MEMORABILIA

Resumo

A Faculdade Nacional de Direito na criação dos cursos jurídicos no Brasil. Estrutura e importância na cultura brasileira.

Artigo

MEMORABILIA

 

                                                     Francisco Amaral

                                                  Professor Titular de Direito Civil e Romano da Universidade Federal do Rio de Janeiro.  Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. Doutor Honoris Causa pela Universidade Católica Portuguesa.  Membro da Accademia dei Giusprivatisti EuropeiPavia. Presidente da Academia Brasileira de Letras Jurídicas

RESUMO – A Faculdade Nacional de Direito na criação dos cursos jurídicos no Brasil. Estrutura e importância na cultura brasileira.

Palavra Chave – Faculdade Nacional de Direito

Celebrar os 130 anos da Faculdade Nacional de Direito leva-nos a recordar o processo de sua criação no conjunto das instituições universitárias criadas no país no século XIX,[1] com o fim de prover o novo Estado do Brasil dos quadros jurídicos e administrativos necessários à realização de suas finalidades republicanas.

Implica também, e de não menor importância, constatar o ingresso do direito brasileiro na modernidade jurídica, entendida esta como o pensamento jurídico ocidental dos três últimos séculos, marcado pelo predomínio do racionalismo no direito, e pelo liberalismo e individualismo. Quanto à metodologia da realização do direito, suas regras aplicavam-se por meio da lógica jurídica. Era o domínio da racionalidade lógica que se exprimia no paradigma da aplicação, característica do pensamento jurídico da modernidade que tinha a norma jurídica como prius, e o direito como sistema de normas dedutivamente aplicáveis.

A comemoração dos 130 anos da Faculdade Nacional de Direito que a sua REI – Revista Estudos  Institucionais  promove, (às  vésperas dos  duzentos  anos  de independência do Brasil, em 2022, evento a comemorar também), é, assim,  motivo  mais do que justificativo para uma reflexão  sobre a  gênese dessa histórica Faculdade, uma das mais importantes instituições nacionais dedicada ao estudo, à pesquisa e à transmissão do conhecimento no campo da ciência do direito, e a importância  de sua contribuição para a cultura  jurídica brasileira.

Essa elogiável iniciativa implica, assim, recordar o passado, honrando a memória de seus fundadores e de seus grandes mestres, refletir sobre o seu presente e sobre a sua missão de contribuir para o futuro do pensamento jurídico brasileiro.

Procuro, assim, atender, com esta singela reflexão, um artigo inédito, ao irrecusável convite do ilustre Diretor da Faculdade Nacional de Direito, Prof. Doutor Carlos Bolonha, o que faço com grande empenho e sentida emoção. Isso porque devo a essa Faculdade tudo o que a vida me proporcionou em termos pessoais e profissionais. Nela ingressei em 1963, por meio de um disputado exame vestibular, aprovado que fui  nos primeiros vinte e cinco candidatos, e nela  estudei com afinco  e crescente interesse, preparando-me para ser um dos seus  professores, por meio de concurso público de provas e títulos. Com intensa participação na vida estudantil, fui diretor cultural do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, diretor do jornal “A Época” e da sua “Revista Jurídica”.

Nessa Faculdade me tornei doutor em Direito Civil no seu Curso de Pós- Graduação, tendo preliminarmente feito o Curso de Mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sem defesa da dissertação, aproveitando os créditos obtidos nessa conceituada Faculdade para me transferir para o curso de doutorado já então vigente na Faculdade Nacional de Direito.

Em 1988 fui aprovado como Professor Adjunto de Direito Civil, no primeiro concurso que a Faculdade conseguiu realizar, depois de 20 anos de suspensos os concursos universitários pelo governo militar de 1964.

Em 1993 fui aprovado em novo concurso, agora para Professor Titular de Direito Romano e no ano seguinte, em 1994 fui eleito para o honroso cargo de Diretor da Faculdade, por esmagadora maioria de votos, com 93% de votos do alunado, resultado inédito na instituição.

No exercício das respectivas funções, ajudado por um grupo de eminentes colegas, promovi as necessárias mudanças de natureza física, no tradicional prédio, antigo Senado do Império, e também inovações de natureza curricular, exigidas pelos novos tempos, para melhoria do ensino e da formação científica e cultural dos futuros profissionais do direito. Um dos nossos maiores objetivos era a metodologia do ensino e da pesquisa jurídica, até então de pouco interesse no ensino jurídico brasileiro, salvo honrosas exceções.

