LIMBO JURÍDICO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM RAZÃO DO INDEFERIMENTO INDEVIDO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA

Resumo

O presente artigo objetiva, através de revisão bibliográfica, abordar aspectos relevantes do chamado Limbo Trabalhista Previdenciário contextualizando a responsabilidade civil do Estado juntamente com a exposição e fragilidade do trabalhador, assim como, a posição do empregador também de forma vulnerável frente à esta questão, devido um ato administrativo do órgão competente.

Artigo

LIMBO JURÍDICO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO: A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM RAZÃO DO INDEFERIMENTO INDEVIDO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA

Gilciane Vieira Lessa de Carvalho[1]

RESUMO

O presente artigo objetiva, através de revisão bibliográfica, abordar aspectos relevantes do chamado Limbo Trabalhista Previdenciário contextualizando a responsabilidade civil do Estado juntamente com a exposição e fragilidade do trabalhador, assim como, a posição do empregador também de forma vulnerável frente à esta questão, devido um ato administrativo do órgão competente.

Palavras-chave: Limbo Trabalhista e Previdenciário; Responsabilidade Civil; Alta Médica; Direito do Trabalho; Direito Previdenciário.

INTRODUÇÃO

 

A presente pesquisa tem por objetivo esclarecer e refletir acerca da Responsabilidade Civil do Estado sobre a relevante e antiga questão do “limbo trabalhista previdenciário”, instituto no qual o trabalhador que tem o requerimento de benefício por incapacidade temporária indeferido ou alta médica pela Previdência Social, devido ser considerado apto para o exercício de suas atividades laborais pelos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social.

O filme “Eu, Daniel Blake”, dirigido por Ken Loach, retrata em seu enredo a enorme saga de um carpinteiro de meia idade que conta com mais de 40 anos de trabalho em busca de benefício previdenciário após ter sofrido um infarto. O médico que o acompanhava durante o tratamento proíbe seu retorno ao trabalho devido ao risco iminente de vida e este trabalhador teve seu primeiro pedido negado pelo órgão previdenciário. Apesar de preencher todos os requisitos necessários para aquisição do benefício, em um momento de extrema fragilidade esse trabalhador se depara com diversas dificuldades, burocracias e um processo bastante moroso imposto pelo Estado para a concessão de seu direito.

O filme remete à reflexão da segregação realizada pelo poder público e vai além da burocracia e descaso do Estado, perpassando pelas questões sociais, políticas públicas e mecanismos de controle social. Durante o enredo pode-se perceber que a morosidade do processo e burocracia fazem com que muitos trabalhadores desistam de requerer seus direitos. Um sujeito antes ativo e produtivo passa a sentir que não tem qualquer valor para o Estado que possui uma estrutura segregadora e excludente onde o órgão responsável pela “Seguridade Social” se torna meio de oprimir e controlar a sociedade.

O enredo demonstra um cidadão em busca por dignidade assim como milhares de segurados da Previdência Social que passam por situação semelhante e se tornam invisíveis e descartáveis para o Estado. Nestes casos, é clara a situação de insegurança jurídica que as partes envolvidas enfrentam, decorrente da divergência de entendimentos, exposição de empregado e empregador e carência de legislação específica. Qual o papel e responsabilidade do Estado e dos empregadores frente a esta situação-problema que a cada dia reforça a vulnerabilidade e hipossuficiência destes trabalhadores?

Ao refletir acerca da situação de extrema vulnerabilidade a qual o trabalhador é exposto, pretende-se abordar acerca da responsabilidade civil do Estado, relacionando-a aos direitos sociais e fundamentais garantidos pela Constituição Federal.

Devido a relevância do tema proposto, esse estudo se justifica pela importância de compreender por que embora preencham os requisitos necessários à concessão do benefício por incapacidade temporária, frequentemente inúmeros trabalhadores têm seu direito negado pelos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social.

Existem muitas pesquisas relacionadas à temática que abordam somente a responsabilidade do empregador, porém, pouco se discute sobre a responsabilidade civil do Estado que deveria atuar nesta relação como um garantidor dos direitos sociais e, que em casos como este através de um ato administrativo fere o princípio da dignidade da pessoa humana.

Estabelecer uma reflexão e debate sobre o tema, visando compreender a situação e os papéis dos atores desta relação, dando um destaque ao papel e responsabilidade do Estado, conceituar o Limbo trabalhista previdenciário nas relações trabalhistas, identificar os aspectos doutrinários e institutos jurídicos relacionados ao problema da pesquisa, argumentar sobre os direitos sociais e fundamentais que estão sendo restringidos a esse trabalhador, abordar as possíveis consequências jurídicas para o empregado exposto ao limbo e empregador, pesquisar leis e projetos de lei que versam sobre a temática e analisar a responsabilidade civil e papel do Estado.

Para abordagem da temática será utilizada a pesquisa qualitativa interdisciplinar tendo em vista que, o tema envolve as disciplinas do Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Direito Administrativo e ainda o Direito Constitucional. Utilizando-se da pesquisa teórico exploratória, a coleta de dados para o estudo será realizada através de pesquisa bibliográfica em livros, teses e artigos científicos relacionados ao tema abordado, além de, levantamento jurisprudencial e doutrinário.

  • BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA

A Seguridade Social é um direito que está previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 194 e traz consigo a ideia de proteção social ao trabalhador. Como pode se observar no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, estão elencados os direitos sociais que tem por objetivo à redução das desigualdades regionais e sociais e, dentre eles a Seguridade social que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à assistência social, à saúde e previdência social. (BRASIL, 1988)

Segundo esclarecem os autores Lazzari e Castro (2017, p. 46),

A Previdência Social é, portanto, o ramo da atuação estatal que visa à proteção de todo indivíduo ocupado numa atividade laborativa remunerada, para proteção dos riscos decorrentes da perda ou redução, permanente ou temporária, das condições de obter seu próprio sustento. Eis a razão pela qual se dá o nome de seguro social ao vínculo estabelecido entre o segurado da Previdência e o ente segurador estatal.

Pode-se afirmar que o benefício por incapacidade temporária se trata de benefício previdenciário conforme disposto no inciso I, do artigo 201 da Constituição Federal de 1988. (BRASIL, 1988)

Apesar da definição constitucional as dificuldades encontradas relacionadas a situação do chamado limbo previdenciário representam uma omissão do ordenamento jurídico brasileiro para estes casos. A carência de legislação específica acarreta uma situação desconfortável para empregadores, empregados e até mesmo para a Previdência Social.

  • DEFINIÇÃO E REQUISITOS PARA CONCESSÃO

O benefício por incapacidade temporária, anteriormente chamado de “auxílio-doença” teve sua nomenclatura alterada recentemente, e está previsto no artigo 59 da Lei 8.2313/91. É um benefício previdenciário destinado aos segurados do Regime Geral de Previdência Social que cumprirem os requisitos de carência e estiverem incapacitados para exercerem suas atividades laborais habituais por mais de 15 dias consecutivos em decorrência de doença relacionada ou não ao trabalho.  Ou seja, conforme dispõe o art. 60 da Lei 8.213/91, em seu parágrafo 3º, os primeiros 15 dias consecutivos ao afastamento por doença, serão remunerados pelo empregador. (BRASIL,1991)

Conforme dispõe a Lei nº 8.213/91, a carência é um dos requisitos para a concessão do benefício previdenciário em questão :

Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.

Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais; (BRASIL, 1991)

Tendo sido constatada a incapacidade do trabalhador por mais de 15 dias, conforme dispõe o parágrafo 4º do art.60 da Lei 8.213/91, a empresa deverá encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social. Acontece que, ao ser encaminhado ao INSS, a realização da perícia para averiguação da incapacidade e deferimento do benefício requerido não ocorre de imediato. Como, por exemplo, se a perícia acontecer num prazo de 2 meses após o requerimento e o benefício seja deferido o segurado receberá do órgão responsável o pagamento desde a data do seu requerimento. (BRASIL, 1991)

Uma das características do benefício por incapacidade temporária é a justamente a temporariedade, conhecida como alta programada, onde o médico perito do INSS faz uma estimativa do prazo que o trabalhador necessita para recuperação da capacidade do trabalho. Esta previsão, ainda que baseada em uma avaliação técnica no momento da perícia, não pode ser considerada absoluta tendo em vista que o médico perito não possui condições de fazer uma estimativa absolutamente exata da recuperação do segurado.

Porquanto o trabalhador pode ou não recuperar a capacidade para o trabalho no prazo previsto pelo perito e, os trabalhadores são diferentes, as doenças e suas consequências são diferentes podendo variar conforme as condições de cada paciente. Ou seja, não existe uma regra. Quando alcançado o fim do prazo estabelecido para o benefício e o trabalhador ainda não está “apto” para realizar suas atividades laborais, este deverá solicitar junto ao INSS a prorrogação do benefício com base no art. 78 do Regulamento da Previdência Social – RPS.

Desta forma, caso o trabalhador não se sinta recuperado para o trabalho de forma suficiente, tem a faculdade de apresentar o Pedido de Prorrogação-PP do benefício (na forma do art. 78, § 2º do Regulamento).

 

 Art. 78.  O auxílio por incapacidade temporária cessa pela recuperação da capacidade para o trabalho, pela concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou, na hipótese de o evento causador da redução da capacidade laborativa ser o mesmo que gerou o auxílio por incapacidade temporária, pela concessão do auxílio acidente.             (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

  • 1º  Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio por incapacidade temporária, judicial ou administrativo, deverá estabelecer o prazo estimado para a duração do benefício.             (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
  • 2º  Caso o prazo concedido para a recuperação se revele insuficiente, o segurado poderá solicitar a sua prorrogação, na forma estabelecida pelo INSS.
  • 3º  A comunicação da concessão do auxílio por incapacidade temporária conterá as informações necessárias ao requerimento de sua prorrogação.             (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
  • 4º  Caso não seja estabelecido o prazo de que trata o § 1º, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio por incapacidade temporária, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação ao INSS, observado o disposto no art. 79.             (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
  • 5º  O segurado que se considerar capaz antes do prazo estabelecido pela Perícia Médica Federal no ato da concessão ou da prorrogação do auxílio por incapacidade temporária somente retornará ao trabalho após nova avaliação médico-pericial.            (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
  • 6º  O segurado poderá desistir do requerimento de prorrogação antes da realização do exame médico-pericial, hipótese em que o benefício será mantido até a data da sua desistência, desde que posterior à data de cessação estabelecida pela Perícia Médica Federal.            (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
  • 7º  O segurado que não concordar com o resultado da avaliação a que se refere o § 1º poderá apresentar, no prazo de trinta dias, recurso da decisão proferida pela Perícia Médica Federal perante o Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, cuja análise médico-pericial, se necessária, será feita por perito médico federal diverso daquele que tenha realizado o exame anterior.            (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020) (BRASIL, 1999)

Diante da negativa do benefício por incapacidade por parte do INSS ou negativa de prorrogação de benefício já concedido, cabe ao requerente incapacitado comprovadamente pelo médico do trabalho (trabalhador segurado), recorrer administrativamente junto ao órgão competente e apresentar suas contrarrazões juntamente com a documentação pertinente para fins de comprovação de sua incapacidade e deferimento do benefício.

