O DIREITO DO CONSUMIDOR E O USO OFF LABEL DE MEDICAMENTOS EM COMBATE DA PANDEMIA DA COVID-19, O CASO DA CLOROQUINA E A HIDROXICLOROQUINA.

Resumo

O presente artigo visa analisar o direito do consumidor e o uso off label de medicamentos em combate da pandemia da COVID-19, o caso da Cloroquina e a Hidroxicloroquina. Essas tomadas de decisão são emanadas de uma ética subjacente à ampla defesa do paciente no emprego de medicamentos off label; e formam, a cada passo, a medicina do futuro, para a melhor dignidade do paciente na busca incontida de sua salvação

Artigo

O DIREITO DO CONSUMIDOR E O USO OFF LABEL DE MEDICAMENTOS EM COMBATE DA PANDEMIA DA COVID-19, O CASO DA CLOROQUINA E A HIDROXICLOROQUINA. 

William Lima Rocha[1]

RESUMO: O presente artigo visa analisar o direito do consumidor e o uso off label de medicamentos em combate da pandemia da COVID-19, o caso da Cloroquina e a Hidroxicloroquina. Essas tomadas de decisão são emanadas de uma ética subjacente à ampla defesa do paciente no emprego de medicamentos off label; e formam, a cada passo, a medicina do futuro, para a melhor dignidade do paciente na busca incontida de sua salvação

PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor; CORONAVÍRUS; COVID-19; uso off label de medicamentos; caso da Cloroquina e a Hidroxicloroquina.

  1. Uso off label de medicamentos.

Durante a pandemia do COVID-19, também conhecido como CORONAVÍRUS, o Brasil vem experimentando uma série de medidas na área da saúde visando o combate direto ao inimigo comum da Pandemia. Da mesma forma, os Governos Federal, Estadual e Municipal vêm apresentando uma série de medidas para proteger a economia dos cidadãos, empregados, profissionais liberais, profissionais informais e as empresas, sejam elas micro, pequenas ou de grande porte.

Não há de se negar os esforços médicos para as práticas de tratamento medicamentoso fora de bula, em busca da chance de uma cura por meio de prescrições médicas atípicas. Isso faz parte do esforço, típico de guerra no combate à Pandemia. Esses médicos harmonizam a demanda atual de saber a saúde e o direito à vida como supradireitos fundamentais de todas as pessoas. Nessa diretiva, o diálogo de fontes torna-se medida urgente entre direito e medicina, no enfrentamento da pandemia da Covid-19.

O uso off label de medicamentos é o uso de drogas farmacêuticas que não seguem as indicações homologadas para aquele típico fármaco por organismo regulador oficialmente constituído no País. No caso brasileiro, A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi instituída pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. De acordo com essa lei, a Anvisa é “uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro no Distrito Federal, prazo de duração indeterminado e atuação em todo território nacional”.

A Anvisa tem como função primordial a promoção da saúde da população, atuando no controle sanitário de diversos produtos, tais como medicamentos, alimentos e cosméticos; serviços e até mesmo na fiscalização de portos, fronteiras e aeroportos. Entre suas competências, podemos destacar:Controlar e fiscalizar produtos, tais como medicamentos, alimentos e cosméticos, e serviços que envolvam risco à saúde”.

Quando um medicamento é aprovado para uma determinada indicação isso não implica que esta seja a única possível, e que o medicamento só possa ser usado para ela. Outras indicações podem estar sendo ou vir a ser estudadas. Estudos concluídos ou realizados após a aprovação inicial podem, por exemplo, ampliar o uso do medicamento para outra faixa etária, para uma fase diferente da mesma doença para a qual a indicação foi aprovada, ou para outra doença.

Quando um medicamento é comercializado e existem possíveis indicações ainda não aprovadas, pode ocorrer de um médico querer prescrever o medicamento para o seu paciente. Podem também seguir situações de um médico querer tratar pacientes que tenham certa condição que, por analogia com outra semelhante, ou por base fisiopatológica, ele acredite possam vir a se beneficiar de um determinado medicamento não aprovado para ela.

