O Sistema Jurídico Moderno: Cultura Patriarcal e a Interseccionalidade nos Tribunais

Resumo

O artigo aborda Teorias Feministas do Direito e Direito Positivo, sob perspectivas jurídicas, históricas e sociológicas. Aponta a condição da mulher, sobretudo, no tratamento desigual aos homens que lhe é dispensado pelo Sistema Jurídico Brasileiro. Com base na história do Brasil, doutrina e literatura de feministas e mulheres operadoras do direito, bem como reflexões desta natureza, argumenta que o Sistema Jurídico atual é ainda extremamente patriarcal e machista, relegando à mulher a proteção à dignidade da pessoa humana, sua liberdade e igualdade como sujeito de direito com práticas nas decisões, sentenças e jurisprudências que perpetua e reproduz o preconceito de gênero acentuado à instesecionalidade.

Artigo

O Sistema Jurídico Moderno: Cultura Patriarcal e a Interseccionalidade nos Tribunais

 

                                                                                         Sonia da Silva Oliveira Klausing[1]

Resumo – O artigo aborda Teorias Feministas do Direito e Direito Positivo, sob perspectivas jurídicas, históricas e sociológicas. Aponta a condição da mulher, sobretudo, no tratamento desigual aos homens que lhe é dispensado pelo Sistema Jurídico Brasileiro. Com base na história do Brasil, doutrina e literatura de feministas e mulheres operadoras do direito, bem como reflexões desta natureza, argumenta que o Sistema Jurídico atual é ainda extremamente patriarcal e machista, relegando à mulher a proteção à dignidade da pessoa humana, sua liberdade e igualdade como sujeito de direito com práticas nas decisões, sentenças e jurisprudências que perpetua e reproduz o preconceito de gênero acentuado à instesecionalidade.

Palavras-chave – Direito Positivo. Patriarcal. Feminismo. Mulher. Interseccionalidade

Sumário – Introdução. 1. Processo Histórico do Direito Positivo e Feminismo no Brasil.  2. A Sociedade Contemporânea e os Estudos Feministas Críticos do Direito Brasileiro. 3. Interseccionalidade nos Tribunais a Luz dos Casos Concretos. Conclusão. Referências.

  INTRODUÇÃO

               O sistema jurídico moderno foi construído historicamente sob as bases paternalistas da sociedade europeia, observando-se que as mulheres eram excluídas das decisões políticas e

sociais, inclusive do voto; sistema este, empregado para enxergar as relações entre soberano e súdito, domínio e submissão, dando continuidade a reprodução patriarcalista na estrutura das normas, legislações, decisões, julgamentos e jurisprudências, ratificando e naturalizando a violência de gênero, justificada como controle da irracionalidade feminina, perpetuada por um discurso de que as mulheres apresentam comportamentos contraditórios, desmedidos,excessivamente sentimentais, dando causa a agressividade muitas vezes por sua incapacidade de controle, gerando nesta ótica, a repetição continuada da naturalização da violência de gênero como fato que sempre aconteceu e que sempre acontecerá, ainda que em menor potencialidade.

                 O objetivo do trabalho é demonstrar como o sistema jurídico moderno, ainda reproduz a cultura patriarcal, traduzindo práticas discriminatórias, deixando de aplicar o mais efetivo princípio do direito positivo brasileiro: o princípio da igualdade.

                Para atingir o propósito desejado, o artigo será estruturado em três capítulos, o capítulo 1 apresenta breve passagem histórica do direito positivo no Brasil e o feminismo brasileiro. No capítulo 2, será indicada a influência da cultura patriarcal na construção do sistema jurídico moderno e do direito positivo, perpetuando o preconceito e a discriminação nas decisões dos tribunais e as Teorias Feministas.

              No capitulo três, será apresentado o estudo de casos concretos e análise dos resultados da pesquisa, confirmando a conduta patriarcal e a discriminação interseccional reproduzida no sistema jurídico, no direito positivo e nos tribunais.

1.PROCESSO HISTÓRICO DO DIREITO POSITIVO E FEMINISMO NO BRASIL

                 A História do Direto, preconiza o entendimento dicotômico de duas correntes, e a discussão sobre a complementaridade de ambas: O direito positivo e direito natural.

