EFICÁCIA CONTRA TERCEIROS DA MEDIAÇÃO PRIVADA INDEPENDENTE DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL

Resumo

O artigo visa demonstrar a eficácia contra terceiros dos acordos de mediação entre particulares, independente de homologação judicial, invocando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que recusa homologar transações extrajudiciais. No Brasil, é usual homologar-se em
juízo acordos objeto de negociações privadas, prática que os interessados buscam estender aos termos finais de mediação. A tendência à desjudicialização reforça o princípio da inafastabilidade da jurisdição, positivado na Constituição (art.5º, XXXV), por reservar juízes e
tribunais ao julgamento dos casos indiscutivelmente litigiosos. A interconexão ao sistema notário-registral do título executivo extrajudicial, oriundo dos acordos de mediação, facilita o cumprimento das obrigações, dado os efeitos gerais da publicidade e fé pública, diferente do
alcance da coisa julgada, restrita às partes do processo, e sempre pós-conflitual.

Artigo

EFICÁCIA CONTRA TERCEIROS DA MEDIAÇÃO PRIVADA INDEPENDENTE
DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL

Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo1
Edivaldo Alvarenga Pereira2

RESUMO

O artigo visa demonstrar a eficácia contra terceiros dos acordos de mediação entre particulares, independente de homologação judicial, invocando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que recusa homologar transações extrajudiciais. No Brasil, é usual homologar-se em juízo acordos objeto de negociações privadas, prática que os interessados buscam estender aos termos finais de mediação. A tendência à desjudicialização reforça o princípio da inafastabilidade da jurisdição, positivado na Constituição (art.5º, XXXV), por reservar juízes e tribunais ao julgamento dos casos indiscutivelmente litigiosos. A interconexão ao sistema notário-registral do título executivo extrajudicial, oriundo dos acordos de mediação, facilita o cumprimento das obrigações, dado os efeitos gerais da publicidade e fé pública, diferente do alcance da coisa julgada, restrita às partes do processo, e sempre pós-conflitual.

Palavras-chave: Mediação, Acordos, Homologação, Cumprimento, Registro Público.

NOTA PRÉVIA

Com o advento da Lei 13.140/2015, que dispõe sobre mediação como meio sanatório de controvérsias entre particulares e no âmbito da Administração Pública, reforçada pelo novo Código de Processo Civil, que consagra o mesmo método, ganha o Direito brasileiro importante ferramenta no enfrentamento da litigiosidade forense, uma avalanche que põe em colapso os diversos órgãos de atuação do Poder Judiciário3.

Na dicção do parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 13.140/2015, considera-se mediação a técnica destinada a obter soluções consensuais, exercida por pessoa imparcial, sem poder decisório, escolhida ou aceita pelas partes em litígio.

Se compararmos mediação e arbitragem, concluir-se-á, facilmente, que os árbitros prolatam o que a lei chama de sentença arbitral, obrigatória para as partes e seus sucessores, sendo equiparada às sentenças judiciais.4 A mediação, a teor do artigo 20, da Lei 13.140/2015, impõe a lavratura de um termo final – se os envolvidos lograrem acordo que eles mesmos constroem com ajuda do mediador. Esse termo final é qualificado de título executivo extrajudicial, podendo transmudar em título judicial se for homologado em juízo5.

Por este estudo, o que se busca é tornar o termo final de mediação um instrumento plenamente eficaz, independente de homologação judicial. O objetivo é conferir aos termos finais eficácia imediata, para todos os efeitos jurídicos. Com esse atributo, uma vez estipulado o acordo, estaria o título executivo a salvo de providências complementares, reservando juízes e tribunais ao julgamento tempestivo das ações em curso, segundo o princípio da razoável duração dos processos6, que é uma das garantias do artigo 5º, da Constituição.

Reconhecida a eficácia geral dos termos finais de mediação, sem o manto homologatório, concretiza-se, em menor tempo, o ideal de justiça que todos perseguem. O projeto é ambicioso, a merecer compreensão e indulgência interpretativa dos exegetas mais afortunados.

