MEDIAÇÃO EM EMPRESAS FAMILIARES

Resumo

Este estudo tem como objetivo mostrar de forma clara e fácil para o leitor, o benefício da mediação para as empresas familiares que não definiram a continuidade da empresa. Cargos e posições dentro de uma empresa familiar devem ser definidos preferencialmente antes da sucessão hereditária, ou seja, antes do falecimento dos fundadores desta empresa. Nos dias de hoje, encontraremos a figura do mediador que auxiliará as partes nesta transição, juntamente com a colaboração direta dos advogados das partes.

Abstract

Transference of ownership and responsibilities may present tumultuous discussion between stakeholders when an estate’s administration has not been clearly defined with a proper will. This article will examine the role of mediation and its guidance during trust disputes.

Keywords: family businesses, trust dispute, estate planning, mediation.

Artigo

MEDIAÇÃO EM EMPRESAS FAMILIARES

  

Cristina Maria Andreotti1

 

RESUMO

Este estudo tem como objetivo mostrar de forma clara e fácil para o leitor, o benefício da mediação para as empresas familiares que não definiram a continuidade da empresa. Cargos e posições dentro de uma empresa familiar devem ser definidos preferencialmente antes da sucessão hereditária, ou seja, antes do falecimento dos fundadores desta empresa. Nos dias de hoje, encontraremos a figura do mediador que auxiliará as partes nesta transição, juntamente com a colaboração direta dos advogados das partes.

Palavras-chave: empresas familiares, famílias empresárias, sucessão hereditária, mediação.

ABSTRACT

Transference of ownership and responsibilities may present tumultuous discussion between stakeholders when an estate’s administration has not been clearly defined with a proper will. This article will examine the role of mediation and its guidance during trust disputes.

Keywords: family businesses, trust dispute, estate planning, mediation.

  • EMPRESAS FAMILIARES E A MEDIAÇÃO

  

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informa que 65% do produto interno brasileiro é representado por empresas com perfil familiar (SAMPAIO). Comecemos pela definição e distinção de empresas familiares e famílias empresárias.

A família empresária já se encontra pronta e com suas obrigações definidas, vez que seus familiares e sócios sabem quais as regras e responsabilidades que deverão seguir, pois empresarialmente já se encontram estruturadas.

Na empresa familiar ainda não há um profissionalismo estruturado, planejado ou implementado. Preparar o momento da passagem do comando da empresa é tão importante quanto à definição dos seus sucessores.

As características das empresas familiares em sua primeira fase de vida são determinadas pela personalidade dos fundadores, que geralmente são tradicionalistas e conservadores. Esta fase inicial é baseada em três aspectos: estratégia, cultura e valores de gerenciamento do patrimônio (GERSICK, 1997).

Segundo pesquisa apresentada em 2018 pela PwC – PricewaterhouseCoopers, empresa global de pesquisa e auditoria, 44% das empresas familiares não possuem plano de sucessão (SAMPAIO). Os dados apontados refletem que estas empresas não estão preparadas para isso e correm o risco inclusive de perderem o rumo de seus negócios. Tem-se notícia de que apenas 12% destas empresas familiares conseguem chegar à terceira geração e dar continuidade ao seu negócio.

É natural que a primeira geração da empresa não saiba como abordar esta sucessão tendo em vista que nunca passou por isso. O fundador evita essa passagem do comando, não só por desconfiança do desconhecido, de ideias novas que estão sendo colocadas na mesa, do novo comando que está por vir, da nova reestruturação daquele modelo que ele idealizou como certo para sua empresa, mas por se achar insubstituível e imprescindível para a continuidade da empresa.

Estima-se que a média histórica mundial de empresas familiares que sobreviveram até a terceira geração atinja, no máximo, 10%, pois, além dos desafios enfrentados por qualquer tipo de empresa, as familiares enfrentam também as dificuldades trazidas pela interação entre a família e os negócios. (LETHBRIDGE, 1997)

Ainda, o que dizer quando esta empresa tem em seus herdeiros naturais filhos, noras, genros? Quem sucede? Existe competição nessa fase sucessória? Os mesmos sócios são os próprios membros da mesma família e às vezes estes membros não conseguem separar o histórico familiar. As pessoas dentro de uma família são educadas para serem irmãos e não sócios.

Pelos dados levantados pela empresa de auditoria acima citada, 72,4% das empresas familiares não possuem uma sucessão definida para os cargos principais ligados à diretoria, presidência ou mesmo gestão. (SAMPAIO)

Vislumbra-se neste contexto e pelos dados apresentados a necessidade de que estas empresas familiares desenhem um plano de sucessão definindo os cargos de maior importância para o equilíbrio e para a saúde financeira da mesma.

Mas cabe aqui uma pergunta muito importante e necessária: a segunda, terceira e quarta geração têm interesse em dar continuidade ao negócio familiar? Podemos afirmar com segurança que muitos herdeiros não querem receber esta herança e tão pouco participar do negócio familiar. Por outro lado, encontramos também a disputa entre os herdeiros na ocupação dos cargos seletivos.

