Impactos da Pandemia COVID-19 nas Relações Jurídicas entre Instituições de Ensino e Alunos

Resumo

Este trabalho apresenta análise sobre as contribuições da utilização dos meios consensuais de solução dos conflitos, com destaque para a mediação como forma de gestão do conflito. Tem por objeto apontar os benefícios de sua adoção pelas Instituições de Ensino e Alunos refletindo no fortalecimento da relação e soluções satisfatórias para ambos. Adota o método de revisão bibliográfica de artigos e livros científicos sobre o tema.

Artigo

Impactos da Pandemia COVID-19 nas Relações Jurídicas entre Instituições de Ensino e Alunos

Ana Lucia Pazos Moraes[1]

Resumo

Este trabalho apresenta análise sobre as contribuições da utilização dos meios consensuais de solução dos conflitos, com destaque para a mediação como forma de gestão do conflito.  Tem por objeto apontar os benefícios de sua adoção pelas Instituições de Ensino e Alunos refletindo no fortalecimento da relação e soluções satisfatórias para ambos. Adota o método de revisão bibliográfica de artigos e livros científicos sobre o tema.

Palavras-Chave: Meios Consensuais de Solução do Conflito. Gestão do Conflito. Mediação de Conflito. Escola. Aluno

Abstract:

This article presentes an analysis of the contribution on the use of consensual means of conflict resolution, with emphasis on mediation as a way of conflict management. Its purpose is to point out the benefits of its adoption by Education Institutions and Students, reflecting on the strengthening of the relashionship and satisfactory solutions for both. Adopts the method of bibliographic review of scientific articles and books on the subject.

Keywords: Alternative Dispute Resolution. Conflict Management. Conflict Mediation. School. Student

Sumário

I.Introdução II. Relação Escola e Aluno III. O impacto da pandemia coronavírus na relação IV. O conflito gerado e a adoção da Mediação de Conflito V. Considerações Finais  VI. Referências Bibliográficas

  1. Introdução

A paralisação das atividades e o isolamento social imposto pelas autoridades sanitárias para a preservação da vida, indubitavelmente impactou a todos de modo ainda impossível de ser mensurado com precisão. Desnudou o abismo que separa os cidadãos do Brasil. E refletiu nas relações econômicas e jurídicas.

Em relação às instituições de ensino, vivenciamos a engrenagem complexa que envolve estudantes e escola, o “malabarismo” financeiro para sua manutenção e dos contratos de trabalho de seus colaboradores, bem como o esforço dos alunos para honrar com o pagamento das mensalidades.

No entanto, diante da incapacidade de composição referente ao valor das mensalidades ocorreu a intervenção Estatal legislando sobre a relação, o que ensejou uma enxurrada de demandas judiciais ainda sem decisão final que atenda satisfatoriamente a alguma das partes.

Verificamos que quanto mais litigante, menos controle as partes tem do resultado, desgastando a relação e exigindo maior gasto financeiro e temporal. Tratando-se de uma relação continuada, envolvendo vínculo emocional além da relação de prestação de serviço, a adoção dos meios consensuais se faz urgente e necessária para sua preservação, deixando a judicialização como última opção.

  1. Relação Escola e Aluno

A Escola, muitas vezes o primeiro ambiente que a criança tem contato fora do convívio familiar, tem importante papel na sua formação como cidadã com a transmissão de normas e valores que orientarão seus projetos de vida. É um local que reúne pessoas com diferentes histórias de vida e origens, proporcionando novas convivências e padrões. Assim, a escola é uma ferramenta de socialização.

Para Santos e Serrano (2020)[2] “a escola deve preocupar-se, possibilitando condições para que a sociedade que a abriga ingresse em seu meio, assumindo assim seu compromisso como local de transmissão de saber e construção do conhecimento, o papel da escola neste mundo que se transforma deve estar equilibrado entre uma função sistêmica de preparar cidadãos tanto para desenvolver suas qualidades como para a vida em sociedade”.

Dentre as atividades das escolas, está incluído o desenvolvimento de competências socioemocionais, que são essenciais para a formação e o crescimento humano.

No entanto, a contribuição e o envolvimento da família são fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem e sociabilidade dos alunos. Ambas são parceiras e  complementam-se, cada uma no seu papel.

