Memórias de Luta, Resistência e Organização Popular: A Trajetória do NAJUP Luiza Mahin e o papel da Extensão na Função Social da Universidade

Resumo

O presente artigo resgata o histórico, as premissas metodológicas e as ações desenvolvidas pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin. Sendo assim, a educação popular, a assessoria jurídica e a pesquisa militante são expostas enquanto pilares que, de modo indissociável, compõem as perspectivas de ação através da ênfase no protagonismo estudantil. A partir desses pilares, é exposto como são desenvolvidas as atuais frentes de atuação, alinhadas aos eixos do Direito à Cidade, da Reforma Agrária e do Desencarceramento. Por fim, é realizada a reflexão sobre as contribuições da extensão universitária para o ensino jurídico, seus impactos junto aos movimentos sociais e os potenciais emancipatórios.

Artigo

MEMÓRIAS DE LUTA, RESISTÊNCIA E ORGANIZAÇÃO POPULAR: A TRAJETÓRIA DO NAJUP LUIZA MAHIN E O PAPEL DA EXTENSÃO NA FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE

 

Matheus de Oliveira Nascimento[1]

Mariana Trotta Dallalana Quintans[2]

Thamires Azeredo Chaves[3]

Viviane Carnevale[4]

RESUMO: O presente artigo resgata o histórico, as premissas metodológicas e as ações desenvolvidas pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (NAJUP) Luiza Mahin. Sendo assim, a educação popular, a assessoria jurídica e a pesquisa militante são expostas enquanto pilares que,  de modo indissociável, compõem as perspectivas de ação através da ênfase no protagonismo estudantil.  A partir desses pilares, é exposto como são desenvolvidas as atuais frentes de atuação, alinhadas aos eixos do Direito à Cidade, da Reforma Agrária e do Desencarceramento. Por fim, é realizada a reflexão sobre as contribuições da extensão universitária para o ensino jurídico, seus impactos junto aos movimentos sociais e os potenciais emancipatórios.

PALAVRAS-CHAVE: Extensão Universitária. Educação Popular. Assessoria Jurídica Popular. Direito Insurgente; Protagonismo Estudantil.

  1. INTRODUÇÃO

             As reflexões sobre a história do NAJUP, a relação entre pesquisa-extensão universitária e a superação da realidade existente, além  das contribuições do Núcleo para o ensino jurídico ensejaram a elaboração deste artigo. Não por acaso, os 130 anos da Faculdade Nacional de Direito são comemorados na medida em que se lamenta um cenário pandêmico catastrófico agravado pelo conservadorismo e o negacionismo científico.

            Em virtude disso, é preciso considerar que o rompimento com opressões e o enfrentamento das desigualdades pressupõe uma educação libertadora, o exercício da crítica, da autocrítica e a disposição intelectual para atuar em prol dos desfavorecidos e nesse sentido, é válido ressaltar que toda a prática desenvolvida pelo Núcleo se orienta em direção oposta a essas políticas de morte. Assim sendo, o resgate histórico não só do NAJUP Luiza Mahin, mas da própria Assessoria Jurídica Universitária Popular, para além de uma definição da extensão em parâmetros legais, é imprescindível.

As assessorias Jurídicas Universitárias Populares começaram a ser criadas em Universidades Públicas brasileiras na década de 1990. Algumas ao longo dos anos foram institucionalizadas como projetos de extensão ligados a faculdades de direito.[5] Por sua vez, o NAJUP Luiza Mahin foi criado em 2012 e atualmente é um projeto de extensão da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND-UFRJ).  Batizado de Luiza Mahin, nome católico pelo qual Kehinde ficou popularmente conhecida, recebeu o nome de uma figura que representou resistência contra a escravização para marcar o compromisso de transformação social[6].

Enquanto projeto de extensão o NAJUP segue as diretrizes nacionais da Política Nacional da Extensão Universitária (2012) e está sob a égide do princípio constitucional da autonomia universitária e indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão previstos no art. 207 da CRFB (BRASIL, 1988). O projeto tem como objetivo principal a troca de saberes entre os estudantes e movimentos sociais do estado do Rio de Janeiro, buscando contribuir na formação de uma consciência crítica nos futuros profissionais de direito. Desse modo, visa permitir ao graduando e à graduanda de direito atuar nos conflitos sociojurídicos de forma a contribuir na transformação e construção de uma sociedade mais justa, assim como ser ativo na efetivação dos direitos e políticas públicas junto a esses sujeitos coletivos (NAJUP, 2012). O projeto se articula por meio de um tripé metodológico: a educação popular, a assessoria jurídica popular e a pesquisa militante.

O NAJUP faz parte das experiências que procuram contribuir com o desenvolvimento na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ de um ensino jurídico crítico, socialmente referenciado e comprometido com as maiorias sociais. A história desse trabalho de quase dez anos do NAJUP Luiza Mahin que será rememorada neste artigo.

  1. O NAJUP E AS BASES METODOLÓGICAS PARA A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

 

O NAJUP Luiza Mahin foi gestado a partir de experiências anteriores de extensão universitária no Rio de Janeiro. Várias conversas e reuniões foram realizadas entre estudantes de direito da UFRJ e da UERJ ao longo de 2011 que culminou com a formação do grupo de extensão universitária, em 21 de agosto de 2012, em reunião na Pedra do Sal.

Na foto abaixo, da reunião de fundação do NAJUP, estão Priscila Mello, Maíra Moreira e Juliana Lopes, estudantes de direito da UFRJ e Rhaysa Ruas e Luisa Pessoa, estudantes de direito da UERJ. Na época também participou na fundação do NAJUP o então doutorando da UERJ, Luis Otávio Ribas.

Foto de Maíra Moreira cedida ao acervo do NAJUP Luiza Mahin.

O NAJUP surge da organização estudantil marca das experiências das Assessorias Jurídicas Universitárias Populares (AJUPs). Dessa forma, o grupo tem como princípio a autonomia e o protagonismo estudantil. As professoras, que foram se incorporando ao projeto, participam do grupo de forma horizontalizada, não existindo hierarquização entre professores e estudantes[7]. Da mesma forma, não existe hierarquização entre professores-estudantes-comunidade.

