MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO NA RELAÇÃO DE CONSUMO EM TEMPO DE CRISE (PANDEMIA COVID-19)

Resumo

A presente pesquisa tem o escopo analisar meios alternativos de resolução de conflito nas relações de consumo diante da situação de crise desencadeada pela pandemia do coronavírus. A emergência acarretada pelo COVID-19 vem exigindo de governos de todo o mundo adoção de medidas urgentes como o isolamento social como meio de conter a transmissão em massa. Esse isolamento trouxe severas consequências à economia. As pessoas, por não poderem sair de suas casas, deixaram de trabalhar, perderam negócios, deixaram de movimentar o mercado de consumo. Recursos para pagar as despesas básicas do dia a dia tornou-se um cenário preocupante em muitas casas e comércios brasileiros. O que fazer diante desse cenário caótico? Negociar passou a ser um meio alternativo para resolver os conflitos em um contexto apocalíptico. Negociação é um processo de relacionamento interpessoal que ocorre quando uma pessoa deseja algo de outra. Política consumerista de priorizar uma boa negociação com concessões recíprocas, embora a primeira vista possa não parecer tão vantajoso, geram relacionamentos contínuos. De um lado clientes fiéis e do outro, fornecedores justos e confiáveis. Buscou-se informações de dados disponíveis em publicações, tais como, livros, teses, artigos de origem nacional, internet e legislação pertinente ao tema. Abordam-se certos aspectos da negociação na relação de consumo, princípios consumeristas correlacionados e da mediação como forma de resolução de conflito voltado à negociação, tudo, tendo o fito de concretizar o princípio da boa-fé que envolve os contratos em geral, inclusive os de consumo. Sendo assim, tem-se uma pesquisa do tipo indireta, bibliográfica e com enfoque qualitativo. O que se espera, ao final, é colaborar, ainda que de forma tímida, para amenizar os impactos causados pela crise econômica, visando preservar a relação de consumo.

Artigo

MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO NA RELAÇÃO DE CONSUMO EM TEMPO DE CRISE (PANDEMIA COVID-19)

MÁRCIA FERNANDA SANTOS NUNES[1]

SONIA CARVALHO DE SOUZA[2]

 

 1 DA NEGOCIAÇÃO. 2 DO DIREITO À RENEGOCIAÇÃO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO E FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS. 2.1 DA RENEGOCIAÇÃO E PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS. 2.2FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS E RELAÇÃO DE CONSUMO. 3 DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO. 4 JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E ADVOCACIA.  CONCLUSÃO.

RESUMO

A presente pesquisa tem o escopo analisar meios alternativos de resolução de conflito nas relações de consumo diante da situação de crise desencadeada pela pandemia do coronavírus. A emergência acarretada pelo COVID-19 vem exigindo de governos de todo o mundo  adoção de medidas urgentes como o isolamento social como meio de conter a transmissão em massa. Esse isolamento trouxe severas consequências à economia. As pessoas, por não poderem sair de suas casas, deixaram de trabalhar, perderam negócios, deixaram de movimentar o mercado de consumo. Recursos para pagar as despesas básicas do dia a dia tornou-se um cenário preocupante em muitas casas e comércios brasileiros. O que fazer diante desse cenário caótico? Negociar passou a ser um meio alternativo para resolver os conflitos em um contexto apocalíptico. Negociação é um processo de relacionamento interpessoal que ocorre quando uma pessoa deseja algo de outra. Política consumerista de priorizar uma boa negociação com concessões recíprocas, embora a primeira vista possa não parecer tão vantajoso, geram relacionamentos contínuos. De um lado clientes fiéis e do outro, fornecedores justos e confiáveis. Buscou-se informações de dados disponíveis em publicações, tais como, livros, teses, artigos de origem nacional, internet e legislação pertinente ao tema. Abordam-se certos aspectos da negociação na relação de consumo, princípios consumeristas correlacionados e da mediação como forma de resolução de conflito voltado à negociação, tudo, tendo o fito de concretizar o princípio da boa-fé que envolve os contratos em geral, inclusive os de consumo. Sendo assim, tem-se uma pesquisa do tipo indireta, bibliográfica e com enfoque qualitativo. O que se espera, ao final, é colaborar, ainda que de forma tímida, para amenizar os impactos causados pela crise econômica, visando preservar a relação de consumo.

