Feminicídio e Sistema de Justiça Criminal: uma pesquisa do Grupo PEVIGE/FND

Artigo

Feminicídio e Sistema de Justiça Criminal: uma pesquisa do Grupo PEVIGE/FND

Cristiane Brandão Augusto

Pós-Doutora em Estudos de Gênero (UNAM), Professora Associada da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ), do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos (PPDH/UFRJ), Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudo em Violência de Gênero (PEVIGE/FND), do Observatório Latino-Americano de Justiça em Feminicídio e Co-coordenadora do Curso de Extensão de Promotoras Legais Populares (PLPs/FND).

Camila Mac Cord Rondon Krivochein Couto

Graduanda da Faculdade Nacional de Direito-UFRJ, pesquisadora do Grupo PEVIGE/FND, estagiária na Defensoria Pública Estadual.

Giovana Lima Cardoso

Graduanda da Faculdade Nacional de Direito-UFRJ, pesquisadora do Grupo PEVIGE/FND, estagiária no Taunay & Rocha Advogados.

Larissa Cunha Duarte

Graduanda da Faculdade Nacional de Direito-UFRJ, pesquisadora do Grupo PEVIGE/FND e do Grupo de Estudos das Instituições Democráticas, Sociedade e Políticas Públicas (GIDESPP/UFRJ), membro efetiva da Liga Acadêmica de Ciências Criminais (LACC/UFRJ).

Lígia Nery Andrade Ribeiro

Graduanda da Faculdade Nacional de Direito-UFRJ, pesquisadora do Grupo PEVIGE/FND,  estagiária no Ministério Público Federal.

Lorenna Rodrigues Maciel

Graduanda da Faculdade Nacional de Direito-UFRJ, pesquisadora do Grupo PEVIGE/FND, estagiária no Maneira Advogados.

Introdução

Inserida nos eixos temáticos que abordam as práticas institucionais e as mulheres em situação de violência, a pesquisa “Feminicídio: Violência Letal contra as Mulheres na Ordem do Patriarcado” se coaduna com a proposta mais específica de pensar o Direito e o papel do Judiciário a partir de abordagens multimetodológicas e de leituras multidisciplinares sobre as mortes violentas em razão do gênero.

Suscitada pela incorporação do tipo penal do feminicídio (Lei 13104/2015) ao ordenamento, a investigação sobre o processo de identificação, enquadramento e tratamento desse fenômeno social pelo ambiente jurídico teve início em 2016, quando o grupo PEVIGE – Pesquisa e Estudo em Violência de Gênero[1] – se propôs a mapear e acompanhar processos em tramitação nos Tribunais do Júri da Capital do Rio de Janeiro[2].

Com o objetivo geral de obter elementos sobre o funcionamento do sistema de justiça criminal, mediante revisão bibliográfica e pesquisa empírico-indutiva, na primeira fase, entre 2016 e 2018, realizamos leituras e fomos a campo para levantar os procedimentos que apuravam mortes de mulheres ocorridas após a vigência da Lei 13104/2015.

Naquela oportunidade, nossos estudos sobre as percepções dogmáticas do delito de feminicídio, por meio de análise de livros de doutrinadores renomados e editados em 2016 e 2017, revelaram que poucos referenciavam autoras mulheres para definir o instituto e para trazer discussões acerca da pertinência da qualificadora, a despeito do protagonismo das mesmas. Seguindo a política do silenciamento (Spivak, 2010), também observamos forte tendência a apresentar o feminicídio como uma benevolência do legislador, sem qualquer participação e ativismo dos movimentos feministas para que o enfrentamento às mortes violentas de mulheres se tornasse compromisso do poder público. Ademais, como a Lei 13.104/15 designou feminicídio como o homicídio praticado por razões de condição do sexo feminino, os autores se preocuparam em definir “mulher”, incluindo a discussão acerca da transgeneridade. Para além de alguns apenas se pautarem por critérios naturalizados (biológico, genético ou cromossômico) ou jurídicos (documentos civis), chega-se a recorrer a manual de medicina legal para explicar o “transexualismo” (sic) ou “síndrome de disforia sexual”. Outro ponto relevante se refere à reprodução, pelos juristas, dos papéis atribuídos aos gêneros e à sobreposição da ideologia familista no estilo tutelar de promover a justiça, citando “fragilidade física e psicológica da mulher” ou atribuindo certo nexo causal entre tal fragilidade e a prática desses crimes por “homens covardes” ou por “agressores ignorantes”, quando não por “homens traídos” no clássico padrão da “compreensível” reação à infidelidade feminina. Os estereótipos de gênero, inclusive, reforçam a visão do feminicídio como fruto de um desvio ocasional, de uma violenta emoção ou de aspectos patológicos e não como consequência da estrutura societária patriarcal  (Augusto et al., 2019).