Nas empresas onde existe um alinhamento prévio e a vontade de dar continuidade ao negócio familiar, a sucessão pode ser mais eficiente, a exemplo das famílias empresariais.

Até a década de 50, a empresa familiar brasileira teve presença absoluta em praticamente todos os setores e segmentos da economia nacional, desde atividade agrícola até o sistema financeiro, passando pela indústria têxtil, de alimentação, de serviços e de meios de comunicação.

A partir deste momento inicia-se um projeto de desenvolvimento e modernização nacional, essas empresas passam a dividir seus espaços com empresas multinacionais e estatais. Para ser considerada multinacional ou transnacional, é necessário que 10% do seu capital estejam investidos em uma filial estrangeira. A maioria das empresas multinacionais são empresas de grande porte, sediadas em países desenvolvidos como Estados Unidos da America, Japão, e outros, sendo que suas filiais são instaladas principalmente em países emergentes (mão de obra barata).

Existe o momento certo nas empresas familiares em que o fundador tem que rever a condução da empresa, enxergar a necessidade de modernização, buscar novos sócios ou parceiros, principalmente se a própria família não quiser dar continuidade.

Outra ferramenta necessária: o Seguro de Vida como mecanismo de planejamento sucessório em empresas familiares. Vem sendo muito utilizado, pois na ocorrência de alguma eventualidade, como o falecimento inesperado de um sócio, por exemplo, a sucessão em uma empresa familiar será bem-sucedida. Em uma situação desta natureza, quando há falta de liquidez para se comprar a parte do sócio falecido, o seguro sucessório beneficia a todos, pois traz liquidez imediata.

O problema, portanto, não é para quem faleceu, e sim para os que ficaram. Mais uma vez o assunto se repete: os herdeiros desejam realmente dar continuidade à empresa familiar? Possuem a mesma ideia do seu fundador?

O que se tem notícia é que a geração atual destes herdeiros não irá ocupar o cargo do pai, isto porque, dos anos 80 em diante, estes herdeiros têm a oportunidade de estudar, de se profissionalizar em outro ramo que não aquela da empresa do próprio pai.

Nos Estados Unidos, desde 1932, este instrumento jurídico, ou seja, apólice de seguro sucessória vem sendo amplamente utilizada, vez que a pessoa jurídica, no caso a empresa familiar, é a única beneficiária, pois a pessoa física tem limitação de vida enquanto a pessoa jurídica viverá para sempre.

Afirma-se com tranquilidade que qualquer CNPJ deveria pensar na contratação de uma apólice de seguro de vida visando sua sucessão, sua continuidade, tendo em vista que os artigos do nosso Código Civil são extremamente severos com relação à dissolução de empresas, seja por falecimento de sócio, ou outro motivo.

Outro benefício que devemos destacar é que este seguro de vida não é considerado herança, não haverá incidência de ITCMD (Imposto sobre Causa Mortis e Doações de quaisquer bens ou direitos), não incidirão custas judiciais ou mesmo honorários advocatícios, e havendo dívidas na empresa, estas poderão ser quitadas de imediato.

Melo (2019) nos diz que:

A apólice garante que, na ausência do fundador do negócio, por qualquer motivo, os proventos da empresa tenham dois caminhos: a de liberar uma receita para a família do sócio que se ausentou e que a empresa tenha capital suficiente para buscar um talento no mercado a peso de ouro, para que possa trabalhar como o fundador trabalhou.

Não é fácil ser herdeiro, não é fácil ocupar o cargo de sucessor e quando esta herança é recebida contra vontade, ela gera um desconforto enorme.

A falta de comunicação entre os membros da empresa familiar representa, na maioria das instâncias, o maior risco para a não continuidade de um sistema previamente bem- sucedido e é exatamente neste momento que a MEDIAÇÃO é bem-vinda, pois ela irá facilitar o diálogo entre todos os envolvidos para que eles visualizem o melhor resultado para a continuidade da empresa familiar.

A morosidade do poder judiciário devido ao acúmulo de processos já não é mais um atrativo de solução para aquelas empresas que enxergam o benefício que a mediação traz para que seus problemas internos sejam solucionados de maneira mais célere.

Um ponto essencial a este benefício merece reflexão: todos os sócios integrantes desta empresa familiar devem estar engajados na voluntariedade e boa-fé para traçarem as diretrizes da nova empresa a se formar. Algumas vezes a mediação não é produtiva ou resolvida de imediato como o mediador contratado gostaria que fosse.

Há que se ter paciência, usar todas as técnicas e ferramentas necessárias que a mediação proporciona, principalmente a utilização do “caucus”, aonde as partes serão ouvidas em separado, com o objetivo de facilitar a comunicação posterior do grupo familiar.

Ussman (2004) enfatiza que “o empresário fundador se sente responsável pela grande família que é a empresa familiar e em troca espera lealdade e respeito”. Assim, ele se mantém no comando dos negócios o máximo de tempo que for possível.

