INTERSECCIONALIDADE E SEUS ASPECTOS SOBRE A MULHER NEGRA NO DISTANCIAMENTO AO ACESSO À JUSTIÇA

Resumo

O trabalho a seguir é fruto de consultas, estudos e pesquisas que demonstram, por diversos aspectos e narrativas o apartamento que existe entre o sistema judiciário brasileiro e a mulher negra. Onde a interseccionalidade, como instituto metodológico por tentáculos de opressões sociais, em especiais: classe, raça e gênero, ao se cruzarem impulsionam o comportamento e as decisões da sociedade. Forma que, se em um ambiente majoritariamente composto de pessoas brancas, masculinas, formadas e com privilégios político- econômicos, neste cenário comumente são os juristas (magistrados, promotores, delegados, defensores públicos e advogados), ocupam-se de entendimentos e aceitações limitadas à pessoas de lugar extraordinariamente oposto, predominantemente vítimas de violência, agressões, danos e lesões físicas, morais e materiais; predominados por mulheres negras que estão na base da pirâmide social; desprivilegiadas pelo ataque das opressões, brutais ou sutis, mas que resultam na complexidade destas em acessar a justiça, como forma de proteção e reparo. Por estímulo do racismo que corrobora, desde o colonialismo, a interpretação de superioridade das raças pela cor da pele. Bem como, o sexismo, pela atitude de desqualificação do gênero feminino em frente ao gênero masculino. Estes elementos, conforme os dados expostos a seguir, sem atenção para uma política pública no campo jurídico que integre a interseccionalidade resultam e, assim permanecerá em ausência de justiça às mulheres negras e ou julgamentos equivocados que não considerem os fatos de opressão encruzilhados.

Artigo

INTERSECCIONALIDADE E SEUS ASPECTOS SOBRE A MULHER NEGRA NO DISTANCIAMENTO AO ACESSO À JUSTIÇA

 

Juliana Rodrigues Ferreira1 

 

 RESUMO

O trabalho a seguir é fruto de consultas, estudos e pesquisas que demonstram, por diversos aspectos e narrativas o apartamento que existe entre o sistema judiciário brasileiro e a mulher negra. Onde a interseccionalidade, como instituto metodológico por tentáculos de opressões sociais, em especiais: classe, raça e gênero, ao se cruzarem impulsionam o comportamento e as decisões da sociedade. Forma que, se em um ambiente majoritariamente composto de pessoas brancas, masculinas, formadas e com privilégios político- econômicos, neste cenário comumente são os juristas (magistrados, promotores, delegados, defensores públicos e advogados), ocupam-se de entendimentos e aceitações limitadas à pessoas de lugar extraordinariamente oposto, predominantemente vítimas de violência, agressões, danos e lesões físicas, morais e materiais; predominados por mulheres negras que estão na base da pirâmide social; desprivilegiadas pelo ataque das opressões, brutais  ou sutis, mas que resultam na complexidade destas em acessar a justiça, como forma de proteção e reparo. Por estímulo do racismo que corrobora, desde o colonialismo, a interpretação de superioridade das raças pela cor da pele. Bem como, o sexismo, pela atitude de desqualificação do gênero feminino em frente ao gênero masculino. Estes elementos, conforme os dados expostos a seguir, sem atenção para uma política pública no campo jurídico que integre a interseccionalidade resultam e, assim permanecerá em ausência de justiça às mulheres negras e ou julgamentos equivocados que não considerem os fatos de opressão encruzilhados.

 

Palavras-chave: interseccionalidade, gênero, raça, classe e justiça.

 

INTRODUÇÃO:

A interseccionalidade é uma teoria metodológica de dissociabilidade que expõe a encruzilhada das lutas, principalmente, de classe, raça e gênero; considerando as multiplicidades de perfis; como por exemplo, o feminismo que, sem perder seu objeto precisa explorar as diversidades presentes. Assim, não é possível que a luta seja generalizada ou paute-se apenas na existência do gênero, neste caso.

A existência feminina exibe pluralidades que, uma vez ignoradas produzirá vários efeitos orgânicos comprometedores ao acesso à justiça. Assim, percebemos que os interesses coletivos devem respeitar a interseccionalidade hegemônica, ou seja, como cada fator social cruza-se na existência humana, efetivamente.

O estudo afirma que é importante entender a intersecção pelas formas de opressão, mais comuns, que são: classe, raça e gênero. Não é possível, administrar somente a classe, posteriormente só o racismo e em seguida individualmente o gênero.

Vejamos, ao pesquisar a pirâmide da classe social é inevitável que quanto mais alta, presente está à raça branca, homens e mulheres, seguida dos negros homens e na base por maioria as mulheres. Percebemos que ao mencionar a luta de classe suma é a importância do recorte da raça e do gênero, se assim não for fomentaremos as desigualdades sociais. E os direitos ofertados não serão alcançados pela base.

