ESTUPRO DE VULNERÁVEL INTRAFAMILIAR CONTRA MENINAS: UMA PROBLEMÁTICA DE GÊNERO

Resumo

O presente texto traz uma análise crítica do conflito de jurisdição negativo entre os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e as varas criminais comuns, em relação aos crimes de estupro de vulnerável praticado contra meninas, por seus familiares. Foram observados acórdãos de diferentes Tribunais de Justiça do Brasil, constatando-se o entendimento majoritário no sentido de que o referido delito não apresenta, como motivação, a violência de gênero no contexto da Lei Maria da Penha, em descompasso com a literatura feminista e com as estatísticas que apontam a vulnerabilidade feminina infantil, sobretudo a de meninas menores de quatorze anos.

Artigo

ESTUPRO DE VULNERÁVEL INTRAFAMILIAR CONTRA MENINAS: UMA PROBLEMÁTICA DE GÊNERO

 

Júlia Mitke Reis Silva[1]

Cristiane Brandão Augusto[2]

RESUMO

O presente texto traz uma análise crítica do conflito de jurisdição negativo entre os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e as varas criminais comuns, em relação aos crimes de estupro de vulnerável praticado contra meninas, por seus familiares. Foram observados acórdãos de diferentes Tribunais de Justiça do Brasil, constatando-se o entendimento majoritário no sentido de que o referido delito não apresenta, como motivação, a violência de gênero no contexto da Lei Maria da Penha, em descompasso com a literatura feminista e com as estatísticas que apontam a vulnerabilidade feminina infantil, sobretudo a de meninas menores de quatorze anos.

Palavras-Chave: Estupro de vulnerável; Violência sexual; Lei Maria da Penha; Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher; Conflito de jurisdição.

INTRODUÇÃO        

Em agosto de 2020, foi amplamente noticiado o caso de uma menina de 10 anos que engravidou ao ser estuprada pelo tio, tendo que ser submetida a um procedimento de interrupção da gravidez[3]. No mês seguinte, a mesma situação aconteceu com outra criança, em igual faixa etária[4]. Ainda tão novas, terão que lidar, na sua juventude e na vida adulta, com as consequências de uma violência sexual cometida por pessoas de seu núcleo familiar. E esta tem sido a realidade da grande maioria das vítimas de estupro em nosso País (FBSP, 2019).

A Lei Maria da Penha (LMP), em seu artigo 5º, afirma que a legislação especial deve abarcar os crimes que são cometidos contra mulheres devido à sua “condição de mulher”, ou seja, por conta de seu gênero feminino. Já em seu art. 7o, traz as formas de violência que podem ser enquadradas neste diploma legal e, dentre elas, há a violência sexual. Sancionada no ano de 2006, tal Lei 11.340 foi resultado de um longo caminho percorrido no final do século XX. Quando finalmente teve seu processo de criação iniciado, os movimentos organizados de mulheres, utilizaram parâmetros internacionais, regionais e nacionais de gênero para elaborar uma estratégia legislativa que, de fato, protegesse mulheres e meninas (CAMPOS; BARSTED, 2011). Diante disso, promoveu-se a criação de instituições especializadas no combate à violência contra as mulheres, dentre elas, os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM)[5].

            A partir da interpretação do texto legal, foi possível compreender que as ações judiciais que tramitariam sob a jurisdição dos JVDFMs seriam aquelas em que o delito tivesse sido praticado contra pessoa do sexo feminino e por conta de sua condição de mulher, de seu gênero feminino[6]. Frisa-se, portanto, que esta condição seria fundamental para que houvesse diferenciação entre os crimes julgados pelas varas comuns e pelos juizados especializados. Entretanto, apesar do requisito de gênero ter sido instituído com o intuito de proteger as vítimas de violência doméstica, nem sempre ele viabilizou a aplicabilidade plena da lei: a necessidade do elemento “gênero” nas infrações penais cometidas, muitas vezes, é um assunto controvertido nos tribunais. Por conta dos diferentes entendimentos dos magistrados, pode haver interpretações destoantes diante de um mesmo fato típico.

            Em se tratando de violência sexual contra meninas, o questionamento que se põe é se o gênero desempenharia, aqui, um papel fundamental ou não para efeito de incidência da LMP, não somente quanto às medidas protetivas de urgência, mas também quantos às questões procedimentais. Por ser cometido contra uma criança ou adolescente, muitos magistrados não conseguem visualizar o gênero da vítima como um dos embasamentos para a violência, negando a jurisdição aos JVDFMs.

            Assim, nesses casos, geralmente ocorre o fenômeno do conflito de jurisdição negativo, no qual os JVDFMs e as varas criminais comuns afirmam, simultaneamente, que o processo deve tramitar em juízo diverso, por estar fora de sua competência. O processo, então, é encaminhado ao Tribunal de Justiça do estado, que decidirá a qual deles pertence a jurisdição da causa.

            Nesse contexto, pesquisamos a jurisprudência de Tribunais de Justiça do Brasil e do Superior Tribunal de Justiça, entre os anos de 2018 e 2021 (até junho de 2021), chegando à conclusão de que a maioria das decisões atribui a competência da causa às varas criminais comuns, afastando a aplicação da Lei Maria da Penha. Contudo, tal entendimento vai de encontro aos conhecimentos teóricos que estruturaram e embasaram a Lei, devendo ser, portanto, reanalisado sob uma ótica mais atenta às problemáticas de gênero. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é mapear o entendimento do sistema de Justiça Criminal sobre o fenômeno social da violência sexual intrafamiliar contra meninas, tentando contribuir para a implementação de medidas de maior proteção às crianças, sua emancipação e o fortalecimento de sua cidadania, com uma vida livre de violência. Para isso, analisaremos a relação criada historicamente entre gênero, sexualidade e violência.

LEI MARIA DA PENHA E A VIOLÊNCIA DE GÊNERO

No decorrer da segunda metade do século XX, o Brasil se tornou signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW – 1979), da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará – 1994) e da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Declaração de Beijing – 1995) (AUGUSTO, 2015), que indicam em seu texto a proteção às mulheres e às meninas.

Assim, a noção primordial de violência de gênero no Brasil passou a incluir a opressão sofrida, também, por crianças e adolescentes. Como exemplo, a Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993 foi responsável pela exposição da relação intrínseca entre os direitos humanos e os direitos das mulheres e meninas. Em seu parágrafo 18, afirma que os direitos humanos destas são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Esta concepção foi reiterada pela Declaração de Beijing, dois anos mais tarde, conferindo visibilidade mais ampla.