É necessário que a Escola e a família estabeleçam uma comunicação eficiente, pois ambas possuem um objetivo comum, qual seja, a educação. Para Rinaldi (2020)[3] “é preciso focar em estratégias para aproximar pais e responsáveis dos gestores das escolas a fim de modificar essa realidade que tem se mostrado tão burocrática e prejudicial ao processo de crescimento e aprendizado dos estudantes”.

Com precisão cirúrgica, Zotini (2020)[4] entende que dentre as mudanças trazidas pela pandemia está a necessidade de desenvolver outras qualidades e especialidades emocionais. Alerta para a rigidez do “paradigma do conteúdo” como uma referência ao conceito antigo de educação que se prende a um currículo escolar pré-determinado e engessado que não comporta flexibilização. E conclui:

“Nosso papel será, principalmente de trazer novos valores para as jornadas educacionais, pois precisamos urgentemente de alunos podendo se desenvolver integral e humanamente. E não ficar decorando fórmulas que serão esquecidas em breve”.

III. O impacto da pandemia coronavírus na relação

Em março/20, com o fechamento das instituições de ensino e suspensão das aulas presenciais, escolas, professores e alunos foram surpreendidos com uma nova realidade: o ensino com a utilização dos meios eletrônicos. E nem todos estavam preparados, apesar do acesso as redes sociais e plataformas digitais fazerem parte de suas rotinas. Assim, passaram a despender mais tempo com o ensino à distância em comparação com o tempo gasto com as aulas presenciais, em razão das dificuldades para ultrapassar os obstáculos decorrentes do novo método. Acrescenta-se ainda o desafio em manter o engajamento dos alunos.

Na E.E.M. Ana Costa Teixeira, situada em Itapipoca (CE) a direção desenvolveu um sistema de monitoramento dos alunos com a utilização de um formulário semanal online para melhorar a relação pedagógica e acolher os que apresentassem dificuldade (INSTITUTO UNIBANCO, 2020)[5].

Outra escola que se reinventou, também no Ceará, foi a Professor Milton França de Abreu que, verificando a dificuldade de acesso a internet de seus alunos, muitos residentes na zona rural, sem possuir telefone ou acesso a rede de dados, passou a transmitir as aulas através da rádio comunitária local (SOUZA, 2020)[6].

Esses foram os enfrentamentos iniciais vivenciados pelas escolas e alunos para manutenção do acesso à educação.

De acordo com os dados da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – os impactos da pandemia na educação mundial foram os seguintes: 188 países determinaram o fechamento das redes de ensino em todos os níveis de educação, afetando aproximadamente 1,6 bilhão de estudantes, o que corresponde a 91,3% de estudantes do mundo. No Brasil havia 47,9 milhões de alunos matriculados na educação infantil, ensino fundamental e médio das redes pública e privada (PORTAL RAÍZES, 2020)[7].

Sobretudo na rede pública de ensino, a falta de acesso a internet ou sua limitação é uma realidade descortinada pela pandemia, o que levará a evasão escolar.

Já no ensino superior, alunos abandonaram ou trancaram a matrícula por não ter condições de continuar pagando as mensalidades em razão do desemprego ou diminuição de renda. Esse índice aumentou 31% de abril para maio, que teve a inadimplência 52% superior a 2019[8], o que retrata o triste impacto em escala na economia e na educação refletindo nas relações jurídicas entre as partes (GLOBO, 2020).

Por outro lado, as Escolas não tiveram opção que não fosse a imediata adequação ao novo sistema de ensino imposto pelo isolamento físico. Aquisição de insumos tecnológicos, treinamento de professores, disponibilização de plataformas e adequação do conteúdo pedagógico. Ainda assim, disciplinas que necessitam de aula prática ficaram prejudicadas.

Os pais, sem preparo e sem tempo para substituir os professores na tarefa de ensinar, sobrecarregados com preocupações decorrentes da paralisação das atividades, encaram grande dificuldade em manter a disciplina diária de estudo de seus filhos. Famílias que tiveram que se reinventar e usar a criatividade para os filhos terem acesso às aulas sem computadores adequados, celulares ou rede de dados suficiente.