Durante este período o trabalhador fica impedido de retornar ao trabalho e tem seu contrato de trabalho suspenso. Diante desta incoerência entre setor médico de saúde ocupacional do empregador e órgão responsável pela Previdência Social, é fato que o trabalhador é a parte integrante mais frágil da relação de trabalho e que enfrenta um vazio financeiro.  Porém, verifica-se também uma situação na qual os empregadores são colocados em situação delicada pois não podem retornar com este empregado às suas atividades.

Não é raro que, muitas vezes, o trabalhador interpõe o recurso administrativo junto ao INSS e este leva muito tempo até ser apreciado e finalmente avaliado pelo órgão responsável. Com isso, o trabalhador que se encontra no denominado “Limbo Trabalhista Previdenciário”, permanece sem recebimento de salário por parte do empregador e sem o recebimento do benefício por parte do INSS. Situação essa que pode levar até mesmo mais de 2 anos e que demonstra a situação de total insegurança jurídica e vulnerabilidade do trabalhador que pode chegar ao estado de miséria.

Segundo Pires (2020, p. 217), apesar da possibilidade da alta programada, a jurisprudência do TST entende que o estabelecimento da cessação de incapacidade laborativa deste trabalhador com base em um prognóstico de estimativa é incompatível aos princípios da seguridade social estabelecidos pela Lei 8.213/91. Pois ainda que o trabalhador solicite o pedido de prorrogação do benefício, este ficará desamparado até a decisão do INSS.

Nesse sentido, por exemplo, decidiu o TRF 3ª Região que “o sistema COPES, instituído, inicialmente, pela DIRBEN 130/05, ao estabelecer a data da cessação da incapacidade laborativa com base em mero prognóstico, apresenta-se incompatível com a Lei 8.213/91 e contraria os princípios da seguridade social. Somente pode ser cessado benefício por incapacidade após a realização de perícia médica que conclua pela recuperação do segurado. Ainda que a citada DIRBEN tenha previsto a possibilidade de o segurado apresentar, perante a autarquia, pedido de reconsideração da alta programada, reputo que tal análise, isto é, persistência ou não de incapacidade, não pode ser atribuída ao cidadão comum, leigo no que tange a critérios técnico-científicos relativos ao profissional afeto à medicina.

Ademais, tal pleito não evita os prejuízos decorrentes da “alta programada”, vez que entre a data da alta e o julgamento do pedido de reconsideração, o segurado fica desamparado”. (PIRES, 2020, p. 217-218)

Além dessa questão de legalidade, a chamada alta programada é ofensiva pois com o pretexto de reduzir tempo de espera e fila por parte dos trabalhadores, acaba agravando de forma desproporcional a situação de vulnerabilidade do segurado e transferindo um problema estrutural do órgão e do Estado para o trabalhador ou seu empregador. Pois, a negativa de um benefício ou cessação deste sem que o trabalhador esteja realmente apto para realizar suas atividades traz consigo a sensação de indiferença, vulnerabilidade e total descaso em um momento em que este mais precisa de um apoio material e psicológico.

Vale destacar também, que conforme regra instituída pela Lei 13.457/2017[2], é permitida a cessação do benefício por incapacidade temporária depois de 120 dias, ainda que tenha sido concedido por decisão judicial onde não tenha sido estipulado um prazo para a duração do benefício. Ou seja, é permitida a cessação do benefício por decurso tempo sem que seja realizada uma perícia médica para verificação da capacidade laborativa deste trabalhador segurado.

Pode-se citar como exemplo, o Recurso de Benefício por Incapacidade de Nº 1657600851, referente ao Número do Benefício 31/613.765.105-7, interposto em 07/04/2017 requerendo a prorrogação de benefício previdenciário por incapacidade temporária cessado em 06/04/2017. Porém, o recurso administrativo somente foi julgado pela 10ª Junta de Recursos do Órgão responsável em 14/01/2021. Isto demonstra uma demora do órgão de quase 4 anos para análise de recurso administrativo e durante todo este período o trabalhador que possui Atestado de Saúde Ocupacional – ASO inapto. Ou seja, que não está apto para exercer suas atividades laborais, fica à margem da sociedade sem qualquer tipo de remuneração por parte da empresa e INSS.

Portanto, para casos como o relatado acima, onde se tem presente a omissão ilegal, o segurado poderá impetrar mandado de segurança com o objetivo de compelir a autarquia a analisar o requerimento administrativo pendente de análise. A falta de análise e decisão do referido requerimento ocasiona a violação de direito líquido e certo e a cada dia que a omissão do Estado se prolonga a lesão causada por um ato administrativo omissivo continua a ocorrer.