            Outro marco importante de ser lembrado na construção de uma legislação atenta aos debates de gênero é a Constituição de 1988. Nela, houve o reconhecimento formal de diferentes direitos destinados às mulheres, com avanços em sua participação política, social e econômica. Contudo, apesar de todo o progresso técnico e legislativo realizado no final do século XX, a distância entre as determinações legais e a real efetividade dos direitos adquiridos pelas mulheres ainda era muito grande, sobretudo dentro de seus próprios lares (PASINATO, 2015).

Por consequência, alguns casos de violência contra a mulher se tornaram emblemáticos, sobretudo o de Maria da Penha Maia Fernandes, que em 1983 sofreu uma dupla tentativa de homicídio por seu marido. Quinze anos depois, o processo ainda restava inconcluso, fazendo com que, em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenasse o Estado brasileiro, acusando-o de negligência e omissão em relação à violência doméstica e ressaltando o descumprimento de acordos internacionais (CAMPOS; PIOVESAN, PIMENTEL, 2011).

Tais acontecimentos ensejaram a criação da Lei Maria da Penha, no ano de 2006. Seguindo essa trajetória, é notório que seu objetivo central era a tentativa de encontrar um sistema de equidade nas relações amorosas-afetivas entre homens e mulheres. É preciso pontuar, contudo, que o elemento do sexo biológico da vítima e do agressor não constitui o único fator decisivo para a aplicação da Lei. Ela pode ser utilizada em casos de relacionamento homoafetivo entre duas mulheres e, também, ter sua aplicabilidade afastada mesmo quando os maus tratos envolverem um homem e uma mulher (CARVALHO, 2014).

Dessa forma, o que determinará o cabimento da Lei Maria da Penha e, consequentemente, a competência dos JVDFMs, é o elemento “gênero” como motivação da violência praticada contra a mulher. Com isso, torna-se essencial a compreensão do seu sentido e desdobramentos.

Segundo a historiadora Joan Scott (1996, p. 86), gênero é o “elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e forma primária de dar significado às relações de poder”. Tendo este entendimento como base, é possível chegar à conclusão de que o gênero é aquele que atribui aos sexos biológicos determinados papéis, diferenciando-os. O comportamento dito masculino será interpretado de forma distinta do comportamento feminino e estes terão valores desiguais na sociedade.

Diversas autoras e autores se debruçaram sobre o tema, ajudando a encontrar as nuances subjetivas dos atos de violência cometidos contra mulheres. De acordo com Heleieth Saffioti (2001, p. 116),

Violência de gênero é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência.

Desta vez acompanhada de Suely Almeida, Saffioti conceitua o gênero como um referente, uma variável de análise, assim como seriam as concepções de raça/etnia ou classe social, que formam os três pilares fundantes da sociedade. Para elas, trata-se de elementos que garantem aos indivíduos uma categoria previamente constituída, fundando suas relações sociais de acordo com os preceitos anteriores aos próprios sujeitos (SAFFIOTI, ALMEIDA, 1995).

A partir dessas concepções acerca do referente “gênero”, podemos enxergar de forma mais nítida os elementos subjetivos que cercam a violência nele baseada. Se existem determinadas categorias nas quais as relações interpessoais se estruturam, a presença de uma hierarquia histórica entre elas será responsável por legitimar comportamentos de submissão e poder. O uso da força pelos corpos inseridos na classe dominante seria necessário para que a dominação e controle fossem mantidos, perpetuando, assim, a estrutura patriarcal que viabiliza a violência de gênero (ALMEIDA, 2007).

Tais agressões começam e podem ser percebidas, primariamente, nos corpos feminizados, para além de outros tipos de subordinação na imbricação de outras categorias sociais. A ideologia patriarcal funciona de modo a permitir mecanismos de disciplina, coerção e internalização de valores pelos indivíduos, através, principalmente, das instituições que regem o comportamento cultural de uma coletividade, como colégios, igrejas, grandes redes midiáticas, quartéis, entre outros.

Entretanto, mesmo em se tratando de um padrão binário “homem” e “mulher”, nem sempre será uma tarefa simples definir se se configura a violência de gênero no interior de um relacionamento amoroso-afetivo. Carvalho (2014, p. 97) inclui um exemplo importante que faz menção à temática debatida por este trabalho: a hipótese de um pai que agride sua filha. Para a juíza, o pai pode estar imbuído de um “sentimento de inferioridade” da filha em função de seu gênero ou, então, apenas movido pela relação paterno-filial de hierarquia e vulnerabilidade infantil.

Nesses casos, é imprescindível uma análise minuciosa do animus do agressor, pois a partir dela restará evidente se o delito deve ser tratado à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente ou da Lei Maria da Penha, “concernente ao desempenho de papéis atribuídos às mulheres como forma de submissão/discriminação” (CARVALHO, 2014, p. 97).

Assim, estupros de meninas por seus familiares podem ser considerados uma hipótese controversa por, muitas vezes, existir uma linha tênue nas motivações do agressor. No entanto, ao nos debruçarmos sobre as nuances destas infrações sexuais, conseguimos entendê-lo como uma violência inerente ao patriarcalismo que a LMP tenta reprimir, independentemente da idade de sua vítima.

VIOLÊNCIA SEXUAL DE GÊNERO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL CONTRA MENINAS

Primeiramente, é preciso unir os elementos históricos de gênero e poder, discutidos anteriormente, aos de sexualidade: é precisamente nela que “os preconceitos e os estereótipos sociais, em grande parte condicionantes da desigualdade de gênero, tornam-se mais significativos, pois neste âmbito exerce-se o grande controle masculino, exercício de poder sobre o feminino” (PIMENTEL, SCHRITZMEYER, PANDJIARJIAN, 1998, p. 26).

Por conta da escassez de informações reais acerca da violência sexual no âmbito doméstico, pesquisadoras de gênero e saúde afirmam que “a violência sexual, especialmente a coerção e/ou violência sexual praticada por parceiro íntimo no âmbito privado, está pouco evidenciada ou inexistente nas estatísticas disponíveis” (DANTAS-BERGER, GIFFIN, 2005, p. 419). Mulheres e meninas são ensinadas e coagidas a não dizer “não”, a aceitar os apelos masculinos, de forma que as agressões sexuais se tornam muitas vezes imperceptíveis e, principalmente, naturalizadas culturalmente.

A partir do entendimento das autoras acerca da violência de gênero, uma relação direta entre a submissão dos corpos femininos, a misoginia e a violência sexual começa a se delinear. O estupro deixa de ser apenas um tipo penal com motivações subjetivas, passando a incluir problemáticas muito mais complexas, que envolvem não apenas a sexualidade humana, mas a violência histórica contra mulheres. Afinal, o Estado do Rio de Janeiro registrou, em 2014, uma média diária de 15 estupros, sendo que 83,2% das vítimas eram do sexo feminino, excluindo-se, por óbvio, os casos de subnotificação. Quanto às tentativas de estupros, o número aumentou para 91,3% (ISP-RJ, 2015).