Além da docência, exerci também funções extra-acadêmicas. Fui Chefe de Departamento, membro da Congregação, membro do Conselho do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, Representante dos Professores Titulares no Conselho Universitário e Presidente da respectiva Comissão de Legislação e Normas.

É de compreender-se, assim, o meu afeto por essa Faculdade, a que tanto devo em termos pessoais e profissionais. Nela pude conviver com grandes professores, de quem recebi sábios conselhos para a minha vida profissional, no magistério e na advocacia, além do seu exemplo como ilustres cultores do direito.

Tudo isso confluiu para um meu permanente interesse pela vida e pelo desenvolvimento científico e cultural da Faculdade Nacional de Direito, instituição a que seus últimos diretores deram notável impulso, com benfeitorias físicas e um currículo que permite um ensino jurídico de excelência e o desenvolvimento de uma concepção crítica do pensamento jurídico brasileiro, a marca característica da instituição, diversamente do pensamento dogmático que caracteriza outros cursos jurídicos existentes no Rio de Janeiro.

Compreender a sua importância e o sentido e alcance do seu pensamento, pressupõe conhecer sua tradição, sua gênese e desenvolvimento, e seu contributo para a formação das elites culturais, políticas e administrativas do Rio de Janeiro, e por que  não do país, até à transferência da capital federal para Brasília.  Leve-se já em conta que entre as inúmeras personalidades que vieram a destacar-se na vida jurídica, política e social brasileira, como embaixadores, políticos, ministros de Estado, figuram ex-alunos seus, ministros do Supremo Tribunal Federal, nomeados enquanto a nossa cidade  maravilhosa era ainda a capital do país.[2]

Como já exposto, razão determinante de sua fundação, como das demais Faculdades de Direito surgidas depois de proclamada a independência do Brasil, e da consequente Lei de 11 de agosto de 1827, a Lei de Criação dos Cursos Jurídicos no Brasil, não foram, de imediato, os interesses da sociedade, mas sim  a necessidade de prover o novel Estado brasileiro dos quadros jurídicos e administrativos necessários ao seu funcionamento.[3]

Fato inconteste é que com a criação desses cursos, como disposto no referido diploma legal, extinguia-se o monopólio da  Universidade de Coimbra na  formação das elites culturais brasileiras, pois  “foi nela que se formaram em direito, filosofia e medicina” quase todos os homens graduados do Brasil, e despontaram para as letras, a medicina e a magistratura algumas das figuras de maior vulto de nossa história intelectual, nos três primeiros séculos.[4]

Esse monopólio, de uma histórica Universidade, fundada em 1290, a sétima na história das universidades europeias,[5] onde a juventude brasileira completava seus estudos superiores, superando obstáculos e eventuais problemas de adaptação, teve, além disso, dois grandes méritos. Proporcionou a essa juventude o conhecimento do pensamento jurídico e filosófico ocidental, para o que também influíram os colégios dos jesuítas no Brasil, pensamento esse marcado pela historicidade, no sentido de que se formou gradativamente a partir da cultura greco-romana. Ajudou, também, a formar, nesses jovens, o sentido da pátria longínqua a que pertenciam, e que para ela deviam voltar e nela trabalhar, contribuindo para o seu progresso material e social. Em Coimbra, lembra Pedro Calmon, nosso saudoso professor na FND, “pela primeira vez, os estudantes percebiam a existência de uma pátria, enorme e primitiva, que lhes pertencia. A ideia nacional surgiu assim. Elaborou-a às margens do Mondego a mocidade, renovada todo o ano que, dos engenhos de açúcar e depois das fazendas de criação e das lavras mineiras, se fora estudar leis e cânones na Universidade.[6]  Se por um lado os jovens brasileiros tinham de completar os estudos em Portugal, por outro lado essa política promovia o convívio desses estudantes, oriundos de capitanias diversas, neles despertando um sentimento novo, o de pertencerem a uma pátria distante,[7]  para cuja unidade e progresso deviam contribuir, ao regressarem.  A ideia de uma pátria comum a defender, teria favorecido  a manutenção da unidade territorial brasileira, diversamente do ocorrido na América espanhola, fragmentada em diversos estados nacionais.[8] Reconhece-se, assim, que a manutenção da unidade nacional se deve, entre outros eventuais fatores, à elite colonial que, com sua formação em Coimbra, criou um grupo homogêneo que foi responsável por essa unidade.