Quanto à parte empírica, a pesquisa avaliou os discursos engendrados pelos atores das sessões plenárias do Júri, buscando-se compreender o sentido de feminicídio para juíza/juiz, promotora/promotor e advogada/advogado de defesa ou defensora/defensor público, observando se seriam protagonizadas discussões de gênero nos debates orais e se nosso sistema de justiça criminal se coaduna com as propostas da política nacional e do sistema latino-americano de enfrentamento à violência. Constatou-se de perto que os mecanismos de argumentação e as práticas institucionais andam na contramão das expectativas das mulheres, reproduzindo: a) estereótipos de gênero; b) culpabilização da vítima; c) patologização da conduta do agente; d) revitalização do crime passional. Ainda de acordo com os resultados parciais da pesquisa empírica (Augusto et al., 2019), verificou-se que, em todos os casos de feminicídio analisados – 23 ao todo, encontrados pelas buscas nos Cartórios das Varas Criminais e nas pautas das sessões plenárias -, o agressor é homem, parceiro ou ex-parceiro da vítima. Parcas foram as menções, nos autos do processo ou nas sustentações orais, ao conceito de misoginia, à discriminação, às condições de desigualdade de gênero ou à subordinação da mulher dentro da sociedade patriarcal. Tais características de opressão, que evidentemente baseiam a prática desse crime em específico, não são consideradas nem como objeto de estudo dos membros do Judiciário em geral, nem como expressiva linha argumentativa pelos agentes que atuam nos julgamentos[3].

Em 2019, com a renovação e o aumento da equipe PEVIGE, se iniciou a expansão da pesquisa para outros Estados federativos[4] e se estendeu a delimitação temporal para os fatos ocorridos a partir da Lei 13104/2015 até o final daquele mesmo ano. No entanto, diante da impossibilidade de mapearmos e acompanharmos os processos e os julgamentos presencialmente, modificou-se a metodologia a fim de levantar os casos de feminicídios em trâmite na segunda instância, pois somente assim conseguiríamos identificá-los através da busca virtual no campo “assunto” na jurisprudência dos Tribunais estaduais.

            Dado que a experiência anterior já havia nos informado sobre a ausência de uniformização na catalogação dessas mortes dolosas no sistema informático do TJRJ – com impacto, inclusive, nas estatísticas oficiais e, consequentemente, nas políticas públicas -, utilizamos diferentes critérios de busca, totalizando quatro pesquisas em cada Tribunal, pelas categorias: “Feminicídio”; “Art. 121, parágrafo 2o, inciso VI”; “Art. 121, §2o-A”; “Homicídio e Mulher”. Igualmente apreendida da primeira fase investigatória, a escassa perspectiva de gênero e de devida diligência no sistema de justiça criminal nos instigou a coletar também os casos em que não houve o reconhecimento do feminicídio, levando à imputação e/ou desclassificação para delito de lesão corporal, homicídio simples ou qualificado por outra circunstância.

Uma das mais expressivas situações de mortes violentas de mulheres em que pouco incide a mencionada qualificadora é quando inexiste relação íntima entre agressor(a) e vítima. Para este ensaio, portanto, separamos julgados que ilustram tal debate, a partir da seleção de casos que não versavam sobre relações domésticas ou familiares (Art. 121, §2o-A, I, CP). Sua análise pode ser encontrada na parte final do texto. Antes, procuramos contribuir para o debate feminista no campo do Direito, problematizando a percepção do feminicídio enviezada pelo patriarcalismo. Nesse sentido, dividimos os argumentos em dois tópicos: 1. Mortes violentas de mulheres e sistema de justiça criminal; 2. Análise sócio-jurídica dos processos: feminicídio?

  1. Mortes Violentas de Mulheres e Sistema de Justiça Criminal

Pautando-se no Relatório sobre Violência contra Mulheres, suas Causas e Consequências, da ONU/2012, e nas Conclusões Acordadas da Comissão sobre o Status da Mulher, de 2013, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher[5] apresentou anteprojeto de lei, consubstanciando a proposta legislativa que culminou na publicação da lei do feminicídio. Sua incorporação aos tipos penais, no Brasil, se deu quase dez anos depois da publicação da Lei Maria da Penha e muito mais tardiamente do que em outros países da América Latina[6], não obstante as estatísticas já diagnosticarem treze assassinatos de mulheres por dia, elevando o Brasil à categoria de um dos países mais violentos no campo dos crimes de ódio contra o gênero, ocupando o 5º lugar em escala mundial[7].