             Distinguem entre si desde a antiguidade, sendo o direto natural aceito pelos filósofos gregos como expressão de exigências éticas e racionais e assim, superiores às do direito positivo. Essas discussões se transformaram em estudos, culminando em teorias e assim essas, chegam a Roma onde Cícero faz apologia à lei natural, que não precisa ser promulgada pelo legislador para ter validade. É ela que ao contrário, confere legitimidade ética aos preceitos da lei positiva.

                  Esses estudos, deram origem ao conceito das duas correntes doutrinárias que sustentam o sistema jurídico tornando o Estado  completo e autossuficiente, gerando sinergia entre ambas, pois o Juspositivismo, norma posta como fonte única e primária do direito em que, o que é justo está escrito na lei concreta criada pelo Estado,  e, o jusnaturalismo, o direito natural que  antecede as normas escritas pelo Estado, surgindo pela vontade divina ou ainda da razão. Seu ideal de justiça nasce de um conjunto de valores e pretensões humanas legítimas e não outorgadas pelo Estado, sendo consubstanciado na intenção de garantir direitos sociais e respeito às liberdades individuais, convertendo-se em uma forma de positivar nos ordenamentos jurídicos estatais os direitos naturais tornando-os instituídos nos textos constitucionais.

               A ilação do constitucionalismo com a proteção de direitos fundamentais foi o que incrementou substancialmente o constitucionalismo como movimento em rumo de uma igualdade cada vez maior entre os homens, concluiu Tocqueville[2] no o século passado.

                Embora houvesse desde a idade antiga, a preocupação em torno desses direitos, o surgimento da proteção aos direitos fundamentais possui caráter recente e ainda carece maior equidade nas questões de gênero, pois  historicamente  dentro do conceito Jusnaturalista, Direito Natural, que acreditava na ideia de justiça universal baseada nas leis da natureza, nas leis de Deus (sob a perspectiva da Igreja) ou pela razão humana (Iluminismo), surge  no Século VIII A.C, Débora,  a primeira Juíza que se tem conhecimento. Descrito no Livro de Juízes na Bíblia[3] Sagrada, a mesma desempenhou importante papel, pois no seu  tempo, não havia rei sobre Israel. “O povo era liderado por juízes” – pessoas influentes, usadas por Deus, que se tornavam líderes políticos, espirituais e militares. Quando Deus a levantou Juíza, os israelitas tinham se desviado de Deus e estavam sendo oprimidos por Jabim, rei de Canaã.

                A vida de Débora nos ensina que Deus não faz acepção pois todos são iguais perante sua lei e a constituiu Juíza, tornando-a  líder político e espiritual de um país inteiro!

              Diferente de outras nações, o Brasil é um país naturalista e com normas que vigoram para todo o território nacional, onde todas as leis deverão respeitar o direito natural de cada cidadão.

                Por isso, não temos pena de morte, pois fere nosso direito natural à vida, entretanto, permanecemos distantes da aplicação total de sua práxis no que tange a igualdade de Gênero, vez que, no curso da história, a Mulher sempre esteve socialmente em posição aquém da sua capacidade e autonomia, por machismos disfarçados de protecionismo e ou sentimento de  domínio e posse.

                Foi contra tais injustiças que o Feminismo se insurgiu e continua se insurgindo.  Assim, do Século VIII A.C  ao  século XVII D.C, mais precisamente em ‎1789–1799, (um hiato de 1.500 anos de invisibilidade) período em que as manifestações feministas de caráter mais contundentes surgiram a reboque da  revolução francesa, cujos lemas principais eram liberdade, igualdade e fraternidade. Entretanto, a consolidação do ideário revolucionário não aconteceu, e todas as insurreições foram abafadas por meio de métodos violentos, nos quais se incluem a decretação da pena capital. Há registros de quase 400 execuções de mulheres durante o terror.  O que tornou patente essa diferenciação e discriminação que traz marcas e reflete até os dias atuais

              “Para as mulheres, reservava-se uma cidadania específica a ser exercida no recesso do lar, como mães dos futuros republicanos, cabendo-lhes a defesa dos interesses familiares.” Concretizando tais formulações, o deputado Chaumette (apud Varikas,1997,p.4) opõe-se à participação da representação feminina na Assembleia apelando para tais diferenças entre homens e mulheres. Justificava, irritado:

  “A quem a natureza confiou os cuidados domésticos? Por acaso a nós?
Deu-nos seios? Enfraqueceu nossos músculos para nos tornar próprios  aos cuidados do lar?.”[4]

              O parágrafo acima, demonstra claramente que houve usurpação dessa equidade de direito devido tanto a hermenêutica, exegese e homilética, na interpretação dos textos Bíblicos em uma manobra de interesses de dominação, tendo em vista, a origem do surgimento do Jusnaturalismo.

