GUARDA COMPARTILHADA, VISITAÇÕES E O ESTADO PANDÊMICO DA COVID-19

Resumo

O objetivo do presente trabalho é analisar a situação atual da guarda compartilhada e da convivência familiar durante o isolamento social em tempos de pandemia, causado pelo novo coronavirus (COVID-19), bem como sua análise no período pós-pandemia. Não se pretendeu, no presente artigo, buscar julgados com decisões sobre o tema no período pandêmico, mas sim uma reflexão sobre as questões e considerações sobre o bem-estar das crianças e adolescentes, um repensar, no binômio direito à saúde e o princípio da proteção integral e suas ponderações em tempos de pandemia frente ao desenvolvimento emocional da criança. Abordaremos as atitudes durante o isolamento social que puderam agregar um repensar positivou e o que pôde ficar como exemplo para uma reflexão futura na pós-pandemia para aguarda compartilhada e a visitação.

Artigo

GUARDA COMPARTILHADA, VISITAÇÕES E O ESTADO PANDÊMICO DA COVID-19

  

Thais Lopes de Lima[1]

Denise Borges Cintra[2]

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é analisar a situação atual da guarda compartilhada e da convivência familiar durante o isolamento social em tempos de pandemia, causado pelo novo coronavirus (COVID-19), bem como sua análise no período pós-pandemia.  Não se pretendeu, no presente artigo, buscar julgados com decisões sobre o tema no período pandêmico, mas sim uma reflexão sobre as questões e considerações sobre o bem-estar das crianças e adolescentes, um repensar, no binômio direito à saúde e o princípio da proteção integral e suas ponderações em tempos de pandemia frente ao desenvolvimento emocional da criança. Abordaremos as atitudes durante o isolamento social que puderam agregar um repensar positivou e o que pôde ficar como exemplo para uma reflexão futura na pós-pandemia para aguarda compartilhada e a visitação.

Palavras-chave: Pandemia; Guarda Compartilhada; Guarda de filhos, convivência familiar, Princípio da proteção integral; Direito de Família.

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira brutalmente afetada pela pandemia causada pelo novo Coronavirus, popularmente conhecido como COVID-19, foi abarcada de incertezas, tensões e situações que refletiram nas mais diversas áreas do Direito, em especial o Direito de Família no tocante a guarda compartilhada e visitação regular dos filhos/tutelados.

A COVID 19, como de sabença, trouxe a necessidade do isolamento social1 com fito de evitar a propagação da doença e, por conseguinte a contaminação, principalmente de idosos e pessoas do convívio familiar que pudessem ser consideradas de risco.

Com a orientação do isolamento, as atividades corriqueiras, em especial as de guarda compartilhada e visitações de tutelados, foram diretamente afetadas, ao passo que o filho/tutelado poderia se tornar o portador/transmissor do vírus e com isso, contaminar pessoas de seu convívio diário.

Diante dessa possibilidade, os genitores e tutores passaram a enfrentar embates, ponderando-se a necessidade das visitas e do compartilhamento da guarda e real possibilidade de transmissão, principalmente, pois, haviam genitores que tampouco deixaram de estar expostos, exercendo suas atividades laborativas normalmente, o que por si só elevaria as chances de contaminação.

Travado esse impasse, aqueles que se sentiram prejudicados passaram a buscar o poder judiciário para dirimir tais questões, haja vista estavam sendo vetados de exercer o direito que lhes fora conferido, inclusive, na maioria das vezes, pelo próprio Judiciário.

Em razão da atipicidade enfrentada, os Tribunais passaram a realizar análises individualizadas e pontuais dos casos apresentados em particular visando, primordialmente, o princípio da proteção integral da criança e do melhor interesse contraponto ao direito à saúde como princípio fundamental.

MANUTENÇÃO DO CONVÍVIO FAMILIAR NA PANDEMIA

Em que pese a Carta Magna2, em seu artigo 227 conceituar ser dever da família, sociedade e Estado assegurar à criança, adolescente e jovem o direito à convivência familiar, ressalva categoricamente e absolutamente o direito à vida e à Saúde, como direitos principais escalonados.

De igual modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente3 (ECA) preconizou como princípio basilar norteador das relações que envolvem a guarda compartilhada e a visitação, o princípio do melhor interesse e, dentre outros, o princípio da responsabilidade parental.

Por essas razões, pautando-se na individualização e particularidades dos casos concretos, os Tribunais passaram a analisar a rotina do pretendente à visitação/guarda a fim de constatar se realmente a manutenção do direito afetaria ou colocaria em risco o tutelado ou as demais pessoas de seu convívio diário e, somente após tal verificação, passariam a adotar medidas excepcionais para garantir a todos os envolvidos o direito maior e fundamental, o direito à saúde, à vida.