Assim, a Lei 13104, de 9 de março de 2015, inseriu uma qualificadora própria para os casos de feminicídio. O texto legal definiu o feminicídio nos seguintes termos: “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. E, “considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

A reivindicação do movimento feminista interno e a pressão de organismos externos foram fundamentais. Associada a estas, a pauta do acionamento da esfera criminal contou com uma publicação de peso: o Modelo de Protocolo latino-americano para investigação de mortes violentas de mulheres (femicídios/feminicídios). Sua elaboração, articulada coletiva e internacionalmente, fora motivada, em especial, por se observar: reiterada utilização, pelos/as operadores/as judiciais, de preconceitos, estereótipos e práticas obstaculizadores do exercício dos direitos à justiça e à reparação pelas vítimas diretas e/ou indiretas; demora nas investigações, seja para iniciá-la ou para dar-lhe continuidade, pela inatividade nos expedientes; negligências e irregularidades na coleta e manuseio das provas e na identificação das vítimas e dos responsáveis; gestão das investigações por autoridades que não são competentes e imparciais; ênfase exclusiva na prova física e testemunhal, com baixa credibilidade às declarações das vítimas e seus familiares, tratando-os, inclusive, inadequadamente; extravio de informação e de partes dos corpos das vítimas sob a custódia do Ministério Público; ausência de análise das agressões contra mulheres como parte de um fenômeno global de violência de gênero (OACNUDH; ONU-Mulheres, 2014, p. 8).

Embora muitas dessas questões tenham sido identificadas a partir de casos processados na Comissão e na Corte Interamericana de Direitos Humanos – como o do “Campo Algodonero”, de Ciudad Juarez, México -, é fato que o nosso sistema penal igualmente apresenta déficit de atenção à diligência devida. Tanto na esfera policial e dos atores do judiciário, quanto no âmbito da doutrina penal, a construção de um Direito atravessado pela perspectiva de gênero, imbricada com raça e classe, permanece longe de alcance.

O caso Cristina, resumidamente exposto nesta narrativa do dia do julgamento, em 01 de fevereiro de 2018 no Rio de Janeiro, reflete as muitas e importantes miradas sobre como este fenômeno social vem sendo tratado pelo Poder Judiciário brasileiro: “ O feminicídio só pode ser praticado por um homem contra uma mulher”, diz o promotor enquanto mostra, no telão, as fotos do local do crime e da vítima morta, ensanguentada, silente, dominada, passiva. “Qualquer homem é capaz de perder a cabeça, como aconteceu com um colega do Ministério Público. Ele perdeu a cabeça porque desconfiava que ela o traía e, na hora da raiva, saiu esfaqueando a mulher. Onde tiver um homem e uma mulher, pode ter ‘nheco-nheco’. O modo de vida de um casal dentro de quatro paredes é problema deles, enquanto não enfiar a faca no coração do outro. Mas, isso acontece pelo monstro da passionalidade que fica na cabeça da pessoa. Nós somos machistas, eu sou machista, mas quem quer ter o estigma de corno? Aliás, isso não é nem ser machista, nem ser feminista, é o que faz parte da natureza. Pensem um minutinho, imaginem: pelas declarações do réu, a vítima era diarista; passou a chegar mais tarde em casa, com cabelo molhado, roupas novas e ele passou a desconfiar. Ele confessou que agrediu ela antes, mas disse pra ela que ‘se quisesse fazer qualquer coisa com outro, que fizesse longe de casa’. Ela sabia que a situação estava no limite e que, se estivesse no bar bebendo com outro homem, isso poderia acontecer. Está certo? Não, não está, mas não há surpresa. Ela disse pra ele: ‘quero mostrar para você o que você é, um corno’. Como ele deveria reagir? E ele havia bebido, logo perdeu os freios inibitórios…Quanto à vítima João, o certo seria que ele dissesse pra ela: ‘olha, vai pra casa, você é casada’. Se não fez isso, procurou de certa forma. O homem médio deve se separar, trocar a fechadura da porta e dizer ‘aqui você não entra mais’”.

Dada a palavra à defesa, o Defensor Público argumenta: “Ciúmes doentio é torpeza, mas não foi o que houve neste caso, porque foi o temperamento sensível do réu que o levou a tomar esta atitude. A defesa poderia alegar violenta emoção porque se deve analisar o comportamento da vítima. Ele mantinha o lugar sagrado do lar, fez tudo por essa mulher, inclusive cuidando dos filhos dela, e ela preferia ir pro bar beber e traí-lo. Ela deveria ter se separado dele. Ela sempre voltava pra dormir em casa, mas tarde da noite. Até aí era problema deles. A relação conturbada era normal (não estou dizendo como certo, mas também pode ser). Até que, no domingo, ele saiu pra ver um emprego. Quando voltou, viu Cristina com as pernas no colo de outro homem (João). Questionou e ela o desafiou, dizendo que era o que ele merecia”[8].

Para além de evidenciar a revitalização dos “crimes passionais”, a culpabilização da vítima e uma certa tendência a patologizar a conduta do acusado, o caso Cristina ilustra o quanto o sistema de justiça se apodera da categoria feminicídio para individualizar e reprivatizar as violências de gênero, reforçando a naturalização das agressões domésticas e familiares contra mulheres e meninas, deslocando-as de um contexto de vulnerabilidade histórico-social e coletiva, que deveria congregar outras facetas dessa violência: simbólica, política, estatal, laboral, educacional,  reprodutiva etc.