1. PERSPECTIVAS E PROBLEMA METODOLÓGICO

Diante da consolidação da mediação como técnica de pacificação de conflitos, com suas vantagens essenciais já bastante difundidas – valor da justiça colaborativa sobre a adversativa; redução da litigiosidade de ganhar ou perder; desjudicialização – cabe perguntar qual é a perspectiva futura. A resposta surge de uma reflexão quanto aos desafios da mediação regulada pela Lei 13.140/2015, visando torná-la virtuosamente eficaz.
Inúmeros trajetos poderiam servir a tal propósito. A opção, todavia, é restringir o alcance desta investigação prospectiva à tábua principiológica do direito civil-constitucional, que oferece ao intérprete-aplicador, hoje, um arsenal de soluções criativas, a operar por obra de
instituições seculares, como os cartórios do serviço das notas e registros públicos, que têm se
mostrado eficientes no compelir ao cumprimento de obrigações, incluindo aquelas nascidas de
conflitos familiares, como moradia, partilha e divórcio7.
Nesta seara tormentosa, uma perspectiva destaca-se com um problema metodológico. Em perspectiva, o aspecto crítico é acelerar os efeitos da mediação atermada, em proteção à dignidade humana, sob a crença de que conflitos tardiamente resolvidos tendem a multiplicarse exponencialmente, estimulando atos de violência psicofísica, com rupturas custosas de
reatar. O problema metodológico alude à proteção e segurança do direito civil-constitucional.
Vamos prosseguir com essas questões.

2. ACESSO À JUSTIÇA, MEDIAÇÃO E DIGNIDADE HUMANA

Em verdade, diz Luís Roberto Barroso, dignidade humana e direitos humanos são duas faces da mesma moeda, ou, na imagem corrente, são as duas faces de Jano: uma das faces, voltada à filosofia, expressa os valores morais que singularizam todas as pessoas, tornando-as merecedoras de igual respeito e consideração; outra face, voltada para o Direito regrado, traduz as posições jurídicas titularizadas pelos indivíduos, objeto de normas coercitivas8.

No plano estritamente jurídico, o valor intrínseco da pessoa humana impõe a preservação de sua dignidade, recebendo cobertura dos direitos fundamentais, como o direito à vida, em torno do qual se discute pena de morte, aborto e morte assistida, e o direito à igualdade na lei, independente de raça, cor, sexo, religião, origem nacional ou social.
A lista é enorme, abrangendo integridade psicofísica, autonomia privada, valores comunitários, e até um mínimo existencial,9 que não consta expresso em textos constitucionais e internacionais, mas tem sido reconhecido que toda pessoa, para exercer sua cidadania, precisa do atendimento de necessidades vitais, pena de perecer.10

Nessa linha, anota o ministro Celso de Mello, do STF, na ADPF 45/DF, em decisão monocrática, que é devido assegurar-se aos indivíduos a integridade de um mínimo existencial, afastado o “arbítrio estatal”11.
Na Constituição brasileira, o mínimo existencial insere-se no direito à educação básica, à saúde essencial, assistência aos desamparados e acesso à justiça.12 Por integrar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, o mínimo existencial tem eficácia direta e imediata, com a natureza de uma regra implícita, que dispensa elaboração legislativa. O direito de acesso à justiça não significa redução de alcance do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição. Ao contrário, aprofunda-o a partir da introdução de procedimentos de soluções consensuais de conflitos, como conciliação, mediação e arbitragem.
Desse modo, e com essa visão expansiva, o acesso à justiça compreende todo o aparato estatal concebido à concretização de direitos contemplados pelo ordenamento jurídico, o que é dizer: compreende todos os órgãos do Poder Judiciário, como também os tribunais de arbitragem, os mediadores e as câmaras de conciliação e mediação.

