatidão.[43]

A função social disposta pela propriedade é compreendida como o papel que tal propriedade exerce nas relações pertencentes aos âmbitos jurídicos, econômicos e sociais, sendo caracterizado pela dinamicidade, informando sobre as modificações emergentes com a nova compreensão de propriedade. Embora se constitua como direito subjetivo individual e de caráter privado, a função deve ser executada de forma que o proprietário faça o uso da coisa objeto do direito sem provocar prejuízos aos demais indivíduos.[44]Assim, é possível afirmar que o direito à moradia consiste em um aspecto relevante da execução da função social da propriedade.

5.3 Igualdade

O princípio da isonomia consiste em um sustentáculo ou base jurídica da dignidade humana, sendo aplicado obrigatoriamente na esfera das relações familiares. Com a implantação da Constituição de 1988, a família não é mais compreendida como um grupo estabelecido pelo casamento, subordinado ao poder supremo de um homem, o provedor. Atualmente, esta união tem como fundamento o afeto compartilhado entre os membros, sem que haja o estabelecimento de posições hierárquicas entre os companheiros ou conviventes, contando com uma equidade entre os filhos.

O afeto, os planos compartilhados, é o seu próprio motivo de ser, como é apresentado no parecer do relator geral do projeto de lei que originou o novo Código Civil do Brasil. A família não é constituição do Estado ou da Igreja, e também não é uma criação do Direito, como o leasing, a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, o aviso prévio, entre outros. Estes são frutos de uma cultura jurídica, sendo concebidos com o objetivo de auxiliar a sociedade. No entanto, a família é uma instituição que antecede o Estado, precede a Igreja e é coexistente ao Direito. Não cabe ao Estado ou à Igreja conceber, considerando seu parecer, os perfis familiares.

A equidade entre os indivíduos envolvidos nas relações jurídicas familiares é uma determinação da dignidade humana, que foi compreendida de forma satisfatória pelo legislador do Código Civil de 2002, responsável por garantir a total igualdade de direitos e deveres entre os envolvidos, seja no casamento ou na união estável. Simultaneamente, determinou a equidade entre os filhos, extinguindo as orientações discriminatórias presentes na filiação e definindo que os filhos, concebidos ou não na relação de casamento, ou adotados, dispõem dos mesmos direitos e qualificações. [45]

O direito fundamental à igualdade, enquanto efeito irremediável do princípio da dignidade humana, foi consumado plenamente pelo novo Código Civil, o que não significa que o legislador tenha estabelecido o “igualitarismo” nas relações familiares. A consolidação da igualdade não implica que todos os membros da família devem ser tratados da mesma forma, visto que o conteúdo jurídico da igualde visa considerar a diversidade, especialmente em relação aos indivíduos que vivenciam uma situação desfavorável e desvantajosa.

É preciso que a diversidade seja justificada e que o argumento seja considerado justo. Justiça não constitui-se como igualdade, mas é necessário que a igualdade disponha de justiça. Em alguns casos, como no da sucessão legítima, o Código Civil de 2002 determina direitos variados para cônjuges e companheiros, sem provocar infrações aos direitos personalíssimo e essencial à igualdade.[46]Vale destacar que o Texto Constitucional, ao caracterizar a união estável como relação familiar, demonstrou que procedeu desta maneira com vistas à proteção do Estado (artigo 226, §3º, CF/88).

Assim, não igualou a união ao casamento, visto ter sido explicitamente revelado pelo constituinte a aspiração de que a lei favoreça a sua transformação em casamento. Dessa forma, não existiria desejo em transformar a união em casamento se ambos fossem equiparados e se a união dispusesse dos mesmos produtos e impactos.  O legislador deve estar atento a este detalhe, para que não associe excessivamente os dois institutos e desmotive a transformação de um e outro, contrariando o sentido da norma constitucional e cometendo uma inconstitucionalidade latente.