O termo “reprivatizar” vem, portanto, para enfatizar esse confisco e reconfiguração do feminicídio ao espectro privado, provocando um maior distanciamento entre as práticas institucionais e a aposta de visibilidade do feminicídio como um fenômeno social, estrutural e sistemático. Por sua vez, entende-se por “visibilidade” a intenção de alcançar um operativo genealógico que denuncie um dispositivo dominante de exercício da violência de gênero, que naturaliza as diferenças. A visibilidade torna a dominação evidente para quem se apropria da perspectiva de gênero e de seu vocabulário antiessencialista e antibiologicista (ESCALERA, 2010: 108).

Daí a importância de tornar visíveis também os feminicídios não íntimos, decorrentes de misoginia, discriminação ou menosprezo. Assim, o debate que aqui propomos não objetiva incitar o punitivismo penal, mas sim dar eficácia às normas internacionais de Direitos Humanos que visam a estimular a prática estatal de implementação de políticas públicas de prevenção e de reparação integral às sobreviventes diretas e/ou indiretas, bem como de respeito à dignidade das mulheres para evitar a revitimização e a violência institucional do sistema de justiça criminal.

  1. Análise sócio-jurídica dos processos: feminicídio?

            Se existe uma potência crítica do termo feminicídio, esta reside na possibilidade de desconstruir a naturalização das violências passionais ou irracionalizadas e de binômios antagônicos (masculino/feminino, público/privado, natureza/cultura, agressividade/docilidade, fortaleza/fragilidade etc.), pois as categorias associadas a ele – gênero, patriarcado, sexismo, misoginia, entre outras – traduzem uma estrutura social atravessada por assimetrias de poder e por hierarquizações, com papéis socioculturalmente construídos e não por dogmas de uma agressão biologicamente natural, instintiva (ESCALERA, 2010). Consequentemente, o feminicídio não se restringe a situações domésticas, familiares.

            No entanto, chamou-nos a atenção o fato de que, além de encontrarmos apenas feminicídios íntimos na primeira fase de nossa investigação (processos do júri da capital do Rio de Janeiro), a pesquisa na 2a . instância (nos sites dos tribunais estaduais brasileiros) igualmente revelou parco reconhecimento jurisprudencial da qualificadora correspondente ao feminicídio, quando não há relação próxima entre o agressor e a vítima. Tal constatação nos leva à hipótese de eventual resistência institucional à desconstrução acima mencionada por precária perspectiva de gênero. Pretendendo fomentar o debate, destacamos alguns casos ilustrativos de ocorrências onde se põe em questão a concretização do inciso II, do parágrafo 2०-A, do art. 121, do CP.

O primeiro caso a ser abordado é, na verdade, uma exceção ao que foi observado majoritariamente durante a coleta de dados. O processo[9], proveniente do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, apurou uma tentativa de homicídio por motivo fútil, à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido, somado à qualificadora do feminicídio. Narra a exordial que no dia 12 de dezembro de 2017, em torno das 23 horas, o agente tentou matar a vítima com golpes desferidos por facão. No entanto, ao contrário do que se poderia presumir, o autor desconhecia a vítima por completo, apenas tendo cometido o crime por ter prometido à sua genitora que mataria a primeira pessoa que aparecesse em seu caminho. O evento morte somente não foi consumado pela interferência de policiais militares.

A vítima afirmou em Inquérito Policial e em Juízo que estava indo visitar sua filha quando notou o autor do crime em atitude suspeita. Em seguida, iniciaram-se contra ela as agressões à sua integridade física, necessitando entrar em luta corporal para se proteger. Neste momento, lhe foram desferidos golpes de facão na cabeça.

De acordo com um dos policiais, durante patrulhamento de rotina, foi informada a referente ocorrência pelo Centro Integrado de Operações Policiais. Ao chegarem no local, solicitaram ao agente que cessasse a agressão e, por não terem sido atendidos, dispararam projétil de arma de fogo contra seu pé. Conforme esclarecimento prestado pela mãe do agressor, o agente estava muito exaltado, tendo quebrado alguns objetos em casa e, em seguida, se apoderado de um facão, dizendo que mataria a primeira pessoa que visse pela rua.

Em Recurso em Sentido Estrito, a defesa pugnou pela desclassificação para lesão corporal, pela suposta incidência de desistência voluntária e por não ter agido, o autor, com animus necandi (dolo de matar). Afirmou que, após o grito de socorro da vítima, ele teria imediata e voluntariamente interrompido o curso de sua ação, impedindo o resultado morte. Outrossim,  argumentou não se tratar de feminicídio apenas em razão da vítima ser mulher pois, se ele disse que mataria a primeira pessoa que encontrasse, não interessava o sexo. Em interrogatório, o recorrente alegou que estava bêbado e que não se lembrava dos fatos, ainda que, paradoxalmente, afirmasse não ter prometido vitimar o primeiro transeunte, pois não agira com tal animus. As contrarrazões e o parecer emitido pela Procuradoria Geral de Justiça em juízo de primeiro grau foram pelo não provimento do recurso.

