O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A RESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS

Resumo

O presente artigo tem como objeto a análise da efetividade do direito de greve no serviço público e, particularmente, os termos e efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal - STF no sentido de ser aplicável, por analogia, a Lei nº 7.783/89 - Lei Geral da Greve - à greve no serviço público e, por fim, sua ulterior e mais recente decisão em razão do julgamento do Recurso Extraordinário 693456.
Ressaltamos que em face da última decisão do STF, a qual penaliza os servidores civis que realizarem greve e, tendo em conta os cem anos completados no ano de 2017 das primeiras greves gerais no Brasil, fundamentais na conquista dos Direitos Trabalhistas posteriormente consagrados na CLT e, ainda, o recente desmonte destes mesmos direitos, torna-se explícita a relevância do debate acerca do Direito de Greve para os servidores públicos civis.
Dessa forma, apresenta-se como problema central deste trabalho a controvérsia acerca da efetivação do direito de greve dos servidores públicos no Brasil não obstante a sua garantia no texto constitucional de 1988, bem como de sua “regulamentação provisória” através da Lei nº 7.783/89, nos termos das decisões do STF nos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712 e, ainda, no RE 693456.

Artigo

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A RESTRIÇÃO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS

 Maiara Leher[1]

Resumo:        

              O presente artigo tem como objeto a análise da efetividade do direito de greve no serviço público e, particularmente, os termos e efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal – STF no sentido de ser aplicável, por analogia, a Lei nº 7.783/89 – Lei Geral da Greve – à greve no serviço público[2] e, por fim, sua ulterior e mais recente decisão em razão do julgamento do Recurso Extraordinário 693456.

              Ressaltamos que em face da última decisão do STF, a qual penaliza os servidores civis que realizarem greve e, tendo em conta os cem anos completados no ano de 2017 das primeiras greves gerais no Brasil, fundamentais na conquista dos Direitos Trabalhistas posteriormente consagrados na CLT e, ainda, o recente desmonte destes mesmos direitos, torna-se explícita a relevância do debate acerca do Direito de Greve para os servidores públicos civis.

              Dessa forma, apresenta-se como problema central deste trabalho a controvérsia acerca da efetivação do direito de greve dos servidores públicos no Brasil não obstante a sua garantia no texto constitucional de 1988, bem como de sua “regulamentação provisória” através da Lei nº 7.783/89, nos termos das decisões do STF nos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712 e, ainda, no RE 693456.

Palavras-chave: Direito de greve. Servidores públicos civis. Supremo Tribunal Federal.

O Direito de Greve na Constituição Federal de 1988

 

              Sendo um instrumento de luta que resulta das contradições entre o capital e o trabalho, o direito de greve expressa a tensão entre a concepção de que esta forma de luta é um direito humano fundamental e, de outro, de que a mesma representa uma “ameaça ao livre funcionamento do mercado”.

              O direito de greve suscita, inevitavelmente, interpretações contraditórias que dependem da correlação de forças em um dado tempo e espaço. Em um contexto de flexibilização dos direitos trabalhistas, a consideração dos posicionamentos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – parte destes elaborados no período do Estado de Bem Estar Social que admitia a greve como direito social – é importante por oferecer um balizamento internacional do direito de greve como um direito fundamental.

              A OIT, criada pelo Tratado de Verseilles em 1919 e, posteriormente, vinculada a ONU, configura um organismo especializado na defesa dos direitos sociais e trabalhistas. Conforme afirma Carlos Henrique Bezerra Leite (2001, pág. 1469), este organismo não possui convenção específica sobre a greve, mas a doutrina converge na análise de que as Convenções de nos 87 e 98, que dispõem sobre liberdade sindical e negociação coletiva, contemplam, tacitamente, a greve como direito fundamental dos trabalhadores, tanto do Estado, como do setor privado.

              Elaborada em um período de grande protagonismo social, mais de 4 mil greves anuais e de vigoroso processo de reorganização dos trabalhadores, a Carta Magna foi muito mais favorável aos direitos sociais do que a correlação de forças no parlamento permitia antever. Entre os principais avanços da Carta, o direito de greve foi consideravelmente ampliado e, o que é mais importante, reconceituado como direito da cidadania. Nos termos de Maurício Godinho Delgado (2007):

A Constituição de 1988 (…) surge, claramente, como o momento mais elevado de reconhecimento do direito paredista na ordem jurídica do país. Mesmo consideradas as fases de não regulação ou proibição desse tipo de movimento social, de pré-1930, e de regulação restritiva vivenciada entre 1946-1964, e sempre tomando-se em consideração as longas fases obscurantistas sofridas no Brasil ao longo do século XX, a Carta de 1988 demarca-se como o momento mais notável de afirmação do direito de greve na História brasileira (pág.1442).