A Constituição brasileira de 1824 teve a presença marcante  dos egressos de Coimbra, que participaram também da criação dos cursos jurídicos em 1827, da elaboração do Código Criminal do Império de 1830, e em 1850, do Código Comercial e do Processo Civil.[9]

As Faculdades de Direito surgiram, então, em nosso país, por força da Lei de 11 de agosto de 1827 que autorizou a criação dos cursos jurídicos no Brasil, um na cidade de São Paulo, outro em Olinda, este depois transferido para Recife, onde se transformou em importante centro de pensamento jurídico-filosófico do Brasil com destacadas figuras que vieram a constituir a chamada Escola de Recife, movimento “iniciado naquela província do nordeste nos começos de década de 1860 abrangendo quase a totalidade das esferas da atividade intelectual, mas principalmente como atividade filosófica, inspirada no movimento neokantiano”. Suas principais figuras foram Tobias Barreto, Sílvio Romero, Clóvis Beviláqua, Artur Orlando, Fausto Cardoso, Tito Livio de Castro, Samuel de Oliveira, Graça Aranha.[10]

Nesse processo criativo dos cursos de direito, a Faculdade Nacional de Direito poderia ter sido a primeira do Brasil. Um decreto de  9 de janeiro de 1825, com base no disposto na Constituição Brasileira de 1824, criava uma Faculdade de Direito Civil  a ser instalada, no Rio Janeiro “como expressão do interesse do Imperador  em combater a carência de bacharéis brasileiros,  sobretudo para os cargos da magistratura”. Seu estatuto, criado por José Luís de Carvalho e Melo, o Visconde de Cachoeira, em 1825, tendo por base o Estatuto da Universidade de Coimbra, é um dos mais importantes documentos da história do ensino jurídico no Brasil.[11] Essa tentativa não foi, porém,  avante, considerados  os encargos que imporia ao erário imperial e pelo próprio bulício da corte, no que seguia o exemplo de Coimbra, cidade do interior, além da eventual pressão da juventude acadêmica,[12] que poderia prejudicar o estudo do Direito.´

Perdida essa oportunidade, a nossa Faculdade somente viria a institucionalizar-se na última década do século XIX, quando, proclamada a República, e autorizado o ensino livre, no Rio Janeiro pelo decreto de 2 de janeiro de  1891, o advogado Fernando Mendes de Almeida, conseguiu reunir no seu escritório na  rua do Rosário nº 74, 1° andar, um grupo de amigos e colaboradores,  decidindo-se constituir a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, livre no sentido de  particular.

Reiterou-se essa declaração na primeira reunião da congregação realizada no salão verde do Liceu de Artes e Ofícios, em 19 de maio de 1891, quando foi declarada constituída, organizada e instalada definitivamente a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, base da nossa atual Faculdade de Direito.[13]

É de especial interesse transcrever-se o currículo do Curso de Ciências Jurídicas, demonstrativo do seu pensamento. Compunha-se ele das seguintes disciplinas: Filosofia e História do Direito, na primeira série, seguindo-se Direito Público e Constitucional, Direito Romano, Direito Civil, Direito Criminal, Medicina Legal, Direito Comercial, História do Direito Nacional, Processo Civil, Criminal e Comercial, Economia Política e Direito Administrativo, e Prática Forense. Correspondia esse currículo aos paradigmas que nortearam o pensamento codificador de Teixeira de Freitas, a saber, a historicidade, no sentido de que o direito se forma e evolui no curso do tempo, ou ainda como característica de algo pretérito que, apesar de ter passado, continua a ter repercussão,[14] o que evidencia que a matriz e o fundamento do direito, particularmente o civil, estão na história, e também a sistematicidade, no sentido de que o direito é um conjunto unitário e coerente de elementos harmonicamente conjugados, com relações de subordinação e coordenação entre si. A ideia do direito como sistema representa, assim, a mais importante contribuição do jusracionalismo ao direito privado europeu, a que se seguiu o advento das construções conceituais, da utilização dos conceitos, que eram princípios jusnaturalistas transformados em princípios de caráter técnico-jurídico e do que a jurisprudência dos conceitos, do século XIX, é a maior herdeira.[15]