Quando o medicamento é empregado nas situações descritas acima está caracterizado o uso off label do medicamento, ou seja, o uso não aprovado, que não consta da bula.

Reportagem da Revista VEJA (https://veja.abril.com.br/saude/a-cloroquina-cura-o-coronavirus-veja-esclarece-essa-e-outras-duvidas/) trata da seguinte matéria:

Enquanto os especialistas em saúde do mundo todo correm para encontrar tratamentos – e eventualmente uma cura – para o novo coronavírus, dois remédios ganharam popularidade: a cloroquina e a hidroxicloroquina. A comoção começou quando o presidente dos Estados Unidos Donald Trump considerou as drogas “os agentes de mudança de jogo” e enalteceu a pressa de adquirir esses produtos farmacêuticos e liberar para uso em todos com pacientes com Covid-19, doença causada pelo vírus.

Logo em seguida, o presidente Jair Bolsonaro seguiu a recomendação de Trump e deu início a um embate com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que defende esperar a publicação de estudos clínicos confiáveis antes de liberar o uso do medicamento para todos os pacientes infectados pelo novo coronavírus. Como já era de se esperar, toda essa discussão gerou ainda mais dúvidas na população. Afinal, funciona ou não funciona? Por que não pode usar? (Créditos VEJA)

Anota-se, de logo, na expressão do ministro Luís Felipe Salomão que o off label corresponde ao uso “essencialmente correto de medicação aprovada em ensaios clínicos e produzida sob controle estatal, apenas ainda não aprovado para determinada terapêutica” – STJ – 4ª Turma – REsp. 1729566, j. em 04.10.2018, DJe de 30.10.2018, Rel. Min. Luís Felipe Salomão. “7. A prescrição de medicamento para uso off-label não encontra vedação legal (…)”.

O uso off label não é ilegal, pois o medicamento foi registrado e homologado em agência reguladora. O que pode ocorrer é utilização de fármaco de forma diversa da estabelecida na bula. Essa utilização é feita por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico, mas em grande parte das vezes trata-se de uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado.

Nesse aspecto de risco, como fica o Direito do Consumidor?

  1. Da garantia ao consumidor.

Nunca houve tantas expectativas em relação à Medicina moderna e à prestação dos serviços de saúde. O imaginário social convive com a possibilidade de realização das promessas da beleza e da juventude eternas, da felicidade e do contínuo prazer.

Os usuários da saúde pública e suplementar, por sua vez, nunca expressaram tanta insatisfação com os serviços recebidos e, tampouco, tanto receio quanto às possibilidades de continuar logrando obter atendimento às suas necessidades.

As relações de consumo estão presentes no cotidiano de todas as pessoas. No direito consumerista há inversão do ônus da prova a favor do consumidor, isso se constitui em facilitador da judicialização, pois, em outros casos, incumbe sempre a quem alega provar em juízo.

Também podemos considerar como fator a opção de ação individual ou coletiva, caso várias pessoas sofram um mesmo tipo de dano. Se individual, o consumidor deverá procurar a assistência judiciária gratuita, caso seja carente, ou contratar um advogado. Sendo coletivo, os órgãos de defesa do consumidor, o Ministério Público e as associações poderão, em nome próprio, ajuizar ação em defesa dos lesados.

A responsabilidade civil dos profissionais liberais é a única hipótese de responsabilidade subjetiva no CDC. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será verificada mediante a observação da aferição de culpa.

O Médico – profissional liberal deve ser acionado judicialmente, devendo ser comprovada sua culpa. No caso dos médicos que estejam atuando em um hospital o hospital responde objetivamente e o médico subjetivamente.

Decai o direito de o consumidor reclamar, tratando-se de produtos e serviços duráveis 90 (noventa) dias e produtos e serviços não duráveis 30 dias.

Evidentemente, que nos casos de vícios ocultos, começa a contar o prazo decadencial a partir do momento em que ficar evidenciado o defeito. É de 5 (cinco) anos prazo para prescrição da pretensão à reparação dos danos por defeito dos produtos e dos serviços.