No período de fundação do NAJUP Luiza Mahin, foi elaborado o manifesto que transcrevemos abaixo:

“Nós somos o NAJUP Luiza Mahin, o núcleo de assessoria jurídica popular que homenageia em seu nome uma mulher negra africana que foi escrava na Bahia, liderou a revolta dos Malês e seguiu liderando insurgências aqui no Rio de Janeiro, onde nós nos criamos. Essa mulher é um símbolo daquilo que nos une, da revolta contra as opressões, da força para lutar por um mundo diferente onde todos possam ter seu pedaço de terra e determinar suas vidas. Luiza Mahin lutou contra a escravidão, manteve-se pagã, não aceitando nunca o batismo, nunca abandonando sua cultura para adotar aquela que tentavam lhe impor.

E como ela, nós nunca nos deixaremos vencer por forças que tentam fazer crer a todos que o mundo só pode ser assim, que uns devem ser sacrificados para que um certo progresso aconteça. Se progresso significa desigualdade e falta de liberdade inclusive para os que por ele são beneficiados, mas que não podem determinar quais serão os caminhos que trilharão e em que mundo querem viver, nós o repudiamos.

Acreditamos em um mundo onde cada um é autor de sua história e que, junto com seus semelhantes, a escreverá com as mais belas palavras de união, consciência e força. Não acreditamos nos doutores que se pretendem donos da verdade sem conhecer o que é a vida daqueles que os cercam, sem saber o que foi necessário para que a comida que os alimenta chegasse à sua mesa. Afinal, como diz o sertanejo “quem é de nós é mais ignorante, eu que não aprendi a ler? Ou você se morresse de fome, se não me desse o que fazer?”.

Por isso, nós não queremos estar só na universidade, vemos no mundo nossa maior escola e vamos buscar nele as pessoas com as quais vamos construir nosso conhecimento. Queremos aprender com aqueles que sentem a cada dia, o que é ser explorado, precisar do serviço público, ser estigmatizado e não ter oportunidade de alcançar o que a TV nos diz que traz felicidade. É no construir com essas pessoas que a palavra práxis pode fazer sentido, é no diálogo entre sabedoria popular e academia que podemos pretender encontrar as soluções para nossos conflitos e injustiças.

Estamos juntos pois acreditamos que a prática do direito pode ser insurgente e transformar a realidade. Nos marcos da educação popular, queremos construir uma assessoria jurídica que se diferencia da assistência, posto que visa empoderar os sujeitos a que assessora,  a partir do conhecimento construído em seu contexto e da conscientização crítica.

Queremos tornar esse instrumento que tradicionalmente é usado para manter o status quo, o jurídico, acessível  a todos e, quem sabe, uma válvula para mudanças.

E por tudo isso, gritamos:

“Eu uno minhas mãos nas suas e uno meu coração ao seu,

Para que juntos possamos fazer aquilo que não posso, não quero e não devo fazer sozinho

Agora somos fortes e somos loucos,

Na nossa utopia, somos atores conscientes do nosso papel

E lutaremos juntos, para libertarmo-nos dos grilhões que nos prendem

Eu uno minhas mãos nas suas e uno meu coração ao seu,

Para que juntos possamos fazer aquilo que não posso, não quero e não devo fazer sozinho:

A luta!”

Pedra do sal, Rio de Janeiro, 21 de agosto de 2012.

A carta de fundação do NAJUP Luiza Mahin apresenta os referenciais teóricos-metodológicos do grupo. A assessoria jurídica popular, a educação popular, a pesquisa militante e o direito insurgente são compreendidos como forma de fortalecer os movimentos populares no processo de transformação social.

Em 2012, o grupo de extensão institucionalizou um projeto de extensão na UFRJ denominado “Universidade e Comunidade: trocando conhecimento e fortalecendo a luta pelo direito à moradia no Município do Rio de Janeiro”, atuando com a comunidade da Estradinha, localizada na Ladeira dos Tabajaras, no bairro de Botafogo, no Município do Rio de Janeiro.

Em 2016, o NAJUP Luiza Mahin se institucionalizou propriamente como um projeto de extensão da Faculdade de Direito da UFRJ. O Projeto segue as cinco diretrizes para a extensão universitária na Política Nacional de Extensão Universitária: interação dialógica, interdisciplinaridade e interprofissionalidade, indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, impacto na formação do estudante e, por fim, impacto e transformação social (FORPROEX, 2012).

            O NAJUP compreende que a extensão é uma “ação de mão dupla: da Universidade para a sociedade e da sociedade para a Universidade”. (FORPROEX, 2012, p.28), sendo igualmente uma forma de a Universidade cumprir sua função social de articular teoria e prática visando uma transformação social. Nesse sentido:

“Não se trata mais de ‘estender à sociedade o conhecimento acumulado pela Universidade’, mas de produzir, em interação com a sociedade, um conhecimento novo. Um conhecimento que contribua para a superação da desigualdade e da exclusão social e para a construção de uma sociedade mais justa, ética e democrática.” (FORPROEX, 2012, p.28)

O NAJUP se articula com movimentos sociais, aqueles “que organizam e expressam os interesses dos segmentos que se encontram em situações de opressão e discriminação”(FORPROEX, 2012, p.28), preocupando-se em:

preservar a autonomia desses movimentos, estabelecendo com eles relações horizontais, de parceira, renunciando, assim, a qualquer impulso de condução ou cooptação. Esta é uma das esferas de Extensão Universitária em que a diretriz de interação dialógica adquire centralidade. Na interação com os movimentos sociais, a Universidade apreende novos saberes, valores e interesses, os quais são importantes para a formação de profissionais mais capazes de promover um desenvolvimento ético, humano e sustentável. Ao mesmo tempo, a Universidade pode contribuir com os movimentos sociais oferecendo cursos de capacitação, atualização e ou de formação de lideranças e quadros. Exemplo de iniciativa nessa direção é a organização de seminários ou encontros destinados a estimular reflexões conjuntas sobre temas da realidade brasileira ou internacional. (FORPROEX, 2012, p.28)

Igualmente, Gadotti (2017) destaca a importância da extensão universitária no próprio sentido da Universidade, em especial, em um momento crítico de golpe contra a democracia e avanço do neoliberalismo. Sendo assim, a inclusão obrigatória da extensão universitária nas grades curriculares exige uma discussão acerca de uma formação político-pedagógica que o tripé indissociável de extensão, pesquisa e ensino vai colocar em prática pelas vias institucionais da universidade.