3. O PROBLEMA DA SEGURANÇA NO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL

Uma das características do direito civil-constitucional é a aplicação direta dos princípios constitucionais às relações privadas, tais como igualdade substancial, integridade psicofísica e solidariedade social, todos a gravitar no estuário da dignidade da pessoa humana.
Importa atribuir peso ponderável aos princípios nos processos de interpretação aplicação
dos direitos violados. Sua relevância decorre do caráter normativo dos princípios, ao lado das regras, segundo a distinção clássica de Ronald Dworkin.13 Por essa teoria, as normas  jurídicas podem ser agrupadas em regras, com maior grau de coerção, e princípios, com maior grau de abstração. Enquanto as regras reúnem o suposto fático e a consequência jurídica, os princípios anunciam valores concretizáveis, mormente ante os casos difíceis e complexos.
Nos países de tradição romano-germânica, o lugar por excelência de princípios jurídicos é o texto constitucional. A supremacia da Constituição prevalece na proclamação de soluções jurídicas definitivas.14 Se a insegurança domina, na aplicação principiológica aberta, pela utilização de conceitos vagos e indetermináveis, a dubiedade reduz na presença de mediadores particulares habilitados, com respaldo na Lei 13.140/2015.
A explicação assenta numa premissa óbvia: o direito de acesso à Justiça, ao instaurar um procedimento autônomo de mediação, satisfaz ao mandamento constitucional do respeito à
dignidade humana como fio condutor da plena e imediata eficácia do seu termo final, havendo
de ser análoga à autoridade das decisões judiciais.15

Se a mediação é um método legalmente válido de resolução de conflitos, o mais acertado é que o termo final de acordo valha por si mesmo, independente de homologação judicial. Isso, de modo algum, fragiliza a aspiração de segurança jurídica, porquanto, com ou sem homologação judicial, a ocorrência de vícios sempre encontrará amparo no Poder Judiciário.
Todavia, em situações de normalidade, o que se alvitra é revestir os termos finais de mediação com os atributos de autenticidade e segurança das sentenças judiciais, permitindo às partes a rápida satisfação das obrigações estipuladas, como transferências de bens e quantias monetários, registros e averbações imobiliárias, exclusão e inclusão de sócios.

Dito assim, qual é o problema? O problema é fortalecer o exercício da autonomia da vontade, que é um valor inerente à dignidade humana,16 não sendo admissível discriminar, com desigualdades, quem escolhe a mediação privada, decaindo do processo judicial.

4. HOMOLOGAÇÃO DE TRANSAÇÕES NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ

No Brasil, como conduta padrão, as partes querem homologar em juízo os acordos objeto de negociações privadas. A razão da chancela judicial é obter título executivo albergado na coisa julgada, encurtando o tempo da demanda, no caso de embargos, visto que a impugnação cinge-se à regra do artigo 525, § 2º, do Código de Processo Civil, enquanto ostítulos não judiciais facultam a suscitação de todas as matérias deduzíveis no processo de conhecimento, consoante estatui o artigo 917, VI, do referido Código.17 A fins práticos, o interesse de homologar acordos extrajudiciais é obstar manobras protelatórias dos executados.
Pesquisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, apura-se que acordos oriundos de transações desvinculadas de ações judiciais dispensam homologação em juízo, cabendo romper com a noção antiga, enfatiza a relatora, ministra Nancy Andrighi, “… de que todas as lides devem passar pela chancela do Poder Judiciário, ainda que solucionadas extrajudicialmente”.18 No corpo da Ementa, confirma-se a eficácia dos instrumentos convencionais, atento à evolução do Direito, como se verifica na Europa, onde alguns países, a exemplo da Itália,19 somente facultam ações judiciais após o prévio exame das pretensões por câmaras de mediação extrajudicial.

Há que se prestigiar a Lei 13.140/2015, que disciplina o procedimento de mediação extrajudicial, cercado de garantias de controle, validações e fiscalização pelo Poder Judiciário, como ilustra a Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, cujas diretivas orientam a Seção V, do Capítulo III, na forma dos artigos 165 a 175, do Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 201520.