Em sede de juízo de segundo grau, como o agressor admitiu a autoria dos fatos, a vítima era mulher e fora surpreendida pelo ataque, houve a manutenção de todas as qualificadoras, incluindo a do feminicídio, sob o argumento de que somente devem ser excluídas da pronúncia quando manifestamente improcedentes, o que não se verificou:

Com efeito, esta Corte tem entendimento firmado no sentido que as qualificadoras do crime de homicídio somente devem ser excluídas da pronúncia quando manifestamente improcedentes, o que também não é o caso, pois o recorrente admitiu a autoria do fato sem dar maiores explicações, pois, segundo alega, estava bêbado. Além disso, há evidências que permitem a manutenção das qualificadoras, pois a vítima é mulher e teria sido surpreendida pelo ataque do recorrente, circunstâncias estas que também devem ser melhor aferidas somente pelo Tribunal do Júri (TJRO, Proc. no. 1001777-15.2017.8.22.0003, Recurso em Sentido Estrito).

No entanto, se o acórdão salientou que as qualificadoras do crime não eram manifestamente improcedentes, é possível extrair do texto que tampouco seriam manifestamente procedentes.  Nesse sentido, ainda haveria que se dirimir a dúvida acerca de ter sido um homicídio doloso, se teria ocorrido a desistência voluntária, além da verificação das qualificadoras sob análise pelo Tribunal do Júri. Em 23 de abril de 2019, o réu foi condenado pelo Conselho de Sentença, dando-o como incurso no artigo 121, § 2º, incisos II, IV e VI, na forma do § 2º-A, inciso II, combinado com artigo 14, inciso II, todos do Código Penal, a uma pena de 7 anos de reclusão.

Por não ter sido um crime praticado em esfera doméstica ou por alguém integrante do núcleo afetivo da vítima, bem como por se ter a suposta afirmação de que o primeiro a passar seria vitimado, o reconhecimento do feminicídio espelha, aqui, uma decisão pouco convencional.

Do Tribunal do Ceará, o processo nº 0020429-50.2017.8.06.0001, por outro lado, marca posição recorrente. Em breve síntese, consta dos autos que o denunciado sequestrou uma menina de 4 anos de idade, levando-a a local ermo e privando sua liberdade por algumas horas, além de submetê-la a agressões físicas e morais para, em seguida, utilizar-se de uma pedra para atingir sua nuca, cuja lesão levou-lhe ao óbito. O cadáver foi encontrado junto ao lixo, 11 dias após o crime, em avançado estado de putrefação. A sentença proferida pela 5º Vara do Júri de Fortaleza  pronunciou o réu como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV do Código Penal, em concurso com os crimes conexos previstos no art. 148, § 2º e art. 211, quais sejam, privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado e ocultação de cadáver. Expõe o voto da relatora do Recurso em Sentido Estrito que:

Como se percebe, pelas circunstâncias que o crime foi cometido, não há qualquer razão para afastar as qualificadoras indicadas, posto que fazem parte de todo o contexto fático e coadunam com a forma que o corpo da pequena (…), de apenas 04 anos, foi encontrado. Afastar tais qualificadores, diante de todo cenário, seria ir de encontro com os fatos narrados e com todo o contexto probatório (TJCE, Proc. no. 0020429-50.2017.8.06.0001, Recurso em Sentido Estrito).

            Embora pareça se tratar de mais um caso de homicídio, os depoimentos das testemunhas, em sede de audiência de instrução e julgamento, se coadunam com a tese de feminicídio, posto que o acusado havia tentado beijar a boca de uma criança no dia em que assassinou a vítima. Após este fato, a infante foi chorando ao encontro de sua mãe e a informou do ocorrido, além de comunicá-la  que, no dia anterior, duas outras crianças de 10 anos ficaram assustadas após um homem, que só tinha um braço, mandar beijo para elas, razão pela qual pediu que a criança mostrasse quem havia tentado lhe beijar. O homem desmentiu e afirmou que estava apenas mandando beijos para um cachorro – no interrogatório judicial, o acusado afirmou que estava tentando afastar a menina de um cachorro, pois ela jogava pedras nele. A mãe da menina alertou o companheiro que, com raiva, agrediu o homem com auxílio dos vizinhos. Outra testemunha afirmou encontrar uma criança chorando, em momento posterior à agressão, a qual narrou que um homem bêbado puxou uma menina pelo braço e a levou consigo.

