Empoderamento Dos Que Vivem Do Trabalho – Reflexões No 1° De Maio De 2017

Resumo

A linha de mudanças adotada pelo novo e ilegítimo governo, após o impeachment da presidente da república, começa a ter curso com a edição da PEC 241, impondo limite aos gastos públicos por 20 anos. Em paralelo são introduzidos projetos de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (Reforma Trabalhista); de Reforma na Previdência Social, com idade mínima para aposentadoria, e, por fim, de Reforma sindical, numa tentativa de esvaziamento dos movimento sociais de resistência a eliminação de direitos.

Artigo

Empoderamento Dos Que Vivem Do Trabalho – Reflexões No 1o De Maio De 2017

Rita Cortez[1]

 

RESUMO A linha de mudanças adotada pelo novo e ilegítimo governo, após o impeachment da presidente da república, começa a ter curso com a edição da PEC 241, impondo limite aos gastos públicos por 20 anos. Em paralelo são introduzidos projetos de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (Reforma Trabalhista); de Reforma na Previdência Social, com idade mínima para aposentadoria, e, por fim, de Reforma sindical, numa tentativa de esvaziamento dos movimento sociais de resistência a eliminação de direitos.

Palavras-chave: empoderamento. Reforma trabalhista. Reforma Sindical. Reforma da Previdência Social. CLT.


[1] Presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB-RJ e vice presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros

EMPODERAMENTO DOS QUE VIVEM DO TRABALHO – REFLEXÕES NO 1o DE MAIO DE 2017

A paz permanente só pode estar baseada na justiça social que estabelece quatro ideias fundamentais que constituem valores e princípios básicos da OIT até hoje:

  • o trabalho deve ser fonte de dignidade;
  • o trabalho não é uma mercadoria; a pobreza, em qualquer lugar, é uma ameaça à prosperidade de todos;
  • todos os seres humanos têm o direito de perseguir o seu bem estar material, em condições de liberdade e dignidade, segurança econômica e igualdade de oportunidades.

 

            No mês de maio comemoramos as conquistas alçadas pelos trabalhadores em prol do bem estar social, do trabalho digno e decente em todo mundo.

            Apesar dos avanços históricos elaboramos este texto, a convite dos coordenadores da criação da Revista Digital da OAB- Rio, sob forte comoção, em face da recente aprovação pelo Congresso Nacional de vários dispositivos legais que servem de base à promoção da Reforma Trabalhista (PL 6787/16 de iniciativa do Poder Executivo).

            Votado em 26 de abril de 2017 por conta de um injustificável regime de urgência, a reforma, fundamentada na tese da modernidade e da atualização da legislação trabalhista, realiza um profundo retrocesso social nas relações de trabalho no Brasil, com  a retirada de direitos sociais básicos e fundamentais de proteção dos trabalhadores e esvaziamento do princípio constitucional do amplo acesso ao Judiciário Trabalhista.

            No início deste ano foram dois tiros certeiros disparados contra o direito e a justiça do trabalho no Brasil: a edição da Lei sobre “Terceirização” da mão de obra nas atividades principais das Empresas, com ampliação do trabalho temporário e, agora, a aprovação das normas que servem à Reforma Trabalhista proposta pelo governo federal. Estão ainda por vir a Reforma Previdenciária e a Sindical.

            No XIII Encontro Luso Brasileiro de juristas trabalhistas, promovido pela JUTRA, em abril deste ano, externei opinião acerca da possibilidade do “empoderamento dos que vivem do trabalho”.

            Diante da extrema gravidade do quadro político e do nítido rompimento do pacto republicano firmado em outubro de 1988, que constitucionalizou os direitos sociais trabalhistas como afirmação do restabelecimento do estado democrático e de direito no país, indaguei aos congressistas se existiria efetivamente esta possibilidade.

            Empoderamento é ação social coletiva de participação nos debates que visam potencializar a conscientização sobre direitos sociais e civis. Esta aquisição de consciência coletiva, no caso dos trabalhadores, conduzida pelas organizações sindicais, possibilita a emancipação individual, bem como permite superar a dependência social e econômica, como elementos de dominação política dos que vivem do trabalho.

            O destino do sindicalismo no Brasil nas condições da mundialização do capital que coloca limites estruturais às práticas sindicais, em si, vai depender da capacidade política e ideológica do mundo do trabalho, enquanto classe, para constituir-se como alternativa de poder.