É consabido que as homologações judiciais são um mero juízo de delibação e nunca análise substantiva das causas apresentadas, parecendo ilógico quanto utópico equiparar sentença homologatória a sentença judicial,21 transformando o Judiciário num cartório a manusear carimbos,22 como ressaltam os precedentes do STJ, a exemplo do acórdão no Recurso
Especial nº 1.318.315 – AL, da Primeira Seção, relatoria do ministro Mauro Campbell Marques.

5. OBRIGATORIEDADE DE HOMOLOGAÇÃO NAS HIPÓTESES DE DIREITOS INDISPONÍVEIS

O artigo 3º, § 2º, da Lei 13.140/2015, impõe a formalidade de homologação em juízo, com oitiva do Ministério Público, toda vez que o acordo versar sobre direitos indisponíveis, isto é, direitos que o titular não pode transigir ou negociar soberanamente, por representarem um interesse legítimo da sociedade, sancionado em norma de ordem pública. Tal é a relevância dos direitos indisponíveis que para eles não valem os efeitos da revelia,23 nem convenções quanto à distribuição dinâmica do ônus da prova nos processos24.
Na acepção jurídica, acresça-se que os direitos indisponíveis visam proteger o próprio titular do direito posto, a exemplo dos direitos da personalidade, como a vida, do que decorre a vedação de dispor de órgãos do corpo; tutela do nome civil; alimentos. Nestas hipóteses, e tantas outras, o Direito limita o exercício da autonomia da vontade.
A intervenção estatal, ao exigir homologação desses acordos, integra-se ao sistema constitucional, cioso em promover o respeito à vida, liberdade e dignidade humana. Em última razão, visa o convívio social harmonioso, prevenindo retrocessos indesejáveis.

6. EFICÁCIA EXTERNA DOS TERMOS FINAIS DE MEDIAÇÃO

O consenso das partes, consubstanciado no termo final das mediações extrajudiciais, pode repercutir, eventualmente, na esfera jurídica de terceiros, como órgãos da Administração Pública, bancos, registro de imóveis, surgindo o interesse homologatório, para escoimar incertezas e revestir o acordo celebrado com a autoridade de sentença judicial. A pergunta, entretanto, é saber qual a utilidade de homologar um acordo extrajudicial  firmado por agentes capazes, tendo um ou vários direitos disponíveis como objeto de transação?
Transformar os instrumentos respectivos em títulos judiciais é apego formal, visto como prática  cognitiva inexistente, diz a ministra Nancy Andrighi25.
Urge evoluir com o tempo, atribuindo aos termos finais de mediação carga máxima de  eficácia, sabido que a legitimidade do procedimento assenta na Lei 13.140/2015 e no Código de Processo Civil, contando com a participação, não apenas de mediadores habilitados, como também de advogados,26 que a Constituição reputa indispensáveis à Justiça27.

É evidente a tendência ao alargamento das portas de acesso à justiça concreta dentro do Poder Judiciário, com abertura à conciliação e mediação, antes da resposta do réu,28 e a qualquer tempo, no curso dos processos.29 Prega-se a democratização do Direito com desjudicialização,  valorizando o legislador contemporâneo negociações extrajudiciais como expressão de autonomia da vontade, que é um dos três elementos essenciais à dignidade humana, na lição de Luís Roberto Barroso,30 convindo ultimá-las, portanto, sem concurso de autoridade judiciária.
A propósito, vem a calhar jurisprudência incensurável do Superior Tribunal de Justiça, acorde o voto pioneiro da ministra Nancy Andrighi, atrás reportado.  O termo final de mediação já nasce dotado de eficácia de título executivo extrajudicial, como determina o artigo 20, parágrafo único, da Lei 13.140/2015, sendo incompreensível, à míngua de controvérsia subjacente, ou caso de jurisdição voluntária, que as partes apelem ao Judiciário para homologações meramente formais.
Recomenda-se – este é o ponto – que os interessados diretos, bem como terceiros destinatários das obrigações contidas no título, observem cautelas de prudência ou de  legalidade imperativa. Por exemplo, se o termo final de mediação cogita da transferência de  um automóvel, as partes hão de cumprir as exigências dos organismos de trânsito, preenchendo  formulários administrativos. Se o acordo objetiva aquisições imobiliárias, há de ir ao notário obter a escritura de compra e venda, levando-a ao registro de imóveis.