E a cada dia algo novo a superar. A volta às aulas exigirá um cuidado diferenciado e refletirá em impacto emocional e financeiro para as escolas e alunos. Não será a volta de um dia anterior de aula. Os protocolos sanitários exigem reorganização estrutural das escolas que terão que repensar o espaço físico para acomodação dos alunos, o que por sí só impede a manutenção do mesmo quantitativo de alunos nas salas de aula, gerando reflexo econômico. Os professores sofrerão a cobrança para serem criativos e darem conta do aspecto pedagógico, psicológico e emocional dos alunos.

Para a psicóloga e consultora educacional Jarlicht (2020)[9]

“… como a escola é o lugar do encontro, seria fundamental criar um espaço para diálogo transparente com as famílias e a comunidade para que, juntos, possam pensar sobre esse retorno às aulas presenciais e sobre como viabilizar a prática de tais protocolos.”

No planejamento do retorno todos os personagens envolvidos, alunos, responsáveis, professores, auxiliares da educação, devem ser chamados para construção da “nova escola”, valorizando o protagonismo de todos e tornando-os participativos e responsáveis por todo processo.

A adoção da mediação de conflitos[10]e de suas ferramentas é apropriada e aconselhável no cenário de mudança enfrentado pelas escolas e alunos para o fortalecimento dos vínculos.  A escuta ativa, técnica que propõe uma escuta com atenção, sem julgamento, com observação não só da linguagem falada como da gestual e do silêncio, demonstrando um verdadeiro interesse pela fala, pelos sentimentos e necessidades transmitidas, é de grande auxílio para o desenvolvimento de diálogos colaborativos e construtivos na criação de novos caminhos que atenda aos interesses de todos e preserve a relação.

Para Almeida (2014)[11] a escuta ativa gera confiança no processo de diálogo e sentimento de que é possível falar e ser ouvido, mesmo na vigência de discordância”.

Diante da crise nas relações entre escola e alunos, gerada pela incerteza provocada pela pandemia, onde ambos não deram causa e são vítimas, a escolha da solução pelo consenso é apontada como opção de excelência.

Outra opção consensual é a adoção do Círculo de Diálogo, com acolhimento de diversos pontos de vista e construção de relações de cuidado, onde o importante é o entendimento que são todos elos de uma mesma corrente e tem a responsabilidade compartilhada para formar um ambiente justo e interconectado.

Para Pranis (2010)[12]

“Num Círculo ou Roda de Diálogo os participantes exploram determinada questão ou assunto a partir de vários pontos de vista. Não procuram consenso sobre o assunto. Ao contrário, permitem que todas as vozes sejam ouvidas respeitosamente e oferecem aos participantes perspectivas diferentes que estimulam suas reflexões.”

E nesse cenário de vulnerabilidade e incertezas, a situação financeira dos alunos e da escola também foi impactada, afetando a relação jurídica já fragilizada.

As escolas de educação infantil foram as que sofreram maior impacto com a evasão de alunos, por impossibilidade de adequação de atividade a ser oferecida a distância, refletindo no seu fechamento por falta de recursos para sua manutenção, pois nem mesmo a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho como previsto na Lei 14020/20 possibilitou a continuidade das atividades.

Geralmente são escolas de pequeno e médio porte que atendiam alunos do bairro e imediações de sua localização. A situação é a mesma de norte a sul do país. São milhares de professores desempregados com interrupção das relações trabalhistas conforme matéria publicada em junho/20 pela BBC News Brasil (IDOETA, 2020)[13].

  1. O conflito gerado e a adoção da Mediação de Conflito

Além da evasão, iniciou-se uma discussão em relação de prestação de serviço entre escola e aluno, se estaria protegida pelo Código de Defesa do Consumidor. E é fato que o serviço deixou de ser cumprido como inicialmente contratado.

Dentre as várias interpretações jurídicas que o tema alcança, é inegável que a pandemia gerou uma imprevisibilidade na vida de todos, inclusive nas relações contratuais com as instituições de ensino, decorrente do fechamento das escolas por questões sanitárias determinado pelo Poder Público. Assim, não é possível a aplicação da cláusula pacta sunt servanda[14] em razão da cláusula rebus sic stantibus[15].