Palavras-Chaves: Boa-Fé, Cooperação, Negociação.

1 DA NEGOCIAÇÃO

 Segundo Shell (2001), “negociar é um processo de comunicação interativo, que ocorre quando queremos algo de outra pessoa ou quando outra pessoa quer algo de nós”. A definição de negociação pode ser compreendida como um processo interativo que envolve dois ou mais lados autônomos em que cada uma das partes busca soluções que assegurem seus próprios interesses da melhor forma possível. A compreensão da busca de interesses próprios não pode ser vista como sinônimo de atropelar interesses alheios, mas como busca de cooperação para que cada uma das partes envolvidas possam ser beneficiadas na satisfação de suas necessidades. Dessa forma, a busca de um acordo é a tentativa de encontrar uma solução que atenda, satisfatoriamente, os interesses de todos os envolvidos na negociação.

A maior parte das negociações, na atualidade, ocorre entre pessoas que mantêm um relacionamento contínuo. As empresas buscam a construção de parcerias, alianças estratégicas  e valorizam o fato de ter um verdadeiro parceiro nos negócios, que prefere atender as necessidades do cliente em detrimento de tentar levar vantagem nas negociações. Diante desses aspectos, é vantajoso abrir mão de uma parcela do ganho pecuniário em nome de um relacionamento mais sólido, pois esse processo pode ser encarado como investimento. O crucial na tarefa de negociar é sempre procurar perceber e compreender os diferentes pontos de vista em jogo e saber se colocar no lugar do outro.

O fim da negociação se externa em um acordo, sendo esse uma tentativa de encontrar uma solução que atenda, satisfatoriamente, os interesses de todos os envolvidos na negociação.

A negociação é uma ferramenta muito importante para sobrevivência econômica de muitos estabelecimentos comerciais e do bom relacionamento nas relações de consumo. Como é sabido, o mundo passa por uma pandemia que geraram várias medidas emergenciais. A partir dos estudos científicos e da experiência de países com estágio mais avançado de contaminação pelo COVID-19,a OMS- Organização Mundial de Saúde, em conjunto com as autoridades de todo mundo, aconselhou a população um distanciamento como medida de prevenção e contenção de contágio, medida essa acatada pelo Brasil desde 20/03/2020 conforme Portaria 454/2020 do Ministério da Saúde.[3]

Vários governo estaduais efetivaram a medida de contenção suspendendo-se aulas, fechando-se shoppings, comércios, parques, interrompendo atividades recreativas e culturais, dentre outras medidas.

Tais decisões, a grosso modo, embora sejam fundamentadas na proteção da saúde pública, gerou queda na manutenção da produção, emprego, rendas de diversos setores da economia, de forma mais sensível para trabalhadores autônomos, de baixa renda e informais. Têm-se com isso o desencadeamento de uma crise econômica no Brasil e no mundo. Daí a importância da negociação e cooperação não somente das autoridades públicas mais da população como um todo. Em um cenário de crise, é crucial que se fortaleça a união e a cooperação de todos os poderes do Estado na busca de medidas jurídicas para restabelecimento da normalidade. Muitas medidas estão sendo tomadas pelas autoridades como, por exemplo, o auxílio emergencial a ser pago aos informais, microempreendedores individuais, desempregados e contribuintes individuais do INSS pelo prazo de três meses. Porém, a ação conjunta das autoridades públicas não será suficiente para frenar a crise. É necessário, ainda, a união e fortalecimento da cooperação entre as pessoas. Comerciantes, empresários, fornecedores de serviço com seus clientes. O cenário vivido é propício para ativar o módulo boa -fé objetiva inerente às relações contratuais, bem assim os deveres conexos de negociar e cooperar para que haja o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos abalados pela crise, propiciando o cumprimento das  prestações assumidas, sem levar a ruína qualquer umas das partes envolvidas.