Diante do ante exposto, interamos a origem da interseccionalidade que nasce em 1989, através de Kimberlé Crenshaw, advogada e professora universitária de Faculdade de Direito nos EUA, a partir da publicação do artigo “Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”, inaugurando o termo interseccionalidade, conforme relato de Carla Akotirene2.

Segundo Akotirene, Crenshaw foi despertada à interseccionalidade ao conhecer a demanda judicial da trabalhadora Ema De Graffenrid, em 1976.

Ema era mulher negra e foi recusada em uma oportunidade de trabalho na fábrica General Motors devido à intersecção entre racismo (negra) e sexismo (mulher).

Por esta razão, ajuizou ação pleiteando reparação à discriminação sofrida. A fábrica ré impugnou afirmando ter funcionários negros e mulheres. A verdade era que os negros eram homens em cargos de montagem e mulheres brancas no setor administrativo. A turma de magistrados, composta por maioria de homens brancos indeferiu o pleito de Ema, entendendo falta de violação de direito da autora3.

 

A MULHER NEGRA E SUAS VULNERABILIDADES

 

Considerando tal acontecimento, voltemos à atenção as pesquisas sobre a vivência da mulher negra, personagem central no lugar de base social. São elas as pessoas mais vulneráveis no movimento da sociedade e onde o acesso à tutela jurisdicional é complexo para salvaguardar sua dignidade e vida.

São as mulheres negras as maiores vítimas de violência, figurando como a maioria nos registros de ocorrência, embora as minorias nos processos judiciais, segundo Observatório Legislativo da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro4. Também, sofrem maiores depreciações no mercado de trabalho, recebendo proventos ínfimos, média de 43%, em relação ao salário dos homens brancos, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)5.

Devemos ressaltar ainda que, os estudos demonstram que mulheres negras são as que mais padecem da violação dos Direitos Humanos, conforme salienta o Dossiê sobre Situação dos Direitos Humanos das Mulheres Negras divulgado em fevereiro de 2017 pelo Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR)6 isso demonstra o quanto precisam da justiça.

Este Dossiê expõe os dados demográficos, que apresentam as desigualdades sociais da mulher negra como:

As mulheres negras representam o principal grupo em situação de pobreza. Somente 26,3% das mulheres negras viviam entre os nãos pobres, enquanto que 52,5% dos homens brancos estavam na mesma condição (IPEA, 2011). A maioria das mulheres negras reside nas regiões com menor acesso a água encanada, esgotamento sanitário e coleta regular de lixo. Por isso, estão mais expostas a fatores patogênicos ambientais e também àqueles fatores  decorrentes de sobrecarga de tarefas de cuidado com o domicílio, o ambiente, com seus residentes e a comunidade, sob condições adversas e sem anteparo de políticas públicas adequadas. E ainda, apresentam risco aumentado de acidentes domésticos, de trajeto e  no ambiente de trabalho.

Outras informações demonstram que 53,6% das famílias chefiadas por mulheres no país são lideradas por mulheres negras (IPEA,2013). Dessas, 63,4% das mulheres negras estão ocupadas no trabalho doméstico (IPEA, 2012), recebendo 86% dos rendimentos das mulheres brancas com a mesma ocupação. As mulheres negras são o principal grupo atuante no mercado informal em 2012, chegando a 46,7% nas seis maiores Regiões Metropolitanas do país (IBGE, PME, agosto de 2012). Em relação ao desemprego, as mulheres negras apresentam as maiores taxas ao longo dos anos e das diferenças.”

Desta forma, em apoio aos estudos manifestados ignorar fatores de “racismo” e “sexismo” de forma interseccional geram desigualdades de justiça social, ampliando o contraste de resultados por ausência de ingressos nos serviços do Estado.

 

O RACISMO COMO VETOR DE JUSTIÇA E IGUALDADE

  Os estudos nos levaram ao entendimento que o racismo, excepcionalmente de forma estrutural é o principal vetor de possibilidades da mulher negra, em sua posição marginalizada de acesso e possibilidade. O intelectual Silvio de Almeida afirma que

“A tese central é a de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma, o que queremos explicitar é que o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. De tal sorte, todas as outras classificações são apenas modos parciais- e, portanto, incompletos- de conceber o racismo.”

Assim, as pesquisas denotam a necessidade de estruturar a interseccionalidade minuciosamente e com urgência, como política identidária que possa, diante dos resultados jurídicos, sociais e políticos sobre a mulher negra buscar as melhores condições em prol de igualdades sociais.

O autor Achille Mbembe7 em sua obra literária sobre necropolítica ostenta a posição de Michel Focault reforçando a compreensão do quanto à autoridade além da condição pública, mas dotada de privilégios, age com segregação por grupos sociais e, estas medidas majoritariamente geram agravo às minorias; nestes grupos o alvo é a base, a mulher negra. Vejamos:

 

“Na formulação de Focault, o biopoder parece funcionar mediante a divisão entre as pessoas que devem viver e as que devem morrer.(…) Esse controle pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos, a subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros. Isso é o que Foucalt rotula com o termo (aparentemente familiar) RACISMO.”