 Nessa linha, compreende a importância da interação dialógica como metodologia da extensão universitária. Essa perspectiva prático-metodológica destaca a necessária troca de saberes e experiências, por meio do diálogo horizontal e democrático, entre os sujeitos envolvidos no processo educativo. Essa prática pensada por Paulo Freire como um elemento da educação popular pressupõe o reconhecimento de que todos possuem um conhecimento, mas também que ignoram muitas coisas e que “na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei” (FREIRE, 1996, p. 135). Amplia-se os espaços de trocas e de construção de conhecimentos conjuntos. Dessa forma, o conhecimento é entendido como um processo constante de troca dialógica de saberes e experiências entre os diferentes sujeitos

educar é educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem – por isso sabem que sabem algo e que assim podem chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais (FREIRE, 1977, p. 25).

           

A metodologia da educação popular estimula a construção coletiva do conhecimento no processo educativo, opondo-se à hierarquia de saberes e de falas. Assim, por meio da “co-laboração” vai se construindo um conhecimento conjunto dialogicamente, promovendo “sínteses culturais” (FREIRE, 1996).

            bell hooks (2013 e 2020) também apresentou reflexões importantes para a construção de uma pedagogia engajada preocupada com a transgressão das esferas de dominação. A autora destaca como as pedagogias críticas da libertação valorizam no processo de ensino e aprendizagem as dimensões da experiência, dos testemunhos, das confissões, valorizando o conhecimento produzido pelas experiências dos sujeitos e sujeitas explorados, mas reforça a importância da teoria crítica desenvolvida academicamente. hooks (2013) compreende que a combinação do analítico e do experimental constituem um modo de conhecimento potente.

O NAJUP adota a metodologia da educação popular na prática da assessoria jurídica popular. A assessoria jurídica popular é marcada pelo acompanhamento de coletivos e movimentos sociais na luta pela efetivação de seus direitos. Importante destacar que a atuação das assessorias jurídicas populares não podem ser confundidas com as práticas dos serviços legais tradicionais. Celso Campilongo explica que os serviços legais tradicionais são marcados por

Uma relação hierarquizada entre advogados e clientes, complementada pela postura apática e passiva dos segundos. O formalismo no atendimento à clientela vai, mediante uma série de índices, estabelecendo uma subordinação do cliente ao saber do profissional. Da indumentária ao vocabulário, do local do atendimento à postura na relação dialógica, do manuseio dos Códigos ao diploma pendurado na parede, tudo cria um ambiente desconhecido e enigmático para a clientela. A gravata, o palavreado difícil, a sala acarpetada, o problema constrangedor (a separação, o despejo, o crime), os livros e a autoridade técnica do bacharel determinam o lugar de quem fala e de quem ouve. Ao cliente cabe expor seu problema ao jurista, assinar a procuração, se for o caso, e retornar para casa. A partir daí, quem age e controla a situação é o advogado. Os tecnicismos dos procedimentos judiciais, aliados à demora dos processos, tornam o cliente anestesiado diante da lide.   (CAMPILONGO, 2011, p. 25)

O autor diferencia a atuação dos serviços legais inovadores promovidos pela assessoria jurídica popular da prática dos serviços tradicionais. Segundo o autor o assessor jurídico popular estabelece uma relação horizontal e de coordenação com seus assessorados e “confere a seu conhecimento profissional uma função social” (CAMPILONGO, 2011, p. 25). O autor completa afirmando que os casos são pensados conjuntamente entre assessorados e assessores, e participam diretamente do caso, pressionando, acampando em frente ao fórum ou aos prédios públicos, fazendo greves, enfim, criando mecanismos para chamar a atenção dos meios de comunicação etc. “Essas estratégias mobilizatórias estão vinculadas não apenas à natureza coletiva dos interesses tutelados, mas principalmente com a arena institucional destinatária das demandas – nem sempre o Judiciário, muitas vezes o Legislativo e o Executivo.” (CAMPILONGO, 2011, p. 26).

A pesquisa militante e a reflexão-ação também são apresentadas como uma das ferramentas metodológicas utilizadas pelo NAJUP Luiza Mahin. O NAJUP desenvolve pesquisa comprometida com a necessidade de mudança da realidade social — manifestamente injusta e desigual — na qual se insere, bem como com as lutas políticas indispensáveis para combatê-la (BRINGEL, MALDONADO e VERSIANI, 2016, p. 7). Nesse sentido, os participantes do NAJUP desenvolvem pesquisas técnico-jurídicas a partir das demandas dos conflitos acompanhados pelo grupo. Da mesma forma, promove pesquisas que procuram promover a reflexão e sistematização da prática extensionista junto aos movimentos populares.

Por fim, diante da necessidade da construção de uma práxis jurídico-política que, na medida em que conjuga educação popular, assessoria jurídica universitária popular e pesquisa militante, com a produção de conhecimento imbricado a transformação da realidade, se propõe a superação das desigualdades existentes, o Direito Insurgente é tido como outro pilar fundamental do NAJUP. O ponto central, desse modo, é a consideração de que o ordenamento jurídico posto não é a única fonte de direitos. Isto é, a partir das experiências dos movimentos sociais e das lutas populares em geral, se revelam os desdobramentos de práticas populares de enfrentamento e resistência – e vale ressaltar, frequentemente reduzidos a categorias penais, vide a lei de segurança nacional – que possibilitam um tensionamento no sentido de também reivindicar o campo jurídico enquanto espaço político de determinação de realidades. De fato, posto que produz e reproduz desigualdades, o capital, através sobretudo do Direito, mantenedor das contradições capitalistas, possui discurso jurídico legitimador. Sendo assim, uma parte fundamental dos vieses de práticas adotadas pelos Direito Insurgente, cujo sentido é a própria superação da realidade colocada (RIBAS, 2014), é elaborada por Miguel Baldez. A premissa do trabalho desenvolvido, que permite a realização de práticas que abarquem tanto o sistema de justiça quanto às ações populares organizadas, é a de que é essencial fazer um uso tático e um desuso estratégico do Direito.