              De fato, a Carta Magna de 1988, reconhece e garante o direito de greve no Capítulo II – Dos direitos sociais, do Título II – dos direitos e garantias fundamentais, estabelecendo em seu artigo 9º ser “assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.”

              Dessa forma, o direito de greve que anteriormente foi considerado como prática antissocial e até mesmo como delito, passou a ser constitucionalmente garantido como um direito fundamental. Contudo, o reconhecimento desse direito não se deu apenas por vontade dos constituintes, mas, sobretudo, pela luta ao longo destas décadas dos trabalhadores. Pois a greve “antes de ser um direito é um fato. Antes de existir juridicamente, antes de ser reconhecida pela normatividade burguesa ela existe objetivamente. Greve legal, sim, é criação da norma” (GENRO, 1988, pág.45).

              Distintos doutrinadores corroboram que a greve é um direito humano fundamental, pois não apenas é um instrumento para que o ser humano possa lutar por sua dignidade enquanto trabalhador, mas, também, porque é um fator que contribui para o próprio progresso social dos povos.

              Tão cedo fora promulgada a Constituição, logo os dispositivos relacionados ao direito de greve seriam alvo de reformas, onde se destaca a contrarreforma implementada pelo Reforma Gerencial do Estado através da EC-19, de 1998. Cabe ressaltar, no entanto, que mesmo antes disso, já havia tentativas de restringir o direito à greve. Fora o caso das Medidas Provisórias 50 e 59, do governo José Sarney, que estabelecia determinados serviços como essenciais, restringindo o direito destes trabalhadores a greve. Esta restrição tornou-se lei por intermédio da Lei nº 7.783 de 1989.

              A Lei nº 7.783/89 foi justificada como uma resposta à determinação constitucional que prevê a necessidade de lei que disponha sobre “(…) os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (Art. 9, § 1º; DELGADO, 2007, p. 182-3). A primeira limitação prevista no Art. 9o da Constituição Federal de 1988 refere-se às atividades essenciais, a segunda diz respeito aos abusos cometidos no ato da greve. Sob o  pretexto de regulamentar o direito de greve, a referida Lei acabou por limitar os interesses a serem defendidos pelo direito de greve. No artigo 3º, a legalidade da greve é condicionada pelo legislador às relações estritamente trabalhistas, sendo considerada legítima a greve apenas nas hipóteses em que houver sido “frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recurso via arbitral”. A partir dessa restrição, foi deflagrada uma importante discussão doutrinária sobre a amplitude do direito de greve. Para alguns juristas, como Raimundo Simão de Melo (2006) a lei ordinária restringiu o alcance do direito constitucional:

(…) Embora a Constituição Federal tenha reconhecido esse direito como um direito amplo e fundamental do trabalhador genericamente considerado, a doutrina trabalhista, e mais especialmente a jurisprudência, tem procurado restringir o seu uso a partir da definição que lhe deu o artigo 2º da Lei nº 7783/89, que a direciona ao empregado e ao empregador na relação estrita trabalhista (pág. 46).

              Arnaldo Lopes Sussekind (apud MELO, op.cit., p. 44) sustenta que o direito de greve destina-se também a tutela de direitos diversos da estrita relação trabalhista, a exemplo dos direitos de natureza social ou ambiental. De fato, José Afonso da Silva (2007) salienta que o direito de greve não pode estar circunscrito ao que usualmente se denomina de pauta estritamente econômico-corporativa:

A Constituição assegura o direito de greve, por si própria (art.9º). Não o subordinou a eventual previsão em lei. É certo que isso não impede que a lei defina os procedimentos do seu exercício, como exigência de assembléia sindical que a declare, de quorum para decidi-la e para definir abusos e respectivas penas. Mas a lei não pode restringir o direito mesmo, nem quanto à oportunidade de exercê-lo nem sobre os interesses que, por meio dele, devam ser defendidos. Tais decisões competem aos trabalhadores e só a eles (art. 9º). Diz-se que a melhor regulamentação do direito de greve é a que não existe (…). Lei que venha a existir não deverá ir no sentido de sua limitação, mas de sua proteção e garantia (…) Quer dizer, os trabalhadores podem declarar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, com o fim de conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou greves de protestos. (grifos do autor) (pág. 303-4).