5.4 Liberdade

 

Ao tratar sobre a liberdade, é preciso compreender que esta não se refere somente ao poder de ação dos indivíduos, de fazerem ou não o que querem, mas também à incumbência jurídica que o governo e os demais indivíduos possuem, de não dificultar ou impedir que tal ação seja realizada. Cabe ao Estado favorecer sua legítima execução.[47]Devemos todos nos submeter à lei, para dispormos de liberdade, sendo os limites desta liberdade determinados pela justiça.

Dentre as várias manifestações do direito fundamental de liberdade na esfera das relações familiares, é possível evidenciar algumas. A primeira delas refere-se ao direito de formar uma união estável ou um casamento, visto que é determinado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que os seres humanos dispõem do direito de celebrar um matrimônio e compor uma família.[48]O Código Civil de 2002 buscou garantir a gratuidade do matrimônio, diminuindo a idade núbil e possibilitando a união estável de separados. Por meio da lei, o Estado visa favorecer o alcance desta expressão do direito fundamental à liberdade.

A segunda diz respeito ao direito de romper o matrimônio ou a união estável, que podem ser desfeitos, de acordo com a vontade dos companheiros. Sobre isso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que os envolvidos na relação dispõem de direitos iguais no rompimento do casamento (art. XVI). Não há a possibilidade de o Estado impedir, em hipótese alguma, a concretização do direito em questão. O NCC segue devotadamente esta norma, possibilitando que o casamento seja dissolvido sempre que a comunhão de vida for inexistente, independentemente da razão ou motivação. (Art. 1.573, p. único).Outrossim, a Emenda Constitucional 66 firmou o entendimento do divórcio como um direito potestativo.

Já a terceira manifestação é o direito ao respeito e à consideração mútua, que são determinados pelo novo Código Civil como incumbências conjugais. Isto significa que cada cônjuge deve ter respeito e salvaguardar os direitos da personalidade de seu companheiro (art. 1566). A quarta trata do direito à concepção e à descendência, compreendendo o direito à paternidade, à maternidade e à adoção responsáveis. É vedado pelo CC/2002 “a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”(art. 1.513). O cumprimento da norma protege o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III), pois desautoriza intervenções e intromissões inadequadas na intimidade familiar. Cabe ressaltar a importância da proibição no que tange ao planejamento familiar, decidido pelos cônjuges, tratado pelo § 2.º do art. 1.565, no qual se proíbe todos os tipos de coibição pelas entidades do âmbito privado ou público.

A quinta concerne ao direito ao planejamento familiar, assegurado pelo art. 226, § 7.º, da Constituição Federal, sendo de livre escolha dos cônjuges. É atribuição do Estado fornecer os recursos necessários à prática desse direito. O § 7º, do art. 226 da CF, determinou duas bases do planejamento familiar: os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. “[…] esse parágrafo deve ser lido no contexto do Título VIII (Da ordem social), em que está inserido, onde se destaca a saúde como direito de todos e dever do Estado […] e a assistência social assegurada como meio de proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice”.[49]Portanto, é possível afirmar que o planejamento familiar constitui-se como direito fundamental e direito da personalidade.

6 Direito ao nome: Direito tutelado nas relações de família                                        

O nome civil consiste em um elemento capaz de distinguir e particularizar o sujeito no mundo, na família e na sociedade. Busca-se, por meio da atribuição de nomes, distinguir os indivíduos naturais, sendo garantida pelo Estado a tutela ao uso impróprio, sendo este um direito do ser humano. O Código Civil do Brasil, em seu art. 16, determina ser assegurado pelo Estado que toda pessoa disponha do direito ao nome e sobrenome. Pode-se observar que, em face da constitucionalização do direito civil, o nome dispõe de um caráter jurídico de direito da personalidade, apresentando atributos como não ser passível de renúncia ou transferência, irrevogável e tendo proteção contra excessos e uso impróprio.