Pois é no plano da contradição maior que a luta, para ser consequente, deve ser organizada, inclusive com objetivos estratégicos, como a resistência ao despejo se o pior acontecer, e táticos, como a utilização dos sistemas democráticos de pressão (engendrados pela classe dos oprimidos) sobre o Poder Judiciário, como, por exemplo, vigílias, passeatas, apoio de outras comunidades e entidades, participação nas audiências, que são públicas, etc.
(BALDEZ, 1989, p. 18)

Com base nessas metodologias o NAJUP Luiza Mahin desenvolve suas atividades de assessoria popular a diferentes movimentos sociais e coletivos como será visto no próximo tópico.

  1. OS SETE PRIMEIROS ANOS DE ATUAÇÃO DO NAJUP LUIZA MAHIN NA FACULDADE NCIONAL DE DIREITO

 

            O trabalho teve início em 2012 com a assessoria ao coletivo de resistência da Comunidade da Estradinha na luta contra a remoção e se ampliou nos últimos anos para o acompanhamento de atividades de outros movimentos sociais e coletivos como será descrito no próximo tópico.

Desde 2012, data de sua constituição, o NAJUP atua com demandas dos moradores de favelas do Rio de Janeiro. Esse trabalho teve início com o desenvolvimento de assessoria jurídica popular e formação dos moradores na comunidade da Estradinha, localizada na Ladeira dos Tabajaras, no bairro de Botafogo, no Município do Rio de Janeiro. Essa comunidade passou por processo de remoção pela Prefeitura do Rio de Janeiro no ano de 2010.

O NAJUP desenvolveu ações de extensão permanente nessa comunidade entre os anos de 2012 a 2016. Acompanhando as demandas dos moradores a respeito do direito à moradia e segurança pública. Foram realizadas várias oficinas na comunidade. O NAJUP acompanhou os debates para elaboração do plano de urbanização da comunidade, contribuiu na produção de provas para a ação civil pública movida pela Defensoria Pública para a garantia da permanência da comunidade no território e a efetivação do plano de contenção e urbanização.[8]

Nos anos de 2017 a 2019, o NAJUP Luiza Mahin passou a atuar em outros territórios e com outros movimentos populares, nesse sentido passou a desenvolver ações de extensão junto a ocupação Solano Trindade, com o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) no Município de Duque de Caxias, com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no Município de Niterói, na comunidade da FICAP no bairro da Pavuna no Rio de Janeiro e nas ocupações coletivas Povo Sem Medo, também no bairro da Pavuna e a ocupação Vila Canaã, no São Cristóvão, junto ao movimento social Brigadas Populares.

Durante esse período, foram realizadas diversas oficinas junto a esses movimentos sociais, também foram elaboradas cartilhas sobre o direito à moradia, além de trabalho de mobilização e incidência para a garantia do direito à moradia desses grupos.

                                                                                            Foto: Luiza Mello, extensionista do NAJUP, em oficina na ocupação Povo Sem Medo das Brigadas Populares no bairro da Pavuna em 2017 – acervo do NAJUP Luiza Mahin.

No ano de 2018, o NAJUP atuou no “Circuito Favelas por Direitos”, iniciativa da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública em conjunto com instituições, coletivos e movimentos sociais, que consistiu na realização de visitas em 25 favelas da Região Metropolitana do Rio durante oito meses no contexto da intervenção militar na cidade. Esse trabalho promoveu a escuta qualificada de moradores dessas favelas. Foram colhidos pessoalmente 495 depoimentos sobre atuação das forças de segurança pública nesses territórios e o impacto direto no cotidiano dos moradores. Esse trabalho de escuta e observação foi sistematizado em um relatório final[9] no qual foi feita uma análise pelo NAJUP Luiza Mahin sobre os contrastes entre as 30 violações de direitos relatadas e o direito positivado. No relatório também são propostas recomendações que buscam reduzir a letalidade policial e as violações de direitos dos moradores, tendo sido realizada uma incidência política de divulgação e envio do documento para órgãos do sistema de justiça e das forças de segurança.[10]

Foto: Roda de conversa do Circuito Favelas por Direito na Maré (2018) – acervo do NAJUP Luiza Mahin.

Essas atividades de trocas de conhecimento junto aos movimentos sociais e coletivos de favelas em seus territórios, além de fortalecer esses sujeitos coletivos, impactam na formação dos estudantes contribuindo na formação crítica dos futuros profissionais do direito. Vale lembrar que muitas decisões que impactam a vida das pessoas que figuram como parte em ações judiciais são tomadas sem que o profissional do Sistema de Justiça conheça a realidade. Portanto, uma formação jurídica crítica perpassa por conhecer quais direitos chegam ou não pela via estatal em determinados territórios.

 Além disso, o NAJUP Luiza Mahin organiza, desde 2015, junto a outros projetos de pesquisa e extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA), que promove acúmulos acadêmicos por meio das reflexões e trocas promovidas entre pesquisadores, militantes de movimentos populares e gestão da política de reforma agrária no país, contribuindo ainda na formação jurídica dos estudantes.

            Além da JURA, o NAJUP promove a organização de seminários abertos ao público em geral, tem como método de formação a interdisciplinaridade, a troca de saberes entre estudantes universitários, moradores das comunidades, movimentos populares e acadêmicos e profissionais do Direito ou de áreas diversas, promovendo a interlocução entre esses saberes populares e acadêmicos, privilegiando uma maior compreensão da realidade social a partir do reconhecimento do seu contexto sócio-histórico, concretamente construído por sujeitos reais, vinculado ao processo de produção da cultura acadêmica.

Foto: Seminário do NAJUP de 2019 – acervo do NAJUP Luiza Mahin.