              Em relação à greve dos servidores públicos, o artigo 16º da Lei nº 7.783/89 reiterou, quando de sua aprovação, a necessidade de lei complementar, conforme o Art.37, Inciso VII, da Constituição Federal, discutido a seguir.

O direito de greve no serviço público

              Um dos aspectos mais avançados da Carta de 1988 foi o reconhecimento do direito de greve e de organização sindical no serviço público, direito até então negado a estes trabalhadores. A questão é sumamente complexa, dado a simultânea condição do servidor público: a sua condição de trabalhador e de servidor do Estado a serviço do público. É certo que as relações de trabalho na Administração Pública têm suas peculiaridades, como a observação ao princípio da continuidade dos serviços públicos.

O servidor público, como homem trabalhador que é, tem garantido o direito fundamental de greve em defesa de sua dignidade humana. Os dispositivos dos artigos 9 e 37, inciso VII, apesar de estarem em capítulos distintos, não tratam de direitos diversos: o direito fundamental não depende da esfera em que o sujeito trabalhador vende sua força de trabalho (público ou privado). O que pode mudar são as condições de exercício desse direito.

              Um argumento sempre reiterado pelos que se opõem ao direito de greve na Administração Pública propugna que os servidores públicos estão subordinados ao interesse público e, em nome desse princípio, não caberia greve no serviço público.  

              Independentemente dos vários sentidos deste conceito, não se justifica a proibição do movimento paredista. Não são poucas as greves que acontecem em um quadro de deterioração do atendimento ao público e que ao reivindicar melhores condições de trabalho para os servidores, novos concursos e melhor infraestrutura acabam fortalecendo o direito social da população. Também é prática usual a manutenção de serviços emergenciais em hospitais e outros serviços essenciais a partir da própria deliberação do sindicato. Outro aspecto a considerar é que a deterioração do serviço público que induz as greves é de responsabilidade do Estado que desloca recursos para outros fins que não o atendimento dos direitos sociais. Desse modo, frequentemente a greve fortalece o direito dos cidadãos a médio e longo prazos, contribuindo para a ampliação da esfera dos direitos.

              O reconhecimento do direito de greve aos servidores públicos pelo constituinte deu-se através de inserção de um inciso no artigo 37 que define os princípios e normas a serem observados pela Administração Pública. Contudo, como já indicado, os termos e os limites do direito de greve deveriam ser definidos por lei complementar. Por envolver tema tão controverso, pois relacionado diretamente ao núcleo das contradições sociais entre o capital e o trabalho, não surpreende que a legislação derivada da Carta tenha sido objeto de grandes embates políticos e jurídicos, da promulgação da Carta até os dias de hoje. Um dos problemas que os neoliberais encontraram para empreender uma regulamentação mais restritiva do direito de greve foi o fato de que, sendo lei complementar, o quórum para aprovação teria de ser qualificado, ou seja, por maioria absoluta, de acordo com o artigo 69 da Constituição Federal. A partir de 1998, com a Emenda Constitucional nº 19, a previsão de lei complementar foi modificada para lei específica, cujo quórum para a aprovação é a maioria simples.

              Com efeito, após a EC-19, assim estabelece o artigo 37, inciso VII da Constituição Federal de 1988: “O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica” (grifo nosso).

Ocorre que até hoje, passados quase trinta anos da promulgação desta Constituição não há lei que regulamente este artigo. Diante disto, uma grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial instalou-se ao longo destas três últimas décadas acerca da eficácia dessa norma constitucional, com significativas mudanças no posicionamento do Supremo Tribunal Federal, principalmente a partir da EC-19.

              Desta forma, ao longo da década de 90 e início dos anos 2000, o posicionamento majoritário dos Ministros do STF foi o de que a norma do artigo 37, inciso VII da Constituição Federal não seria autoaplicável e sim de eficácia limitada, dependendo o exercício do direito de norma infraconstitucional que definisse os seus termos e limites, bem como de que não seria possível ao Supremo Tribunal Federal suprir a lacuna existente via edição de norma concreta ou abstrata. Resumindo-se a função do instrumento em tão somente notificar o Congresso Nacional quanto a mora na edição da referida lei infraconstitucional regulamentar que viabilizaria o exercício do direito de greve pelos servidores públicos.

              O campo jurídico ao se posicionar sobre a eficácia do disposto no Art. 37, Inciso VII, da Constituição Federal convergia em duas teses: a primeira, que a norma possuiria eficácia limitada e a segunda, que a eficácia seria contida e, dentre estes, principalmente após a EC-19/98, destacavam-se os que já sustentavam a possibilidade de aplicação, por analogia, da Lei nº 7783/89.