Ante a importância do Registro Público, convém avançar as anotações a seguir.

7. MEDIAÇÃO E REGISTRO PÚBLICO: A QUESTÃO DA QUALIFICAÇÃO REGISTRAL

Abstraindo variadas situações, nas quais a execução dos termos finais de mediação projeta efeitos externos, a satisfazer perante órgãos da Administração Pública ou no vasto quadro das entidades particulares, como bancos, seguradoras e associações desportivas, vale a pena examinar a relevância institucional das notas e registros públicos, que cumprem função estatal mediante delegação, em caráter privado, conforme o artigo 236 da Constituição. A perspectiva aberta e crítica do pensar jurídico, fragilizado, tantas vezes, pela arrogância acadêmica dos dogmas e miopia legislativa, aconselha, quanto ao Registro Público, por suas especialidades, aliado à fiscalização judiciária,31 o agir ponderado para recepcionar novíssimas questões, pacificando dúvidas e controvérsias, de modo a contribuir ao ideal de segurança e efetividade das mediações extrajudiciais, fiel à matriz constitucional que se preocupa até com a duração dos processos, ordenando que acabem em tempo razoável32.

Se imaginarmos o sistema de registro de imóveis, por exemplo, na interconexão das notas e registro de títulos e documentos, com aceno aos tabelionatos de protesto e registro civil das pessoas naturais, vamos identificar um dos mais frutuosos instrumentos preventivos de segurança jurídica do direito de propriedade e suas funções social, econômica e ambiental. Para além, todos os registros ainda realizam um poder cautelar especialíssimo, favor da oponibilidade geral, que supera o valor da própria coisa julgada, cujos efeitos restringem-se às partes do processo, e é pós-conflitual, diferente dos registros públicos que se dirigem à coletividade, operando com presunção de veracidade e fé pública relativamente às situações jurídicas existenciais, dominiais e obrigacionais.
Uma hermenêutica construtiva será vantajosa para sanar deficiências da lógica burocrática do sistema notário-registral, iluminando-o ao reconhecimento e qualificação positiva dos variadíssimos arranjos oriundos dos acordos de mediação, fruto das desventuras da condição humana, que engrossam o caldeirão dos direitos subjetivos, como sói acontecer,  hodiernamente, no campo da liberdade de orientação sexual, tendo o Conselho Nacional de Justiça,33 por maioria de votos, lamentavelmente, vetado a outorga de escrituras de uniões poliafetivas.

Na luta pelo Direito, o procedimento de mediação extrajudicial, ao lado da conciliação e arbitragem, pode valer-se do sistema notário-registral,34 em reforço do cumprimento das obrigações pactuadas, infundindo nos títulos executivos maior carga de coerção. Para ilustrar, tomemos acordo entre um casal e outra mulher, que se diz companheira. No termo final, o homem transfere à sua mulher, dele separada de fato, a posse vitalícia de um  apartamento e certa soma em dinheiro, para custear despesas de condomínio, autorizando-a a sacar a totalidade do saldo de conta de poupança, com transferência ao seu nome de um carro, acrescida de indenização por dano moral de cinquenta mil reais. Em relação à companheira, consta a data do início da convivência, esclarecendo que todos os bens adquiridos, a contar dessa data, são aquestos comunicáveis, consoante o regime da comunhão parcial, mas excluindo, a seu favor, os bens imóveis por ela adquiridos com os ganhos da profissão, que serão bens reservados, na forma do regime de separação absoluta de bens.
Analisando esse termo final, ganhariam as partes se o levassem ao Registro de Títulos e Documentos, obtendo, com essa providência, direito de oponibilidade contra terceiros, nos termos dos artigos 1º, da Lei 8.935/1994,35 e 224 do Código Civil.36 A partir do registro, que é simples – e, em tese, mais barato do que o processo de homologação judicial – facilita-se, na ocorrência de mora ou inadimplemento, a imediata notificação do devedor37 ou protesto da dívida,38 podendo, ademais, averbar o termo final no registro de imóveis, invocando o artigo 246, da Lei 6.015/197339.
Entenda-se a regra do artigo 246 como vetor de superação de um olhar saudosista dos juristas, tardios em admitir que “a ordem jurídica não é uma estrutura estática e acabada, mas uma ordem evolutiva, uma resposta diferente a cada nova situação social”,40 que repele o gosto retrospectivo de amarrar a vida no passado. É tempo de integrar a mediação extrajudicial ao registro público, desistindo da falsa segurança das homologações judiciais, que a jurisprudência do STJ rechaça com inteira razão,41 para resolver, longe do dogmatismo manualista, inumeráveis questões da litigiosidade  momentânea, sem olvidar a dimensão prospectiva da nossa Constituição,42 frutuosa aos que intentam renovar o discurso jurídico na tarefa de criar um novo Direito,43 livre de formalismos estéreis.