Entretanto, as empresas poderão conceder uma garantia contratual superior a legal, de forma complementar, devendo ser conferida mediante termo escrito, contendo a forma e o lugar que poderá ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor.

Vale ressaltar, que a não entrega do certificado de garantia devidamente preenchido no ato do fornecimento é tipificado como crime, previsto no art. 74 c/c art. 50 ambos CDC.

É importante salientar, que a reclamação do consumidor deverá ser comprovadamente formulada perante o fornecedor até a resposta negativa correspondente de forma inequívoca.

CDC, no que concerne aos prazos de garantia, estabelece a garantia legal e a garantia contratual. A garantia legal está prevista no art. 24, combinado com o art. 26 do CDC, estabelecendo prazo para reclamação de trinta dias, tratando-se de produtos e serviços não duráveis, e de noventa dias, tratando-se de serviços e produtos duráveis.

A garantia legal estabelece um prazo de garantia mínimo, que não poderá nunca ser subtraído do consumidor.

Pode, no entanto, além da garantia legal, conceder o fornecedor ao consumidor a garantia contratual, complementar à primeira. A garantia contratual está prevista no art. 50 do CDC.

Há quem entenda, por conta da expressão “complementar”, disposta no art. 50 do CDC, que, uma vez concedida a garantia contratual, seu prazo deve ser somado à garantia legal. Por exemplo: se na venda de uma televisão o fabricante concede o prazo de garantia de um ano, para os adeptos dessa corrente, teria o consumidor um ano e noventa dias para reclamar, resultado da soma da garantia legal à garantia contratual.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor está pautado na Constituição Federal brasileira, em seus arts. 5º, XXXII, 170, V, da CF e no art. 48 do ADCT.

O art. 5º é enumerado como cláusula pétrea e diz que todo cidadão tem direito à defesa do consumidor, direito básico.

Direitos básicos do consumidor, art. 6º, I – Qual o bem maior a ser tutelado? Vida. Então, temos como direitos básicos do consumidor, no art. 6º, I, direito à vida, saúde, segurança.

Para Claudia Lima Marques (2010)[2], “as normas de ordem pública estabelecem valores básicos e fundamentais de nossa ordem jurídica (…) indisponíveis e inafastáveis através dos contratos”.

Dispositivos constitucionais sobre a garantia a saúde:

ART. 5º, CF/1988 – DO DIREITO À VIDA – A saúde é requisito fundamental para a manutenção da vida, portanto, qualquer tema que envolva a matéria, merece atenção especial, devendo o contrato de plano de saúde respeitar a função social que lhe deu origem;

  • Dilemas e soluções.

Como já dito, nunca houve tantas expectativas em relação à Medicina moderna e à prestação dos serviços de saúde. E o caso da Cloroquina e a Hidroxicloroquina, bem, segundo estudos científicos, os efeitos colaterais desses medicamentos (off label) incluem danos irreversíveis na retina, arritmias cardíacas, fraqueza muscular, queda acentuada no açúcar no sangue, problemas renais e hepáticos, insônia, pesadelos, alucinações e ideação suicida. O medicamento também pode ter interações prejudiciais com remédios usados para tratar diabetes, epilepsia e problemas cardíacos. Vale ressaltar que esses efeitos colaterais são um grande motivo pelo qual a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda mais a hidroxicloroquina como tratamento de rotina para a malária.

O Ministério da Saúde orienta o uso do medicamento apenas diante de casos graves, ou seja, pacientes hospitalizados com pneumonia viral, mediante orientação médica e em conjunto com acompanhamento cardíaco do paciente. Recentemente, a pasta publicou as Diretrizes para diagnóstico e tratamento da Covid-19[3]. O documento especifica a dose e duração do tratamento. O material é destinado prioritariamente aos profissionais de saúde, desde aqueles que manipulam as amostras de pacientes que realizaram exames de diagnóstico do coronavírus até médicos e enfermeiros que estão na “linha de frente” do tratamento de pacientes hospitalizados.