2 DO DIREITO À RENEGOCIAÇÃO NAS RELAÇÕES DE CONSUMO E FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS

2.1  DA RENEGOCIAÇÃO E PRINCÍPIOS CONSUMERISTAS

A promoção da defesa do consumidor é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, XXXII, da CRFB/88 . Visando dar concretude a essa norma constitucional foi criado o Código de Defesa do Consumidor que traz norma de proteção e defesa do consumidor conforme revela o artigo transcrito abaixo:

 Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

O próprio CDC quando traz regras de proteção e defesa do consumidor o faz conforme princípios da ordem econômica, tais como, soberania nacional, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, live concorrência, dentre outros.

Isso significa que as regras de proteção ao consumidor deve estar em harmonia com o equilíbrio da ordem econômica nacional.

No Código, os princípios estão referidos no Art. 4º, como sendo:

 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

 I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

 II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor

  1. a) por iniciativa direta;
  2. b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
  3. c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
  4. d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

 III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

 IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo.

As expressões empregadas no referido artigo podem ser agrupadas em três grandes grupos: princípio da função social, princípio da boa-fé e  princípio da equivalência material. O Código, no capítulo de proteção contratual, especialmente quando fala em cláusulas abusivas, menciona o princípio da boa-fé e expressões enquadráveis no princípio da equivalência material, como equidade, equilíbrio contratual, justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. (LOBO, 2001)

Baseados nesses princípios, na esfera contratual, é possível que mesmo havendo uma simples onerosidade ao consumidor poderá ser pleiteado revisão do contrato, bem como,  afastamento de uma cláusula abusiva, onerosa, ambígua ou confusa. Impede lembrar que a interpretação do contrato sempre será em benefício do consumidor. Assim, já é inerente da relação consumerista o direito do consumidor de obter a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (Art. 6, inc. V).

O contrato que apresenta prestações desproporcionais, onerando apenas umas das partes não cumpre sua função social, consoante relata Flávio Tartuce (2005):

Entendemos que a intenção da expressão função social do contrato está intimamente ligada ao ponto de equilíbrio que o negócio celebrado deve atingir  e ao que se denomina princípio da eqüidade contratual. Dessa forma, um contrato que traz onerosidade a uma das partes – tida como hipossuficiente  e/ou vulnerável –, não está cumprindo o seu papel sociológico, necessitando de revisão pelo órgão judicante.

            Nesse mesmo sentido podemos citar José Geraldo Brito Filomeno apud Tartuce (200):

[…]aqui se cuida, em Capítulo especial, de nº VI (Da Proteção Contratual), e expressamente, de amparar o consumidor frente aos contratos, e ainda mais particularmente aos chamados ‘contratos de adesão’, reproduzidos aos milhões, como no caso das obrigações bancárias, por exemplo, e que podem surpreender aquele com cláusulas iníquas e abusivas, dando-se então preponderância à questão de informação prévia sobre o conteúdo de tais cláusulas, fulminando-se, assim, de nulidade, as cláusulas abusivas, elencando o art. 51, dentre outras que possam ocorrer, as mais comuns no mercado de consumo. Além da informação que o contratante-fornecedor deve prestar ao consumidor-contratante potencial (art. 46), prevê-se claramente a interpretação mais favorável ao consumidor, na hipótese de cláusula obscura ou com vários sentidos (art. 47). (…). Fica ainda definitivamente consagrada entre nós a cláusula rebus sic stantibus, implícita em qualquer contrato, sobretudo nos que impuserem ao consumidor obrigações iníquas ou excessivamente onerosas

Logo, é nítido que o sistema de proteção ao consumidor é favorável para os institutos da renegociação do contrato como ferramentas para garantir a função social dos contratos e a boa fé objetiva.

2.2  FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS E RELAÇÃO DE CONSUMO

Antes de adentrar no tema flexibilização de direitos nas relações de consumo, necessário se faz fazer uma abordagem do contexto social em que se tenciona falar em flexibilização de direitos e as consequências da violação das medidas de restrição adotadas pelos governos.