No mesmo ano, em 31 de maio de 1891, fundou-se uma outra instituição de ensino superior, a Faculdade Livre de Direito da Capital Federal, no Mosteiro de São Bento, por iniciativa do Dr. Carlos Antonio da França Carvalho. Tendo, porém, surgido e prosperado uma ideia de cooperação e harmonia, fundiram-se as duas Faculdades de Direto em uma só, em reunião de 24 de abril de 1920, reconhecida a fusão pelo governo com o decreto nº 14.163, de 12 de maio de 1920. Era a nova Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Com ela, entrava o pensamento jurídico brasileiro, pelo menos no Rio de Janeiro, na modernidade jurídica, entendida esta como o pensamento jurídico ocidental dos últimos séculos,  caracterizado pelo positivismo normativista, que tinha do direito uma visão objetivista, como realidade externa ao sujeito, pré-constituída, referida a normas e com o objetivo de sua aplicação, e não como “conjunto de critérios orientadores da atividade humana” resultante de uma prática interpretativo-criativa.[16]

 Em 7 de setembro de 1920 o presidente Epitácio Pessoa, pelo decreto nº 14.343 criou a Universidade do Rio de Janeiro, reunindo a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, Universidade que  veio posteriormente a denominar-se Universidade do Brasil, com o Decreto-lei nº 8.393, de 17 de dezembro de 1945, passando a escola de Direito a ter o nome de Faculdade Nacional de Direito.

Alberto Venâncio reafirma em sua obra “Das arcadas ao bacharelismo” que, com a fusão das duas Faculdades, houve um fortalecimento do pluralismo do ensino jurídico no Brasil durante o primeiro período republicano. Outrossim, é necessário reconhecer que a nova  Universidade do Brasil originou-se não de um projeto acadêmico, mas sim de uma agregação de faculdades existentes no Rio de Janeiro, acima referidas, a escola Politécnica, a Faculdade de Medicina da Praia Vermelha e a Faculdade Nacional de Direito.

Fatos importantes a destacar, após a fusão, é o surgimento, em 1905 da Biblioteca da nova Faculdade, e também da revista “A Época” em 1906, por iniciativa dos estudantes, o que lhes granjeou respeito no meio acadêmico, criando-se também o Grêmio Literário em 1907, e a Revista Jurídica em julho de 1933, sob a orientação e responsabilidade de uma comissão formada por Cândido de Oliveira Filho, presidente, Luiz Carpenter, Raul Pederneiras, Virgílio de Sá Pereira, Gilberto Amado e Afrânio Peixoto, Revista essa que agora deve retomar sua publicação normal.

Nos anos 30 do século passado a Faculdade de Direito, que internalizava  toda a radicalização vivenciada pela sociedade brasileira, realizou memoráveis concursos, como o da cátedra de Sociologia de Joaquim Pimenta. Nesse período tivemos também a famosa turma de 1937 que formou intelectuais como José Honório Rodrigues e Evaristo de Morais  Filho. Dessa turma saíram catedráticos Evaristo e Hélio Tornaghi. Evaristo de Morais Filho obteria a cátedra de Direito do Trabalho, na Faculdade Nacional de Direito, e a de Sociologia na Faculdade de Filosofia, com sua tese sobre “Augusto Comte”. Hélio Tornaghi seria autor de um anteprojeto de Código de Processo Penal. Uma célebre escritora ex-aluna da Faculdade foi Clarice Lispector.

Em 1935, na repressão à intentona comunista, o presidente Vargas demitiu os professores Castro Rebelo, considerado por alguns o criador do marxismo acadêmico, Leônidas Resende e Hermes Lima. No ano de 1938, Pedro Calmon foi convidado pelo ministro Gustavo Capanema a assumir a direção da Faculdade.