O Conselho Federal de Medicina, pelo Parecer 13/2004, de 14 de abril, ditou que esta prescrição será considerada como pesquisa médica combinada com cuidados profissionais. E pronunciou no sentido de o uso de material/medicamento off label não poder ser tratado de forma ampla e geral, devendo ser analisado casuisticamente” e “não ser cabível a edição de uma norma geral pelo Conselho, porque estar-se-ia a disciplinar de forma genérica situações que são específicas e casuísticas, as vezes até mesmo sem comprovação cientifica” (Parecer 482/2013, de 19 de novembro).

Ao depois, definiu que o uso off label de medicamentos é de responsabilidade do médico, devendo arcar ética, criminal e civilmente pelas consequências de suas ações, já que ciente de que a utilização do fármaco é indicada para outras finalidades” (Parecer de 537/2015, de 21 de outubro).

Por outro lado, o direito de desenvolver, executar, operar ou comercializar produto ou serviço em desacordo com a norma técnica desatualizada de que trata o inciso VI do caput do art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, regulamentado pelo Decreto nº  10.278, de 18 de março de 2020.

Art. 3º  É direito de toda pessoa, natural ou jurídica, desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, desde que não restringido em lei e que observe o seguinte:

I – na hipótese de existir norma infralegal vigente que restrinja o exercício integral do direito, o particular poderá fazer uso do procedimento disposto nos art. 4º ao art. 8º; e

II – na hipótese de inexistir restrição em ato normativo, a administração pública respeitará o pleno exercício do direito de que trata este artigo.

Parágrafo único.  Para os fins do disposto no inciso II do caput, em casos de dúvida, interpreta-se a norma em favor do particular de boa-fé, nos termos do disposto no § 2º do art. 1º e no inciso V do caput do art. 3º da Lei nº 13.874, de 2019.

IV – Conclusão

Na perspectiva de Figueiredo (2004)[4], a noção de responsabilidade profissional nasce da violação de um dever jurídico, da inobservância dos preceitos descritos nos códigos de ética e das demais normas disciplinadoras.

A preocupação com a responsabilidade ética, em especial na Medicina, nasce na Antiguidade. Os arts. 215 a 240 do mais antigo Código de Ética da humanidade – Código de Hamurabi (1750 a.C.) – regulavam a atuação dos médicos.

Os médicos podem redirecionar o uso de um medicamento que foi liberado para tratar outras doenças, como a hidroxicloroquina, prescrevendo-o para uso off label, em casos individuais. Neste caso, fica a critério do profissional de saúde se responsabilizar pelos pacientes e possíveis riscos envolvidos no uso da medicação.

Essas tomadas de decisão são emanadas de uma ética subjacente à ampla defesa do paciente no emprego de medicamentos off label; e formam, a cada passo, a medicina do futuro, para a melhor dignidade do paciente na busca incontida de sua salvação.

 

V – Referências

FIGUEIREDO, A. M. Responsabilidade ética e legislação na área da saúde. 2004.

MARQUES, Claudia Lima. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. (org.). Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.

PORTAL FIOCRUZ Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/ministerio-da-saude-divulga-diretrizes-para-diagnostico-e-tratamento-da-covid-19. Acesso em 10 de maio de 2020

Notas:

[1]Advogado, Procurador-adjunto da JUCERJA, Especialista em Direito do Consumidor e da Concorrência, FGV/Rio. Doutorando em Ciências Jurídicas e Mestrando em Direito Empresarial Econômico, Universidade Católica da Argentina (UCA), [email protected], http://lattes.cnpq.br/0712428508406106

[2] MARQUES, Claudia Lima. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. (org.). Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.

3 https://portal.fiocruz.br/noticia/ministerio-da-saude-divulga-diretrizes-para-diagnostico-e-tratamento-da-covid-19

[4] FIGUEIREDO, A. M. Responsabilidade ética e legislação na área da saúde. 2004.

 

Palavras Chaves

Direito do Consumidor; CORONAVÍRUS; COVID-19; uso off label de medicamentos; caso da Cloroquina e a Hidroxicloroquina.