Rita Laura Segato, antropóloga argentina, conduziu uma pesquisa na Penitenciária de Papuda de Brasília sobre a mentalidade dos condenados por estupro. Entre os anos de 1993 e 1995, escutou os relatos dos presos, entendendo as compatibilidades presentes em suas falas e a noção de “soberania” masculina. Em suas conclusões, afirma que “os crimes sexuais não são obra de desvios individuais ou anomalias sociais, mas expressões de uma estrutura simbólica profunda que organiza nossos atos e nossas fantasias e confere-lhes inteligibilidade” (SEGATO, 2005, p. 270).

A autora também analisa como os atos sexuais violentos não estão diretamente relacionados à “essência natural” dos homens, mas ao seu papel social de soberania perante “quem demonstra signos e gestos de feminilidade” (SEGATO, 2003, p. 23). Inclusive, é concebível desenhar um paralelo entre as performatividades femininas e masculinas e a violência sexual contra crianças. A criança, especialmente do sexo feminino, inclui-se no ideal de corpo disciplinado e censurado com ainda mais potencialidade do que a mulher adulta, uma vez que a sua “vontade” é mais facilmente “aniquilada” do que qualquer outra. De acordo com Segato (2005, p. 270),

o estupro dirige-se ao aniquilamento da vontade da vítima, cuja redução é justamente significada pela perda do controle sobre o comportamento de seu corpo e o agenciamento do mesmo pela vontade do agressor. A vítima é expropriada do controle sobre seu espaço-corpo. É por isso que se poderia dizer que o estupro é o ato alegórico por excelência da definição schmittiana de soberania – controle legislador sobre um território e sobre o corpo do outro como anexo a esse território.

De maneira semelhante, Finkelhor (1980, p. 47), quem escreveu sobre o abuso sexual contra crianças, sua relação com a violência de gênero e suas causas e consequências psicossociais, afirma:

A vitimização sexual pode ser tão comum em nossa sociedade devido ao grau de supremacia masculina que existe. É uma maneira na qual os homens, o grupo de qualidade dominante, exercem controle sobre a mulher. Para manter este controle, os homens necessitam um veículo por meio do qual a mulher possa ser castigada, posta em ordem, socializada dentro de uma categoria subordinada. A vitimização sexual e sua ameaça são úteis para manter intimidada a mulher. Inevitavelmente o processo começa na infância com a vitimização da menina. (grifo nosso)

Resta evidente, portanto, que os homens se atribuem o poder de determinar a conduta de segmentos sociais vulnerabilizados dentro da função patriarcal, punindo aquilo que seria considerado como desvio. Tais comportamentos considerados desviantes, muitas vezes, estão ligados a uma ideia de moral específica espelhada no corpo de mulheres e meninas. Entendendo que a produção de conhecimento sempre foi e ainda é, em muitos aspectos, predominantemente masculina, o Sistema de Justiça criminal retrata tal moralidade machista que nos cerca.

Nesse sentido, as instituições e o Sistema Penal tentam explicar a violência sexual como fruto de comportamentos individuais criminosos – quando não o justificam nas condutas da vítima – e deixam de lado a sua relação intrínseca com o controle sociocultural dos corpos feminizados. A esse respeito, “o Sistema Penal não repele a violência nem a previne; não erradica o androcentrismo, nem põe fim a práticas machistas. Não raramente, ao contrário, reforça a cultura patriarcal, segrega as mulheres, desestimula a reivindicação por direitos e as revitimiza” (AUGUSTO, 2017, p. 2).

Além das discussões filosóficas e jurídicas acerca da problemática de gênero inserida no crime de estupro, devemos nos atentar, também, ao seu aspecto interseccional. Apesar de entendermos que a violência sexual contra a mulher, enquanto violência de gênero, trata-se de um fenômeno que desconhece fronteiras de classes sociais, etnia, raça e desenvolvimento econômico (SAFFIOTI, ALMEIDA, 1995), é preciso reconhecer os dados de que a mulher negra se encontra como a maior vítima de estupros no Brasil, bem como a maior vítima de violência contra a mulher (INSTITUTO IGARAPÉ, 2019; FBSP, 2019; WAISELFISZ, 2015; SPM, 2015).

Kimberlé Crenshaw, referência no campo de estudos da teoria crítica da raça, aponta que a violência de gênero vivenciada por muitas mulheres também é moldada por outros aspectos de sua identidade, como raça e classe. Além disso, de acordo com Carneiro (2019, p. 315), filósofa brasileira, “as mulheres negras tiveram uma experiência histórica diferenciada que o discurso clássico sobre a opressão da mulher não tem reconhecido”.

A “cultura do estupro” que cerca as mulheres negras envolve a interseção entre a escravidão e o patriarcado, produzindo efeitos distintos dos citados até o momento, tendo em vista que as teorias de gênero da “segunda onda feminista” muito se baseiam em pensadoras brancas. O feminismo branco, para Crenshaw (1991), refere-se a um tipo de patriarcado que não possui o mesmo domínio sobre as mulheres racializadas, uma vez que a sexualidade destas nunca foi reprimida, como ocorreu com as mulheres brancas (CARVALHO, 2019). Ao contrário, elas foram extremamente sexualizadas pelos homens brancos, sendo, assim, consideradas “estupráveis”. A categoria de vítima nunca foi uma possibilidade para essas mulheres, já que suas narrativas eram desacreditadas, enquanto os agressores nunca eram punidos no contexto da escravidão (CRENSHAW, 1989). Portanto, a violência sexual contra mulheres e crianças negras possui também a gravidade da negação da vitimização a esses corpos.

Ainda, segundo Andrea Smith (2014, p. 199), desde o período colonial, o estupro se encontrava ligado ao pecado por configurar ato sexual, o que seria pecaminoso por si só. Para os senhores brancos, todavia, não haveria pecado quando os corpos violados já fossem pecaminosos “por natureza”. Em complemento, Flauzina (2006, p. 133) afirma que a mulher negra é a “antimusa do sistema penal”, uma vez que seu corpo é hiperssexualizado e, portanto, impossível de ser reconhecido como um corpo violado.

Segundo Smith (2014), dessa maneira, a interseccionalidade alteraria o significado amplo da violência sexual, já que ela se torna não somente uma consequência do patriarcado, mas também do racismo, colonialismo e escravagismo. Assim, o processo de vitimização sexual apresenta diferentes perspectivas, tornando-se muito mais presente entre as mulheres negras.