O NAJUP conta como parceiro de extensão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no estado do Rio de Janeiro, ao longo dos anos de parceria além da realização da JURA, os estudantes extensionistas participaram de vivências em assentamentos da Reforma Agrária, contribuíram em oficinas de formação, na elaboração de cartilhas e nas lutas em geral de acampados e assentados do Rio de Janeiro.

Foto: Vivência no Assentamento Irmã Dorothy, Quatis (2018) – acervo do NAJUP Luiza Mahin.

No ano de 2016, o NAJUP desenvolveu suas ações junto aos estudantes que ocuparam escolas secundaristas no Rio de Janeiro. O NAJUP promoveu atividades em 12 escolas ocupadas da região metropolitana do Rio de Janeiro, sempre combinando a assessoria jurídica popular e a educação popular. Foram realizadas rodas de conversa com o tema “Ocupar é ilegal?”. Além disso, o NAJUP contribuiu com os estudantes ajudando na “tradução” dos termos e andamentos da ação civil pública interposta pela Defensoria Pública do Estado (DPE-RJ) na garantia dos direitos das ocupações (QUINTANS et al, 2016). Esse trabalho resultou na produção de uma cartilha (QUINTANS et al, 2016).

Foto: Roda de conversa no CESA (2016) – acervo do NAJUP Luiza Mahin

Após o fim do movimento de ocupações, já em 2018, o NAJUP Luiza Mahin também realizou outras oficinas nas Escolas Estaduais Amaro Cavalcanti, no bairro do Catete, e João Brazil, trabalhando temas como violência contra a mulher, identidade racial e violência policial. (QUINTANS, et. al. 2020)

 As ações no NAJUP ao longo de todo esse período foram marcadas pelo diálogo entre estudantes-professoras-movimentos populares, priorizando as atividades de campo, as idas às ocupações e assentamentos urbanos e rurais, às escolas, às favelas dentre outros espaços. Tal prática foi desafiada pela pandemia da Covid-19, como será analisado no próximo tópico.

  1. A ATUAÇÃO DO NAJUP LUIZA MAHIN NO CONTEXTO DA PANDEMIA

Em 2020, em razão da crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, as atividades presenciais da UFRJ foram suspensas, inclusive as atividades de extensão. Tal fato obrigou o NAJUP Luiza Mahin a repensar suas atividades. Foi preciso se adaptar para realizar atividades remotas.

Inicialmente o NAJUP, em parceria com outros grupos de extensão, disponibilizou um número de Whatsapp para dúvidas e orientações jurídicas. Também elaborou cards sobre o auxílio emergencial para divulgar em suas redes sociais.

Com o início do Período Letivo Extraordinário, reiniciou as reuniões de forma virtual, dando prioridade às atividades de formação dos estudantes sobre temas importantes ao grupo, como as bases metodológicas e os direitos reivindicados pelos movimentos assessorados, bem como atuou em algumas demandas que chegaram virtualmente.

Frisa-se que o uso das redes sociais do NAJUP Luiza Mahin ganhou relevância nesse contexto de pandemia, tendo sido criado um grupo de trabalho interno para pensar a comunicação.

Apesar de todas as limitações colocadas pela pandemia, o grupo de extensão se readaptou e continuou ativo. Em 2021, o NAJUP teve uma grande procura de estudantes interessados em participar de ações de extensão. Foram 295 solicitações de inscrição no projeto. Por esse motivo, pela primeira vez foi necessária a realização de processo seletivo para ingresso de novos membros. A grande preocupação foi como garantir uma prática dialógica em ambiente virtual e com número excessivo de pessoas.

As reuniões virtuais ao longo do semestre passaram a ser intercaladas entre reuniões de organização e reuniões de formação com convidados externos tanto representantes de outras AJUPs, profissionais do direito e movimentos populares. Inclusive, dentre os discentes selecionados, figuram estudantes de outros cursos, universidades e de fora do Rio de Janeiro, um intercâmbio que o meio virtual permite de forma mais fácil.

Foto: Reunião de formação quinzenal sobre direito insurgente e assessoria jurídica popular (agosto de 2021) –  Acervo do NAJUP

Nesse período da pandemia, a atuação do NAJUP foi demandada na mobilização em torno das demandas das condições socioeconômicas, de habitação e de acesso à infraestrutura precária, agravadas pelas crise sanitária, que ampliaram a vulnerabilidade socioespacial historicamente perpetuada na sociedade brasileira, assim como as demandas dos movimentos de luta pela reforma agrária e as violações de direitos humanos das pessoas privadas de liberdade e seus familiares agravadas pela pandemia. Nesse sentido, durante a pandemia a atuação do NAJUP passou a se centrar em três frentes:

 

  1. I) Direito à Cidade e Despejo Zero

 

Desde os primórdios do NAJUP, diante do contexto do Rio de Janeiro, marcado pela especulação imobiliária e por práticas políticas que incidem frontalmente ao cumprimento da função social da habitação urbana, com a atuação no caso da Estradinha, o Direito à Cidade é um eixo central da atuação do Núcleo. Nesses parâmetros, essa práxis se sustenta sob uma compreensão histórica, econômica e política que explicita o fato de que a construção das cidades, tal qual a disposição dos elementos essenciais à qualidade de vida, como transportes, água e esgoto se deu de modo a privilegiar as classes dominantes em detrimento do povo pobre, negro e explorado.

Assim, a lógica patrimonialista em relação a propriedade, identificada, inclusive, a partir do processo de tomada de decisão das ações possessórias que tramitam perante o judiciário brasileiro, se apresenta no sentido de negar o acesso à moradia às populações historicamente alijadas do direito à propriedade e à habitação. E é a partir da articulação juntamente com os movimentos de luta por moradia, no âmbito do judiciário e fora dele, que o NAJUP atua, no sentido de reivindicar o acesso à terra não por uma perspectiva individualista, que restringe o sentido constitucional de função social da propriedade, mas tentando fazer prevalecer o direito à moradia como uma dimensão dos direitos humanos.

Nesse sentido, no contexto da pandemia, o NAJUP passou a contribuir com a Campanha Despejo Zero, uma articulação nacional que tem o objetivo de suspender despejos e remoções no Brasil. Assim, o grupo tem contribuído na articulação da campanha Despejo Zero junto a órgãos do sistema de Justiça. Também tem atuado no monitoramento, na denúncia e incidência em casos de despejo no estado do Rio de Janeiro. Dessa forma, acompanha casos de comunidades urbanas e rurais ameaçadas de despejo no contexto da pandemia no território fluminense.