Assim, no julgamento dos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712, foi firmado o novo posicionamento do STF em relação aos efeitos produzidos pelo conhecimento do instrumento. Dessa forma, o Supremo admitiu, por maioria, formular supletivamente a norma regulamentadora reclamada, estabelecendo um conjunto normativo, baseado na Lei nº 7.783/89 que deveria ser aplicado aos servidores públicos.

Na ocasião, afirmou ainda o STF que, uma vez considerada a competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, seriam competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação. Nesse contexto, afirmou o STF que, nos termos do art. 7º da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponderia à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento dos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho.

A partir do contexto social e político atual, com a aprovação da EC 95/2016, que instituiu um novo regime fiscal, com drástica limitação dos investimentos públicos, inclusive nas áreas da saúde e educação a partir de 2018, bem como os pacotes de ajuste fiscal aos Estados e as reformas trabalhista e previdenciária em curso, houve o recrudescimento das greves no serviço público, provocadas não somente pela questão salarial e pelas condições de trabalho, mas também como recurso de luta contra as (contra)“reformas” de ajuste estrutural que seguem sendo implementadas.

Deve ser compreendida nesse contexto, portanto, a recente decisão do STF no julgamento do RE 693456, submetido à sistemática da fixação de tese de repercussão geral, em outubro de 2016, a qual fixou, por maioria, tese nos seguintes termos:

A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público.

A tese fixada restringe o direito de greve previsto na própria CF/88, uma vez que visa inviabilizar, na prática, a existência de greve política em nosso ordenamento.

Considerações finais

              O estudo objetivou discutir um tema de excepcional relevância para a democracia, por se tratar de uma questão que pode ser compreendida como inscrita no rol dos direitos fundamentais dos seres humanos: a busca de dignidade em seu trabalho como parte da existência de um serviço público capaz de cumprir a sua função social de garantir direitos da cidadania de responsabilidade do Estado. De fato, o direito de greve é uma condição necessária para alcançar os objetivos acima apontados. O período após a promulgação da Constituição de 1988 foi de “reformas” de ajuste estrutural que transformaram em profundidade o Estado, por meio de contrarreformas administrativas, previdenciárias, gerenciais, abrindo caminho para a conversão de entes estatais em entes privados, como nas organizações sociais e nas fundações estatais.

              A problemática do direito de greve dos servidores públicos é um tema em si mesmo complexo, posto a forma como a Constituição Federal dispôs sobre a matéria. Contudo, essas controvérsias adquirem novos prismas em função do contexto econômico e político em que o debate transcorre: tempos em que o Executivo empreende grandes mudanças no Estado. Desse modo, a omissão do Executivo – que não apresentou projeto para regulamentar o disposto na Carta de 1988 (em particular o Inciso VII do artigo 37) – e a mora do Legislativo na sua tarefa específica – inevitavelmente tornaram os conflitos entre os governos e os servidores muito mais ásperos em um contexto de ascenso de mobilizações e greves no serviço público.

              Dessa forma, conforme exposto no presente artigo, o Supremo Tribunal Federal, manifestou-se ao longo destes quase trinta anos sobre a questão através dos mandados de injunção impetrados, assumindo posição que pode ser interpretada como política, ao regulamentar, ainda que provisoriamente e com efeitos distintos, o direito fundamental de greve no serviço público.

              Como salientado ao longo desta análise, a controvérsia inicial sobre se a norma era de eficácia limitada ou contida que balizou grande parte dos debates e posicionamentos das distintas esferas do Judiciário tornou-se, com o pronunciamento do STF, secundária. Com efeito, a decisão proferida nos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712, é clara quanto a admissibilidade do direito de greve no serviço público. Assim, as controvérsias passaram a estar centradas:

(i) no problema da negociação coletiva, pois, a questão foi por vezes suscitada nos votos dos Ministros, nos termos da Lei nº 7.783/89, contudo, o próprio STF decidiu no início da década de 1990 pela impossibilidade deste instrumento como forma de composição entre a Administração Pública e os servidores públicos. Desse modo, torna-se de suma importância esse debate, como exposto no voto do Ministro Marco Aurélio: a negociação coletiva tem que ser reconhecida como um instrumento inerente ao reconhecimento do direito de greve e de sindicalização.