              No Brasil, o movimento feminista surge no século XIX com a luta pela educação feminina e pelo direito ao voto, concomitantemente a abolição da escravatura e na primeira República o movimento torna-se mais amplo, pois o Código Civil de 1916 definia a mulher como incapaz, dependente do pai ou do marido. As questões vão se avolumando e na Greve Geral de 1917, surgem reivindicações específicas por parte deste coletivo junto aos patrões.

              Em 1932, no Governo de Getúlio Vargas, o movimento feminista de forma coesa pressiona e consegue finalmente o direito ao voto. Em 1951, projeto foi apresentado ao Congresso Nacional sobre a situação da mulher casada e a tutela junto ao marido no Código Civil brasileiro. Dez anos se passaram depois de muitas lutas e pressões, o novo Código Civil de 27 de agosto de 1962, terminava com a tutela dos maridos sobre as suas esposas. Agora, as mulheres não precisariam mais da autorização do marido se quisessem trabalhar fora de casa, receber herança, ou viajar.

              A década de 60 é marcada pela liberação sexual, pelo surgimento da pílula anticoncepcional e pelos movimentos dos direitos civis. Estes trazem à tona questões específicas como a questão da mulher negra, da mulher indígena e LGBT`s.

             Na década de 70, algumas mulheres lutaram  contra a ditadura militar e muitas foram presas, torturadas e exiladas, dentre estas, a ex Presidenta da República Dilma Roussef, posto que no  período da ditadura militar qualquer manifestação política era vista como ameaça à segurança nacional.

              Com a volta da democracia ao Brasil, as mulheres ganham mais protagonismo no governo com a criação, em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), e

conseguem 26 cadeiras  durante  a  eleição  para  a  Assembleia  Constituinte  onde  lutaram  pela

inclusão de leis que atendessem as mulheres. Foram incorporados, além da igualdade jurídica entre homens e mulheres, licença-maternidade com duração superior à da licença-paternidade; o incentivo ao trabalho da mulher, mediante normas protetoras; prazo mais curto para a aposentadoria por tempo de serviço e contribuição da mulher.

              Daí para frente os acontecimentos mais recentes nos mostram a luta entre avanços e retrocessos na disputa por respeito às igualdades previstas por essa Constituição, e que embora as Mulheres tenham ocupado muitos espaços, a divergência entre o que escrito e a prática ainda é há muito a se fazer no campo jurídico.

              Exemplo disso é a reprodução do machismo nas decisões dos tribunais à luz dos casos concretos, onde há sim um alijamento desses direitos Jusnaturalistas.

              Isso se deve a indivisibilidade entre teoria e prática, pois em outros países, a teoria feminista do direito é bastante estudada, chegando a ser considerada como um lugar comum nos currículos dos cursos de Direito. Ao contrário do Brasil, onde é até agora, uma disciplina que enfrenta fortes preconceitos, sendo pouco conhecida e pouco lecionada.

              As teorias feministas do direito rejeitam uma visão repressora do fenômeno jurídico e apresentam ainda maneiras de compreender como e por que o direito (em todas as acepções do termo, como a ciência jurídica, direito positivo, direito subjetivo ou direito “vivo”) contraiu o formato que possui hoje, considerando como as relações de gênero patriarcais influenciaram a constituição.

  1. A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E OS ESTUDOS FEMINISTAS CRÍTICOS DO DIREITO BRASILEIRO

              A sociedade contemporânea presencia um panorama de mudanças que influencia  diretamente o sistema social e econômico. As transformações ocorridas nas últimas décadas alteraram a vida da sociedade estabelecendo uma nova maneira dos seres humanos se relacionarem. A globalização é uma das modificações que influenciaram diretamente o ambiente organizacional, as variações tecnológicas, a mão de obra plural, os clientes mais exigentes, o requinte na introdução de modelos de gestão, o trabalho com novo conceito e a sociedade com perspectivas diversas. Com a inclusão da mulher no ambiente organizacional, os vínculos de trabalho logram novos sentidos e complicações.