Primordial, portanto, entendermos que as diferentes abordagens existem devido à plurissubjetividade de corpos feminizados e suas distintas raízes históricas. Se há, de fato, uma interseção entre as diferentes vivências femininas, esta se encontra em maior concentração no estabelecimento de uma violência de gênero em ambientes domésticos.

Nesse sentido, segundo o Mapa da Violência de 2015, 67,2% das agressões contra mulheres foram cometidas por parentes imediatos ou parceiros e ex-parceiros. Unindo este dado aos fatos de que, em 2013, foram assassinadas 66,7% mais negras do que brancas e que 58,55% dos relatos de violência nos atendimentos realizados, em 2015, pela Central de Atendimento à Mulher (“Ligue 180”) tinham como vítimas mulheres negras, resta evidente que estas não apenas fazem parte da estrutura patriarcal e feminicida da violência doméstica, como são suas maiores vítimas.

Entendemos, assim, que as relações de afeto familiares também herdaram muito da experiência colonial, estando sujeitas à divisão racial e sexual dos corpos. Construídas historicamente, concedem legitimidade às formas de violência intrafamiliar, já que, no âmbito do patriarcalismo, o homem se torna responsável por manter o controle sobre a família, sentindo-se no direito de utilizar a força, coerção ou ameaça.

Segundo Saffioti (2007a), tais vínculos constroem uma hierarquia entre as categorias de gênero e faixa etária, de forma que a reprodução de valores conservadores patriarcais reitera a dominação masculina e a inferiorização da criança. Da mesma forma que foi deixada às mulheres a posição de subalternidade, as crianças se viram em um papel semelhante, por isso Saffioti (2007b) acredita que o patriarcado constitui o mais forte aliado à fonte de violência perpetrada contra elas: o adultocentrismo. Este configuraria a hierarquia conferida entre as gerações, sendo capaz de gerar abusos e agressões físicas e psicológicas contra crianças e adolescentes, sobretudo no ambiente doméstico. Na cultura adultocêntrica, as crianças devem obedecer aos seus pais, devendo respeitar sua autoridade acima de qualquer liberdade individual. Todas essas construções hierárquicas colocariam diversas identidades em posições subalternas, como mulheres, negras/os, pobres e crianças, sendo a menina negra a última a ocupar o lugar na escala de poder:

Observando-se a família e também a sociedade em geral, verifica-se que há uma hierarquia entre categorias de sexo e faixas etárias. Ou seja, o homem domina a mulher que, por sua vez, domina a criança no dia-a-dia, criando uma auréola em torno do homem. Em virtude disso, o homem tem seu poder aumentado face à criança e, ao fim e ao cabo, também em relação à mulher que o endeusa. Assim, torna-se clara a hierarquia: o homem adulto é o mais poderoso, e a criança é destituída de qualquer poder. (AZEVEDO, GUERRA; SAFFIOTI, 2007b, p. 51)

Para melhor explicar esta relação, é preciso expor o funcionamento do patriarcado no interior do núcleo familiar. Como afirmado anteriormente, o estupro é também uma manifestação de poder entre gêneros distintos. Não se trata de um comportamento fruto de uma sexualidade masculina desenfreada ou transtornos mentais, mas uma forma de dominação de corpos feminizados e vulneráveis.

Ao contrário, tais “impulsos” masculinos são diariamente legitimados pela sociedade, por diferentes esferas culturais. Seja pela educação dada às meninas, ensinando-as a serem dóceis e submissas, pela enorme quantidade de conteúdo infantil erotizado nas mais distintas mídias, ou pela educação oposta dada aos homens desde cedo, instruindo-os a compreenderem seu papel social como aquele que tem direitos em demazia: direitos de posse, de prazer e de ordem (SPAZIANI, MAIA, 2017).

De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR, 2015), a maior parte dos casos notificados envolvem homens perpetradores e meninas vitimizadas. Deste modo, podemos entender a violência sexual contra meninas como um entrelaçamento entre as questões de gênero e de geração. Isso porque há, em nossa sociedade, aspectos estruturais que promovem e legitimam essa forma de violência, como o investimento social nas masculinidades hegemônicas e nas feminilidades idealizadas, bem como na assimetria de poder entre adultos/as e crianças. (SPAZIANI, MAIA, 2017, p. 2)

Sobre o assunto, a pedagoga Constantiva Xavier Filha, especialista em educação sexual e violência contra crianças e adolescentes, acrescenta que:

O que parece claro, porém, é que o elo mais frágil na rede familiar, no que tange às relações de poder e formas de violência, é, sem dúvida, composto por crianças e adolescentes. Nestas situações, a liberdade quase inexiste, subjugando e, em muitos casos, “aniquilando” o sujeito, especialmente quando o abuso é praticado contra crianças. (…) Nesta discussão, urge ressaltar como esse tipo de abuso se configura como violência de gênero. (SILVA, LOPES, CARVALHO; XAVIER FILHA, 2008, p. 130)

Resta nítido, assim, que o abuso praticado contra meninas está envolto em uma rede de opressões que inclui a superioridade masculina, adulta, de classe, de raça e cisheteronormativa. Este grupo específico de vítimas é afetado de uma forma diferenciada, unindo distintas maneiras de hierarquização social. Inclusive, como interseção entre a violência sexual sofrida por meninas e por mulheres, há a forte presença da culpabilização da vítima em ambos os casos. Homens condenados por estupro de vulneráveis muitas vezes alegam que as vítimas os seduziam, ou até mesmo que as relações eram consensuais, já que as meninas não diziam enfaticamente que não queriam (SCHMICKLER, 2006).

Vale ressaltar, ademais, que, no início do século XX, era defendido por médicos renomados que os relatos de estupro contra meninas deveriam ter sua veracidade comprovada não através de exames periciais de verificação do rompimento do hímen, mas sim da investigação da “virgindade moral” da vítima, demonstrando que a dignidade sexual da menina só existiria caso os padrões morais exigidos fossem seguidos por ela (LANDINI, 2005). Tais padrões, entretanto, certamente não seriam nem ao menos considerados a meninas racializadas, afastando-as do lugar de vítima.

A partir do momento em que as meninas e mulheres não têm mais direito aos seus próprios corpos, tornam-se meros objetos, disponíveis para o consumo. Prova desta afirmação é a objetificação e a erotização que ocorre sobre corpos femininos infantilizados: “é cada vez mais presente a ideia da infância como objeto a ser apreciado, desejado, exaltado, numa espécie de ‘pedofilização’ generalizada da sociedade” (FELIPE, GUIZZO, 2003, p. 124).