            Em rápida análise à Declaração sobre a Eliminação de todas as formas de Violência contra as Mulheres, à literatura feminista e ao Modelo de Protocolo latino-americano, verifica-se que as circunstâncias do caso demonstram a forma letal da violência baseada no gênero. Regras sobre violações aos direitos humanos das mulheres abrangem também as meninas e podem se manifestar no âmbito familiar, doméstico ou fora dele. Assim, por exemplo, a violência física, sexual e psicológica praticada nos espaços públicos, nas instituições educativas e em outros locais[10]. Não bastasse, lesões infamantes, privações de liberdade, corpos expostos em lugares públicos configuram violações da tipologia clássica do feminicídio (ver, por exemplo, art. 325, do Código Penal Federal Mexicano). Características desconsideradas neste episódio.

Quando incapaz de reconhecer situações claras de menosprezo ou discriminação ao gênero feminino – mais ainda quando presentes o classismo, o racismo, a cisheteronormatividade, o adultocentrismo, o capacitismo -, o tecnicismo prevalente invisibiliza outros tantos feminicídios. Foi o que também ocorreu com uma adolescente de 16 anos, que possuía comportamento dito “infantilizado” devido a uma deficiência intelectual. Apesar de não existir uma relação íntima estável e duradoura entre o réu e a vítima (eles eram vizinhos e, segundo o réu, “ficavam” de vez em quando), o caso apresentava diversos aspectos da noção de poder, dominação-exploração, que acompanham as características do feminicídio constantemente descritas: violência sexual; ações que aumentem o sofrimento da vítima e/ou revelem sinais de misoginia e ódio contra a mulher; numerosos golpes, vários tipos de arma, mutilações, decapitações e outros; exibição do corpo em lugar público e/ou em cena moralmente humilhante para a vítima como deixar preservativos próximo ao corpo ou deixá-la nua ou seminua (GOMES, 2014).

De fato, a adolescente foi encontrada seminua em uma sarjeta, perto da casa do réu, havendo indícios de violência sexual. Ademais, o acusado se defendia dizendo que a vítima “se insinuava para ele”, demonstrando sua intenção vinculada às razões do “sexo” feminino e apontando a “culpa” para própria vítima por ter criado a situação que culminou em sua morte:

O Réu, em seu interrogatório, relatou: Que os fatos não são verdadeiros. Que na delegacia o policial o forçou a dar esse depoimento, que é falso. Que o declarante é culpado sim, mas não teve a intenção de ter tirado a vida xxx. Que o declarante ficava com xxx. Que estava ficando com xxx há cerca de uns quatro meses… (…)Que chegou em casa, acendeu a luz, a xxx sentou na sala, olhou para o declarante e disse que estava com uma cara esquisita… Que o declarante foi na casa da tia do lanche… Que voltou para casa, e quando chegou falou para xxx aguardar só um momento, porque iria na varanda… Que quando o declarante estava fumando, escutou um barulho na porta… Que a vítima abriu e falou: ´Ué, você não ia colocar roupa no varal, seu mentiroso?´… Que ela perguntou o que ele estava escondendo ali, e ele disse que não era nada e a mandou ir para sala que já estava indo. Que ela ficou perguntando o que ele estava escondendo e disse que ele estava falando com alguma garota no telefone… Que ele disse que não… Que ela pediu para ver a chamada… Que o declarante chamou a Vítima para ir para sala, que botou o cachimbo no canto da parede e passou, quando passou, ela veio correndo, pegou o cachimbo e jogou na casa do vizinho… (…)E o declarante falou para a vítima que ela não mandava nele… E tentou sair, quando tentou sair, a vítima segurou seus braços. Que pegou assim e empurrou o rosto dela e ela falou que se ele fizesse isso de novo ela ia dar na sua cara… Quando ele tentou sair de novo, ela segurou seu rosto e ele empurrou o rosto dela de novo. Ela pegou e agarrou seu dedo e torceu para baixo e torceu muito forte. Que o declarante achou que ela ia quebrar seu dedo e nesse momento não mediu sua força, porque estava noiadão e deu um empurrão assim nela com a mão direita, que usou a ajuda do corpo, que acabou arremessando-a do lugar. Que ela foi para trás numa pressão muito grande, ela chapou as costas com muita força, bateu a cabeça. Que o corpo dela veio numa pressão tão forte para frente assim quando ela bateu as costas na parede, que ela caiu meio que de lado e bateu na quina… que caiu de costas no chão toda se tremendo. Que o declarante levou um susto, porque não teve a intenção de ter tirado ela. Que ele correu na direção dela e pediu para se acalmar. Que pegou ela por debaixo do sovaco, botou ela sentada no chão com as costas encostadas. Que quando olhou para a cabeça dela, estava saindo muito sangue… Que tirou a camisa, pressionou o machucado, pedia para ela se acalmar (…) (TJRJ, proc.no. 0441585-37.2015.8.19.0001, Pronúncia).

            A conduta foi tipificada como homicídio qualificado pelo meio insidioso ou cruel e pela dificuldade da vítima oferecer resistência e não se reconheceu o feminicídio, nem na denúncia, nem na pronúncia, nem, por consequência, na condenação.

