MEDIAÇÃO COMO ESTILO DE VIDA – O conceito de mediação e sua aplicabilidade

Resumo

Este texto visa demonstrar como a mediação pode ser utilizada e inserida como filosofia de vida numa sociedade. Filosofia esta capaz de gerar, desde pequenas mudanças comportamentais no cotidiano de convivência íntima e interpessoal, até grandes transformações e soluções em conflitos mais complexos. Partindo da premissa de que todo ser humano é mutável em sua evolução, deve-se, a partir da quebra de paradigmas, realizar aquilo que possibilita uma sociedade solucionar suas próprias questões e conflitos de forma harmônica, consensual e colaborativa. Parece utópico, nos modelos sociais atuais, que a mediação seja utilizada por todos como estilo de vida. Mas a tendência é que, nas futuras gerações, esse instituto esteja tão inserido na solução de conflitos que a realidade cultural de pacificação social passará a ser praticada de forma tão natural como uma filosofia de vida.

Artigo

 MEDIAÇÃO COMO ESTILO DE VIDA

O conceito de mediação e sua aplicabilidade

 

                                CLÁUDIA MARIA BUAINAIN B DE PAULA*

 

RESUMO

Este texto visa demonstrar como a mediação pode ser utilizada e inserida como filosofia de vida numa sociedade. Filosofia esta capaz de gerar, desde pequenas mudanças comportamentais no cotidiano de convivência íntima e interpessoal, até grandes transformações e soluções em conflitos mais complexos. Partindo da premissa de que todo ser humano é mutável em sua evolução, deve-se, a partir da quebra de paradigmas, realizar aquilo que possibilita uma sociedade solucionar suas próprias questões e conflitos de forma harmônica, consensual e colaborativa. Parece utópico, nos modelos sociais atuais, que a mediação seja utilizada por todos como estilo de vida. Mas a tendência é que, nas futuras gerações, esse instituto esteja tão inserido na solução de conflitos que a realidade cultural de pacificação social passará a ser praticada de forma tão natural como uma filosofia de vida.

Palavras-chaves: Mediação de Conflitos, Empatia, Comunicação não-violenta, Quebra de Paradigmas, Escuta Ativa.

*Advogada Consensual e Mediadora de Conflitos, estudou na Universidade Cândido Mendes, Ipanema e no Curso Preparatório para Carreira da Magistratura, EMERJ. Adepta dos meios adequados de resolução de conflito estudou Arbitragem e Mediação Privada na FGV, Conciliação na ESAJ e Mediação Judicial pela EMERJ. Foi Conciliadora na 1ª Vara de Família da Capital do TJRJ, IV Juizado Especial Criminal do Leblon e Mediadora Judicial do TJRJ.

 INTRODUÇÃO

A mediação, entre outros métodos, é adequadamente voltada à Resolução de Conflitos (RAD). Na mediação existe a figura de um terceiro, o mediador, necessariamente neutro e imparcial, facilitador da comunicação entre os mediados.

A mediação é uma oportunidade valiosa de restabelecimento da comunicação entre os mediados. Em razão disso, o método vem ganhando muito espaço e visibilidade social. Eficaz e econômico, vem sendo usado, tanto em situações da vida cotidiana, quanto no mundo jurídico, mesmo para solucionar questões mais complexas.

Como funciona a mediação na prática? No procedimento, o mediador funciona como um canal, um fio condutor da comunicação entre as pessoas presentes nas suas sessões. Ele é quem viabiliza e auxilia na identificação de interesses convergentes dos mediados. Apesar de estarem em conflito com posições divergentes, eles, ao longo das sessões de mediação, passam   a perceber que possuem, na verdade, interesses (valores) comuns ou convergentes. Assim, devidamente empoderados, passam a criar opções que favoreçam a solução do conflito de forma cooperada e personalizada, a qual deve ser satisfatória para ambos, como num sistema ganha-ganha.

O PROPÓSITO DO SURGIMENTO DA MEDIAÇÃO

A mediação surgiu a partir da necessidade de a sociedade buscar formas alternativas de solucionar e dirimir conflitos.