Nos anos 40, a história da Faculdade é marcada pela sua transferência para a Rua Moncorvo Filho, para o prédio do antigo Senado do Império, o solar do Conde dos Arcos,[17] Fato, também, de relevante importância, foi a mobilização estudantil dessa época. Neste sentido merecem destaque a resistência ao Estado Novo e as manifestações favoráveis ao ingresso do Brasil na segunda guerra. Vale registrar, também, o procedimento para a ascensão à cátedra, que se dava por concurso de títulos e provas, exigido o diploma de doutor ou o título de livre docente. Alguns se tornavam catedráticos muito jovens, como San Tiago Dantas e Hélio Tornaghi.

Os anos 50 marcaram a consolidação do prestígio nacional da Faculdade. O ano de 1955 foi emblemático, devendo destacar-se a aula inaugural de San Tiago Dantas, sobre “A educação jurídica e a crise brasileira”. Nesta ocasião, San Tiago expôs as novas diretrizes para o ensino jurídico, atacando a didática vigente, defendendo o case system em oposição ao text system.[18] Versou, ainda, sobre a conveniência da interdisciplinaridade, requisito para a adaptação do direito às exigências dos tempos hodiernos. O período que se inicia nos anos 60 e irá até o início dos anos 70 é marcado pela transferência da capital para Brasília e a consequente diminuição de prestígio acadêmico da então Universidade do Brasil, com a realização de poucos concursos públicos e, também, um progressivo esvaziamento do quadro docente. Some-se, além disso, ao processo de federalização do ensino superior dos anos 60 no qual, a futura UFRJ passa a ser apenas uma das diversas instituições de ensino superior do Brasil.

O início dos anos 60 foi marcado, também, pelo problema dos alunos excedentes, chegando-se ao ponto da Faculdade ter de receber mais 700 alunos oriundos do mesmo processo seletivo.

Com o golpe de 64 a Faculdade de Direito sofreu naturais consequências. Nessa fase, o CACO realizou ferrenha oposição ao regime militar, tendo sido perseguidos alguns dos seus integrantes.

O terceiro período é o dos anos 70 até o final do século XX, em que a Faculdade mergulha em profunda crise, caracterizada, entre outros aspectos, pela realização de poucos concursos públicos e, consequentemente, o progressivo esvaziamento do quadro docente.

Nos anos 90 realizaram-se, porém, algumas iniciativas, como a mudança curricular determinada pela Portaria Ministerial nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994, do Ministério da Educação e Desporto, que estabeleceu o currículo mínimo dos cursos de direito e a reformulação da estrutura departamental. No âmbito interno, criamos um Centro de Extensão Comunitária, compreendendo um Juizado Especial de Pequenas Causas, com cartório, sala do juízo e sala de conciliação, um posto de Defensoria Pública, um Escritório Modelo, e setores de Proteção ao Consumidor e Plantão do Trabalhador. Criou-se, também, um Centro de Pesquisa destinado a desenvolver projetos já em andamento e a fortalecer uma pós-graduação que se pretendia instaurar, assim como um Laboratório de Informática. Mais recentemente, em 2014, adotou-se um novo currículo, apto a preparar o alunado para os desafios da pós-modernidade, e  do novo paradigma, o da complexidade.

Feito este sintético esboço da história da Faculdade Nacional de Direito, tem especial interesse e é de manifesta importância refletir sobre o pensamento jurídico dessa instituição ao longo de sua existência e sua contribuição para o pensamento jurídico brasileiro.

  Tendo-se constituído a Faculdade no final do século XIX e no início do século XX, na era da modernidade, o seu ensino seguia as mesmas características desse paradigma, que eram, sinteticamente, a racionalização da vida jurídica, com a adoção da ideia de sistema, do que o grande exemplo foi a obra de codificação Teixeira de Freitas e os códigos e  constituições do séc. XIX.

 Superado esse paradigma pela pós-modernidade, caracterizada esta pela crise do positivismo jurídico e por um renovado interesse pelo jusnaturalismo, sob o nome de neoconstitucionalismo, que promove a aplicação dos valores morais por meio dos princípios constitucionais,[19] e ainda a consideração da justiça como valor fundamental, os direitos fundamentais da pessoa, os direitos das minorias culturais, os direitos dos animais, o direito do ambiente, as descobertas científicas no campo da informática, da bioética e do biodireito, e consequentemente a responsabilidade civil decorrente dos novos usos da tecnologia, espera-se então da Faculdade Nacional de Direito que, fiel à sua tradição política e jurídica, contribua para um direito e uma prática jurídica que revele sua preocupação com a pessoa e com a vida em todas as suas formas.[20]

        Os filósofos têm toda razão de dizer: só podemos compreender a vida voltando-nos para o passado. Mas se esquecem de outra proposição não menos verdadeira: a vida só pode ser vivida projetando-se para o futuro.