CONCLUSÃO

Ao final dessa breve exposição, cabe organizar didaticamente as principais ideias, tendo
em conta o papel da mediação na cultura atual de pacificação dos conflitos.
Sendo a mediação um meio legal de realização da Justiça, que é um valor inerente à dignidade humana, o cumprimento das obrigações objeto dos termos finais de acordos independe de homologação judicial, bastando-lhes o atributo de título executivo extrajudicial, conforme norma do parágrafo único, do artigo 20, combinado ao § 2º, do artigo 3º, da Lei 13.140/2015, mas não exclui a adoção de cautelas de prudência, como reconhecimento de firma, ao lado de formalidades essenciais, como escritura pública para transmissão de bens imóveis, por exemplo, levando-a, depois, ao registro público competente.
O direito de acesso à Justiça, realizado por câmaras e mediadores privados, satisfaz ao mandamento constitucional do respeito à dignidade humana, servindo de fio condutor à
atribuição de plena e imediata eficácia aos termos finais de acordos, análoga à autoridade das sentenças judiciais, no que se atende ao princípio da razoável duração dos processos, com
ganhos ao ideal de segurança jurídica, máxime em sociedades desiguais como a nossa, em que
o método de subsunção dos fatos às leis pode mascarar escolhas injustas ou privilegiadas.
À exceção dos direitos indisponíveis, em que é obrigatório homologar em juízo acordos de mediação, ouvido o Ministério Público, impende reconhecer a autonomia da vontade das partes que optam pela mediação, abdicando de processos judiciais, posição essa que harmoniza à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que dispensa homologações de transações
extrajudiciais, nos termos como foi abordado44.

O sistema notário-registral, se bem integrado ao procedimento de mediação extrajudicial, pode facilitar o cumprimento das obrigações, mercê da publicidade, aliada à coercibilidade de suas comunicações, como notificação e protesto, pelo que uma hermenêutica construtiva há de corrigir as deficiências da lógica burocrática que aflige a prática das notas e registros públicos.
Na origem, a dignidade humana decorria do status de certa posição social ou função pública. Ao correr dos séculos, porém, como se relatou, termina alçada à teoria dos direitos  fundamentais, com vocação igualitária para todas as pessoas.

Na luta pelo Direito, uma perspectiva aberta e crítica do pensar jurídico, há de entender que a sociedade anela, individual e coletivamente, a imediata satisfação das pretensões amparadas em lei, toda gente a fugir de demandas judiciais, porque amiúde são onerosas, perturbadoras e sem data previsível de terminar em vida dos contendores. Superar o dogmatismo manualista, no propósito de resolver questões da atualidade social e econômica, não é rendição; é, sobretudo, um imperativo ético ditado pela dimensão prospectiva da nossa Constituição cidadã, que ilumina os saberes jurídicos na concretização de um novíssimo Direito comprometido com a Justiça real, liberta de formalidades estéreis.

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Palavras Chaves

Mediação, Acordos, Homologação, Cumprimento, Registro Público.