Neste caso, o pedido do requerente interessado se refere tão somente à uma manifestação expressa da Administração Pública sobre seu requerimento realizado pela via administrativa. Com a prática do ato administrativo e consequentemente a cessação da omissão do Estado, o requerente poderá então verificar se teve seu requerimento deferido e se neste ato estão presentes os requisitos de validade. Caso entenda que há vício de legalidade poderá requerer a anulação do referido ato.

 

  • LIMBO JURÍDICO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO

Frequentemente nos deparamos com diversos trabalhadores segurados da Previdência Social que são expostos ao limbo trabalhista previdenciário e, com isto, tem seus direitos sociais ceifados de forma injusta e cruel. Este fenômeno jurídico ao qual o trabalhador é exposto, acaba colocando empregado e empregador em situação extremamente delicada. O primeiro por se encontrar sem trabalho e remuneração até que sua situação seja definida e o segundo por correr o risco de ser condenado a arcar com os custos salariais referentes ao período o qual o trabalhador encontra-se no “limbo”.

    • CARACTERIZAÇÃO DO LIMBO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO

O limbo jurídico pode ser compreendido como o período em que o empregador, empregado e INSS discordam no que tange à aptidão do trabalhador para retorno ao trabalho após período de afastamento em gozo de benefício previdenciário.

De acordo com MARTINEZ,

“Limbo” é palavra que provém do latim, limbus, que se pode traduzir como orla, debrum, margem ou franja. Há nesse vocábulo, em sentido jurídico trabalhista/previdenciário, uma clara ideia de posicionamento do trabalhador/segurado num ponto esquecido e não protegido nem pela lei trabalhista nem pela lei previdenciária. A ideia de “esquecimento” provém da concepção católica de limbo, que corresponde a um lugar fora dos limites do céu, no qual se vive de forma esquecida, sem a visão plena da eternidade, privado da visão beatificada de Deus. Dizer que alguém está no “limbo previdenciário”, portanto, equivale afirmar que esta pessoa foi “esquecida” tanto no âmbito da relação trabalhista quanto previdenciária, pois vive uma situação na qual não se arrima nem pelo salário nem por benefício previdenciário. (MARTINEZ, 2018, p. 649, grifo nosso)

Como se trata de um tema omisso por nosso ordenamento jurídico, a doutrina e jurisprudência se consolidaram de forma majoritária de forma que este empregador deverá recolocar o empregado em sua função ou até mesmo readaptá-lo de acordo com suas limitações de saúde e sem redução de salário. Ou seja, de forma a responsabilizar indevidamente o empregador com os custos (salariais, benefícios e tributos) deste colaborador “inapto a exercer suas atividades laborais”.

Vale lembrar que, a decisão do médico perito do INSS que determina a alta e o retorno do empregado ao trabalho afasta a suspensão do contrato de trabalho se sobrepondo ao laudo médico particular ou do médico do trabalho, e consequentemente o contrato de trabalho voltou a gerar seus efeitos.

Após a alta do INSS, no primeiro dia de retorno ao trabalho, este trabalhador deverá realizar o exame de retorno ao trabalho previsto na Norma Regulamentadora nº7 (NR7). Este terá o parecer do médico do trabalho responsável com o resultado “apto” ou “inapto” para o exercício de suas atividades laborais. Ocorre que, são muitos os casos em que o médico da empresa entende que o trabalhador não está apto apesar da alta médica dada pelo médico perito do INSS.

Outro ponto relevante a ser considerado é que, de acordo com a jurisprudência, tendo em vista a comprovação de incapacidade do trabalhador com exame de retorno inapto pelo médico do trabalho responsável, a empresa não “deveria” retornar com este trabalhador em sua folha de pagamento e ao mesmo tempo caso tenha seu benefício julgado indeferido após o trâmite de recurso administrativo e/ou judicial, este empregador poderá ser condenado ao pagamento de todos os salários atrasados desde o requerimento do benefício. Ou seja, decorrente de um ato administrativo que coloca o trabalhador em situação de total vulnerabilidade o empregador será penalizado apesar de ter comprovação da incapacidade do trabalhador. Abaixo algumas ementas que comprovam o posicionamento da jurisprudência quanto a questão:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RETORNO AO TRABALHO APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. RECUSA INJUSTIFICADA DO EMPREGADOR. READAPTAÇÃO. SALÁRIO DO PERÍODO DECORRIDO ENTRE A ALTA MÉDICA E O RETORNO AO TRABALHO. RESPONSABILIDADE. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. A jurisprudência desta Corte vem se consolidando no sentido de que, cessado o benefício previdenciário, há conduta ilícita do empregador em não permitir o retorno do empregado ao trabalho. Precedentes. Desse modo, correta a decisão que deferiu ao autor o pagamento dos salários vencidos e demais verbas a contar da data da alta previdenciária. Incide, portanto, a Súmula nº 333 desta Corte como óbice ao prosseguimento da revista. Agravo não provido” (Ag-AIRR-156-38.2015.5.02.0371, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 13/06/2019) (BRASIL, 2019)

RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014 E DO NOVO CPC (LEI N.º 13.105/2015). IMPASSE ENTRE A PERÍCIA DO INSS E A AVALIAÇÃO MÉDICA DA EMPRESA. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO QUE PERMANECE POR UM PERÍODO SEM RECEBER SALÁRIOS. RESPONSABILIDADEDO EMPREGADOR. O caso dos autos diz respeito à situação em que se configura um impasse entre a avaliação perpetrada pelo perito do INSS, que considera o trabalhador apto ao trabalho, e o perito médico do trabalho, que entende que o empregado não tem condições de voltar a trabalhar. Trata-se de situação que é denominada pela doutrina de” limbo-jurídico-previdenciário “, que se caracteriza por ser um período no qual o empregado deixa de receber o benefício previdenciário, e também não volta a receber os seus salários. A esse respeito, o entendimento predominante no âmbito desta Corte é no sentido de que a responsabilidade pelo pagamento dos salários é do empregador. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e não provido. (RR – 2690-72.2015.5.12.0048 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 08/03/2017, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/03/2017) (BRASIL, 2017)

LIMBO PREVIDENCIÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. É devida indenização por danos morais, quando constatado que o empregador deixa seu empregado desamparado, sem receber salários, vivendo intensa apreensão quanto ao cumprimento da regularidade de suas obrigações, bem como do seu sustento e da sua família. Tal circunstância é suficiente para ensejar sofrimento ensejador de reparação por dano moral. Recurso provido no particular. (Processo: RO – 0000281-22.2017.5.06.0016, Redator: Milton Gouveia da Silva Filho, Data de julgamento: 03/12/2018, Terceira Turma, Data da assinatura: 04/12/2018) (PERNAMBUCO, 2018)

Ocorre que, reiteradamente esta prorrogação solicitada é indeferida e logo este trabalhador ao retornar para a empresa com a decisão de indeferimento da prorrogação solicitada, é encaminhado ao médico do trabalho onde realiza o ASO de retorno ao trabalho e novamente é constatado que ainda não se encontra apto para o trabalho.

Nesse contexto, sendo considerado inapto para realização de suas atividades laborais pelo setor departamento de saúde ocupacional de seu empregador e apto pelo ente responsável pela concessão dos benefícios da Previdência Social, este trabalhador deixa de receber seu salário mensal e o benefício a que teria direito ficando sem qualquer renda justamente em um momento delicado devido à problemas de saúde.

É muito comum que trabalhadores doentes que têm seu direito ao benefício negado, interponham recurso administrativo junto ao órgão responsável e necessitem aguardar muitas vezes o resultado deste recurso por um longo período. Cabe ressaltar que, conforme dispõe a Lei 9.784/99 em seu artigo 59, quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo de 30(trinta) dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente. Este prazo pode ainda ser prorrogado por igual período, ou seja, o INSS poderá levar até 60 dias para decidir sobre o recurso interposto. (BRASIL, 1999)

Segundo PIRES (2020, p. 194), diante de um demora injustificada para decisão ou até mesmo para julgamento de recurso administrativo, o segurado poderá utilizar-se de mandado de segurança de modo a forçar a autoridade administrativa a decidir. Esta possibilidade tem sido admitida pelo Supremo Tribunal Federal e jurisprudência.[3]

Durante este lapso temporal, o empregado tem como uma alternativa a possibilidade de ingressar com ação judicial contra o INSS com o objetivo de reverter o indeferimento do benefício ou alta médica requerendo o restabelecimento do benefício previdenciário tendo em vista que seu estado de saúde ainda não melhorou. Porém, o processo judicial na esfera da Justiça Federal também costuma ser moroso e não garante o benefício.

Já a empresa, caso o médico do trabalho responsável considere que este trabalhador ainda não se encontra apto para retomar suas atividades poderá determinar que o colaborador permaneça em casa sem suspender o pagamento salarial e manter seus benefícios ou determinar uma outra função que não vá comprometer ou agravar seu estado de saúde.

É indiscutível que este ato administrativo coloca empregado e empregador em situação bem delicada. É claro que, nesta relação trabalhista o empregado é a parte mais frágil e vulnerável, porém, não podemos esquecer que tendo a empresa cumprido todas as exigências trabalhistas não deveria ser penalizada e custear o salário do trabalhador “inapto”. Tendo em vista que precisa ainda se preocupar e custear a substituição efetiva deste trabalhador e isto também gera custos para a empresa.

No que tange ao limbo trabalhista previdenciário, situação contraditória e omissa por parte do ordenamento jurídico brasileiro, atualmente tramita o Projeto de Lei – PL 6526/2019 de autoria do Deputado Túlio Gadêlha, com sugestão de inclusão de parágrafo único no art. 476 da CLT para dirimir a discussão da aptidão do empregado pelo INSS e empresa, perante a Justiça do Trabalho. Pois até então, a questão do limbo previdenciário é de competência da Justiça Federal quando o empregado pleiteia a concessão ou restabelecimento do benefício previdenciário e quando necessário demandar por sua reintegração utiliza-se a Justiça do Trabalho.

Portanto, apesar de buscar oferecer uma maior segurança jurídica entre as partes e a celeridade processual respeitando a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho, compulsando o artigo 476 do PL em seu parágrafo único verifica-se claramente a responsabilização do empregador.