O corpo jovem e infantil é explorado em campanhas publicitárias, séries, filmes e conteúdo pornográfico, de forma que ocorre uma influência simultânea entre meninas e mulheres, que ganham como ideal uma menina-mulher delicada, submissa, inocente, sem pelos, mas também sensualizada, sedutora e disponível sexualmente:

A demanda para que as mulheres adultas se vistam como meninas, enfatizando dessa maneira, uma imagem de sedução e ingenuidade atrelada a uma possível disponibilidade da ‘falsa criança’; da ‘falsa menina’ para o sexo, não seria uma demanda para a sedução, conquista e consumo masculino em nossa sociedade? Através das revistas masculinas, especialmente a revista Sexy, é que pergunto, se as fantasias adultas sobre as crianças em nossa cultura, não por acaso, são também as fantasias adultas masculinas de sexo e poder. (CÂMARA, 2007, p. 56)

Como consequência direta de todo o panorama histórico, social e cultural da violência intrafamiliar, é de extrema gravidade o espaço que o estupro contra crianças ocupa no Brasil, principalmente no ambiente doméstico. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, nos anos de 2017 e 2018, ocorreram 127.585 estupros no Brasil, sendo 63,8% destes contra vítimas vulneráveis. Outros importantes dados coletados são que 81,8% do número total foi praticado contra indivíduos do sexo feminino, sendo que em 75,9% dos casos havia vínculo afetivo entre a vítima e o agressor, sendo este um parente, companheiro ou amigo:

Consoante com outras pesquisas da área, o principal grupo de vitimização são meninas muito jovens: 26,8% tinham no máximo 9 anos. Se observarmos a idade considerada para estupro de vulnerável, temos que 53,6% das vítimas tinha no máximo 13 anos. Ampliando a análise até 17 anos, temos 71,8% de todos os registros de estupro nesta faixa etária. (FBSP, 2019, p. 116)

Mesmo com números assustadores, é preciso frisar que os crimes sexuais possuem uma das menores taxas de notificação policial no Brasil: estima-se que apenas 7,5% das vítimas de estupro relatam a violência sofrida à polícia (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013). Tendo em vista os dados observados, podemos pensar na posição de extrema vulnerabilidade e insegurança que essas vítimas se encontram, deixando-as incapazes de denunciar a violência.

PATOLOGIZAÇÕES

Na segunda metade do século XX, com uma discussão maior a respeito da infância e seus significados, a psiquiatria passou a fazer parte dos estudos contra a violência sexual infantil, uma vez que tais crimes começaram a ser considerados “antinaturais”. A justiça penal, unindo-se à medicina legal, dedicou-se especificamente à investigação psiquiátrica dos autores da violência, que eram descritos pelas mídias como indivíduos perversos, pois uma pessoa “normal” não seria capaz de cometer tais atrocidades (VIGARELLO, 1998). Assim, o foco da atenção se deslocou da degradação moral das vítimas, que antes eram vistas como “meninas defloradas”, para a psicopatologização do criminoso (LOWENKRON, 2015, p. 57).

Nesse sentido, foi instaurada uma “sociedade dos perigos, na qual, de um lado, estariam aqueles que estão em perigo e, do outro, aqueles que são perigosos” (KRITZMAN, 1988, p. 12). Houve, então, a criação simbólica de um tribunal de combate às anormalidades e perversões (LOWENKRON, 2014), permitindo que a perspectiva de monstruosidade dada ao desejo sexual por crianças ganhasse uma explicação perfeita. Com a existência do monstro e da monstruosidade, era preciso nomeá-lo: o pedófilo.

Atualmente, o termo pedofilia é utilizado para designar uma categoria diagnóstica psiquiátrica na qual adultos apresentam desejo sexual, exclusiva ou preferencialmente, por crianças pré-púberes. O tipo penal do estupro de vulneráveis, todavia, diz respeito ao agente que coloca em prática atos sexuais contra menores de quatorze anos, podendo ser um pedófilo, ou não (LANDINI, 2006). Com a existência de uma definição psiquiátrica que parece explicar a violência sexual cometida contra crianças, é recorrente a estranheza ao se afirmar que o crime de estupro de vulnerável não está ligado, necessariamente, à pedofilia:

Pedofilia é um termo clínico que, de forma alguma, deve ser utilizado como sinônimo para qualquer um dos atos de violência sexual. O pedófilo, muitas vezes, comete sim atos de violência sexual, mas essa não é uma condição necessária. A definição de pedofilia está ligada ao desejo do sujeito, e não ao ato em si, e é sempre possível que o desejo não seja transformado em ato, que seja mantido no nível da fantasia. (LANDINI, 2011, p. 49)

O grande problema da confusão na classificação dos abusadores sexuais infantis é que, ao se transformarem em sinônimos de pedófilos, ou seja, uma figura patologizada, ocorre a negação dos abusadores sexuais intrafamiliares incestuosos, que não possuem transtornos mentais, mas agem por conta do poder e hierarquia social que exercem sobre a vítima, tal como um “estuprador comum”.

Estas afirmações, que fazem parte do imaginário coletivo, demonstram que as teorias feministas que mencionam as relações de poder entre homens, mulheres, adultos e crianças são deixadas de lado em prol da patologização do abusador sexual:

Assim, essa cruzada antipedofilia acabou por promover o enfraquecimento da crítica feminista à estrutura social e familiar hierárquica e da preocupação com o inimigo interno que ataca de dentro da família (o ‘pai’, o ‘padrasto’, o ‘marido’), com um redirecionamento do temor para o Outro desconhecido e irreconhecível (‘o lobo em pele de cordeiro’), o ‘estranho perigoso’ (…) (LOWENKRON, 2013, p. 59)

Nesse cenário, é possível entender que, até mesmo em temas tão complexos como a violência sexual infantil, as visões científicas e jurídicas podem ser traçadas de acordo com escolhas políticas. Se o estupro de vulneráveis é pensado dentro de um modelo patológico, os aspectos sociais e culturais causadores da “monstruosidade” são omitidos, desresponsabilizando o Poder Público, bem como as instituições que os perpetuam. O adultocentrismo, a misoginia, a cisheteronormatividade, o racismo e o capitalismo, que se utiliza de imagens erotizadas de meninas para fins comerciais, não podem ser considerados causadores das violências, uma vez que o pedófilo já cumpre este papel (SPAZIANI, 2017).