Um caso paradigmático que merece destaque é a ocupação Novo Horizonte, em Campos dos Goytacazes. Essa ocupação foi realizada por mais de 600 famílias vulneráveis no contexto da pandemia. Famílias majoritariamente chefiadas por mulheres que perderam a renda e moradia com o agravamento da desigualdade promovida pela crise sanitária. O NAJUP apoiou junto à Defensoria Pública da União (DPU) e a Campanha Despejo Zero, a luta dessas famílias pelo direito à moradia e contra os despejos. Contribuiu com as incidência realizadas nesse processo participando inclusive de audiência junto ao Ministro Fachin designada na Reclamação nº 47531 MC/RJ proposta pela DPU no STF, com o objetivo de suspender do cumprimento da liminar de reintegração de posse no processo 5002208-56.2021.4.02.5103, que tramita na primeira Vara Federal do juízo de Campos dos Goytacazes.[11]

O NAJUP nesse período de atividades remotas também passou a atuar como amicus curiae em algumas ações no Supremo Tribunal Federal com matérias relativas à atuação no estado do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, em diálogo com o núcleo da campanha Despejo Zero do Rio de Janeiro, o NAJUP ingressou junto com a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ como amicus curiae na  Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 828 proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que tinha como objeto a suspensão de todo e qualquer ato do Poder Público que tivesse como objetivo desocupações, despejos e reintegrações de posse, durante a pandemia de covid-19.[12]

Em diálogo com movimentos de favelas e com o movimento negro, também ingressou como amicus curiae na ADPF 635 nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 635, com pedido de concessão de medida cautelar, proposta pelo Partido Socialismo Brasil (PSB), em que foi requerido o reconhecimento do estado de coisas inconstitucionais no que se refere à política de segurança no Rio de Janeiro,  visando o estabelecimento dos parâmetros para o exercício de controle social policial sobre as favelas, diga-se, territórios majoritariamente compostos por trabalhadores e trabalhadoras, negros e negras, precarizados, do comércio informal, ou desempregados,  decorrendo de ações policiais frequentes que atentam contra a moldura constitucional, requerendo ações para o controle da letalidade policial no Rio de Janeiro.

Nesse mesmo período, em razão da Chacina do Jacarezinho, o NAJUP enviou ofício ao Ministro Relator desta ADPF 635 solicitando que fossem apuradas as denúncias de violações de direitos humanos e de indícios de execução sumárias feitas por moradores do Jacarezinho, movimentos de favelas e dos meios de comunicação.[13]

Percebe-se que a ação do NAJUP que durante seus primeiros anos de existência foi marcada por atividades presenciais de diálogo e fortalecimento das lutas a partir dos territórios. Todavia, no contexto da pandemia, teve de se reinventar, passando a utilizar as redes sociais para divulgação de denúncias de violações de direitos humanos e o NAJUP passou a cobrar das autoridades respostas por meio de ofícios e pedidos de amicus curiae.

 

  1. II) Luta pela terra e Reforma Agrária

 

O NAJUP no contexto da pandemia seguiu acompanhando a luta pela Reforma Agrária do MST, promovendo ações de extensão junto aos assentamentos rurais: Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, localizado no Município de Macaé, região noroeste fluminense; Projeto de Assentamento Irmã Dorothy, localizado no Município de Quatis, região sul fluminense e o acampamento Cícero Guedes em Campos dos Goytacazes. O projeto de extensão atua junto ao MST nas ações de incidência e divulgação da luta das famílias pela permanência na terra e desenvolvimento dos assentamentos rurais.

Em razão do acompanhamento das famílias que reivindicam o desenvolvimento do assentamento rural Irmã Dorothy, o NAJUP Luiza Mahin elaborou, por exemplo, a cartilha “Novas regras de seleção de famílias em projetos de assentamento do INCRA” em 2020 analisando as mudanças introduzidas pela Lei 13.465 de 2017 para a Reforma Agrária, observando os impactos para as famílias do assentamento Irmã Dorothy.

Entretanto, as atividades presenciais de oficinas, visitas técnicas e vivências nos assentamentos tiveram que ser suspensas durante a pandemia. Em relação ao trabalho dessa frente, se tornou ainda mais difícil o diálogo direto com assentados e acampados, visto a dificuldade de realizar atividades online, em razão da instabilidade e falta de acesso à rede de internet adequada nas áreas rurais.

           

            III) Frente em Defesa da Vida e pelo Desencarceramento:

Em seu eixo de atuação mais recente, iniciado em 2020,  o NAJUP passa a integrar a Frente Estadual pelo Desencarceramento/RJ.  Trata-se de grupo que reúne em torno de si uma série de movimentos sociais vinculados ao tema da violência do estado e do controle social penal seletivo, que alveja a população negra.

A Frente Estadual pelo Desencarceramento/RJ integra uma articulação nacional, a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, que tem como objetivo a abolição da população carcerária, através de incidência política contra projetos que  apontam a ampliação punitiva, como o pacote anticrime com a previsão da excludente de ilicitude, ao mesmo tempo em que desenvolve incidência sobre o sistema judicial, desde o local (tribunais de justiça e justiça federal) até aos tribunais superiores (STF, STJ e CNJ),  assim como ações ativas nos temas que ensejam a garantia de direitos e dignidade às pessoas em privação de liberdade e de seus familiares.

O contexto da pandemia trouxe novos dilemas para as pessoas privadas de liberdade e seus familiares, uma vez que as vistorias e visitas foram interrompidas, causando  grande preocupação, visto que são fundamentais para apuração de violações de direitos humanos, bem como para fornecimento de materiais de higiene, limpeza e alimentação própria para consumo. Em relação a esse contexto, acrescente-se, ainda, que propiciou novo argumento para a implementação de videoconferência no processo criminal.