Art. 476. ………………………………………………………………………….. Parágrafo único. Em caso de indeferimento ou cessação de um dos benefícios previdenciários previstos na alínea “a” ou na alínea “e” do inciso I do art. 18 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, por conclusão do INSS pela capacidade do segurado para o trabalho, o empregador, ainda que o exame médico realizado por sua conta ateste a inaptidão do empregado para o trabalho, deverá manter o pagamento dos salários, exceto se houver recusa deliberada e injustificada do empregado em assumir a função anteriormente exercida ou aquela para a qual tenha sido readaptado. (NR) (BRASIL,2019)

Temos visto que são inúmeros os casos de trabalhadores que entram nesse limbo e com isso, muitas vezes devido não terem o deferimento do benefício recorrem à justiça do trabalho contra seu empregador para pleitear os salários desde o indeferimento do benefício. São muitos os casos de condenação do empregador neste sentido já que segundo o art.2 da CLT o empregador deve suportar os riscos de sua atividade e respeitar os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art.1º, III e IV, CF/88). Porém, cabe reforçar que este empregador também foi colocado em situação de vulnerabilidade decorrente de uma decisão indevida do INSS a qual não tinha gerência.

Com isso, atualmente muitos empregadores são orientados por seus setores jurídicos a realizar a manutenção salarial destes colaboradores e, em caso de deferimento posterior do benefício, seja na esfera administrativa ou judicial, ingressarem com uma ação regressiva contra o INSS.

Nesse sentido, ratifica PARDO, que “o INSS não pode se eximir da responsabilidade pelo pagamento do benefício pela mera concessão da alta médica antes da hora.” (PARDO, 2018, p. 184)

Portanto, não há ainda um amparo legal quanto a possibilidade de propositura de ação regressiva pelo empregador em face do INSS objetivando a devolução de valores pagos. Porém, o artigo 120 da Lei 8.213/91 dispõe de base legal para que a autarquia ingresse com ação regressiva em face do empregador quando for comprovada a negligência deste relacionada às normas do trabalho.[4]

Sendo assim, segundo PARDO (2018, p. 126) ainda que discorde do retorno deste trabalhador e do parecer do INSS, o empregador deve analisar se existem condições de readaptar este colaborador em outra função, sem que o coloque em risco ou que agrave a doença pela qual está acometido. Caso não seja possível, geralmente os departamentos jurídicos sugerem a este empregador que continue a pagar o salário do empregado e que juntamente a este busque na esfera administrativa e/ou judicial a reversão da decisão previdenciária. E, no caso da obtenção de êxito, a empresa busque o ressarcimento das despesas salariais pagas “indevidamente” para recompor seu prejuízo material. Caso contrário, a responsabilidade permanecerá com este empregador.

Esta sugestão é apenas uma medida que pode ser tomada pelo empregador com o objetivo de minimizar o passivo trabalhista já que a empresa pode também ser condenada por danos morais por não “aceitar” que este trabalhador retorne ao trabalho ou até mesmo por abandoná-lo. Dessa forma, uma possível solução para a questão seria a realização de perícia de forma mais cautelosa e minuciosa, de forma que compreenda as particularidades da doença bem como as reais condições de trabalho deste segurado, além da ampliação da possibilidade de ação regressiva em face do INSS no caso de negligência da autarquia responsável pela concessão e administração dos benefícios previdenciários. Uma alternativa possível para reduzir casos como este seria o investimento por parte do Estado em qualificação dos médicos peritos do INSS a fim de ter uma maior qualidade e eficiência nas avaliações realizadas que norteiam as decisões do órgão referente à concessão, manutenção ou cessação dos benefícios previdenciários.

  • A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ACERCA DO LIMBO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO

O Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia previdenciária federal, pessoa jurídica de direito público, tem importante papel na questão do limbo previdenciário. Pois este é o órgão responsável pela análise e concessão dos benefícios relacionados à previdência social oficial e se enquadra no disposto do artigo 37, §6º, da Constituição Federal.

De acordo com Carvalho Filho (2017, p. 324), o dispositivo em questão consagra a teoria da responsabilidade objetiva do Estado onde não há a necessidade de investigação sobre a culpa do agente para responsabilização do Estado. Portanto, um ato administrativo de um perito do INSS quando provoca prejuízo a terceiro cabe a responsabilização de forma objetiva ainda que não se identifique a culpa do agente representante da autarquia. É importante destacar que, este mesmo dispositivo prevê que a entidade autárquica exerça o direito de regresso contra o servidor que provocou o dado, porém, para tal será necessário comprovar que este agiu com dolo ou culpa.

Cabe ainda ressaltar que José dos Santos Carvalho Filho defende a responsabilização objetiva do Estado, ainda que seja decorrente de simples omissão de um agente.

Para esta corrente minoritária da doutrina,

Acresce notar, por fim, que, mesmo quando presentes os elementos da responsabilidade subjetiva, estarão fatalmente presentes os elementos da responsabilidade objetiva, por ser esta mais abrangente que aquela. De fato, sempre estarão presentes o fato administrativo, o dano e o nexo de causalidade. A única peculiaridade é que, nas condutas omissivas, se exigirá, além do fato administrativo em si, que seja ele calcado na culpa. (CARVALHO FILHO, 2017, p. 381)

No que tange ao limbo previdenciário, a conduta do Estado diante do fato administrativo pode ser comissiva quando o dano advém de uma conduta culposa ou não e neste caso há a presença do fato administrativo juntamente com o dano e o nexo causal. Ou, essa conduta pode ser omissiva de forma que essa “omissão” pode constituir ou não o fato gerador da responsabilidade civil do Estado. No caso da mora nas decisões de recurso administrativo que muitas vezes perduram anos para serem julgados, podemos identificar um “desleixo” por parte da entidade Estatal em cumprir seu dever legal. E, com isto, o segurado fica à margem da sociedade.