            Atuar e participar de forma organizada, por sua vez, implica, dentre outros fatores, conhecer o itinerário histórico das relações capital-trabalho e da  organização dos trabalhadores em sindicatos.

            Essa identificação histórica, social e cultural da contraposição entre o capital e o trabalho exige, sobretudo, estudar a pobreza originária do nosso processo de colonização que findou por construir, ao longo de sua evolução, uma relação de dominação entre opressores e oprimidos.

            Quando traçamos o perfil das elites políticas a partir dos modelos de desenvolvimento econômico e social; quando examinamos profundamente as condições de segmentação do mercado de trabalho e as bases fundamentais das organizações sociais de produção no Brasil, do ponto de vista da sua formação histórica, verificaremos que suas raízes são inegavelmente feudais. Estão arraigadas no patriarcalismo rural das casas grandes e das senzalas, portanto, nascidas e criadas nos engenhos e nas fazendas.

            Não é difícil diagnosticar que o empresariado brasileiro, na esfera da organização e disciplina do trabalho, a considerar esses elementos históricos e socioculturais, continua a ser, indubitavelmente, um dos mais retrógrados e injustos do mundo. Convivemos até hoje, nas cidades e nos campos, com o trabalho escravo ou com ele análogo.

            O trajeto civilizatório brasileiro é, consequentemente, peculiar e as transformações sociais oriundas da nossa colonização, para quem gosta de traçar paralelos, nos diferenciam, e muito, dos países europeus.

            O cenário de precarização do trabalho, marcado pela super exploração da mão de obra, no nosso caso, agravou-se com a acelerada globalização da economia no século XX. A unificação de todos os mercados do mundo, articulada por empresas e corporações transnacionais, em detrimento da soberania dos estados nacionais, priorizou o sistema financeiro. A especulação financeira versus sistema produtivo fez sobrepor as regras de mercado “global” sobre as que são ditadas pelos governos nacionais.

            Contrapondo-se à política intervencionista do “Estado do Bem Estar Social”, estão sendo colocadas limitações às funções sociais interventoras do estado brasileiro com vistas a abertura da nossa economia aos mercados mundiais. Trata-se de uma conformação das políticas públicas ao chamado “estado mínimo”, amparada pela filosofia neoliberal, doutrina teleológica que promove, explica e justifica  a globalização da economia.

            O Brasil, nas décadas de 80 e 90, juntamente com países da América Latina e Caribe, aderiu às diretrizes impostas pelo Banco Mundial, FMI e Banco Interamericano de Desenvolvimento. Com isto, admitiu-se estabelecer reformas estruturais de “estabilização da economia” através das privatizações das empresas públicas; desregulamentação dos mercados; descentralização das políticas; flexibilização (redução) de direitos trabalhistas; e mudanças na estrutura do judiciário.

            São políticas alentadas pelo “Hino da fábrica moderna”, expressão do filósofo e psicólogo social Alex Inkeles, cuja melhor tradução foi feita pelo marxista Marshal Berman, na sua consagrada “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Tal teoria sustenta modelos de modernização nas relações de trabalho e, via de consequência, na legislação trabalhista, de forma a retirar a sua característica protecionista, responsável por manter o imprescindível equilíbrio social.

            Flexibilização,  terceirização,  desregulamentação e desconstitucionalização dos direitos trabalhistas não são apenas expressão de retrocesso social. São formas mais eficientes de exploração da mão de obra.  A ideia principal é fragmentar o trabalho, bem como a representação dos sindicatos, estipulando-se normas trabalhistas segundo normas ditadas pelo mercado.

            O modelo é arcaico porque se encarrega de recuperar outras tantas formas anacrônicas nas relações de produção e que, no fundo, são incompatíveis com o discurso de modernidade.

            Acresça-se a tais iniciativas o estímulo à informalidade, ou seja, ao empreendedorismo. A meta é retirar do interior das fábricas parte considerável do trabalho vivo e colocá-la na clandestinidade. Além da redução dos custos da produção, o que se almeja, afinal de contas, é negar a centralidade das contradições existentes entre o capital e o trabalho.