                                                Kierkegaard [21]

Notas:

[1] Faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, em 1827, da Bahia em 1891, de Minas Gerais, em1892.

[2] Pela ordem, Ministros do Supremo Tribunal Federal que foram alunos da Faculdade após 1920, quando ela já integrava a Universidade Federal do Rio de Janeiro: Hahneman Guimarães, Luiz Gallotti, Nelson Hungria, Ary Franco, Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva, Prado Kelly, Carlos Medeiros Silva, Adaucto Cardoso, Themístocles Cavalcanti, Antonio Neder, Cordeiro Guerra, José Carlos Moreira Alves, Décio Miranda, Clóvis Ramalhete, Octávio Gallotti, Marco Aurélio Mello, Ilmar Galvão. Em itálico, os Presidentes.

[3] Aurélio Wander Bastos, O Ensino Jurídico no Brasil, 4ª. Edição, Editora Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 2018, p. 7.

[4] Fernando de Azevedo, “A Cultura Brasileira. Introdução ao estudo da cultura no Brasil, 4ª. Edição, revista e ampliada, 1963, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1963, p. 525.

[5] Bolonha, 1088, Oxford 1187, Cambridge 1209, Siena 1240, Salamanca 1243, Montpellier 1289, Cimbra 1290.

[6] Fernando de Azevedo, p. 283.

[7] Fernando de Azevedo, p. 526.

[8] José Murilo de Carvalho, A Construção da Ordem. A Elite Política Imperial, Brasília, Editora da Universidade de Brasília, Coleção de Temas Brasileiros, 1982, p. 21, 23, 34, 38.

[9] Ruth Maria Chittó Gauer, A Construção de Estado Nação no Brasil. A contribuição dos egressos de Coimbra.,Curitiba, Juruá Editora, 2001, p. 25.

[10] Antonio Paim, A Filosofia da Escola do Recife. Editora Saga, Rio de Janeiro, 1966, p. 9.

[11] Aurélio Wander Bastos, p. 16.

[12] Aurélio, idem p. 8.

[13] Pedro Calmon, História da Faculdade Nacional de Direito 1891-1920, Rio de Janeiro, A. Coelho Branco – Editor, p. 22.

[14] Alexandre Fradique Morujão, Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 2, Editorial Verbo, Lisboa – São Paulo, 1990, p. 1154

[15] Do Autor, Direito Civil. Introdução, 10ª Edição, Revista, Modificada e Aumentada, Saraiva, São Paulo, p. 91.

[16] Amaral, p. 184.

[17] O solar do Conde dos Arcos foi assim chamado por ter sido a residência do nobre português D. Marcos de Noronha e Brito, 8º Conde dos Arcos, último Vice-Rei do Estado do Brasil, residência depois transformada no Senado do Império e depois Senado da República até 1925. Nessa casa, em 1840 D. Pedro II, com 14 anos, foi declarado maior. Também ali prestou juramento, em 1860 a herdeira do trono Princesa Isabel, Do trono ali instalado falaram D. Pedro I, D. Pedro II e a Princesa Isabel já como Regente do Império em 1871.

[18] O case system era o método de ensino criado na Harvard  School que consistia no aprendizado por meio de casos reais apresentados aos alunos chamados a resolvê-los, limitando-se os professores a orientá-los  no seu raciocínio, diversamente do tradicional text system que pressupõe o estudo preliminar dos textos doutrinários e legais.

[19] Mauro Barberis, Manuale di filosofia del diritto , Torino, Giappichelli Editore, Torino, 2011, p. 33.

[20] Arthur Kaufman, A filosofia do direito na pós-modernidade (Rechsphilosophie in der Nach-Neuzeit), tradução de Luis Villar Borda, Editorial Temis, Santa Fe de Bogotá, p.72.

[21] Citação extraída do livro de Hilton Japiassu, Filosofia para quê? Rio de Janeiro, Editora Uapê, 2014, p 12.

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Faculdade Nacional de Direito