  O Brasil e o mundo estão passando por um período excepcional decorrente de uma quarentena para evitar a propagação de um vírus que é letal.

  Por conta dessa pandemia já reconhecida pela OMS- Organização Mundial de Saúde, os governos federais, estaduais e municipais começaram a trabalhar por meio de decretos restrições para tentar evitar a propagação do coronavírus. Percebe-se, no contexto brasileiro,  que decretos estaduais e municipais são mais rigorosos que o decreto federal. Em que pese isso, todos os decretos são legítimos e devem ser obedecidos conforme regras constitucionais, desde que obedecidos os limites territoriais.

No Código Penal há a incriminação da conduta daqueles que violam medidas públicas que visam a propagação de doença. É o Art. 268  de texto verbis:

Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

            Trata-se de um crime de menor potencial ofensivo caracterizado por ser uma norma penal em branco pois precisa de complemento para sua fiel execução. Esse complemento pode ser tanto lei editada pelo Poder Legislativo ou outra espécie normativa que pode ser editada pelo Poder Executivo. Assim, decretos do Poder Executivo podem trazer determinações para impedir o contágio da doença. Esse complemento da norma penal em branco, pode ser de qualquer esfera do governo, ou seja, pode ser federal, estadual ou municipal. Embora seja competência privativa da União legislar sobre o direito penal nos termos do Art. 22, inc. I da CRFB/88, o complemento da norma penal em branco por ser tanto lei quanto ato normativo advindo do poder executivo de qualquer instância. Assim, não importa em qual instância foi feita a complementação da   infração de medida sanitária preventiva, descumprindo- na haverá o crime previsto no Art. 268 do Código Penal.

            Impede mencionar os ensinamentos do ilustre professor Rogério Sanches (2019) no que diz as várias instâncias que podem complementar uma norma penal em branco:

Normal penal em branco e instâncias federativas diversas: a lei penal em branco (própria e imprópria) pode ser complementada por normas oriundas de instâncias federativas diversas (Poderes Executivo e Legislativo Federal, Estadual ou Municipal)… É preciso, no entanto,  que se atente para o fato de que a iniciativa dessas instâncias federativas no complemento das normas penais em branco deve ser restrita, sob pena de caracterizar generalizada delegação de competência legislativa da União, expediente vedado pela Constituição Federal.

Conforme leciona Rogério Greco (2019), o núcleo do tipo penal (infringir) pode ser entendido tanto no sentido de fazer alguma coisa contrária à determinação do Poder Público, como também deixar de fazer aquilo a que estava obrigado.

Posto isso, é latente a criação de uma série de medidas que flexibilizam direitos dos cidadãos em prol da saúde pública. Assim, medidas, como, fechamento de comércio de produtos não essenciais, suspensão de prestação de serviços, dentre outras, além de ser medida legítimas adotadas por autoridades públicas para evitar contaminação, sua violação caracteriza crime a ser punido na forma da lei penal.

Assim descumprir as determinações dos órgão públicos não é a melhor saída para evitar a crise.

As atividades comerciais foram paralisadas; shoppings, comércios fechados, escolas e serviços públicos imobilizados ou reduzidos, empregados estão sendo dispensadas diante do isolamento social. Grande parte da população, sobretudos os autônomos, informais e até mesmo muitos empregados, por não poderem trabalhar, estão com receio de não cumprir com suas obrigações. As atividades ficaram paralisadas, mas as contas continuam a chegar. Violar as medidas de restrição não seria o caminho viável para solução dos problemas, inclusive, como foi retratado, tal violação pode caracterizar crime tipificado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Diante disso, medidas criativas para solução dos conflitos são, cada vez mais, abordados não só pelas autoridades públicas como também pela população. Daí falar em flexibilização de direitos em prol do bem comum através da negociação justa que atenda os interesses de todos os envolvidos, afinal, o cenário revela-se uma instabilidade financeira em nível nacional.