            Na conjugação dialética entre reordenamento do capital, inovações tecnológicas, fragmentação da produção, redivisão do trabalho, processos de terceirização, e no poder ideológico do discurso burguês da competitividade, fomenta-se o crescimento da informalização do trabalho. São fatores que operam, sobretudo, na supressão da resistência dos trabalhadores e de suas organizações, no sentido de enfraquecê-las, fragilizando assim a luta de classes.

            Ao nosso ver, é neste contexto que devemos situar a decantada crise econômica e política atual. Na retomada  do campo perdido pelas elites econômicas, em face dos avanços sociais trabalhistas, surgem  propostas de reformas estruturais profundas na economia, reduzindo ao mínimo a intervenção estatal, sob o pretexto da superação da recessão econômica no país.

            O programa governamental articulado no documento “Ponte para o Futuro”, lançado pela Fundação Ulysses Guimarães,  braço teórico do PMDB, em aliança com o PSDB, partido político derrotado nas urnas, encerra um conjunto de medidas que, na prática, inviabilizam direitos universais de acesso a serviços públicos, emprestam menos segurança e garantia de direitos aos trabalhadores e impõem trabalho por mais anos aos idosos

            Michel Temer no discurso proferido em Nova York, após almoço com empresários e investidores na sede da American Society – Council of the Americas, dia seguinte a sua fala na ONU, onde defendeu o processo de impeachment de Dilma Rousseff como legal e legítimo, afirmou que a petista só foi apeada do poder porque recusou as propostas apresentadas pelo PMDB no documento “Ponte para o Futuro”:

“Há muitíssimos meses atrás, nós lançamos um documento chamado ‘Ponte para o Futuro’ porque verificávamos que seria impossível o governo continuar naquele rumo e até sugerimos ao governo que adotasse as teses que nós apontávamos naquele documento”, afirmou Temer. “Como isso não deu certo, não houve a adoção, instaurou-se um processo que culminou, agora, com a minha efetivação como presidente da República”, concluiu.

            A EMENDA CONSTITUCIONAL 241 – TETO DE GASTOS PELO ESTADO – teve por objetivo eliminar políticas públicas nas áreas da saúde, educação, transportes e moradia. O corte dos gastos, no entanto, é seletivo, na medida em que se privilegiou o pagamento de dívidas contraídas  com credores internacionais sobre as demais favorecendo o sistema financeiro.

            Na REFORMA PREVIDENCIÁRIA, dentre outros propósitos, está a privatização da seguridade social (pública), estimulando a opção pela previdência privada oferecida pelos Bancos.

            Na REFORMA TRABALHISTA o texto-base aprovado altera substancialmente os dispositivos tutelares contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Dentre as várias alterações, perversas, os sindicatos deixarão de auxiliar o trabalhador na rescisão trabalhista, ressalvando direitos descumpridos. A contribuição sindical obrigatória é extinta. Os acordos e as convenções prevalecerão sobre a lei em pelo menos 15 pontos nodais, como: jornada de trabalho, banco de horas anual, intervalo de alimentação mínimo de meia hora, teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente. Poderão ser negociados, ainda, o enquadramento do grau de insalubridade e a prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia do Ministério do Trabalho.

            São reformas, contraditoriamente, recessivas, encomendadas pelo sistema financeiro, pois alimentam o desemprego e estimulam o dessalariamento. Visam, em suma, no futuro, derrubar os salários dos trabalhadores ativos. Colher o desemprego significa, também, reduzir o poder de pressão dos trabalhadores organizados.

            Ainda que não colocada na agenda política, na sequência virá a Reforma Sindical e os pontos que certamente serão colocados em debate, pelo andar da carruagem, não se diferenciarão da pauta que foi debatida, em 2007, no fórum nacional do trabalho e de reforma sindical. Ressalte-se que a proposta de  pacto sofria, naquela época, pressões do capital internacional e dos grandes oligopólios estrangeiros. São eles:

1) Reconhecimento das centrais sindicais, mas atreladas do ponto de vista de sua sustentação financeira.

2) Transição para o pluralismo sindical.

3) Sindicato por ramo ou setor econômico ou sindicato por empresa.

4) Conselho Nacional do Trabalho: a volta da velha Comissão de Enquadramento Sindical

5) Redução da sustentação financeira dos sindicatos.

6) Flexibilização Disfarçada pelo engodo da “auto-composição dos conflitos”

7) Mediação e Arbitragem:  privatização do poder normativo da Justiça do Trabalho (modelo americano):

8) Vigência de 3 anos para os acordos coletivos: fim do conceito de data-base.