A mediação não é um instituto novo. A sua utilização, datada de 3.000 a.C, já ocorria na Antiguidade entre muitos povos, entre eles, os gregos, egípcios e babilônios, os quais empregavam seus procedimentos para solucionar diversos tipos de conflito. Desde então, a mediação vem sendo utilizada por diferentes culturas na busca de um instituto e um procedimento para pôr fim a certos anseios sociais.

A mediação é um dos métodos alternativos ao processo judiciário. Hoje são chamados de métodos adequados, ao invés de alternativos. Para algumas culturas esses métodos, na realidade, são uma verdadeira filosofia de vida.

Hoje muitos países utilizam o instrumento da mediação, inclusive o Brasil, cujo surgimento se deu a partir da década de 1970.

Outros instrumentos que compõem o chamado RAD (Resolução Adequada de Disputas) são necessários para conter o grande número de processos que se avoluma no Poder Judiciário. São os novos caminhos, os novos rumos, a fim de atingir a tão sonhada felicidade e paz social.

A difusão dessa filosofia alternativa da solução de conflitos é absolutamente imprescindível na sociedade atual para evitar certas demandas judiciais, por vezes desnecessárias, constituindo verdadeira mudança de mentalidade de vida em sociedades.

Parece utópica essa inserção da mediação nas nossas vidas, mas a sociedade a utiliza, no dia a dia, mais do que imagina esse valioso instituto de dissolução de conflitos sociais. Hoje podemos observar a sua adoção nas mais diversas áreas, tais como, em escolas, em condomínios, em questões ligadas à defesa do meio-ambiente, no comércio, na família etc.

 PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO

Dentre muitos princípios da mediação, podemos destacar alguns fundamentais como:

  • Princípio da Autonomia da Vontade: este é um dos mais basilares do procedimento mediador, sem o que não há que se falar em mediação, vez que as partes têm a ele que aderir para a solução de seus conflitos de forma cooperada e voluntária.
  • Princípio da Imparcialidade e Neutralidade do Mediador: como um princípio basilar, ele impõe que o mediador se obrigue a se manter neutro e imparcial para que se dê o equilíbrio entre os mediados, não podendo tecer quaisquer juízos de valor ao longo do procedimento da mediação e devendo se despir de quaisquer preconceitos sobre a questão apresentada.
  • Princípio da Confidencialidade: este é o princípio do sigilo. Princípio esse, fundamental para garantir a confiança dos mediados em relação ao mediador e ao próprio instituto da mediação.

Sendo assim, pode-se complementar dizendo que o papel do mediador é o de um terceiro participante do procedimento, sendo imparcial, neutro, confiável e facilitador da comunicação entre os mediados.

Isto posto, vale acentuar que é muito importante a questão da ética do mediador. Devem ser observados todos os parâmetros legais e morais que norteiam a atuação e a preservação da confiabilidade deste profissional. Principalmente no que tange ao mediador-advogado. Não pode ele advogar no mesmo Centro de Mediação em que atue como mediador. Isto resultaria num abalo ético significativo em todo o processo de construção da confiança, entre os mediados, o mediador e o instituto da mediação.

A mediação pode ser facilitativa ou avaliativa. Nossos tribunais e a legislação brasileira adotaram a forma facilitativa, vide legislação pertinente em nosso país, tais como, a Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, a Constituição da República de 1988 e as leis nº 13.105/2015 do NCPC e nº 13.140/2015 (Lei da Mediação).

O CONFLITO NÃO É ALGO IMUTÁVEL

Partindo da premissa de que o ser humano tem um comportamento algo mutável e dinâmico, e que não nasceu para viver só, é possível que ele estabeleça uma percepção capaz, então, de realizar mudanças significativas em seu comportamento e passar a enxergar o conflito com uma conotação positiva.

Essas mudanças lhe possibilitam achar opções para solucionar seus próprios conflitos sem a necessidade de recorrer a um terceiro imparcial, como um juiz, para dizer como deve agir.

Empoderados e cientes de que possuem capacidade de decisão, os mediados passam a ter a percepção real do problema e a certeza de que possuem qualidades suficientes para cooperarem entre si e, juntos, buscarem uma decisão e solução para seu caso conflitivo.

O conflito pode ser analisado a partir da dissonância entre a estratégia utilizada pelos mediados para atingirem as suas necessidades e seus reais interesses.

Conforme já mencionado neste texto, tirar os mediados das suas posições iniciais e identificar os seus interesses é função do mediador.