              A Mulher, ao longo da história, conquista alguns direitos, muda à forma de agir e pensar, desliga-se da submissão ao homem para buscar condição de igualdade com ele. Com efeito, aumenta a força do trabalho feminino na produção econômica e, consequentemente,  alcançando posição de destaque no mercado de trabalho, mas o preconceito nascido pela desigualdade é implícito ainda ante a aplicabilidade de preceitos elaborados em combate a esse jeito de apartação.

               O setor empresarial, sempre burlando, durante gerações, os princípios da legislação que protege à mulher, deixou de contribuir com as mudanças imperiosas.

              Embora propagando narrativa de igualdade de condições e oportunidades, é notório a existência das diferenças no mercado de trabalho entre mulheres e homens, tanto no pertinente aos níveis salariais, à possibilidade de crescimento na carreira ou às oportunidades de exercer determinadas funções. Nesse diapasão, a teoria das relações de gênero colabora com a compreensão dessas questões, bem como a polêmica do processo de construção da identidade da mulher na conjuntura organizacional.

              Nos últimos dez anos, ocorreram avanços nas pesquisas sobre gênero e o estudo de indagações que cingem a evolução das mulheres nas organizações (CALÁS; SMIRCICH, 1999; BUTLER, 2003; CAPELLE, 2004), a maior parte nascida a partir do movimento feminista, momento em que as que as matérias  ligadas a gênero se receberam mais evidencia e adquiriram moderno sentido. Logo, os estudos que consideram  o debate sobre o tema “Relações de Gênero” apresentam uma pluralidade de direções.  Através da análise da evolução dos conceitos de gênero, o fato pode ser compreendido de acordo com a ingerência da época, Capelle (2004) cita que as abordagens mais remotas sobre o gênero consideravam as características biológicas de cada sexo, atribuindo a esse fato as desigualdades entre eles. Calás e Smircich (1999) argumentam o conceito de gênero com base nas citadas teorias que resumem diversos questionamentos feministas aos estudos organizacionais, almejando retratar como cada escola cuida da matéria de forma diversa. Não obstante a todo avanço conquistado à presença da dominação masculina em quase todos os campos das relações sociais ainda é absurda. Embora as abordagens recentes sobre os estudos que contemplam a mulher nas organizações tenham auferido considerável espaço na literatura e meio acadêmico, o tema ainda é predominantemente masculino.

  1. INTERSECCIONALIDADE NOS TIBUNAIS A LUZ DOS CASOS CONCRETOS

A Lei n.9.099/95[5], Juizados Especiais Criminais, que julgava a violência doméstica e familiar contra a mulher como crime de “menor potencial ofensivo”, é um dos exemplos da ratificação da tolerância estatal e no tratamento discriminante contra a mulher, reproduzindo dessarte a cultura patriarcal. E essa cultura patriarcal é aplicada nas decisões como a do Juiz Estadual de Sete Lagoas(MG)[6], que negou a medida protetiva no caso de violência doméstica contra a mulher, com o seguinte trecho da fundamentação:

 “DECISÃO: Autos nº 222.942-8/06 – “Vistos, etc.…Por isso, e    na    esteira     destes  raciocínios dou-me o direito de ir mais longe, e em definitivo!    O mundo é masculino!   A ideia que temos de Deus é masculina! Jesus foi Homem! …a  chamada  Lei Maria da Penha”  é     um    monstrengo   tinhoso…”.

               Nesse diapasão nossa jurisprudência também é exemplo da reprodução da cultura patriarcal, demonstrada na decisão do Ministro Marco Aurélio, STF-MS 30320[7], que suspendeu o ato do CNJ, afastando o juiz Edilson Rodrigues, em procedimento disciplinar, pela prática de ato  atentatório à dignidade do cargo, por suas considerações de cunho preconceituoso à Lei Maria da Penha (Lei11.340/06)[8] e às mulheres, com trechos que corroboram esse “pacto masculino” dando continuidade a esta prática, vejamos:

                                         “…ao prolatar sentença – no exercício, portanto, do ofício judicante – o  magistrado a denominada “Lei Maria da Penha”, ingressando na área filosófica para enaltecer a       figura masculina, tomando a feminina como a estar em segundo plano. Ora, o que lançado é concepção individual que, não merecendo endosso, longe fica de gerar  a   punição.”  –  “Consigno mesmo que punir o magistrado  pela concepção que    revele  sobre certa lei, sobre os gêneros masculino e feminino, é passo nefasto que não contribui em nada para o avanço cultural, para o aperfeiçoamento das instituições. ’    Sua decisão, então, consolidou o que o mundo masculino enxerga, uma questão quando o assunto é pertinente à mulher, portanto, não se deve falar em punição   do  nobre magistrado!