Em processo tramitado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o réu foi acusado de manter conjunção carnal, matar e ocultar o cadáver de uma menina de 7 anos. Mais especificamente, no dia 09 de março de 2018, entre 8 e 10h30min, a criança foi atraída a ingressar no carro do réu e levada para sua residência, onde foi forçada a manter conjunção carnal, como descrito na exordial:

(..)abriu a janela do veículo e atraiu a atenção da criança com uma mochila em formato de cachorro, dizendo à infante que, se quisesse uma boneca, teria que entrar no veículo do denunciado, logrando, assim, convencê-la a ingressar no automotor. Dali, (…) rumou com xxx para a sua residência (…) a levou para o seu quarto, onde introduziu seu pênis na vagina da infante, causando ruptura por esgarçamento vaginal completo e laceração da parede vaginal), (…) Ato contínuo, o denunciado tentou introduzir o pênis no ânus da ofendida, produzindo, na região, fissuras difusas, hematoma e sangramento.

Com o choro da criança, o réu a sufocou com as mãos e com uma camiseta por cinco minutos, tapando boca e nariz, fraturando ainda a cervical. Assim, o homicídio, segundo os relatos contidos na denúncia, foi cometido com a intenção de assegurar a ocultação e a impunidade do delito sexual anteriormente praticado contra a vítima.

Diante da decisão que o pronunciou como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, incisos III, IV e V, artigo 217-A, caput (uma vez), e artigo 211, todos do Código Penal, o réu interpôs Recurso em Sentido Estrito, requerendo a desclassificação do delito de homicídio, a fim de que respondesse por crime único, qual seja, aquele disposto no art. 217-A, §4º, do Código Penal. A questão, portanto, se concentrou na análise da possível configuração da modalidade culposa do homicídio, a fim de desclassificar o delito para estupro de vulnerável qualificado, sem que fosse discutida – sequer levantada na denúncia – a possibilidade de que os delitos tenham sidos cometidos por razões de condição do sexo feminino.

O quinto caso destacado ocorreu no estado de Minas Gerais. Depreende-se da Apelação Criminal de nº 0010877-51.2017.8.13.0394, interposta pelo réu, que a vítima trabalhava em um estabelecimento comercial e que começou a se sentir perseguida pelo acusado em seu ambiente de trabalho, visto que ele a seguia e a observava constantemente. A tentativa forçada de aproximação fez com que a vítima se preocupasse, tivesse medo de andar desacompanhada e evitasse sair de casa, de modo que pediu a seu pai que passasse a acompanhá-la.

Assim, em 27 de janeiro de 2017, quando a vítima se encontrava sozinha na loja, após seu pai ter deixado o local, o acusado dirigiu-se a ela e desferiu-lhe diversos golpes com faca. Pessoas que passavam na rua no momento adentraram no estabelecimento e conseguiram deter o acusado até a chegada da Polícia Militar. No entanto, em que pese a tentativa de providenciar socorro à vítima, ela não resistiu aos ferimentos e veio a óbito.

Do voto do relator, é possível se extrair a motivação do crime:

Constatou-se que o crime de homicídio foi praticado por motivo torpe, consistente no extravasamento do desejo de vingança, porquanto o acusado matou a vítima em razão de esta não corresponder aos sentimentos e ao assédio por ele perpetrado, bem como com recurso que dificultou a defesa da vítima, pois  agiu de surpresa ao esfaquear a vítima de forma inesperada, atingindo-lhe quando estava sozinha em seu local de trabalho, sem meios para fugir do ataque e o acusado esperou e se aproveitou desta condição para matá-la. (TJMG, Proc. no. 0010877-51.2017.8.13.0394, Apelação Criminal)

 Isto é, foi reconhecido que, apesar de não possuir nenhuma relação íntima com a vítima, o que motivou o acusado a cometer o homicídio foi o fato dela ser solteira e não possuir interesse em se relacionar amorosamente com o seu perseguidor, o que seria suficiente para configurar o sistema de dominação baseada no gênero. No entanto, o agressor foi condenado pela prática do delito previsto no art. 121, §2º, incisos I e IV, c/c art. 61, II, “f”, todos do Código Penal. Nas razões da Apelação, a defesa requereu o decote do art. 61, II, “f”, CP, segundo o qual a violência contra mulher é considerada uma circunstância que agrava a pena, quando esse fato não constitui ou não qualifica o próprio crime. O relator acolheu o pleito defensivo, sustentando que não havia  relação afetiva, doméstica ou familiar que caracterizasse a violência contra a mulher disposta no artigo supramencionado. O entendimento foi seguido pelos demais desembargadores da turma julgadora.

Conclusão

A tipificação do feminicídio no Brasil buscou, por um lado, atender às demandas do movimento feminista e às convocatórias da agenda internacional para o enfrentamento às mortes de mulheres. Por outro lado, traz inúmeras indagações quanto à recepção deste instituto pelo sistema penal, na medida em que a epistemologia do saber jurídico e as práticas institucionais não atentam para as questões de gênero de forma transversal; na medida em que os concursos públicos não requerem conhecimento de Direito Internacional; na medida em que o Poder Judiciário concentra estruturas patriarcais, misóginas, racistas e classistas. A judicialização via criminalização – na verdade, “qualificação” do homicídio – reflete o Direito Penal simbólico atuando na mesma lógica seletiva, excludente e sexista.