O mediador também tem o dever de propiciar um ambiente acolhedor e harmônico, chamado de rapport, pois é desse ambiente que surge a possibilidade do restabelecimento do vínculo de confiança entre os mediados.

Nas sessões de mediação é importante que os mediados consigam, de forma gradual, separar a pessoa do problema. Ou seja, os mediados começam a dissolver mal-entendidos através da chamada escuta ativa.

A escuta ativa é uma ferramenta utilizada para uma escuta atenta e voltada para dirimir conflitos, de forma que, ao prestar sua narrativa, um dos mediados vai contando sua versão da história e, o outro, escutando em silêncio. Dessa maneira, o mediado que está falando vai liberando a carga emocional que o estava sufocando e, o outro, em silêncio e focado, vai começando a perceber o ponto de vista daquele e o que o levou a agir de determinada forma e vice-versa.

Tendo como parâmetro que todo ser humano foi feito para viver em sociedade e, partindo da premissa de que todos têm interesses fundamentais básicos comuns, o que conduz, então, à geração de tantos conflitos?

            Essencialmente e de forma resumida, é a maneira com a qual eles estrategicamente se posicionam e se utilizam para atingirem suas necessidades e seus interesses, mesmo os que são comuns.

A chamada comunicação não-violenta, desenvolvida por Marshall Rosemberg e estudada e difundida por muitos adeptos mundo afora, traz uma distinção fundamental entre necessidades e estratégias (pesquisa realizada a partir do site http://pt.mwikipedia.org ).

A necessidade de se estabelecer uma conexão empática com o outro, se conectar verdadeiramente com os sentimentos do outro, é chamada de empatia.

Como na visão do psicanalista americano Carl Rogers, Da Empatia à Compreensão Empática: evolução do conceito de pensamento, pesquisa realizada no http://portaleducação.com.br e no site https://pt.scribd.com , escutar o outro atentamente e se posicionar nos olhos do outro faz também com que os mediados percebam e entendam os pontos de vista diferentes e se identifiquem.

Num conflito os mediados têm muitas vezes os mesmos interesses e as mesmas necessidades, mas não enxergam isso porque há uma grande carga emocional envolvida na questão causadora do grande abalo na comunicação entre eles. Por isso, é importante separar a pessoa do problema.

PRINCIPAIS MODELOS DE MEDIAÇÃO

O Modelo Negocial, Linear ou Acordista, de Harvard, surgiu na década de 1970. Joseph Folger foi um mediador linear durante muito tempo. Porém, ele passou a questionar esse modelo e, num segundo momento, vislumbrou a necessidade de transformar as relações humanas.

            A mediação no Modelo Linear é muito utilizada para celebrar acordos entre os mediados. Esse modelo se encaixa bem em questões que envolvem Direito Empresarial e Direito do Consumidor.

O segundo mais usado é o Modelo Transformativo. Ele surgiu a partir da necessidade de se ir mais longe, além da celebração final de um acordo. Ou seja, surgiu da necessidade de transformação comportamental do ser humano na vida em sociedade. Esse modelo é muito utilizado em relações continuadas, principalmente em Direito de Família onde há a necessidade de se restabelecer um diálogo entre os mediados. Por ser, como o próprio nome já diz, relação continuada, os mediados devem perceber que é preciso cooperar entre si para achar uma solução boa para todos. A solução boa para todos possui um escopo e um fundamento de menos competitividade e mais cooperação entre os envolvidos. Todos saem ganhando, segundo o famoso ganha-ganha. Consequentemente, deixa menos ressentimentos e traz maior harmonia e conforto para as relações. Esses conflitos possuem uma carga emocional mais intensificada.

Já o Modelo Circular Narrativo surgiu na década de 1980–1982 nos E.U.A. Possui uma especialidade no que tange maior grau de interatividade entre os mediados e outros indivíduos envolvidos na questão, como família, sociedade, comunidade, governo ou até grupos específicos. Sendo assim, há uma corresponsabilização dos mediados e o envolvimento de outras pessoas que não são só vítimas e agressores. Esse modelo possui um ritual próprio em suas sessões de mediação, originário dos aborígenes dos E.U.A. e Canadá. Como exemplo, possui um bastão da fala. Possui também aspectos de formação e de conexão mais profunda entre os envolvidos a fim de buscar uma solução efetiva.