  1. AS PECULIARIDADES DE CASOS DE DISCRIMINAÇÃO INTERSECIONAL

              A intersecionalidade figurou em um caso que o Brasil constou como denunciado perante o Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw – Convention on the Elimination of all Forms of Discrimination against Women) da ONU[9]; em razão do tratamento execrável dispensado a uma mulher negra e pobre, moradora da baixada fluminense, Alyne da Silva Pimentel[10], que veio a óbito em um hospital público do Rio de Janeiro, decorrente de complicações de sua gravidez. Os familiares ajuizaram ação contra o Estado, mas a tramitação emperrava, levando sete anos desde sua propositura; ante essa lentidão, os familiares encaminharam pedido ao Cedaw, informando as violações aos direitos humanos.

              Então o Comitê decidiu pela presença de mais de um critério proibitivo de discriminação, indicando que a jovem foi discriminada, não apenas com base no seu sexo, mas também em razão da sua cor e da sua classe social, resultando um acordo extrajudicial de reparações financeira e simbólicas.

              No caso concreto julgado pelo Tribunal de Apelação Trabalhista do Reino Unido (Employment Appeals Tribunal)[11], de duas jovens negras garçonetes, que trabalhavam em um hotel quando um comediante se apresentava, e em suas piadas fazia várias inserções de cunho sexual e relacionadas a homens negros e às mulheres negras, lhes alcançando diretamente,  foi reconhecido por unanimidade de opinião, que o empregador  submeteu as recorrentes ao assédio racial e de gênero.

              A inserção do tema da interseccionalidade na prática ao combate às situações discriminatórias, é primordial para aplicação mais efetiva do princípio da igualdade no direito brasileiro. Consubstanciada no art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal (Brasil, 1988) )[12], cujos termos indicam a abertura constitucional para o enfrentamento da Discriminação interseccional c/c o Estatuto da Igualdade Racial ( Lei n.12.288/2010)[13], em que há clara alusão à discriminação múltipla, com a definição de desigualdade de gênero e raça e a menção explícita a mulheres negras, condenaria a empresa em reparação financeira e simbólica, bem  como, manter obrigatoriamente seus funcionários informados quanto ao sindicato de sua categoria, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho (Órgão do Governo Federal encarregado da fiscalização das Empresas – em cada Estado há uma Subdelegacia do Trabalho, onde funciona um Núcleo de Acompanhamento das Denuncias de Assédio Moral).

              É uma batalha e também uma necessidade, tanto para as ciências sociais quanto para a cência jurídica, perceber a discriminação interseccional; o direito da antidiscriminação só acontece através das reivindicações políticas e demandas judiciais que defendam o maior número de perspectivas e de alternativas, permitindo que algumas discriminações antes não percebidas se tornem visíveis, apontando preconceitos contra “os diferentes” até então inquestionados.

  1. CONCLUSÃO

              Os Estudos e Teorias Feministas, bem como sua aplicabilidade, aliados a compreensão da sociedade, pelo sistema de justiça são fulcrais para as mudanças de decisões jurídicas pautadas pela introjeção de princípios preconceituosos e consequentemente, discriminatórios, que incidem nas normas sobre as mulheres brasileiras.

              A difusão dessas teorias feministas, assim como seus estudos, possibilita a edificação de

dum olhar equânime na construção de normas jurídicas conduzindo a decisões judiciais livres de preconceitos,  mister  se f az   que  os  estudos  sobre  as   Teorias   Feministas  do  direito  sejam

incluídos nas grades dos cursos de Direito, e outras cadeiras das ciências sociais, gerando significativamente o crescimento do ensino sobre a matéria, como um dos instrumentos ao combate do preconceito de gênero, bem como a introdução e aplicação dos mecanismos internacionais de proteção e defesa dos direitos humanos das mulheres, essencialmente, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, sigla em inglês).