Assim, ainda que com redação estrita à conduta de matar por razões do “sexo feminino”, o feminicídio, na literalidade da legislação penal vigente, abarca os fatos derivados de menosprezo e discriminação à condição de mulher. No entanto, os casos concretos demonstram que maior restrição se opera na prática: apenas o componente “violência doméstica ou familiar” vem qualificando o delito como feminicídio.

A relevância da ressignificação do conceito se encontra não somente no reconhecimento de outros tipos de feminicídio como visibilidade do problema e como revelação de dados mais próximos à realidade misógina, senão também como compromisso de sua integração a uma política do Estado brasileiro de promoção da igualdade de gênero e da implementação de medidas que, paulatinamente, reduzam o quantitativo alarmante da violência de gênero em nosso país.

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Notas:

[1] Além das autoras, o Grupo PEVIGE era integrado pelas pesquisadoras Beatriz Gabriel Napoli, Clara Oliveira Baptista, Júlia Machado Iglesias, Lys Brandão Augusto Mérida, Nathalie Vargas Correia e Taís Pedroso Monte Santo.

[2] Já antes, a transformação dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei 11340/2006) em instância prioritariamente criminal havia movimentado nosso olhar na mesma direção de pesquisas realizadas desde a década de 80 por feministas que, buscando analisar o acesso à Justiça no Brasil, retrataram o modus operandi discriminatório e sexista de procedimentos judiciais (Ardaillon e Debert, 1987; Pimentel, Giorgi e Piovesan, 1993; Pimentel, Schritzmeyer e Pandjiarjian, 1998). Nesse sentido, conferir: AUGUSTO, Cristiane Brandão. Violência contra a mulher e as práticas institucionais. Série Pensando o Direito, v.52. Brasília: Ipea/Ministério da Justiça. 2015. Cf também o documentário Juizados.doc em https://www.youtube.com/watch?v=IW5CWs0vkeg&t=45s

[3] A equipe permanece sistematizando os dados desses 23 processos e procedendo à análise qualitativa dos casos concretos. O resultado será posteriormente disponibilizado por meio de relatório a ser amplamente divulgado.

[4] Até a publicação deste texto, o PEVIGE havia reunido dados de todas as regiões do País, faltando apenas os Estados de Alagoas, Goiás, Mato Grosso, São Paulo e o Distrito Federal.

[5] A Comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) foi instaurada em 2011 com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência. O tema tratado na CPMI, no entanto, já era motivo de preocupação e de luta por parte do movimento feminista. Enquanto Diana Russel, já na década de 70 por exemplo, traçava linhas teóricas para se pensar o feminicídio, o Estado Brasileiro se ocupará efetivamente da questão somente em 2011.

[6] Costa Rica foi o primeiro país, em 2007, seguido de Guatemala (2008), Colômbia (2008), Chile (2010), El Salvador (2010), Peru (2011), México (2012), Nicarágua (2012), Bolívia (2013) entre outros (OACNUDH; ONU-Mulheres, 2014).

[7] Segundo o Mapa da Violência divulgado em 2015, entre 1980 e 2013,           106.093 mulheres foram vítimas fatais. Em 2013, 4762 mulheres foram vitimadas, representando 4,8 vítimas para cada 100.000. A taxa de 2013 cresceu 111,1% em relação à taxa de 1980 (WAISELFISZ, 2015, p. 13).

[8] Diário                 de Campo da Pesquisa. Anotações feitas pela primeira autora sobre os debates entre acusação e defesa. Processo no.0023456-15.2016.8.19.0001,TJRJ.

[9] TJRO, Proc. no. 1001777-15.2017.8.22.0003, Recurso em Sentido Estrito.

[10] Aliás, não é a primeira vez que constatamos dificuldades do sistema de justiça criminal em equacionar violências contra meninas com violações generificadas às crianças e adolescentes,  interseccionando, portanto, condição etária e identidade de gênero. Sobre o tema, e especificamente sobre como os tribunais vêm interpretando o estupro de vulnerável intrafamiliar contra meninas, conferir: Silva, Júlia; Augusto, Cristiane. “Estupro de vulnerável intrafamiliar contra meninas: uma problemática de gênero”. In: Revista Eletrônica da OAB/RJ, v. 31, no. 2, Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://revistaeletronica.oabrj.org.br/?artigo=estupro-de-vulneravel-intrafamiliar-contra-meninas-uma-problematica-de-genero. Acessado em: 31.08.2021.

Palavras Chaves

Extensão Universitária; Educação Popular; Assessoria Juŕidica Popular; Direito Insurgente; Protagonismo Estudantil;