 

A MULHER NEGRA DISTANTE DA JUSTIÇA

 Neste contexto, eis a análise de que com o fato do sistema judiciário ser um local ocupado majoritariamente por homens brancos, ou seja, o pico da pirâmide social, os dados leva-nos a percepção de um ambiente construído por privilegiados em vivências distantes das realidades experimentadas pelos ocupantes da base social, sobretudo as mulheres negras. Dificultando reconhecimento da intersecção na justiça.

A autora, Carla Akotirene aponta sobre a interseccionalidade no sistema jurídico como8:

“No campo jurídico, podemos identificar a exclusão racial por critério de gênero promovido pelo universalismo das políticas públicas relacionadas, o fato de mulheres e meninas negras estarem situadas em pelo menos dois grupos subordinados que, frequentemente, perseguem agendas contraditórias, dando impressão de que todas as violências policiais dilatadas para i sistema penal são contra homens negros. Todas as violências domésticas dilatadas para o encarceramento feminino ou feminicídios são impostas às mulheres brancas.”

Desta forma, com apoio a pesquisa realizada entende-se que a ausência perceptiva em aplicar a metodologia da interseccionalidade em nosso Sistema Judiciário impossibilita ou dificulta a mulher negra em acessar reparo para os seus direitos garantistas ou fundamentais, quando violados.

Esta sistemática, majoritariamente composta por homens brancos, a partir de um histórico colonial, patriarcal e machista apartam da real vulnerabilidade e alimenta o processo do racismo estrutural, uma vez que não entendem os efeitos dos elementos que transpassam e atinge a mulher negra. Ocasionando, seletividade na tutela jurisdicional.

Em andamento aos estudos realizados, os autores e escritores fortalecem a razão do “racismo” e o “sexismo” como algozes, dificultando a mulher negra, em seu lugar delicado, excluindo e marginalizando seu acesso ao judiciário desde o advogado, delegacia, fórum e demais serviços judiciais.

Desta forma, captamos que o racismo é colaborador da escassa compreensão de juristas em aplicar a interseccionalidade como ferramenta de imparcialidade na assistência judicial.

A necessidade do acesso à justiça depende de oferta igualitária, ou seja, a mulher negra precisa ser acolhida em suas necessidades sem que suas características sejam mais importantes que o dano ocorrido, assim como os representantes do Judiciário não arbitre sua soberania como condição de assistência jurídica. O jurista Adilson José Moreira9 questiona o entendimento desta igualdade pelo jurista branco quando exibe que:

“A igualdade formal pressupõe então a aplicação do mesmo procedimento a todas as pessoas para que o ideal democrático da proteção dos direitos individuais possa ser alcançado. Violações de direitos são vistas, dentro dessa perspectiva, como um defeito dentro do processo decisório, ato que desconsidera a necessidade de tratamento igualitário entre todas as pessoas. Devemos entender 

como a doutrina tradicional entende a forma como o intérprete deve analisar casos de ofensa a esse princípio constitucional.”

 

REFLEXÕES FINAIS

 

 

Finalmente, diante de estudos e pesquisas exibidas é cristalino que o abismo social entre o mundo jurídico e a vivência da mulher negra estrutura a falta de consonância as individualidades interseccionalizadas. Razão que evidencia o perigo no crescimento das desigualdades, a omissão ou desconhecimento por parte do Sistema Judiciário dos afetos à mulher negra enquanto posicionada na base da pirâmide social, distante da justiça e seu reconhecimento e proteção. Aguardando a ação de transformação para mudar este cenário em prol de uma justiça de equidade.

 

REFERÊNCIAS

 

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2019.

 

GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA. A situação dos direitos humanos das mulheres negras no Brasil. Disponível em: http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Dossie-Mulheres-Negras-.pdf, Acesso em 25/05/2020.

 

 

IPEA. Mulheres ganham 76% da remuneração dos homens. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3 4627

, Acesso em 25/05/2020.

 

MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: N-1 Edições, 2018.

 

MOREIRA, A. J. Pensando como um negro: ensaio de hermenêutica jurídica. São Paulo: Editora Contracorrente, 2019.

 

OLERJ. As mulheres negras são as maiores vítimas da violência. Disponível em: http://olerj.camara.leg.br/retratos-da-intervencao/as-mulheres- negras-sao-as-maiores-vitimas-da-violencia, Acesso em 25/05/2020.

 

NOTAS:

1 Advogada graduada pela Universidade da Cidade, especializada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes.

2 2019, p 58

3 2019, p 62-63

4 Disponível em: http://olerj.camara.leg.br/retratos-da-intervencao/as-mulheres-negras-sao-as- maiores-vitimas-da-violencia, acesso em 25/05/2020

5 Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34627 ,acesso em 25/05/2020

6 Disponpivel em: http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Dossie-Mulheres-Negras-.pdf, acesso em 25/05/2020

7 2018, p 17

8 2019, p 59-60

9 2019, p 244-245

 

Palavras Chaves

interseccionalidade, gênero, raça, classe e justiça