Em se tratando de relação de consumo é devida a observância da Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico prevista no inciso V do art. 6º[16] do CDC – Código de Defesa do Consumidor em razão da alteração do modo de cumprimento do contrato, ou seja, de aula presencial para ensino remoto.

Prevê o art. 4º inciso III do CDC e o art. 422 do CCB a aplicação do Princípio da Boa Fé Objetiva[17] em situações de imperativa necessidade de reequilíbrio contratual, o que se aplica a situação que se apresenta.

Poderia discorrer inúmeras posições vantajosas para um lado e para o outro. Mas dificilmente encontraria uma que atendesse os interesses e as necessidades de ambas as partes satisfatoriamente.

De um lado questiona-se o pagamento do valor integral da mensalidade em razão das aulas presenciais estarem suspensas, o que reduziu o gasto em comparação com as aulas presenciais. Do outro, a justificativa de gastos extras com contratação de insumos para as aulas online, treinamento e capacitação dos professores e manutenção da folha de pagamento de todos os colaboradores.

E apesar de muito discutirem, as partes envolvidas, escola e alunos, não conseguiram compor uma solução, ficando ambas ancoradas em suas posições.

Esse retrato se repetiu em todas as regiões do país. Certamente seria uma oportunidade para eleição dos meios adequados de solução em detrimento da beligerância, tendo o diálogo como principal ferramenta para identificar os interesses convergentes e encontrar um ponto de equilíbrio que atenda a ambos, que certamente tem interesse na preservação da relação.

Os Estados entenderam que deveriam regulamentar a relação entre escola e alunos/responsáveis e editaram leis, em sua maioria, determinando um percentual de desconto a partir de um valor base.

No Rio de Janeiro foi publicada no dia 03/06/20 a Lei 8864/20 que trata da redução proporcional das mensalidades escolares na rede privada de ensino.

Além do percentual de redução, 30% (trinta por cento), lei prevê a criação de Mesas de Negociação com o objetivo de analisar as planilhas de receitas e de despesas da instituição e definir, o valor da redução a ser implementado.
As Mesas são formadas com representação paritária de estudantes/responsáveis financeiros, profissionais da educação e proprietários do estabelecimento.

A instituição da Mesa de Negociação é uma oportunidade de mudança de cultura nas relações. Da cultura de barganha para a cultura cooperativa e colaborativa, abandonando posições rígidas e adotando o foco nos interesses dos alunos e da instituição de ensino. E, a partir daí, construir conjuntamente opções que atendam a ambos.
Nesse sentido, a mudança de mindset[18] se faz urgente. O mediador de conflitos é o profissional especializado para atuar de maneira imparcial na solução do conflito, valorizando o protagonismo das partes na gestão de uma solução sustentável.

Vejo como uma oportunidade para implementação da prática da Mediação, possibilitando as partes alcançarem uma solução ganha-ganha-ganha, atendendo aos interesses da escola, do aluno e que reflita de maneira positiva para a sociedade, tratando cada caso com atenção às necessidades individuais.

Em Goiania, foi concedida liminar na Ação Civil Pública em conjunto da Defensoria Pública, Ministério Publico e PROCON Estadual obrigando 50 instituições de ensino a fornecer informações sobre metodologias utilizadas e custos durante o período de suspensão total ou parcial das aula decorrente da pandemia, sendo arbitrada multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em caso de descumprimento[19].

Já em Sobradinho o entendimento foi oposto. Uma ação individual pleiteando redução da mensalidade sob a alegação que o ensino a distância é inferior bem como o material oferecido, com o que discordou a universidade. O entendimento da magistrada foi que, o ensino a distância por sí só não traduz queda da qualidade que justifique o abatimento da mensalidade, sendo mantido o valor cobrado[20].

No Rio de Janeiro, antes da edição da lei, o juízo da Vara Cível do Fórum Regional da Barra da Tijuca[21] concedeu em ação revisional de contrato de prestação de serviços educacionais tutela de urgência para reduzir em 30% a mensalidade cobrada pela instituição de ensino, valendo enquanto a escola permanecer fechada por causa da pandemia do novo coronavírus.