Nessa conjuntura foi criada a Plataforma Desencarcera RJ, atuação que o NAJUP integra desde outubro de 2020. A Plataforma é uma ferramenta que surge com o objetivo de monitorar os espaços de privação de liberdade e encaminhar as denúncias sobre violações de direitos no sistema prisional e socioeducativo fluminense.  Essa atuação tem como objetivo identificar as violações ocorridas contra pessoas privadas de liberdade e seus familiares, promover denúncias e incidências sobre os órgãos públicos, bem como publicizar o que ocorre dentro do sistema carcerário. Importa destacar ainda que o trabalho tem sido sistematizado nos formatos de relatório[14] e boletim[15] semestrais.

No decorrer do ano de 2021, a atuação se expandiu para outros grupos de trabalho da Frente Estadual pelo Desencarceramento/RJ, passando a integrar a incidência política, através do projeto de Olho na ALERJ,  monitorando projetos legislativos que impactam pessoas em privação de liberdade e seus familiares, a exemplo da articulação referente ao Projeto de lei nº 2131/2016, que trata da obrigatoriedade de agentes socioeducativas mulheres nas unidades socioeducativas femininas.

Em junho deste ano integrou Audiência Pública do Habeas Corpus (HC) Coletivo 165.704,  em favor de todos os presos que têm sob a sua única responsabilidade pessoas com deficiência e crianças, cabendo salientar que um dos pontos discutidos na audiência foi a ADPF 347, na qual foi reconhecido o “estado de coisas inconstitucional” da situação do sistema carcerário brasileiro. Um outro aspecto a ser levado em conta é que em razão da não admissão de diversas Frentes Estaduais pelo Desencarceramento e movimentos sociais na Audiência Pública, foi organizada ação coletiva pela Agenda Nacional, na qual entidades parceiras e integrantes, dentre elas o NAJUP, cederam minutos de fala para que familiares pudessem ser ouvidos.

O NAJUP têm atuado também em campanhas como #TorturaNãoseVêPelaTV, contra o uso de videoconferência nas audiências de custódia, e #NãoÀsAudiênciasVirtuais, que se opõe ao uso de videoconferência em todo processo penal, e ainda integra atualmente projetos produzidos internamente, como o Informe Agenda, bem como por integrantes da Frente, a exemplo do Projeto Justiça para Mulheres Negras em Prisão Provisória, objetivando produção de material de divulgação, incidência no legislativo e no judiciário.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A perspectiva da construção, ademais, de um projeto de extensão pautado na necessidade de superação das desigualdades colocadas através da interação dialógica com os movimentos sociais são o horizonte da práxis e, por conseguinte, da própria existência do NAJUP Luiza Mahin. De tal modo, alinhados aos eixos metodológicos da educação popular, da assessoria jurídica popular, direito insurgente e pesquisa militante, o fundamento principal do Núcleo é amplificar as narrativas à contrapelo através das trocas e construção de saberes entre a academia e os movimentos sociais.

A história do NAJUP representa a materialização da narrativa contra hegemônica segundo a qual não basta apenas pensar a realidade, mas transformá-la. O estalo da assessoria jurídica popular no seio dos cursos de Direito, com a predominância de um campo jurídico mais doutrinário, representa um impacto no modo como o ensino jurídico é pensado. Na medida em que rompe com um paradigma de produção de conhecimento descolado da realidade social, a prática do ensino-aprendizagem visando uma educação emancipatória rompe com uma educação bancária visto que as trocas de saberes ocorrem de forma horizontal sem hierarquias entre as diferentes formas de produção de conhecimentos.

No que concerne a interação dialógica entre sociedade e universidade, o estabelecimento de uma relação com os movimentos sociais pautada na troca de saberes e construções coletivas, seja por meio das oficinas ou das formações, ocorre outro rompimento paradigmático. Isso porque a partir do momento em que os entes organizados da sociedade civil são considerados enquanto fontes de Direito e abarcados pela academia se pode vislumbrar uma construção dialógica na qual os potenciais emancipatórios do Direito – e seu papel de contribuir para o próprio fim do direito e a superação da lógica capitalista.  Por fim, a forma pela qual as ações são desenvolvidas é alinhada à lógica do protagonismo estudantil. Isto é, não há relações de subordinação, seja entre a coordenação do projeto e os alunos ou até mesmo entre os discentes. Portanto, todos são imbuídos de um espaço coletivo para expressão e reflexão crítica, de modo a sedimentar o pilar da educação popular e garantir a discussão democrática e equânime.

Por outro lado, é oportuno rememorar o fato de que a interação dialógica entre a universidade e a sociedade, a construção de saberes a partir das fontes sociais diversas e a transformação da realidade a partir da pesquisa militante pressupõe uma proximidade com os movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil. Contudo, no contexto da pandemia, a atuação do Núcleo foi impactada, pois esse diálogo emancipador é sustentado pela atuação direta, dada além das paredes da faculdade, nas ruas e favelas.

Destarte, o advento da pandemia causada pelo Coronavírus impactou diretamente as atividades presenciais. Ao passo que o projeto não podia parar, posto que a própria conjuntura aprofundou e ampliou as desigualdades, criando a necessidade de buscar uma adaptação das atividades para modalidade remota, de modo a não perder o contato e oportunidade de aprendizagem entre extensionista e  movimentos sociais parceiros.

Sendo assim, há uma emergência em reforçar as diretrizes da extensão universitária e realizar projetos em construção conjunta com os movimentos sociais e comprometidos com uma transformação e educação crítica.

Não há como ficar indiferente à conjuntura que vivemos hoje. Uma conhecida frase de Florestan Fernandes resume bem o seu pensamento a respeito: “ou os estudantes se identificam com o destino do seu povo, com eles sofrendo a mesma luta, ou se dissociam dele, e neste caso, serão aliados de quem explora o povo”. O mesmo vale para os professores.

Precisamos ter um pé dentro e um pé fora da universidade. Precisamos buscar apoio nas mobilizações populares. Precisamos denunciar a manipulação dos meios de comunicação. A resposta à direita golpista se dará nas ruas, com unidade das forças de esquerda. A saída que eu vejo é caminhar com o povo para a esquerda, caminhar mais com os movimentos sociais, por meio de uma educação cidadã crítica. Resistir e lutar é preciso. (GADOTTI, 2017, p. 15)

Nesse sentido, o projeto de extensão NAJUP Luiza Mahin constrói seus pilares com o objetivo de manter um pé dentro da faculdade de direito da UFRJ na produção de um ensino jurídico crítico e emancipador e um pé fora junto aos movimentos e mobilizações populares em constante diálogo na luta por direitos.