Quando lhe incumbe manifestação de caráter comissivo por parte da administração pública e se verificar a inércia por parte do Estado, representa o chamado silêncio administrativo. Ou seja, está presente a conduta omissiva quando o Estado tinha o dever de se manifestar e não o fez. Para Carvalho Filho (2017, p. 378),

O nexo de causalidade é fator de fundamental importância para a atribuição de responsabilidade civil do Estado. O exame supérfluo e apressado de fatos causadores de danos a indivíduos tem levado alguns intérpretes à equivocada conclusão de responsabilidade civil do Estado. Para que se tenha uma análise absolutamente consentânea com o mandamento constitucional, é necessário que se verifique se realmente houve um fato administrativo (ou seja, um fato imputável à Administração), o dano da vítima e a certeza de que o dano proveio efetivamente daquele fato.

Já de acordo com Di Pietro (2019, p. 1473), que adota a teoria da responsabilidade subjetiva, aplicando a teoria da culpa onde o Estado responde em caso de omissão, quando o serviço público deixa de ser prestado, funcione mal ou com atraso, caracterizando a omissão danosa. Ou seja, para esta corrente a responsabilidade que decorre da omissão necessita do dever de agir ou a possibilidade de agir por parte do Estado para evitar o dano.

Com isso, iremos verificar uma menor responsabilização do INSS como uma autarquia da esfera Federal e maior responsabilização do empregador que ora poderá ser uma grande empresa e ora poderá ser um microempresário o que poderá causar um colapso financeiro de algumas empresas. Não se pode pensar em uma solução responsabilizando somente uma parte, para casos como este, os casos deveriam ser analisados cada um com sua particularidade e realizada uma perícia médica de forma a considerar a fragilidade do empregado. Pois há relatos de trabalhadores que se sentem coagidos e constrangidos no momento da perícia médica.

O INSS como órgão responsável pela concessão e administração desses benefícios, deveria tratar estes trabalhadores com maior cautela pois ele já se encontra em uma situação de fragilidade e de total desamparo.

O que ocorre muitas vezes é que, o empregador devido à alta médica do INSS, aceita que este trabalhador retorne ao trabalho e posteriormente realiza sua demissão. Ou seja, na maioria das vezes essa seria uma simples resolução para o empregador, porém, faz-se necessário pensar que devido um ato administrativo que pode ser considerado “ilegal e injusto” esse trabalhador fará parte dos milhares de desempregados indevidamente.

Nessa perspectiva, verifica-se que no entendimento majoritário da jurisprudência e do TST, a responsabilização por esse “limbo” deverá recair tão somente sobre o empregador. Porém, não se percebe um movimento ou questionamentos de forma a responsabilizar o INSS por este “limbo”, pois muitas vezes o indeferimento e a alta médica dada ao trabalhador pelo órgão é seguramente indevida.

Cabe ainda, destacar entendimento minoritário jurisprudencial neste sentido:

AUXÍLIO-DOENÇA INDEFERIDO PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. De acordo com a legislação vigente, não há como repassar ao empregador a responsabilidade pelo pagamento das verbas salariais, e correlatas, como se na ativa estivesse o empregado, durante o período de “limbo” previdenciário, não obstante o indeferimento do benefício pela autarquia previdenciária. (SANTA CATARINA, 2018)

LIMBO PREVIDENCIÁRIO. ÔNUS NÃO ATRIBUÍVEL AO EMPREGADOR. De acordo com a legislação vigente, não há como repassar ao empregador a responsabilidade pelo pagamento das verbas salariais e correlatas, como se na ativa estivesse o empregado, durante o período de “limbo” previdenciário. A manutenção das obrigações contratuais por parte do empregador, com o consequente pagamento dos salários e demais verbas, apenas se cogita caso demonstrada a arbitrariedade na decisão de não aceitar o retorno do empregado às atividades, e desde que o próprio trabalhador se considere apto e não exerça qualquer atitude incompatível com esse entendimento. (SANTA CATARINA, 2020)

Entretanto, diante de hipótese em que se verifique negligência, omissão e/ou dano causados por ato administrativo praticado pelo INSS que coloque o segurado em situação de limbo previdenciário, o Estado deve ser responsabilizado a reparar o dano tendo em vista que o ato em questão caracteriza descaso com a dignidade e sobrevivência do trabalhador segurado.

Não obstante, verifica-se que de acordo com a jurisprudência majoritária a responsabilidade geralmente recai sobre os empregadores sejam eles de pequeno, médio ou grande porte sem distinção, que devem manter salário e benefícios do trabalhador segurado durante o período do limbo previdenciário, ou ainda readaptá-lo em nova função e com isso, isentando a autarquia previdenciária da sua responsabilidade civil decorrente de seu ato.

 

CONCLUSÃO

O presente trabalho, buscou analisar a responsabilidade civil do Estado em razão da situação do limbo previdenciário no qual muitos trabalhadores são expostos. Para tanto, foi necessário abordar o papel da Seguridade Social na vida dos trabalhadores, como um direito humano de segunda geração, bem como um direito social previsto expressamente na Constituição Federal Brasileira,

Diante do exposto, pode-se concluir que, por ora, empregado e empregador atualmente demandam à Justiça pleiteando indenizações em face do INSS decorrente do Limbo Previdenciário. Muitas vezes, apesar de entenderem que este trabalhador não está totalmente “apto”, as empresas aceitam este trabalhador de volta e se este não possuir estabilidade prevista na CLT, posteriormente o dispensam.