Atender ao desenvolvimento econômico normalmente é o principal objetivo do todo país. A Constituição da República Federativa do Brasil quando fala em ordem econômica ela traz como um de seus princípios norteadores a defesa do consumidor, veja-se:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (destaque nosso)

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor; (destaque nosso)

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Isso significa que a garantia de proteção ao consumidor deve ser analisada como um dos fins a ser alcançado por uma ordem econômica sadia.

 Quando se fala em defesa do consumidor, pensa em uma relação de desequilíbrio entre as partes. Pela ordem jurídica, o consumidor é hipossuficiente tanto econômica, quanto, jurídica e tecnicamente. Daí a necessidade de conjunto de regras e princípios protetivos ao consumidor como forma de minimizar os desequilíbrios econômicos, técnicos e jurídicos existentes entre as partes. Busca-se o equilíbrio das relações consumo para que se tenha uma ordem econômica saudável. Desse jeito, as negociações realizadas nesse momento de crise deve ser ater não somente a defesa do consumidor, mas a proteção ao trabalho, da livre inciativa, visando um equilíbrio. Deve-se adotar técnicas que venham atender aos interesses de ambas as partes. Recomenda-se medidas criativas para resolução de conflito voltando o olhar para o futuro. Sermos protetivos demais para uma das partes poderia gerar prejuízos financeiros irreversíveis para outra. O foco deve ser a manutenção de empregos, manutenção do consumo e fidelização das relações.

3 MEDIAÇÃO COMO MÉTODO ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

            O ordenamento jurídico dispõe de vários métodos de resolução extrajudicial de conflito a citar a negociação, mediação e arbitragem.

            Negociação se diferencia da mediação e arbitragem, pois nela, as próprias partes tentam sem a intervenção de terceiro solucionar a questão conflitante.  Como brilhantemente retratado por VASCONCELOS (2008), a negociação deve ser sempre cooperativa, ou seja, não deve ter o condão de eliminar a outra parte, mas agregá-la na busca de um acordo de ganhos mútuos. Nem sempre é possível resolver a questão diretamente com a outra parte, principalmente diante de interesses dicotômicos. Na maior parte dos casos, para que seja viabilizado o diálogo entre as partes é mister a colaboração de uma terceira pessoa que pode funcionar como uma supervisora ou mediadora das negociações.

            Nas palavras de Roberto Portugal Bacellar (2000), pode-se conceituar a mediação como sendo:

técnica que induz pessoas interessadas  na resolução de um conflito a encontrar, por meio de uma conversa, soluções criativas, com ganhos mútuos e que preservem o relacionamento entre elas. Em outras palavras, ressalta tratar-se de um diálogo assistido por um mediador tendente a propiciar um acordo satisfatório para os interessados e por eles desejado, preservando-lhes o bom relacionamento.

            A mediação possibilita conhecer cada um dos envolvidos, suas necessidades, suas qualidades e compreender as razões reais do conflito, bem como, sua reconstrução através da supervisão de um terceiro imparcial. Assim, revela-se especial papel na pacificação social, pois viabiliza através de um bom diálogo que as próprias partes encontrem a solução para resolver o conflito de forma a trazer benefício a todos.

            Consoante lição de Menezes (2000), a solução judicial na maior parte das vezes não leva em consideração a raiz do conflito. Não há preocupação com a natureza sociológica, sentimentos, angústias e incertezas dos envolvidos; a mediação, ao contrário, não ignora tais pontos, por isso sua importância.

            Vasconcelos (2008) define mediação como sendo:

 […] um método em virtude de estar baseada num complexo interdisciplinar de conhecimentos científicos extraídos especialmente da comunicação, da psicologia, da sociologia, da antropologia, do direito e da teoria dos sistemas. E é, também, uma arte, em face das habilidades e sensibilidades próprias do mediador.

            Importante mencionar que a mediação, conforme Lei 13140/2015 não é apenas meio de solução de controvérsia entre particulares, mas podem ser utilizada como autocomposição de conflito no âmbito da Administração Pública, desde que verse sobre interesse público secundário.