A “PEDOFILIA” E O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

            Realizamos pesquisa jurisprudencial no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entre os anos de 2018 e 2021. Foram pesquisados os termos “estupro de vulnerável”, “violência de gênero” e “violência doméstica”, o que gerou um resultado de 52 acórdãos e decisões monocráticas de segunda instância. Deste número, 47 deles apresentavam conflitos negativos de jurisdição entre os JVDFMs e as varas criminais comuns, nos casos de estupro de vulnerável intrafamiliar cometido contra meninas menores de 14 anos. Podemos relatar que 32 das 47 decisões atribuíram a competência jurisdicional às varas criminais comuns, ou seja, sua extensa maioria. Frisamos, também, que apesar de não relatarmos neste trabalho pesquisa detalhada de outros estados do Brasil, o site de buscas jurisprudenciais “JusBrasil”, a partir de busca com os mesmos termos, revelou números igualmente significativos em diversos tribunais do país.

Na maior parte dos fatos apresentados, uma ou mais meninas eram violentadas sexualmente por seu pai, padrasto, avô, tio, primo ou algum outro homem presente em sua família, como pelo exemplo visto em um dos processos, o namorado de sua avó.

Os resultados demonstraram que as vítimas tinham as mais diferentes idades: tanto bebês de nove meses, como adolescentes de dezessete anos. Ocorre que, apesar de existirem discrepâncias em cada uma das narrativas, que se revelam únicas e com diferentes tipos de vítimas e agressores, as decisões tendem a ser excessivamente semelhantes. Os magistrados parecem colocar um ponto final em todos os conflitos de jurisdição afirmando que não há violência de gênero nos casos em tela, de forma que a competência não pode ser atribuída ao JVDFM.

Além disso, também é possível encontrar justificativas de que os agressores seriam pedófilos, patologia que não está relacionada à violência de gênero, motivo pelo qual o caso seria cabível à vara criminal comum. Como exemplo, a ementa a seguir foi encontrada na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

(…) No caso vertente, o crime imputado não teria sido perpetrado em razão da vulnerabilidade da vítima por ser do sexo feminino. Em verdade, o suposto autor do fato aproveitou-se de seu poder familiar e da incapacidade de resistência e vulnerabilidade da vítima e não pela relação íntima de afeto ligada às questões de gênero. Não se desconhece que a suposta violência sexual foi dirigida apenas a vítima, embora o irmão da mesma, também menor, residisse no mesmo local. Contudo, penso que o crime imputado não tem relação direta com o gênero feminino da vítima, mas sim com a própria condição de menoridade por ela ostentada uma vez que, para o apontado agressor, o importante seria satisfazer sua lascívia, aproveitando-se da pouca idade da menor. Friso decisão colegiada desta Câmara Criminal em que, em caso em que havia circunstância análoga – padrasto/enteada, concluiu-se que se trata “de delito narrado nos autos que tem sua gênese em desvios comportamentais que despertam, nos autores de atos dessa natureza, desejo sexual por crianças e adolescentes – meninos ou meninas – a tornar sua conduta umbilicalmente ligada à pedofilia, que não reúne os traços culturais da opressão do homem para com a mulher, estes, sim, propulsores da idealização de mecanismos protetivos que inspiraram a denominada Lei Maria da Penha (…).”[7]

Como observado na ementa, o caso em questão menciona que o agressor violentou sexualmente sua enteada, enquanto seu irmão não sofreu dos mesmos abusos. Apesar disso, o acórdão entendeu que a violência era fruto de desvios comportamentais do autor, negando a presença do gênero feminino como uma das motivações. Analisando os resultados encontrados na pesquisa, é possível perceber que muitas das decisões seguem esta mesma linha de raciocínio, numa tentativa de sobrepor a “patologia” do agressor à violência de gênero, como se as duas problemáticas devessem ser necessariamente dissociadas. Em mais uma ementa do TJRJ, tal “disputa” é colocada em evidência:

Apesar do estupro de vulnerável, nos termos da denúncia, ter sido cometido no âmbito doméstico e familiar, sobrepõe-se à violência de gênero a violência cometida contra menor, sobressaindo-se a natureza pedófila da conduta imputada, pois o elemento detonador da vontade, do dolo do agente, é a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. E em se tratando de violência presumida, a ausência de maturidade por parte da ofendida é fator determinante do delito. Conflito que se julga procedente.”[8]  (grifo nosso)

A maneira como os magistrados escolhem analisar determinados aspectos em detrimento de outros revela como suas interpretações estão sujeitas a invisibilizar a cultura adultocêntrica e androcêntrica (SPAZIANI, 2017). Observemos mais uma ementa do TJRJ:

Paciente que, em tese, praticou, por diversas vezes, atos libidinosos, inclusive conjunção carnal, com menor de 14 anos, sua prima, tendo inclusive se vangloriado para amigos do “namoro” com a suposta vítima. Evidências de que “os abusos sexuais perpetrados por Alex contra a ofendida perduraram até a data em que a esposa daquele teve acesso a conversas trocadas entre amigos e o denunciado através do aplicativo whatsapp, descobrindo mensagens nas quais esse último se vangloriava do relacionamento com a menor, que sequer tinha atingido a menarca quando submetida ao exame pericial que constatou seu desvirginamento.” Declaração da vítima ao Programa “Bem Me Quer”, enfatizando “que o ora denunciado, que era casado, a “pediu em namoro” no dia do aniversário dela em 2014, tendo a infante “aceito” tal pedido, passando Alex, então, a se aproveitar da inocência da vítima para as práticas sexuais”.(…) Impugnação da competência que, todavia, merece acolhida. Firme orientação do STJ (…) Situação paradigmática que parece se identificar com a espécie dos autos, já que, em tese, o crime fora praticado sem motivação estrita de gênero (elemento meramente acidental do fato), mas em virtude da pouca idade e falta de experiência da Ofendida, situação que afasta a competência do Juizado da Violência Doméstica e Especial referido.”[9] (grifo nosso)

No caso em tela, o autor do fato, aparentemente um homem casado, pai de um filho de quatro anos, abusou sexualmente de sua prima, cuja idade não é mencionada. Segundo a decisão, a vítima foi “pedida em namoro” pelo autor do fato, enquanto este “se vangloriou” com seus amigos sobre o suposto namoro. Apesar disso, o magistrado entendeu que o gênero da vítima se trata de um “elemento meramente acidental do fato”. A decisão parece ignorar que, apesar da vítima ser uma criança, a narrativa apresenta elementos muito similares a casos de estupro contra mulheres adultas.

O autor do fato chama sua vítima de “namorada”, em óbvia denotação de posse, além de expor a situação a seus amigos homens, como forma de anunciar seu “prêmio”, o corpo da vítima, “virgem”, de pouca idade, mas já sexualizada por seu primo e seus amigos, e nesse momento sofre violências inerentes à condição ser mulher. Seu gênero não é acidental.