Justamente por seu fundador estar preso a essas raízes e conceitos, é que seu advogado – prestador de assessoria jurídica e que o acompanhará e orientará – deve indicar e propor a mediação, vez que o mediador é pessoa terceira ao caso, imparcial e não irá sugerir soluções ou tomar decisões, mas que com suas habilidades e técnicas pertinentes à sua profissão, facilitará o diálogo entre todos os membros da família, promoverá o respeito entre todos, investigará os reais interesses e desejos do grupo familiar, auxiliando na execução de um acordo final no sentido de garantir sua exequibilidade, durabilidade e aceitabilidade para a empresa familiar.

O Conselho Nacional de Justiça (ANDRADE, 2021) divulgou recentemente dados de acordos homologados em 2020: mais de 2,4 milhões, um número expressivo principalmente por estarmos em um momento pandêmico. Nessa linha, podemos observar uma crescente inclinação de advogados orientando seus clientes a utilizarem os métodos autocompositivos, sejam eles negociações, conciliações e mediações. Os profissionais do direito, que atuam de forma colaborativa, antes de quaisquer litígios devem indicar a seus clientes estes caminhos e seus respectivos benefícios.

Sabemos que a judicialização nos dias atuais é um modelo falido. No passado a advocacia era belicosa, era uma questão cultural em que se via como solução o litígio.

A ética é fundamental, tanto para os diversos profissionais envolvidos, como para as partes com a finalidade de se alcançar o êxito desejado.

Portanto, podemos garantir que o advogado é insubstituível e deve valer-se de todos os recursos disponíveis para ajudar o seu cliente, no caso a família empresária, auxiliando a iniciar o processo sucessório, garantindo a todos os envolvidos a certeza de que esta mudança de comando seja feita de forma segura, buscando evitar conflitos e desgastes emocionais.

  • CONCLUSÃO

  

Concluindo pelo estudo apresentado, pode-se observar claramente que, no passado, existiam dois fatores predominantes nas empresas familiares: ascensão e declínio. A primeira geração construía, a segunda usufruía e a terceira destruía, ou seja, era comum ouvir-se “pai rico, filho nobre, neto pobre”.

Não eram questões técnicas que assombravam a continuidade das empresas familiares, mas sim as questões afetivas e comportamentais da família aonde existiam ressentimentos dos envolvidos; quando o fundador não prepara a sucessão, também não prepara a transição de vida dele. O cérebro reptiliano atua e, então, pai e filho brigam pelo poder.

Os tempos mudaram, a tecnologia e o profissionalismo encontram-se presentes no dia a dia de todos. Ser realista e saber o momento certo da sucessão é obrigatório. É necessário ser honesto sobre sua capacidade e limitação.

Hoje o CEO de uma empresa familiar deve estar preparado para renunciar, ainda que seja capaz e ativo, sacrificar seu lado individual, e preparar a nova geração, profissionalizando a sua governança.

É imperativo que se garanta através da mediação o retorno do diálogo para que as partes retomem uma convivência harmônica dentro do seio familiar. Com isto, todas as partes sairão ganhando, a empresa familiar se tornará forte e pronta para sua profissionalização, tendo seu futuro garantido para se tornar mais uma família empresária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANDRADE, Paula. Justiça em Números: mais de 2,4 milhões de acordos homologados em 2020. Conselho Nacional de Justiça, 2021. Disponível em https://www.cnj.jus.br/justica- em-numeros-mais-de-24-milhoes-de-acordos-homologados-em-2020/. Acesso em: 5 out.

2021.

GERSICK, Kelin E. et al. De geração para geração: ciclos de vida da empresa familiar. Tradução de Nivaldo Montingelli Júnior. 2ª ed. São Paulo: Negócio, 1997.

LETHBRIDGE, Eric. Tendências da empresa familiar no mundo. Revista do BNDES, jun.,

  1. 7, Rio de Janeiro, 1997.

MELO, Tiago. Sucessão do comando é ainda grande desafio para a longevidade das empresas. [2019]. Disponível em: https://diariodocomercio.com.br/negocios/sucessao-do- comando-e-ainda-grande-desafio-para-a-longevidade-das-empresas/. Acesso em: 14 nov. 2021.

MENDONÇA, Carlos. Pesquisa Global de Empresas Familiares 2021. [2021]. PwC Brasil. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/setores-atividade/pcs/2021/pesquisa- global-de-empresas-familiares-2021.html. Acesso em: 10 out. 2021.

SAMPAIO, Luciano. Empresas familiares e plano de sucessão. PwC Brasil. Disponível em https://www.pwc.com.br/pt/sala-de-imprensa/artigos/empresas-familiares-e-plano-de- sucessao.html. Acesso em: 10 out. 2021.

USSMAN, Ana Maria. Empresas familiares. Lisboa: Silabo, 2004.

Notas:

1 Advogada graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP, com certificação em Business Administration pela Universidade de Londres/U.K.. Mediadora extrajudicial e judicial cadastrada no Conselho Nacional de Justiça, membro da comissão OABSP e OABRJ – subsecção Barra, na mediação e conciliação.

Palavras Chaves

empresas familiares, famílias empresárias, sucessão hereditária, mediação.