Assim significa, que esta seria uma forma mais simples de resolver e ao mesmo tempo severa onde o trabalhador é dispensado quando deveria ser acolhido pelo órgão responsável pela Seguridade e Previdência Social e até mesmo por seu empregador.

Portanto, configura-se um cenário de total desproteção social desse trabalhador e que a cada dia atinge um número maior de trabalhadores que ora passam a figurar neste “limbo” ou passam para a estatística de desempregados do país.

É certo que o Sistema de Seguridade Social Brasileiro tem como pilares a saúde, assistência social e a previdência social. Apesar da solidariedade ser um dos fundamentos da seguridade social, o que se constata atualmente é que este mesmo sistema que deveria “proteger” o trabalhador, o coloca em situação de desproteção, risco e vulnerabilidade.

O agravamento desta situação vem juntamente com a flexibilização das leis trabalhistas que de forma gradativa vem precarizando as relações de trabalho e aumentando o desequilíbrio da relação entre capital e trabalho.

São nítidos e evidentes os prejuízos causados ao trabalhador e o descaso com este por parte do médico perito do INSS seja por ação ou omissão. Agente público este que deveria desempenhar sua função de forma profissional, acolhedora e zelar pela proteção deste trabalhador e de seu ambiente de trabalho. Porém, na maioria das vezes estes peritos realizam seu trabalho de forma automatizada e menos humanitária possível.

Com a responsabilização dos empregadores e diante da total desproteção estatal é necessário avaliar a responsabilidade do Estado frente a esta questão e exigir que preste seu serviço com a competência devida e não deixando o trabalhador à própria sorte. Ou seja, o limbo muitas vezes é causado pela autarquia que deveria ser responsável pelo processo de reabilitação do profissional e proteção do trabalhador.

É notória a situação de insegurança jurídica vivenciada por empregado e empregador causada por ato administrativo de um órgão que deveria tão somente proteger o trabalhador de forma a garantir os direitos destes previstos na Constituição Federal. Por fim, conclui-se que na hipótese de divergência entre o parecer do médico perito do INSS e o médico do trabalho, a jurisprudência tende a apontar para a veracidade e presunção de legitimidade do parecer da autarquia previdenciária ainda que este seja indevido. Cabe uma reflexão mais abrangente, acerca dos princípios e direitos constitucionais deste trabalhador desprotegido e da atuação ineficaz do órgão responsável pela administração dos benefícios previdenciários e seguridade social.

De todo modo, é importante ressaltar que é inaceitável a demora ou negativa indevida do benefício por incapacidade temporária, pois impõe o trabalhador segurado à ausência de recursos materiais, insegurança jurídica e a uma fragilidade psicológica tendo em vista que, este apesar de ter contribuído para a previdência social se vê em uma situação de incerteza e extrema pobreza.

LABOR SOCIAL SECURITY LIMBO: THE STATE CIVIL LIABILITY ABOUT THE UNDUE DENIAL OF THE BENEFIT BY TEMPORAY INCAPACITY

ABSTRACT

This article highlights, through the bibliography review, approach relevant  aspects of the so called  Labor Social Security Limbo contextualizing the state civil liability within  the employee  exhibition and fragility, as well, the position of the employer in a vulnerable way at the forefront to this problematic, due to an administrative act of the competent body.

Key words: Limbo pension labor Legislation and  social security benefit; Social security responsibility; Labour Law; Security Law.

 

 

 

REFERÊNCIAS

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GLOSSÁRIO

ASO………… Atestado de Saúde Ocupacional

CF…………… Constituição Federal

CLT…………. Consolidação das Leis Trabalho

INSS………… Instituto Nacional do Seguro Social

NR…………… Norma Regulamentadora

PL……………. Projeto de Lei

PP…………… Pedido de Prorrogação

RPS ………… Regulamento da Previdência Social

SUS…………. Sistema Único de Saúde

TST…………. Tribunal Superior do Trabalho

[1] Advogada, formada pela Universidade Iguaçu – UNIG, tendo sido estagiária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ e Pós-graduanda em Direito da Seguridade Social – Previdenciário e Prática Previd.pela Faculdade Legale. Assistente Social formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC RIO. Pós-Graduada em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Há 17 anos atuando na área de Recursos Humanos e Dep. Pessoal de empresas privadas do ramo Offshore. E-mail: [email protected]

[2]   § 4º  Caso não seja estabelecido o prazo de que trata o § 1º, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio por incapacidade temporária, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação ao INSS, observado o disposto no art. 79.             (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

[3] EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ADMINISTRATIVO. INÉRCIA DA AUTORIDADE COATORA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA RAZOÁVEL. OMISSÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA. A inércia da autoridade coatora em apreciar recurso administrativo regularmente apresentado, sem justificativa razoável, configura omissão impugnável pela via do mandado de segurança. Ordem parcialmente concedida, para que seja fixado o prazo de 30 dias para a apreciação do recurso administrativo.
(MS 24167, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/2006, DJ 02-02-2007 PP-00075

[4] Art. 120.  A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de:   (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

I – negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva; (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

 

Palavras Chaves

Limbo Trabalhista e Previdenciário; Responsabilidade Civil; Alta Médica; Direito do Trabalho; Direito Previdenciário.