CONCLUSÃO

           Qual a contribuição que a mediação traz para a nossa vida?

Numa visão empírica, de convicção íntima, a mediação traz grande reflexão e mudanças comportamentais na vida em sociedade, a que chamamos de quebra de paradigmas.

A mediação não é somente um instituto eficaz na solução de um conflito, mas, sim, um verdadeiro estilo de vida.

É, sem dúvida, uma oportunidade ímpar de se gerar acordos personalizados de solução de conflitos, de restabelecer a paz e de alcançar objetivos, bens, harmonia e felicidade social.

Seus princípios podem ser observados em muitos comportamentos e atitudes que envolvem o ser humano em sociedade. A começar com a necessidade do seu resgate ético e moral. Não precisaríamos de tantas leis no mundo, se preceitos básicos como a ética e a moral fossem culturalmente mais enraizados na sociedade.

Quando pensamos em mediação, na maior parte das vezes analisamos somente o instituto como instrumento capaz e eficaz de solução de conflito. Mas a mediação é muito mais profunda. Possui ensinamentos sábios que devem ser utilizados no cotidiano como forma de amenizar e até de se evitar prolongamento dos conflitos.

Ao estabelecer uma verdadeira conexão empática com o próximo, através da ferramenta da escuta ativa, acima já mencionada, fazemos com que o outro se sinta amparado. Então realmente entendemos o que o outro quer dizer e o que efetivamente deseja e assim evitamos muitos mal-entendidos.

Todos nós vivemos conflitos internos e externos no dia-a-dia. Fazer com que esses conflitos não se tornem permanentes é um verdadeiro desafio. Não se pode pretender que todos os conflitos desapareçam. Isso é uma verdadeira utopia.

Mas podemos, através da comunicação certa, evitar muitos ruídos. Comparo hoje a comunicação dos indivíduos com uma grande buzina que atrapalha o ouvido cortando a narrativa do outro e a sua capacidade de percepção da situação.

Diminuir o ritmo, não julgar precipitadamente uma situação e principalmente respeitar as diferenças entre os seres humanos é condição sine qua non de vida em sociedade que deve ser praticada.

Porém, nem todos os conflitos podem ser encarados de forma negativa ou passiva. Alguns, se evitados, se tornam verdadeiras bombas-relógio prontas a explodir de alguma forma ou em algum determinado momento. Algumas questões devem ser realmente resolvidas a fundo quando necessárias e é fato que outras nem deveriam existir. Mas, se existem, é porque nos descuidamos de olhar o próximo despido de nossos paradigmas e o avaliamos a todo o tempo com o nosso juízo de valor. Resgatar a comunicação com o próximo deve ser um exercício obrigatório diário. Da mesma forma que o não pré-julgamento deve ser praticado. Diante dessa distante estranha forma como hoje nos comunicamos e vivemos, a sociedade passou a ter que recorrer a um terceiro facilitador da comunicação.

Incrível como evoluímos por um lado na comunicação e ao mesmo tempo perdemos a capacidade de olhar atentamente para o outro. Derrubar as barreiras individuais que criaram um abismo social e muros individuais é essencial para restabelecer novamente os vínculos afetivos e de convivência social.

Depois de ter contato com esse instituto e as suas diversas ferramentas, sou absolutamente adepta e estou realmente convencida de que muitas são as formas de solução dos conflitos além da tradicional sentença do Poder Judiciário.

            Adotar a mediação como estilo de vida e o bom senso é o melhor caminho para a justiça. Basta querer. E querer é poder. Vamos mediar?!

Referências Bibliográficas:

ROGERS, Carl.  Da Empatia à Compreensão Empática: evolução do conceito de pensamento. Disponível em: <http://portaleducação.com.br>. e também no site   <https://pt.scribd.com > Acesso em 2017.

ROSEMBERG, Marshall. Comunicação não-violenta. Pesquisa realizada a partir do site <http://pt.mwikipedia.org >. Acesso em: 2017.

Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça.

Constituição da República de 1988.

Lei nº 13.105/2015 do NCPC.

Lei da Mediação nº 13.140/2015.

Palavras Chaves

Mediação de Conflitos, Empatia, Comunicação não-violenta, Quebra de Paradigmas, Escuta Ativa