            O objetivo da mediação é o alcance de um acordo que beneficie a todas os envolvidos através de um diálogo.

            Na mediação, as partes não atuam como adversários, mas como corresponsáveis na busca de solução para o problema, contando com o mediador como um colaborador. Isso é fulcral em um contexto de crise. Diante de uma tribulação em que muitos, quiça todos, estão sofrendo, revela-se a necessidade de empatia, cidadania, solidariedade e a busca da função social dos contratos de consumo e dos contratos em geral. Destarte, é cristalina a necessidade de procurar meios não judiciais de resolução de conflito que envolva a colaboração dos contratantes. Se houver mútua ajuda e corresponsabilidade na procura por solução, a resposta sempre será mai rápida e efetiva para todos.

            Como já retratado em tópicos anteriores, é sabido que o consumidor, dentre várias outras benesses, tem o direito de ter revisto seu contrato diante de uma situação que gere desproporções das prestações. No âmbito civil, o contexto de crise decorrente dessa pandemia, dar a parte lesada vários instrumentos para revisão ou resolução do contrato, como por exemplo, alegação de caso fortuito ( Art. 393 do CC) para justificar o inadimplemento, resolução ou revisão dos contratos com base na teoria da imprevisão(Arts. 317, 478, 479 e 480, todos do CC); utilização dos institutos da impossibilidade da prestação, mesmo que sem culpa da parte, o que gera a resolução do contrato sem imputação de perdas e danos (Art. 234, 248 e 250, todos do CC), dentre outras medidas ( TARTUCE, 2020). Ou seja, há direito à renegociação ou até mesmo à resolução dos contratos já vigentes. Assim, se a lei confere a possibilidade de renegociação como corolário do princípio da boa-fé objetiva que rege os contratos em geral, inclusive o de consumo, é dever das partes renegociar, não só para atender a função social do contrato, mas para não está praticando ato ilícito, em pensamento inaugurado por Anderson Schreiber (2018).  Segundo o autor, existe para as partes um dever de renegociar para que o princípio da boa fé seja observado em todas as etapas do contrato.  A recusa em renegociar diante de um desiquilíbrio contratual que venha favorecer uma das partes em detrimento da outra seria uma espécie de ato ilícito (SCHREIBER, 2018).  A análise por essa ótica, reforça o instituto da negociação e da mediação, pois evitaria possível condenação para aquele que se decline em resolver pacificamente a questão.

4  JUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS E ADVOCACIA

            É de conhecimento notório a morosidade do Poder Judiciário para resolver as demandas daqueles que batem na sua porta. O problema da morosidade da Justiça decorre, dentre outras situações, do fato do Poder Judiciário ter deixado de ser a ultima ratio para resolução dos conflitos. As pessoas já não querem tentar resolver os conflitos de forma pacífica. Tudo termina em uma demanda judicial. Essa visão da sociedade de judicialização para resolução dos conflitos sociais acabou abarrotando o sistema de justiça que findou  tornando-se lento para resolver as questões que lhe são postas.

            Nessa conjuntura, é bom refletir que negociar é melhor que litigar. O “vou te processar” para fazer valer o direito de rever situação contratual por um fato imprevisto que a todos prejudicam não funcionará se o poder judiciário não analisar a sua situação específica ao tempo da indispensabilidade da solução. São inúmeras pessoas passando pela mesma situação. Se o Poder Judiciário já não estava suportando a sobrecarga de processos antes da pandemia, imagine agora com uma população inteira sofrendo pela crise. É cristalina a necessidade de procurar meios não judiciais de resolução de conflito. Não se prega a extirpação da judicialização das demandas, mas uma reanálise do conflito de forma pacífica se valendo do Poder Judiciário como último recurso.