Muitos dos acórdãos observados corroboram os argumentos de decisão semelhante proferida pelo Superior Tribunal de Justiça:

Segundo consta dos autos, o acusado, que ‘conviveu sob o mesmo teto’ com a vítima por cerca de 6 meses e com a qual manteve um relacionamento amoroso, mediante violência presumida, entre os 12 e 13 anos da menor, manteve, com ela, conjunção carnal, por várias vezes, o que resultou, inclusive, em sua gravidez. (…) No caso dos autos, o certo é que, em momento algum, restou demonstrado que o delito teria sido motivado por questões de gênero, ou mesmo que a vítima estaria em situação de vulnerabilidade por ser do sexo feminino. Ao contrário, as práticas sexuais se deram, em razão de relacionamento amoroso entre ambos e de forma consentida pela vítima, o que foi corroborado por ela mesma em seu depoimento judicial (e-STJ fls. 308⁄309). Contudo, por se tratar de criança menor de 14 anos de idade, hipótese na qual presume-se a violência contra a vítima, as práticas foram tipificadas no art. 217-A do Código Penal, não havendo qualquer discussão sobre o fato de tratar-se a ofendida de mulher no âmbito das relações domésticas. Dessa forma, observa-se que o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a prática do crime de estupro de vulnerável pelo agravante, mas sim a idade da ofendida, motivo pelo qual não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.[10]

O referido acórdão do STJ afirma que a tipificação do delito pelo artigo 217-A do Código Penal não desperta discussão sobre a vítima ser mulher no âmbito de relações domésticas, de forma que o seu sexo não seria determinante para a prática do crime. Percebemos, assim, que não há nenhum tipo de abertura por parte do magistrado em reconhecer os elementos fáticos do delito, prendendo-se apenas aos significados objetivos do tipo penal. Além disso, associa o delito de estupro de vulnerável de maneira automática ao imaginário social da “pedofilia”, já que faz pressuposição falaciosa: uma vez que o agressor abusou sexualmente de criança menor de 14 anos, trata-se de ato de pedofilia, portanto, o gênero desta não é importante.

Ressaltamos que os abusos praticados resultaram em uma gravidez, o que configura mais uma violência sofrida pela vítima. Seu gênero foi, novamente, um meio do agressor perpetrar sua indiferença e desprezo quanto à sua condição de mulher. Para ele, não importa se ela é capaz ou não de consentir, se seus atos resultarão em uma gravidez indesejada, ou se ela é apenas uma criança, pois a “normalidade” desse tipo de “relação” é um sintoma da sociedade patriarcal em que vivemos, e por conta da qual a Lei Maria da Penha foi criada.

Existe, indubitavelmente, a motivação do autor ligada à vulnerabilidade infantil, de modo que os abusos são facilitados pela inocência e pouca idade da vítima. Porém, falta aos magistrados contemporâneos a noção de que as violências perpetradas contra o gênero feminino atingem não apenas mulheres adultas, mas adolescentes e meninas também. Dissociar as duas perspectivas seria deixar de lado inúmeros estudos feministas e determinações legais nacionais, regionais e internacionais, que asseguram direitos e garantias a todas as mulheres, sem distinções de idade.

Por outro lado, o reconhecimento dessa sobreposição de opressões sofrida pelas meninas ocorre em algumas das decisões analisadas, apesar de configurarem uma minoria. Um dos acórdãos afirma que como está demonstrado que a preferência do acusado se voltou para criança do sexo feminino e no âmbito familiar, resta caracterizada a violência doméstica e sexual contra a menina, uma vez que aqui não se consegue dissociar uma coisa da outra”[11]; enquanto outro aduz que a Lei Maria da Penha tem como objetivo resguardar a mulher independentemente de sua idade, além de que “as normas de proteção da lei maria da penha não excluem a superposição simultânea de normas protetivas existentes no Estatuto do Idoso e no E.C.A.”[12]

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, inclusive, possui súmula de nº 156 de sua Câmara Especial, no sentido de não afastar a aplicabilidade da LMP nos casos em questão, entendimento seguido na maioria dos acórdãos observados do estado: “a existência de relação de subordinação entre agressor e vítima, decorrentes da tenra idade, imaturidade física ou psicológica da vítima não afasta a competência da Vara da Violência Doméstica”.

Assim, percebemos que alguns magistrados demonstram possuir um maior conhecimento acerca das problemáticas de gênero, respeitando os supracitados diplomas legais e, principalmente, a própria Lei Maria da Penha. Infelizmente, este não é um entendimento majoritário nos tribunais brasileiros, de modo que a maior parte das vítimas desse tipo de delito tem seu processo julgado pelas varas criminais comuns.

Somada às problemáticas relacionadas à questão de gênero, a existência de um conflito de jurisdição diante de um tema tão delicado pode ser extremamente prejudicial. Como explicado anteriormente, se há dúvida em relação à competência de um determinado delito, significa que nem todos os operadores do direito atuam alinhados com o que a legislação determina, o que causa insegurança jurídica à sociedade e às vítimas. Além disso, a partir do momento em que há dúvidas quanto à competência processual, o conflito deve ser direcionado ao Tribunal de Justiça para que este decida. Contudo, essa movimentação pode levar muito tempo, agravando o sofrimento da vítima e podendo ocasionar a prescrição processual. Ainda, esta pode se surpreender com a anulação de sentença já prolatada, ou até mesmo de todo o processo: se o magistrado Desembargador entender pela competência de uma vara diferente daquela que proferiu a sentença, esta pode ser anulada:

(…) No caso em tela, assiste razão ao requerente quando postula a declaração de nulidade do feito, por não haver sido reconhecida a incompetência do juízo de primeiro grau, onde foi processado e julgado o réu, embora não estivesse configurada a violência doméstica que justificasse o deslocamento da competência para o juízo especializado. (…) A despeito de tal decisão, como se observa dos fatos imputados ao requerente, não está configurada a violência de gênero que justifique o processamento do feito no juizado especializado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. O só fato de ser parente e do sexo feminino não justifica a incidência da Lei Maria da Penha, no caso concreto, já que a motivação dos delitos não está relacionada ao gênero das vítimas. (…) Em face do exposto, julgo procedente o pedido revisional, reconheço a incompetência absoluta do juízo de origem e declaro a nulidade do feito ab initio. Expeça-se alvará de soltura em favor do requerente e comunique-se ao Juízo da Vara de Execuções Penais. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL.[13]

No caso em tela, o agressor já se encontrava preso, sentenciado a 24 anos de reclusão. A defesa interpôs pedido revisional da sentença, sob a alegação de que o juízo que a proferiu seria incompetente para tal, uma vez que o delito em questão não apresentava o feminino como elemento motivador. Consequentemente, o não reconhecimento da violência baseada no gênero foi causa suficiente para a anulação de todos os atos do processo, gerando a soltura do autor do fato.