A busca de uma solução pelo judiciário pode trazer decisões contraditórias a depender do juízo que apreciar, gerando maior insegurança e instabilidade nas relações em um momento de fragilidade de todos. Além da morosidade dos processos judiciais em decorrência do volume de demandas, a decisão pode chegar tardiamente, não atendendo as necessidades das partes.

É certo que ambas as partes do contrato foram impactadas pela COVID-19, não podendo ser exigido que somente uma delas suporte o ônus de seus efeitos.

O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro – SINPE/RJ impetrou Mandado de Segurança[22] alegando inconstitucionalidade da Lei 8864/20 ser competência privativa da União editar normas gerais sobre educação e ensino, normas contratuais de Direito Civil e normas de Direito do Trabalho, além da violação da livre iniciativa. Foi concedida liminar desobrigando o cumprimento da supra mencionada Lei. Alega a Assembléia Legislativa a constitucionalidade do desconto em razão da situação de excepcionalidade e temporariedade que vivemos, justificando que os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, o Direito à Vida, à Saúde e a Educação devem ser priorizados em relação ao direito ao lucro.  A Lei Municipal de Juiz de Fora, Lei 14.043/20 também foi objeto de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 720) sob os mesmo argumentos (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2020)[23].

E até a presente data, não há decisão judicial definitiva. Foram propostas Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o STF – Supremo Tribunal Federal em face da Lei do Estado do Rio de Janeiro[24] e de outros Estados da Federação, como Pará, Ceará e Maranhão, todas sem decisão definitiva.

O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica[25] manifestou-se sobre o assunto alertando sobre as cautelas que deverão ser tomadas observando-se o risco de impacto econômico e fechamento das instituições de ensino, aconselhando o Estado a facilitar e a fomentar a negociação privada. A Nota Técnica[26]  seguinte manifestou-se no sentido da criação de câmaras de conciliação, em cada uma das instituições de ensino, para avaliar a condição particular de cada unidade familiar a fim de conceder desconto, devendo a instituição de ensino criar um canal de atendimento direto e específico para essa finalidade”.

Para Melo (2020)[27]deveria haver obrigatoriedade da tentativa de renegociar diante do desequilíbrio contratual nos casos decorrentes da pandemia que favoreça somente uma das partes, e no caso de recusa injustificada, com base nos princípios da boa-fé objetiva, da solidariedade e da função social do contrato, ensejar a possibilidade de pedido de indenização pelo prejudicado. Esse foi seu posicionamento durante o período de discussão da Lei 14.010/20 que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia coronavírus.

Necessário  cautela ao falar em renegociação, para evitar oportunismos em situações em que a manutenção do contrato sofreu abalo, contudo não se tornou impossível de ser cumprido, exigindo-se a boa fé e a transparência das relações.

De toda investigação, entendo que instituições de ensino e alunos/responsáveis conjugam de uma preocupação comum: a manutenção da rede privada de ensino, seja como atividade profissional e econômica, seja como meio de aquisição e promoção de conhecimento e capacitação. Para ambas as partes as restrições impostas pela pandemia geraram instabilidade econômica e emocional, bem como incerteza quanto ao panorama futuro. No entanto foram incapazes de reunirem-se para juntas construírem possibilidades de continuidade da relação baseada na confiança que as aproximou.

Nesse cenário, a intervenção do mediador de conflitos que atua com imparcialidade na facilitação do diálogo entre as partes é aconselhável como a melhor opção para solução do conflito. Nas relações continuadas, onde a preservação dos vínculos é importante, a adoção dos meios consensuais como adequados potencializa os laços e cria soluções eficazes e eficientes para ambas as partes.

Certamente vários interesses convergem e a mediação contribui para a identificação aproximando da consensualidade e desenvolvendo habilidades humanas de persuasão, comunicação, tomada de decisão, flexibilidade e criatividade.

A mediação de conflitos propõe que através da escuta atenta às necessidades e interesses do outro seja possível entender o seu ponto de vista, sua perspectiva e visão do ocorrido e do mundo. Para Almeida (2014)[28] “quando essa possibilidade é alcançada, pode ocorrer o entendimento de uma linha de raciocínio, das motivações que determinaram uma atitude ou postura e até mesmo de valores que embasam uma certa demanda”, é o chamado “visitar o lugar do outro”, ferramenta procedimental da mediação.