9) Fim da ultratividade da vigência das cláusulas: manutenção de cláusulas acordadas enquanto não substituídas por nova convenção ou acordo coletivo.

10) Limitações ao direito de greve.

11) Prevalência dos acordos de âmbito nacional, consagrando a abrangência por sindicatos nacionais ou orgânicos.

            Sem proteção contra a dispensa imotivada ou arbitrária, a pauta que será imposta por conta da reforma da estrutura sindical, pegará um sindicalismo ainda não recuperado, totalmente, das intervenções e desarticulações promovidas no período da ditadura militar.

            Deve ser dito, por fim, que no momento em que a sociedade brasileira submergia na irracionalidade social do capitalismo neoliberal, com a ampliação do trabalho precário e não organizado, o sindicalismo brasileiro tendeu a se fechar em si, buscando, antes de tudo, se preservar como corporação social.

            O caminho foi o do menor esforço da participação e do não confronto com a política e cultura do capital, renunciando-se à luta contra sua hegemonia. Em torno da velha estrutura sindical varguista germinou uma nova cultura corporativa não mais de estado, mas de mercado.

            Everaldo Gaspar, na década de 90, já apontava os equívocos cometidos por lideranças sindicais e do movimento trabalhista, em situações crise: não identificar as origens da dominação, como itinerário das relações de trabalho no Brasil, sob esta ótica; não identificar concretamente qualquer avanço ou predisposição de lideranças empresariais no campo das relações trabalhistas e os motivos para os retrocessos; considerar que a interferência estatal é maléfica porque originária do fascismo italiano, quando de fato tal intervenção tem origem em duas grandes revoluções do pensamento (de Marx a Leão XII); cair na ilusão dos contratos coletivos substituindo o estado na elaboração de normas sociais, tal qual nos países capitalistas avançados; incompreensão acerca do processo de construção e a desconstrução da legislação social no Brasil; não combate ao preconceito.

            Segundo estudiosos da estrutura sindical no Brasil, os Sindicatos teriam perdido a sua capacidade de inserção estratégica nos problemas da sociedade do trabalho, abrindo espaço para o pragmatismo meramente corporativo (o sindicalismo de resultados).

            A ofensiva do capital na produção, na forma hodiernamente assumida da flexibilização, desregulamentação, desconstitucionalização de direitos, terceirização e informalidade, ou “dessalariamento”, aumentando sobremaneira a super exploração dos trabalhadores, continua assumindo um caráter histórico, ideológico–cultural que dissemina, na sociedade os valores empresariais ligados à ótica do capital, quais sejam: aumento da produtividade, desempenho e competência vinculada à eficiência econômica, competitividade e empreendedorismo

            As ofensivas não se limitam ao campo legislativo, avançam no judiciário diante do ativismo político judicial do STF. São exemplos os julgamentos das greves no setor público, com ampliação do percentual de manutenção de serviços tidos como essenciais; legitimação da possibilidade de órgãos públicos cortarem o salário de servidores em greve, desde o início da paralisação; o cancelamento da súmula 277 do TST que conferiu ultratividade das normas das convenções e acordos coletivos, elemento essencial de barganha nas negociações coletivas travadas pelos sindicatos de trabalhadores; a autorização de desconto de contribuições assistenciais, em negociação coletiva, exclusivamente dos associados nestas entidades sindicais.

            A massificação do discurso de que a terceirização, a flexibilização, a desregulamentação e a desconstitucionalização de direitos trabalhistas, através da necessária modernização da CLT; que a redução de pretensos gastos com a seguridade social e das despesas sociais do estado; que a reestruturação do movimento sindical, sob a ótica meramente corporativa, são itens essenciais para a geração de novos postos de trabalho nos lembra a expressão: “O trabalho liberta”.

            Esta curta e terrível frase que constava nos campos de concentração nazistas, encontrou ali sua mais horrenda verdade: o capitalismo primeiro aprisiona, explora e depois mata.

            O empoderamento no mundo do trabalho e a superação das ofensivas contra os direitos sociais só ocorre quando trabalhadores e outros setores da sociedade organizada tomam em suas mãos as rédeas e que eliminam a iniqüidade, para os que vivem do trabalho.

Palavras Chaves

empoderamento. Reforma trabalhista. Reforma Sindical. Reforma da Previdência Social. CLT.