Desse modo, o Código Civil aderiu à teoria do direito da personalidade, estabelecendo o direito ao nome como um direito fundamental, em uma esfera de direitos subjetivos primordiais à pessoa humana. O direito ao nome é garantido pelo princípio da imutabilidade, que representa a segurança jurídica imprescindível para que os indivíduos sejam adequadamente identificados. Entretanto, há casos que contam com a possibilidade de alteração. Tais casos são raros, em que o direito brasileiro possibilita que haja a modificação do nome, sendo eles: nome que estiver submetido ao ridículo, existência de erros de grafia, capaz de provocar constrangimento no âmbito comercial e na vida do indivíduo, constituir-se como homónimo, apelido público ou conhecido que possa substituir o nome do indivíduo, necessidade de proteger vítimas e testemunhas de violações, tradução de nomes estrangeiros, adoção, casamento, enteado assumir o sobrenome do padrasto e após o alcance da maioridade.[50]

Cabe salientar que, para solicitar a retificação ou alteração do nome, torna-se necessário recorrer à via judicial, conforme determinado no art. 109 da Lei 6.015/73, por configurar-se como uma questão que demanda um exame mais aprofundado, contudo o STF em repercussão geral editou o tema 761 firmando tese no sentido de possibilitar aos transgêneros o direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, apenas com manifestação de vontade tanto pela via judicial, como diretamente pela via administrativa. Em contrapartida, o reparo e suprimento de menor complexidade podem ser solicitados ao registrador civil das pessoas naturais do lugar em que o registro está localizado. Após a assinatura da solicitação pelo indivíduo e decisão tomada pelo ministério público, responsável por deferir ou indeferir o pedido, o registrador tem permissão para operar as alterações solicitadas. Porém, é de extrema importância destacar que o direito ao nome é classificado como um direito da personalidade e, portanto, imutável, salvo em casos previstos pela lei.

7- Violação a direito da personalidade na esfera das relações de família: Uma discussão sobre a responsabilidade Civil

O Código Civil vigente propiciou um preceito particular e amplo referente à proteção dos direitos da personalidade, consolidada no art. 12, que determina a possibilidade de requerer a cessação da ameaça ou dano ao direito da personalidade e solicitar perdas e danos, sem que haja malefício das demais sanções estabelecidas pela lei. O regulamento aborda sobre os procedimentos de proteção dos direitos da personalidade, no que tange à precaução e suspensão do prejuízo, bem como ao reparo dos males gerados. Propiciou-se, então, a possibilidade de acumulação dessas medidas com a solicitação de perdas e danos e com outras sanções determinadas através de leis especiais.[51]

A proteção dos direitos da personalidade engloba algumas medidas, a saber: suspensão de práticas danosas; confiscação dos materiais provenientes das práticas em questão; subordinação do autor à aplicação da pena; reparo de prejuízos materiais e morais; e persecução criminal do autor. Porém, algumas questões surgem, como acerca da possibilidade desta proteção ser evocada em relações familiares, de uns integrantes contra os outros. Não é possível determinar contenções, exceto as determinadas por lei e relativas à capacidade e legitimidade processuais. Salvo estes casos, não é possível identificar a presença de obstáculos para que os indivíduos, membros da família, utilizem estas medidas para tutelar seus direitos da personalidade. Compreendendo até mesmo a reparação civil, em situações de dano moral. No que se refere à responsabilidade civil por lesão moral na esfera das relações de família, cabe tratar sobre a definição de dano moral.

Diferentemente do que é defendido por muitos autores, o dano moral não é só caracterizado pela dor, mal-estar, sofrimento ou aflição vivenciados pelo indivíduo. O dano moral é também resultante da infração aos direitos da personalidade, não havendo a consideração da dimensão subjetiva da vítima. Não é possível estabelecer níveis diferentes de dor e sofrimento, eliminando a concepção de patrimonialização dos sentimentos. Diante de uma infração ao direito da personalidade, há a necessidade e obrigação de propiciar uma indenização, sem que sejam consideradas as emoções e sentimentos da vítima.