              Igualdade, nem mais, nem menos. Direitos humanos para todas as mulheres e meninas, nem mais, nem menos, Declaração dos Mecanismos das Mulheres da América Latina e do Caribe frente ao 58º Período de Sessões da Comissão do Status da Mulher (CSW)[14]

                  Dessarte, para construir um sistema jurídico que  efetivamente atenda  os  anseios  da

Sociedade   contemporânea   em  sua    diversidade,  obedecendo  a  um  dos  maiores  princípios

constitucional, o princípio da isonomia, também conhecido como princípio da igualdade, que  representa o símbolo da democracia, por indicar um tratamento justo para as cidadãs e cidadãos, e que consoante a Constituição Federal, está previsto no artigo 5º, que diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, não restando assim alternativa senão a desconstrução de todo o arcabouço jurídico perpetuado e reproduzido sob a égide patriarcal, machista e sexista. Desconstruir para Construir, é o lema que exercitando, estudando, pesquisando, disseminando e compartilhando saberes, no sistema jurídico em consonância com a sociedade, é que permitirá uma nova hermenêutica, com uso de diferentes figuras normativas, os próprios princípios insertos na Constituição, flexibilizando o Direto, com o escopo de adaptar-se as novas e diversas situações.

  

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n.30320.Impetrante: Associação dos Magistrados Mineiros-AMAGIS e outro(a/s). Impetrado: Conselho Nacional de justiça. 02.02.2011.Disponívelem:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?>

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BUTLER, J. P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da  identidade. Estudos Feministas. Florianópolis, 2003. p.179-183.

CALÁS, M. B.; SMIRCICH, L. Do ponto de vista da mulher: abordagens em estudos organizacionais. In: CLEGG, S. R.; HARDY, C. Handbook de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999.

CAPPELLE, M. C. A., BRITO, M. J., MELO, M. C. O. L., & VASCONCELOS, K. A. A produção científica sobre gênero nas organizações: uma meta-análise. Revista Eletrônica de Administração, 13(3), 512-528, setembro/dezembro, 2007.

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SABADELL,  Ana  Lucia. A  problemática  dos  delitos   sexuais   numa  perspectiva  de  direito comparado. Revista brasileira de ciências criminais n.27,1999, p. 80-102.

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 Notas de Rodapé:

[1] Graduada pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Advogada.Pós-graduada em Gênero e  Direito                                                                                pela EMERJ.

[2] LEITE, Gisele. Constitucionalismo e sua história. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 94, nov 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/índex.php?n_link=revista _artigos_leitura&artigo_id=10611>

[3] BÍBLIA. A. T. Gênesis. In: BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada:contendo o antigo e o novo testamento. Tradução de JoãoFerreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil.
[4] VARIKAS, Eleni. “O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva”. TEMPO Revista do Departamento de História da UFF, Rio de Janeiro: Relume Dumará.

[5] PORTAL DO PLANALTO. Juizados Especiais Criminais. Lei n. 9.099/95. http://www4.planalto.gov.br/legislacao

[6] PORTAL DO PLANALTO.http://www4.planalto.gov.br/legislacao https://direitosfundamentais.net/2007/08/08/perolas-jurisprudenciais-decisoes-judiciais-politicamente-incorretas/.

[7] STF.MS 30320 -MANDADO DE SEGURANÇA(Eletrônico). DF. Rel. Min.Marco Aurélio.

[8] PORTAL DO PLANALTO.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340

[9] Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher-CEDAW. http://www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/

[10] Caso Alyne  Pimentel. Disponível em: https://www.reproductiverights.org/sites/crr.civicactions.net/files/

documents/LAC_Alyne_Factsheet_Portuguese

[11] BURTON & RHULE. http://people.exeter.ac.uk/rburnley/empdis/1996IRLR596.html

[12] BRASIL. Constituição Federal. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “… IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[13] BRASIL. Lei n. 12288/2010. Art.1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm

[14] DeclaracionMexico-POR.pdf.  https://www.oas.org/en/CIM/docs/DeclaracionMexico-POR.pdfw

 

Palavras Chaves

Direito Positivo. Patriarcal. Feminismo. Mulher. Interseccionalidade