            Inclusive, em nota oficial, a Ordem dos Advogados do Brasil da Seção do Rio de Janeiro recomendou o uso de meios extrajudiciais de resolução de conflitos como maneira de prevenir colapso no Poder Judiciário no cenário de crise em que se vivencia o país.[4] Retrata o insigne Dr. Luciano Bandeira (2020)  que:

[…] a atuação firme da classe de advogados é de fundamental importância. É a advocacia que, neste grave contexto, pode orientar os seus clientes a adotar, nos conflitos em curso ou naqueles que podem vir a surgir, os meios extrajudiciais de solução, principalmente a mediação, a conciliação, a arbitragem e o sistema de comitês de resolução de conflito (‘dispute boards’).

Como indicam todas as estatísticas, essas vias alternativas têm a capacidade não apenas de poupar o Poder Judiciário, mas principalmente de levar a soluções de benefício mútuo, que sejam rápidas, menos custosas (financeira e emocionalmente) e confidenciais. Isso sem qualquer risco para o advogado ou para a advogada, que tem seus honorários preservados nesse âmbito. Portanto, esses meios extrajudiciais podem representar uma valiosa ajuda, de nossa parte, no enfrentamento dos reflexos da crise.

Assim, sugere-se aos colegas que, no exercício de seu múnus público e de sua responsabilidade social, busquem colocar em prática esses valiosos instrumentos que têm à mão, incentivando a mediação, a conciliação, a arbitragem e a implementação de comitês de resolução de conflito, a fim de que essa situação crítica seja administrada da melhor forma possível.

            A procura da renegociação dos contratos nesse momento, revela boa-fé do consumidor em manter suas relações contratuais e de cumprir seus compromissos. Se não funcionar, estará aquele que procurou a renegociação, fornecendo ao Poder Judiciário subsídio para melhor analisar a situação, pois explícitos serão a boa-fé na manutenção do contrato e o direito em tê-lo revisto conforme reza o Código de Defesa do Consumidor no seu inciso V do Art. 6º.

            Impede citar que já existem posições no sentido de ser criada uma lei excepcional que exija a tentativa de renegociação como condição para propositura de ação judicial (MELO, 2020):

Se for admitida a premissa de que a recusa indevida de renegociar o contrato diante de desequilíbrio contratual configura ato ilícito, é possível existir uma lei que determine tal comportamento antes da demanda judicial. Além dos requisitos processuais do artigo 330, §§ 2º e 3º, do CPC para as ações revisionais de obrigação, deveria ser demonstrada ao julgador a existência de uma prévia tentativa de renegociação e que esta restou frustrada, pois o réu a quem se imputa, no âmbito da teoria da asserção, a vantagem excessiva, se recusou a rediscutir o contrato que se protrai no tempo e foi alvejado pela pandemia.

            Não se pode olvidar que o advogado é uma importante ferramenta nesse processo de negociação.  Primeiro porque a lei de mediação prevê que as partes podem ser acompanhadas por advogados ou defensores público nas tratativas de acordo, visando auxílio dos envolvidos para que não caiam em propostas abusivas. Segundo, porque o profissional da área jurídica, que detêm conhecimento na área de consumo e técnicas de mediação, pode funcionar como um supervisor nato dessas negociações, seja formulando propostas de acordo e analisando-as, pois tendo conhecimento da lei, pode avaliar corretamente se os termos são justos, legais e moralmente executáveis; seja atuando como mediador. Embora a lei de mediação não se refira a nenhum profissional de área específica, é perfeitamente adequado que um profissional na área jurídica atue como mediador nessas situações que envolvam análise de direito.

            Esse momento é propício para remodelar a advocacia até então construída em litígios judiciais. Muitos se desesperam em como atuar profissionalmente se os prazos e o judiciário estão parados para atender as medidas de isolamento social. O que fazer diante disso?  Como espelhado, é possível utilizar de métodos extrajudiciais na advocacia, inclusive na modalidade on-line já que a recomendação é ficar em casa. Há infinitos caminhos a serem trilhados, como por exemplo, a consultoria on-line. Não há profissional mais qualificado para auxiliar as partes nas negociações e renegociações dos contratos do que o advogado. Muitos consumidores assolados pela crise precisarão de auxílio para formular proposta para seus fornecedores ou para avaliar as propostas que lhes são ofertadas. Ser capacitar como mediador também é uma oportunidade para ser remunerado por seus serviços. É possível que sejam criadas Câmaras Virtuais de Mediação diante do quadro vivido. Para isso, é necessário qualificação em técnicas de mediação e trabalhar suas redes de contatos.  Muitos atos podem ser praticados por videoconferência, inclusive casamento como divulgado em uma reportagem da Globo.Com.[5]

            Dessa forma, é possível produzir, trabalhar e ser remunerado por todos trabalhos advocatícios realizados em período de confinamento.