Também propõe a transformação dos relatos negativos ou acusações em preocupações, em necessidades desatendidas ou em interesses comuns, identificando valores e temas de interesse dos envolvidos, resgatando a importância de estar atento ao reflexo dos comportamentos e falas.

Assim, diante do cenário de incertezas e vulnerabilidade, a barganha por posições, assemelhando-se a uma queda de braço, leva a perda de ambos, pois se ganha mais quando ambos ganham. E essa é a proposta da mediação. Ambos ganharem a partir da construção de soluções que façam sentido para os envolvidos, motivados pelo diálogo.

Para  Fisher e Ury (2014)[29] é importante que se foque nos interesses e não nas posições, separe as pessoas do problema, crie opções de ganhos mútuos e utilize critérios objetivos para decidir.

  1. Considerações Finais

Após 5 (cinco) meses de mudança da rotina e impactos nas relações jurídicas, o CNJ e os Tribunais Superiores e Estaduais tem orientado no sentido de utilização dos meios consensuais para solução dos conflitos em especial pela mediação.

As Seccionais da OAB, órgão de classe e defensora do exercício da advocacia, em todos os Estados da Federação orientam os profissionais do Direito no mesmo sentido, estimulando a mediação, manifestando a necessidade do advogado conhecer e saber usar os métodos adequados para solução do conflito e não temer perder sua importância e desvalorização profissional.

Precisamos desconstruir o paradigma que só a decisão do judiciário tem exequibilidade. A solução construída pelas partes, por retratar suas necessidades e interesses traduzem intenção ímpar de cumprimento, além de se tronarem protagonistas da própria história, se responsabilizando por seus atos e escolhas.

A escolha pela decisão judicial poderá acarretar situações drásticas com uma onda de demissões de professores e auxiliares da educação, dificuldade de recolocação, falência de instituições de ensino, diminuição da concorrência com concentração do mercado, incapacidade de absorção dos alunos pela rede pública de ensino, enfim uma escalada do conflito que resultará no colapso do sistema privado de ensino.

A pandemia nos levou a refletir valores e o modo como vivemos. O modo como gerimos nossos conflitos também devem ser repensado.

A mediação possibilita que escola e aluno levem em consideração a situação peculiar de cada um, e demonstrada a necessidade e possibilidade financeira, permite que sejam tratados desigualmente os desiguais. Cada conflito deve ser tratado como único, e a mediação proporciona essa identidade com a preservação dos vínculos relacionais.

Através do diálogo a mediação possibilita a discussão de assuntos e modos de pensar diferentes sobre o mesmo tema, e alinha as necessidades dos envolvidos com a  identificação dos pontos convergentes, permitindo a união de forças para alcançar objetivos comuns, aprimorando os resultados.

Assim, se as escolas e alunos não buscarem por si a solução do conflito pelos meios consensuais, é importante que os gestores o faça.

Dentre tantas adversidades trazidas pela pandemia, o incentivo a adoção da mediação como meio célere, adequado e de resultados positivos se traduz em uma visão positiva, atendendo aos anseios de uma sociedade que clama por valores que conduzam a  pacificação social, um dos objetivos do exercício da advocacia. É importante que o advogado saiba trabalhar em meio a uma crise, pois é o momento fértil para que os conflitos surjam, e saiba trabalhar com as novas demandas do mercado e as ferramentas colocadas a sua disposição.

  1. Referências Bibliográficas

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Notas:

[1] Advogada (OAB/RJ 71.780) graduada pela UFRJ, Mediadora de Conflito certificada pelo ICFML (Instituto de Certificação de Mediadores Lusófonos, inscrita no CNJ, MBE em Meio Ambiente, Pós Graduada em Mediação de Conflitos Escolares, Terceiro Setor e Responsabilidade Social, Processo Civil, Direito Público. LLM em Mediação, Gestão e Resolução de Conflitos. Facilitadora de Justiça Restaurativa e Comunicação Não Violenta – CNV