Outrossim, fora objeto de debate no Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) haja vista a necessidade de aplicação da adequação ao caso atípico, porquanto que mesmo tendo a guarda/visitação sido garantida antes do estado pandêmico, há de se considerar, acima de tudo, a preservação da saúde e da vida de todos os envolvidos direta ou indiretamente nessas relações, estendendo-se aos avós, tios, e demais pessoas que porventura dividam residência com o tutelado.

Destarte, a garantia do Direito à manutenção do convívio familiar geral deverá ser adequada e aplicada de acordo com cada realidade familiar, visando os interesses do tutelado de forma que haja respeito aos demais envolvidos, para que não se incorra na subversão dos demais direitos igualmente fundamentais.

O QUE SE PÔDE AGREGAR POSITIVAMENTE NO PERÍODO PANDÊMICO

Sem dúvida a convivência das crianças e adolescentes com seus genitores e tutores foi brutalmente interrompida no início do período de isolamento social ainda vigente no Brasil por conta da epidemia do COVID-19.

As medidas de isolamento e distanciamento social causaram uma ruptura no equilíbrio da relação de guarda e visitação entre pais, tutores e seus filhos. Repentinamente tivemos nossas rotinas, atitudes, hábitos e lazer totalmente modificados repercutindo nas relações de convivência social, familiar e coletiva.

Ficou, portanto, mais evidenciado as dificuldades que poderiam surgir nos arranjos de guarda e visitação no período de isolamento social por conta da proteção à saúde das crianças e adolescentes.

É sabido que a estrutura familiar e as figuras parentais são vitais para o aprendizado, desenvolvimento, e aprimoramento do contato físico, emocional e social das crianças e adolescentes com o mundo externo.

Seu desenvolvimento emocional, social e seu bem-estar psíquico devem ser preservados na busca do princípio do melhor interesse.

Foram inúmeras as ações de judicialização de quem não detinha a guarda para tratar da convivência/visitação com decisões ora a favor da suspensão do direito de convivência do genitor com seu filho ora ao mesmo tempo que magistrados decidiam contrariamente ponderando “qual seria o bem da vida mais significativo, se promover o contato físico entre pais e filhos submetendo ambos a risco de vida ou sendo possível adaptar a convivência parental para o modo virtual, preservando-se simultaneamente a exposição ao risco de contaminação e a convivência parental, ainda que na modalidade digital.”4

 Em razão disso, a comunicabilidade pelos meios remotos com a utilização da tecnologia permitiu minimizar o afastamento presencial no período de isolamento social e veio contribuir para adequar a revisão do regime de visita de modo a evitar a transmissão do vírus fisicamente promovendo a permanência do contato da criança mesmo que a distância com seu genitor ou tutor.

O uso de aplicativos de mensagens, de videoconferência para conversa permitiu diminuir a saudade de entes e familiares que estavam sempre no convívio com a criança e adolescentes.

Uma prova disso foi a implementação da visita virtual que veio a relativizar o exercício da convivência unindo a tecnologia, a saúde psíquica e os laços de afeto com a sua regulamentação em várias decisões dos magistrados.

No artigo publicado em 10/06/2020 no site “Migalhas” sobre “Covid-19 e os reflexos no direito de família: o direito de visita virtual”5 seus autores descrevem que:

“se o filho não poderá, temporariamente, conviver presencialmente com um dos genitores a melhor solução, em linha com todas as adaptações pelas quais a sociedade tem passado, é a regulamentação da visita virtual, isto é, o estabelecimento de dia e hora para que o filho possa passar um tempo com o outro genitor, ainda que virtualmente.

A tecnologia é uma realidade com a qual o direito deve adaptar-se cada vez mais e deve ser utilizada com a finalidade de concretizar os direitos e garantias fundamentais das crianças e adolescentes.

O momento que vivemos será um divisor de águas para isso.”

Citam também que:

“Recentemente, já no período da pandemia da COVID-19, o Juiz de Direito Leonardo Bofill Vanoni, da 1ª Vara Judicial da Comarca de Taquari, Rio Grande do Sul, regulamentou a visita virtual para garantir os laços de afetividade entre o pai e a filha, que deverá ser realizada por vídeo, ao vivo, duas vezes por semana, pelo prazo mínimo de 10 minutos.”

Em outra matéria a Defensora Pública do Estado do Piauí divulga no site da Associação Piauiense das Defensoras e Defensores Públicos – APIDEP6 na publicação de 12/08/2020 descreve que:

“obteve pareceres favoráveis para que assistidos tenham o direito a visitas virtuais à familiares durante o período pandêmico, ocasionado pelos riscos da Covid-19. Em um dos casos a Instituição obteve o parecer para que uma mãe, há 5 meses sem contato com o filho menor, tenha o direito de realizar visitas virtuais a este.”