Além da insegurança jurídica gerada pelo conflito de jurisdição, é importante ressaltar que os JVDFMs possuem um aparato protetivo às meninas e mulheres violentadas que não é encontrado nas varas criminais comuns. A concessão de medidas protetivas de distância mínima e afastamento do lar, em poucas horas após o requerimento judicial, são primordiais em casos gravíssimos como os de estupro de vulnerável:

Estupro de vulnerável perpetrado pelo tio da vítima. Decisão concessiva de medidas protetivas em favor da menor. Irresignação ministerial ao argumento de incompetência do juízo de origem, por entender não se tratar de violência de gênero e de inaplicabilidade da Lei nº 11.340/06. Deste modo, postula pela extinção das medidas protetivas de urgência (…) (grifo nosso)

Neste outro processo, o Ministério Público requer a extinção das medidas protetivas de urgência já concedidas à vítima, em razão da suposta incompetência do Juizado de Violência Doméstica. Apesar do magistrado em questão ter reconhecido a incompetência do Juizado, não extinguiu as medidas. Infelizmente, este pode não ser o entendimento de todos os juízes e juízas, podendo revitimizar meninas já violentadas.

Ademais das questões processuais-penais, a correta indicação da incidência da LMP contribui para uma quantificação mais próxima da realidade, espelhando dados estatísticos relevantes para a criação de políticas públicas que visem à maior proteção das vítimas.

É imprescindível, portanto, uma reavaliação por parte do sistema de Justiça Criminal. Além da necessária mudança procedimental e processual, é preciso ter em mente que as meninas estão sujeitas às estigmatizações específicas de sua condição feminina, especialmente quando há envolvimento de crimes de cunho sexual. Com isso em mente, disponibilizar a elas a proteção da Lei Maria da Penha deverá parecer a medida mais coerente.

CONCLUSÃO

            Sabemos que nos anos de 2017 e 2018, 63,8% dos estupros cometidos no Brasil foram contra vítimas vulneráveis, e que 81,8% do número total foi praticado contra indivíduos do sexo feminino (FBSP, 2019). Contudo, nem sempre é realizada uma análise crítica de gênero sobre tais dados.

            Há um padrão no comportamento masculino que aponta para a violação sexual de mulheres e meninas, desde antes da colonização do Brasil (FEDERICI, 2017). A violência de gênero, sexual ou não, contra meninas é uma realidade antiga no País, que se encontra mascarada por crenças limitantes, comumente utilizadas pelos juízes e juízas em suas decisões.

Como discutido nos tópicos anteriores, o estupro de vulneráveis intrafamiliar contra meninas não é considerado, por muitos magistrados, um crime com motivações generificadas. Demonstramos, porém, que este pode ser um entendimento equivocado e que invisibiliza a misoginia e a erotização infantil presentes na sociedade, de maneira que inúmeros casos que acreditamos configurarem violência doméstica e de gênero contra meninas não são categorizados como tal, não incidindo a Lei Maria da Penha.

A questão se torna ainda mais complexa, portanto, pois reforça a tendência à patologização de comportamentos, desviando o foco da estrutura societal sexista e adultocentrista. Ademais, ela ignora o fato de que meninas estão condicionadas às mesmas estruturas patriarcais de subalternização que mulheres adultas, de forma que ambas são protegidas igualmente por documentos e legislações nacionais e internacionais, inclusive, pela própria Lei Maria da Penha, que não faz distinções etárias.

Não bastasse, se o enfoque de análise se dá na patologia do indivíduo, os mecanismos sociais que produzem e legitimam a violência contra meninas são deixados de lado, impactando, ainda, na precária formulação de políticas públicas, as quais dependem de uma coleta de dados sempre atualizada e o mais apurada possível.

Não restam dúvidas, portanto, acerca da relevância e urgência do tema. Juízes e Juízas, muitas vezes despreparados para lidar com situações de violência contra a mulher, têm apresentado interpretações equivocadas que prejudicam as vítimas e perpetuam ideias que favorecem o sistema patriarcal em que vivemos. A preferência dos Tribunais pelo enquadramento do crime em questão na legislação penal comum demonstra que a perspectiva de gênero, evidentemente, precisa se tornar uma prioridade para o sistema de justiça. Só assim daremos os primeiros passos para enterrar verdadeiramente um histórico social de subalternização e objetificação de mulheres e crianças.

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Notas:

[1]Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em violência doméstica contra a mulher e pesquisadora do Grupo PEVIGE (Pesquisa e Estudo em Violência de Gênero, FND/UFRJ).

[2] Professora Associada da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos (Nepp-DH/UFRJ); Doutora em Saúde Coletiva (IMS-UERJ) e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais (Coimbra, Portugal); Coordenadora do Grupo PEVIGE (Pesquisa e Estudo em Violência de Gênero, FND/UFRJ), do Observatório Latino-Americano de Justiça em Feminicídio e do Curso de Promotoras Legais Populares do RJ.

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-16/menina-de-10-anos-violentada-fara-aborto-legal-sob-alarde-de-conservadores-a-porta-do-hospital.html

[4] https://www.agazeta.com.br/es/cotidiano/menina-de-11-anos-estuprada-no-es-passa-por-procedimento-para-interromper-gravidez-0920.

[5] Art. 14 da Lei 11.340/2006.

[6] Art. 5º, caput, da Lei 11.340/2006.

[7] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Incidente de conflito de jurisdição nº 0018363-06.2018.8.19.0001, 8ª Câmara Criminal. Rio de Janeiro, 09 mai. 2018.

[8] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Incidente de conflito de jurisdição nº 0004079-90.2018.8.19.0000, 2ª Câmara Criminal. Rio de Janeiro, 06 mar. 2018.

[9] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Habeas Corpus nº 0030837-72.2019.8.19.0000, 3ª Câmara Criminal. Rio de Janeiro, 25 jun. 2019.

[10] Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp: 1020280, DF 2016/0309986-0, Relator: Ministro Jorge Mussi, Data de Julgamento: 23 ago. 2018 (QUINTA TURMA), Distrito Federal, DJe 31 ago. 2018.

[11] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação nº 0005318-38.2016.8.19.0053, 6ª Câmara Criminal. Rio de Janeiro, 03 dez. 2019.

[12] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Incidente de conflito de jurisdição nº 0012672-74.2019.8.19.0000, 6ª Câmara Criminal. Rio de Janeiro, 02 jul. 2019.

[13] Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Revisão Criminal nº 0079004-23.2019.8.19.0000. Quarto grupo de Câmaras Criminais. Rio de Janeiro, 13 ago. 2020.

Palavras Chaves

Estupro de vulnerável; Violência sexual; Lei Maria da Penha; Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher; Conflito de jurisdição.