CONCLUSÃO

            A presente pesquisa abordou os meios alternativos de resolução pacífica dos conflitos em tempo de crise desencadeada pelo coronavírus com enfoque na negociação e na mediação.

            A mediação foi vista como  medida de grande valia para viabilizar a renegociação dos contratos de consumo em razão de desiquilíbrios causados pela instabilidade social e financeira. Encarou-se a pandemia do COVID-19 como evento imprevisível que desencadeou vários descumprimento contratuais.

              Diante desse desiquilíbrio das relações, ao consumidor caberia a revisão de seu contrato nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Esse direito deveria ser alcançado, via de regra, mediante tratativas harmônicas entre as partes.

            Uma relação contratual com disfunções que prejudiquem os envolvidos violam a função social tão prezada na Carta Magna. Nesse ínterim, é dever das partes cumprir a função social, se valendo da boa fé que rege os contratos e tentar a autocomposição.

             O fulcral nesse momento não é apenas reivindicar o que lhe é de direito, mas o bom senso de ponderar que o outro também pode estar passando por um momento difícil, assim é importante saber ceder. A máxima é concessão recíproca com acordos que beneficiam a todos. A visão de ordem é não encarar a outra parte como adversário, mas como corresponsável para resolução dos problemas causados pela crise. Em vez de litigar, é preciso tentar resolver pacificamente a questão, ser solidário e justo. O importante é contribuir para pacificação social nesse momento tão delicado em que se vive o Brasil. Isso é dever. Isso é função social. Isso é cidadania!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACELLAR, Roberto Portugal. A mediação no contexto dos modelos consensuaisda resolução dos conflitos. Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, v.4, n. 8, 1º sem. 2000.

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. v. 1. 16ª ed. Niterói: Impetus, 2019.

LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC  e no Novo Código Civil.  Revista Jurídica da Unirondon, Cuiabá, 2001, n 03, 192p

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 MENEZES, Marcelo Paes. Sobre mediação, direito do trabalho e conflito de ódio, amor e dor. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. – Belo Horizonte, 32 (62): 205-212, jul./dez.2000.

SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio Contratual e o Dever de Renegociar. São Paulo: Saraiva, 2018.

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TARTUCE,  Flávio. O coronavírus e os contratos – Extinção, revisão e conservação – Boa-fé, bom senso e solidariedade. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/322919/o-coronavirus-e-os-contratos-extincao-revisao-e-conservacao-boa-fe-bom-senso-e-solidariedade. Acesso em  25.04..20.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo : Método, 2008

Notas de Rodapé:

[1]Mestra em Ciências Jurídicas pela Universidad Americana. Especialista em Direito e Processo do Trabalho com formação para magistério superior. Servidora Pública Federal. Advogada.

[2]Advogada formada  pela UFRJ,  Pós Graduação em Administração Pública e Especialista em Direito do Consumidor e da Concorrência  MBA/FGV, Ouvidora e Mediadora da OAB/RJ

[3]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/prt454-20-ms.htm . Acesso em 10.04.2020.

[4]https://www.oabrj.org.br/noticias/nota-oficial-oabrj-sugere-uso-meios-extrajudiciais-prevenir-colapso-poder-judiciario . Acesso em 17.05.2020.

[5]https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/04/02/em-tempos-de-pandemia-noivos-podem-se-casar-por-videoconferencia-em-sc.ghtml . Acesso em 27.04.20.

Palavras Chaves

Boa-Fé, Cooperação, Negociação.