Em relação à reponsabilidade civil nas relações paterno-filiais, sabe-se que a família, sendo considerada a partir de uma visão funcional, tem o dever de garantir a realização da personalidade de seus integrantes. O abandono afetivo gera prejuízos à personalidade do sujeito, visto que fere sua integridade psíquica. O direito à afeição parental é um requisito fundamental para o desenvolvimento psíquico do ser humano. Não nos referimos à patrimonialização do afeto, e sim à indenização pelo prejuízo moral experimentado, que não necessariamente tem um caráter pecuniário.

Assim, busca-se identificar possíveis alternativas para a indenização desses prejuízos, sem que haja uma compensação financeira, extinguindo essa acepção monetarista, que colabora para a desmoralização de uma concepção doutrinária substanciosa, que reprime a infração dos direitos da personalidade na esfera das relações familiares, estando em conformidade com a premissa de dignidade da pessoa humana.

8-Conclusão

Com o término das guerras e de seus diversos efeitos negativos, muitas mudanças foram realizadas na área do Direito, principalmente no sentido de reconhecer a importância do indivíduo, estabelecendo-o como o valor central. O primeiro passo tomado nesse sentido foi o abandono da indefinida categoria sujeito de direito, utilizando-se da concepção de figura humana real, detentora de personalidade e subjetividade. Diante dessa subjetividade a ser protegida, há a ampliação dos direitos fundamentais e de personalidade, que têm como foco principal o indivíduo, de modo independente da capacidade jurídica disposta.

Assim, sustenta-se a cláusula geral de tutela, que garante que o indivíduo seja protegido, provocando impacto nas várias áreas do Direito, especialmente no direito de família. A família passa a ter funcionalidade, tendo a função de fornecer proteção e favorecer o desenvolvimento de seus membros. Abandona, então, seu caráter conservador e transmissor dos bons costumes para passar a fornecer amparo, abrigo e estimular a independência do indivíduo. Nesse contexto, a família é constituída devido a uma ação de vontade, sendo mantida pelo afeto, responsabilidade e solidariedade mútuos.

Pode-se afirmar que as relações de família tornam-se funcionais em virtude do fator promocional, que não se contenta com a recusa da subjetividade e identidade dos membros. Entre os cônjuges e companheiros, independente da união, permanece a liberdade e o respeito à singularidade do próximo. Não sendo aprovadas a submissão, a autoridade e dominação. A instituição familiar não se restringe a um poder ou competência, conciliando várias posições jurídicas, tais como o poder, o dever, o ônus, o direito, a faculdade, o interesse legítimo, sendo estes direcionados para o cuidado e promoção do desenvolvimento do filho.

É importante ressaltar que as crianças são compreendidas como pessoas, detentoras de personalidade, subjetividade, autonomia e intimidade. Atualmente, a família é norteada pelos fundamentos democráticos, tendo sua ordenação e atividade fundamentadas no respeito ao indivíduo e aos seus direitos. A família não possui um ser que é superior aos demais, capaz de suprimir a singularidade de cada integrante. De maneira contrária, os laços são fortalecidos pela comunicação, empatia, auxílio e respeito à individualidade.

À proporção que os filhos tornam-se mais conscientes, sábios e capazes, por meio da educação e experiência, o cuidado dá lugar à tarefa de favorecer e estimular o desenvolvimento deste. Este processo é fundamentado no respeito e diálogo. Para que haja o reconhecimento da vida privada de cada pessoa que integra a família, é preciso que se tenha conhecimento de que sua participação no grupo não o destitui de singularidade e subjetividade. No entanto, ainda nos deparamos com uma realidade oposta, em que há a divergência entre o modelo civil-constitucional de família e os arranjos familiares existentes na vida real. Os recursos jurídicos responsáveis por delinear a família democrática já estão colocados, havendo a possibilidade de solicitá-los. A força simbólica disposta pela família democrática e pela autoridade parental funcionalizada terá utilidade na modificação do status quo.