[2] SANTOS, Geni Serrano dos, SERRANO, Olivia. O papel da escola na formação do cidadão. https://www.meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educação/o-papel-escola-na-formacaocidadao.htm Acesso em 15/07/2020

[3] RINALDI, Roberta. A importância da participação da família na escola. https://www.clipescola.com/participacao-da-familia-na-escola/ . Acesso em 15/07/2020

[4] ZOTINI, Ligia. Que educação vamos construir? Revista Você S/A. julho 2020

[5]Ações durante e pós pandemia são necessárias para evitar evasão. http://www.institutounibanco.org.br/conteudo/acoes-durante-e-pos-pandemia-sao-necessarias-para-evitar-evasao/Acesso em 30/06/2020

[6] SOUZA, Sabrina. Escola proporciona aulas através de rádio para estudantes sem internet no interior do Ceará. http://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2020/06/24/escola

-proporcion-aulas-através-de-rádio-para-estudantes-sem-internet-no-interior-do-ceará.ghtml Acesso em 04/07/2020

[7]http://www.portalraizes.com/os-professores-sao-indispensaveis-e-insubstituiveis/ . Acesso em 17/07/2020

[8]http://www.g1.globo.com/educacao/noticia/2020/07/07/pandemia-fara-ensino-a-distancia-ser-necessario-ate-2021-diz-parecer-aprovado-pelo-cne Acesso em 08/07/2020

[9]JARLICHT,Carla. Volta ás aulas presenciais exigirá cuidado com o emocional de alunos e professores. http://www.revistaeducacao.com.br/2020/07/09aulas-emocional-de-alunos/ Acesso em 16/07/2020

[10] A mediação de conflitos escolares promove o diálogo e resolução de desentendimentos dentro de uma instituição de ensino.

[11] ALMEIDA, Tania. Caixa de ferrramentas em mediação: aportes práticos e teóricos. São Paulo. Dash. 2014.

[12] PRANIS, Kay. Processos Circulares. Tradução de Tonia Van Acker. São Paulo. Palas Atenas. 2010.

[13] IDOETA, Adamo, GUIMARÃES, Ligia. Com debandada de alunos, escolas de educação infantil começam a desaparecer na pandemia. http://www.bbc.com/portuguese/brasil. Acesso em 15/07/2020

[14] Princípio que o contrato obriga as partes nos limites da lei

[15] Princípio que os contratantes estão obrigados ao cumprimento do contrato desde que as circunstâncias do momento da contratação se conservem inalteradas no momento da execução contratual.

[16] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: … V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tronem excessivamente onerosas.

[17] Princípio da Boa Fé Objetiva: impõe às partes durante a execução dos contratos, uma atuação pautada nos deveres de honestidade, lealdade e informação.

[18]Mindset: o modo como uma pessoa pensa, o conjunto de ideias, crenças e valores que uma pessoa tem e é responsável pelo seu modelo mental predominante.

[19]Processo nº 5320311.68.2020.8.09.0051 – 27ª Vara Cível

[20] Processo nº 0703515-17.2020.8.07.0006 – 2º Juizado Especial Cível e Criminal de Sobradinho

[21] Processo nº 0009999-29.2020.8.19.0209 – 4ª Vara Cível do Fórum Regional da Barra da Tijuca da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.

[22]  Processo nº 0120089-49.2020.9.19.0001 TJ/RJ – 6ª Vara de Fazenda Pública

[23] Revista Consultor Jurídico de 26/07/2020

[24] ADI 6448 – STF

[25] Nota Técnica nº17/2020/DEE/CADE

[26] Nota Técnica n.º 26/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ

[27] MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Por uma Lei excepcional: o dever de negociar como condição de procedibilidade da Ação de Revisão e Resolução Contratual em tempos de COVID-19. http://www.genjuridico.com.br/2020/04/23acao-de-revisao-contratual-covid-19/. Acesso em 26/06/2020.

[28]  Idem 9

[29]FISHER,Roger. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer concessões/Roger Fisher, William Ury& Bruce Patton; tradução Ricardo Vasques Vieira. 1ª ed. Rio de Janeiro. Salomon. 2014

Palavras Chaves

Meios Consensuais de Solução do Conflito. Gestão do Conflito. Mediação de Conflito. Escola. Aluno