REFERÊNCIAS

 ALMEIDA, Ana Lia. Um estalo nas faculdades de direito: perspectivas ideológicas das assessorias jurídicas universitárias populares. Tese de doutorado. UnB, Brasília, 2015.

BALDEZ, Miguel Lanzellotti. Sobre o papel do direito na sociedade capitalista. Ocupações coletivas: direito insurgente. Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Petrópolis: Editora Gráfica Serrana, 1989.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Assistência jurídica e advocacia popular: serviços legais em São Bernardo do Campo. In: O Direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2011.

DEMO, Pedro. Lugar da Extensão. In: FARIAS, Doris (org). Construção conceitual da extensão universitária na América Latina. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Tradução de Rosisca Darcy de Oliveira. 8 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 30. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a edição. Rio de Janeiro: editora Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

FORPROEX. Política Nacional de Extensão Universitária, Manaus, 2012.

GADOTTI, M. Extensão Universitária: Para quê? Instituto Paulo Freire, v. 15. 2017.

GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. 21a edição. Rio de Janeiro: Record, 2019.

GURGEL, Thizá Marry Jácome. A luta pelo direito à cidade na comunidade da estradinha: da resistência dos moradores à formação de uma rede. Trabalho de conclusão de curso. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018.

QUINTANS, Mariana Trotta. SOUZA, Anna Carolina.  GOMES, Carolina Hennig. ALMEIDA, Maria Dandara. EVANGELISTA, Marina. GURGEL, Thiza.  NASCIMENTO, Thuane. Assessoria Jurídica Universitária Popular no acompanhamento da ocupação das escolas estaduais no Rio de Janeiro. Trabalho apresentado no Seminário do IPDMS de 23 a 27 de agosto de 2017 em Vitória da Conquista, Bahia.

SEVERI, Fabiana (et al.) Cartografia social e análise das experiências de assessorias jurídicas universitárias populares brasileiras: Relatório de pesquisa. Ribeirão Preto, USP, 2014.

SILVA, Gabriel. Assessoria Jurídica Universitária Popular e os Desafios da Extensão Popular. Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, 2016.

SOARES, Anna Carolina. A importância da extensão Universitária popular na graduação em direito: a experiência do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin. Monografia. UFRJ, 2017, 110p.

SOUSA, Ana Luiza Lima. Concepção de Extensão Universitária: ainda precisamos de falar sobre isso? In: FARIAS, Doris (org). Construção conceitual da extensão universitária na América Latina. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.

 

Notas:

[1]Graduando da Faculdade Nacional de Direito e Bolsista de Extensão pelo NAJUP Luiza Mahin (PROFAEX/UFRJ).

[2] Professora Associada da Faculdade Nacional de Direito e  do Programa de Pós graduação em Políticas Públicas e Direitos Humanos (PPDH/UFRJ).

[3] Bacharel em Ciências Sociais e Graduanda da Faculdade Nacional de Direito.

[4] Licenciada em Ciências Biológicas e Graduanda da Faculdade Nacional de Direito.

[5] Essas experiências não se confundem normalmente com as atividades do Núcleo de Prática Jurídica. Fabiana Severi (et.al. 2016, p. 20) explica que “Quando existem os dois núcleos nos cursos de direito, os NPJs e as AJUPs, é comum que os primeiros fiquem com a função de dar um amparo legal gratuito às pessoas carentes que não podem pagar um advogado para resolver as suas demandas. Já os segundos ficam com as atividades de contato direto com grupos vulneráveis e movimentos sociais, em demandas coletivas que dependem de estratégias não só jurídicas, mas, sobretudo, de educação e mobilização populares”.

[6] Sobre a história de Luiza Mahin, a Kehinde, ver Gonçalves (2019).

[7] É uma marca das AJUPs o protagonismo estudantil e a horizontalidade como aponta Almeida (2015).

[8] A sistematização das informações obtidas com a ação de extensão gerou a elaboração de monografias de final de curso e apresentações de trabalhos acadêmicos na jornada de Iniciação Científica da UFRJ. Para maiores informações ver Gurgel (2018).

[9]https://sistemas.rj.def.br/publico/sarova.ashx/Portal/sarova/imagem-dpge/public/arquivos/Relato%CC%81rio_Final_Circuito_de_Favelas_por_Direitos_v9.pdf

[10] O que se observou foi a recorrência de violações aos direitos humanos realizadas durante incursões policiais. Muitos são os relatos que informam que a invasão de domicílios pela polícia militar era uma violação constante. Nessas invasões, em muitos casos houve roubo de dinheiro e de produtos da casa, incluindo alimentos destinados às crianças. Em outros casos, a destruição de alimentos, a violência sexual e o estupro revelaram a crueldade das incursões nas casas de mulheres faveladas.

[11] O Ministro Fachin suspendeu o cumprimento da liminar possessória, condicionando a execução da liminar ao fornecimento pela Prefeitura de moradia adequada em outro local, assim como determinado na cautelar da ADPF 828.

[12] Nessa ação foi deferida parcialmente a medida cautelar, suspendendo os despejos de áreas anteriores a 20 de março de 2020 e estabeleceu condicionantes as remoções de áreas ocupadas posteriormente a essa data, como forma de enfrentamento adequado à pandemia e a consecução do direito à saúde pública e à vida.

[13] O Ministro atendendo a solicitação feita por ofício solicitou a apuração dos fatos pelo Ministério Público.

[14] https://drive.google.com/file/d/1apbh5qCAA0xTvekPBupNQmlnKyeY22Jz/view

[15] https://drive.google.com/file/d/1pPLYSv4VcbeDWDThW9kwVx7lZslpf0DF/view

Palavras Chaves

Extensão Universitária. Educação Popular. Assessoria Jurídica Popular. Direito Insurgente; Protagonismo Estudantil.