Outa decisão importante também priorizando os meios de comunicação telefônico ou on-line foi a do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)7 emitido em 25/03/2020 – “Recomendações do CONANDA para a proteção integral à criança e adolescentes durante a pandemia do COVID-19” contendo orientações pertinentes ao período em que toda a sociedade empreende esforços para a contenção da pandemia, particularmente sobre as questões relacionadas a visitas e os períodos de convivência, a saber:

“Que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. Para tanto, devem ser observadas as seguintes orientações:

  1. As visitas e os períodos de convivência devem, preferencialmente, ser substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line, permitindo que a convivência seja mantida;
  2. O responsável que permanece com a criança deve manter o outro informado com regularidade e não impedir a comunicação entre a criança ou adolescente com o outro responsável;
  3. Em casos que se opte pela permissão de visitas ou períodos de convivência, responsáveis que tenham voltado de viagem ou sido expostos à situações de risco de contágio devem respeitar o período de isolamento de 15 dias antes que o contato com a criança ou o adolescente seja realizado;
  4. O deslocamento da criança ou do adolescente deve ser evitado; e. No caso de acordada a visita ou permissão para o período de convivência, todas as recomendações de órgãos oficiais devem ser seguidas;
  5. O judiciário, a família e o responsáveis devem se atentar, ao tomarem decisões relativas à permissão de visitas ou períodos de convivência, ao melhor interesse da criança e do adolescente, incluindo seu direito à saúde e à vida, e à saúde da coletividade como um todo.”

Em que pese ainda não tenha acabado o estado pandêmico no qual o Brasil se encontra podemos verificar que essas ações de visita virtuais, conferências on-line, conversas por aplicativos de mensagens agregaram positivamente e minimizaram o distanciamento entre pais e filhos.

REFLEXÕES PARA O PÓS-PANDEMIA

No momento de recolhimento por conta das ações governamentais de distanciamento e isolamento social, de uma forma geral, nós percebemos o quanto devemos valorizar o que realmente importa e dar prioridade a convivência entre entes, familiares, genitores e tutores com seus filhos.

Os casais separados ou divorciados que usaram da pandemia para motivar o impedimento à visitação e convivência dos genitores e tutores com seus filhos devem refletir para a busca de um bom senso no melhor interesse da criança.

As desavenças, beligerâncias ocasionadas pela falta de diálogo, intolerância e discussões podem levar a casos de alienação parental.

As crianças e adolescentes precisam de calor humano, de amor, de convívio social para o pleno desenvolvimento do exercício emocional.

É com a iminência da perda e com as dificuldades que surgiram nos arranjos de guarda compartilhada e visitação que refletimos o quanto é importante o olhar face a face, um abraço, um momento de carinho com os filhos.

As complexidades das demandas judiciais, no período de pandemia, recomendaram moderação e ponderação nas atitudes dos casais parentais que tiveram a ruptura de seus laços familiares ocasionados pelo divórcio ou separação em prol do melhor interesse da saúde física, mental e emocional das crianças e jovens no processo de guarda compartilhada no isolamento social.

CONCLUSÃO

O distanciamento e isolamento social no período pandêmico trouxe a necessidade de ressignificar momentos, pensamentos e reforçar a importância da visitação, da guarda compartilhada e do convívio dos genitores e tutores com seus filhos para o desenvolvimento social e emocional. A importância da mediação como melhor forma de resolução de conflitos com menos judicialização.

Referências Bibliográficas:

1   Disponível em:

http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1163-recomendac-a-o-n-036-de-11-de-maio-de-2020.

2     Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

3   Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

4  Disponível em:

https://www.ibdfam.org.br/artigos/1427/COVID-19+++++x++++Princ%C3%ADpio+do+melhor+interesse+da+crian%C3%A7a#:~:text=Assim%2C%20o%20princ%C3%ADpio%20do%20melhor,direitos%20que%20lhe%20digam%20respeito.

5  Disponível em:

https://migalhas.uol.com.br/depeso/328725/covid-19-e-reflexos-no-direito-de-familia–o-direito-de-visita-virtual

6  Disponível em:

https://apidep.org.br/defensoria-obtem-liminares-favoraveis-ao-direito-de-visitas-virtuais-durante-a-pandemia/

7  Disponível em:

https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/legis/covid19/recomendacoes_conanda_covid19_25032020.pdf

Notas:

[1] Advogada, pós-graduada em Direito Civil e Empresarial, Direito Imobiliário, Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Empresarial. Mentora no Projeto de Mentoria da OAB/RJ

[2] Advogada, Mentorada do Projeto de Mentoria da OAB/RJ.

 

Palavras Chaves

Pandemia; Guarda Compartilhada; Guarda de filhos, convivência familiar, Princípio da proteção integral; Direito de Família.