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 Notas:

[1]Na percuciente análise de Henrique Gean Quinto Herkenhoff, “a família é acima de tudo um núcleo sócio afetivo destinado à plena realização da individualidade e da dignidade de seus membros, e não à perseguição inconsequente de interesses ´grupais´ ou ´nacionais´ , não se admitindo a opressão dos componentes mais fracos (ou mesmo dos mais fortes) em proveito ´da família´”. (Do patriarcalismo à democracia: evolução dos princípios constitucionais do direito de família, in Revista EPD, ano I – n. I . São Paulo: Escola Paulista de Direito, 2005, pp. 235/236)

[2] ABAGNANO,2010, p. 758

[3]DORON, 1998, p. 585.

[4] BRUGGER, 1969, p. 318.

[5] Art. 2.o. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

[6]CUPIS, 2009, p 100

[7]idem

[8]idem

[9]SZANIAWSKI, 1993. p.35/36.

[10] VILLELA, João Baptista. Repensando o Direito de Família. Anais do I Congresso de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey ,2003, p 90

[11] PIOVESAN, Flávia e ROSSO. 2006 p 45

[12] CIFUENTES, Santos. Derechos personalísimos. Editorial Astrea, 2ª ed..Buenos Aires: 1995, p. 2009

[13] BORGES, 2005, p 136

[14] BORGES,2005,OP CIT

[15] TEPEDINO,  2004, p 128

[16] Idem

[17]TEPENDINO a personalidade humana mostra-se insuscetível de recondução a uma ‘relação jurídica-tipo’ […] sendo, ao contrário, valor jurídico a ser tutelado nas múltiplas e renovadas situações em que o homem possa se encontrar a cada dia […]”.(idem), P 132

[18] BORGES,2005,OP CIT

[19] CANOTILHO,2002, P 389

[20] DE MATTIA, 1997, nº 56, p. 247.

[21] Idem

[22] BITTAR, 2006, p 65

[23]Idem

[24] SOUZA, 2005, p 89

[25] BITTAR, 2006, p 65,OP CIT

[26]TEPENDINO,2004, P 139 OP CIT

[27]SOUZA,2005,P189, OP CIT

[28] IDEM

[29]TARTUCE, Flávio. 2009  Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7590>. Acesso em: 23 jun. 2019.

[30]SILVA, 2009,p 56

[31]IDEM

[32]IDEM

[33] SOZZO, 2010, P 15

[34]SARLET , Ingo W. “  2006 p 101

[35]“Segundo o art. 1º, inciso III da Constituição, a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Por sua vez, estabelece o art. 3º, III, que são objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Já o art. 5º, § 2º, estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituição (com aplicação imediata, consoante o § 1º) não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.

[36] FLÓREZ–VALDES, 1999, p 145

[37] SEREJO, Lourival. Direito constitucional da família. 2 ed. rev. atual.Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p.20

[38] BORGES,2005,p 89,OP CIT

[39]TORRES , 2015, p 76

[40]SARMENTO, 2010, pp. 1019-1052.

[41]ROMANELLI, 2013,p 456

[42]SARMENTO,2010. OP CIT.

[43]MELO, 2008, pp. 88-89.
[44]GAMA, 2011, p. 228

[45]FLÓREZ–VALDES,1999,OP CIT

[46] IDEM

[47]DAMATA,OP CIT

[48]IDEM

[49] FLORES VALDEZ, OP CIT, P 163

[50]CECCONELLO,2003, p. 31.

[51]Código Civil Anotado. 2005. P 45

Palavras Chaves

personalidade, família; direitos humanos; direitos fundamentais.