(ii) na possibilidade do corte da remuneração dos servidores grevistas, pela aplicação por analogia da Lei nº 7.783/89. A partir da decisão do STF, pode o órgão competente requerer ao Judiciário a declaração de ilegalidade ou abusividade do movimento grevista, com o consequente corte do pagamento da remuneração.

              No que se refere especificamente à possibilidade do corte da remuneração dos servidores grevistas, conforme acima já visto, houve decisão recente e extremamente restritiva ao exercício do direito de greve por parte do STF. Nesse sentido, conforme destacado pelo Juiz Jorge Luiz Souto Maior e pela Juíza Valdete Souto Severo (2016):

(…) buscou-se uma fórmula jurídica para impedir a greve e não para garantir o seu exercício. A intenção explícita do STF, registrada claramente no voto do Ministro Barroso, foi a de “desestimular greves alongadas”.
É a greve vista como atuação indesejada e não como um direito para recriar o direito e conferir efetividade ao princípio da melhoria da condição social dos trabalhadores.

(…)

Concretamente, o direito de greve é uma das formas jurídicas mais eficientes para domesticar o conflito trabalhista, mas só tem condição concreta de cumprir esse papel se o sistema estiver disposto a fazer concessões, ainda que mínimas, à classe trabalhadora. Concessões que, ademais, não se efetivaram por benevolência ou caridade, já que a greve, como fato social, foi arduamente arrancada do capital até ser positivada como direito fundamental, carregando consigo um processo histórico de luta, dolorida e sangrenta.

Ao se estabelecer que o desconto dos salários é um efeito automático e incondicional da greve, vista apenas como uma “atividade de risco”, o STF estimulou uma intolerância sistêmica contra os interesses da classe trabalhadora. Isso implica, concretamente, negar a existência do direito de greve.

              A decisão do STF, nessa perspectiva, provocou intensa repercussão nos sindicatos, no Executivo e no Judiciário. O problema sobre a efetividade do direito – que perpassou o conjunto do artigo – assume, assim, extraordinária atualidade sem, contudo, ser resolvido.

              Diante disto, a luta para que o direito de greve do servidor público tenha efetividade, como um direito fundamental permanece. O que, em tese, sempre prejudicou o exercício pleno do direito garantido constitucionalmente foi a falta de norma regulamentadora para o assunto e as controvérsias surgidas a partir disso, gerando um terreno de muitos conflitos. No entanto, nem mesmo os posicionamentos do STF e a edição de qualquer norma regulamentadora vão acabar com os conflitos existentes acerca da questão, pois, afinal, estão em curso medidas que restringem o exercício da greve e, ao mesmo tempo, novas configurações da contrarreforma do Estado estão sendo manejadas pelo governo Federal.

              Considerando os intentos de regulamentação a menor da Constituição Federal, é importante considerar o alerta de Maria Cristina Irigoyen Peduzzi (1998) que salienta:

É necessário, contudo, estabelecer limites a esses limites, sob pena de negar-se aos trabalhadores o próprio exercício do direito, duramente conquistado e que, exercido conforme a lei, constitui a única forma eficaz de pressão contra injustiças e iniqüidades que possam ser praticadas pelos empregadores (pág. 501).

              O reconhecimento legal de mecanismos de negociação coletiva no serviço público e a elaboração de um Projeto de Lei que conte com a participação de entidades democráticas e sindicatos efetivamente representativos são passos importantes para a efetivação do direito de greve dos servidores públicos tanto no plano jurídico como no plano dos fatos.

               “O Direito é História, e o sistema de normas do Estado é conjuntura” (GENRO, 1988, p.41). Assim, diante de toda conjuntura política, haverá de ter uma correlação de forças na sociedade que implique na participação na elaboração de uma norma não apenas restritiva do direito, mas especialmente garantidora do seu efetivo exercício, para que se torne possível a efetividade do direito de greve dos servidores públicos. Necessariamente, sempre haverá conflitos jurídicos e políticos acerca do exercício do direito de greve, pois isso acompanha a própria essência do direito que existe inserido em uma relação de conflito.

              Cabendo à Suprema Corte do país zelar pela garantia do direito constitucionalmente previsto, nos termos do sentido que o constituinte de 1988 atribuiu ao direito de greve do trabalhador: o de direito fundamental, para enfim haver o “rompimento do cerco que sofre o legítimo, pelo direito positivo, com a vitória do legítimo transformado em Direito (GENRO, op.cit., p. 46).”

REFERÊNCIAS:

BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. A Greve do Servidor Público Civil e os Direitos Humanos. Revista LTr, São Paulo: LTr, ano 65, n 12, dez. 2001.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª Edição. São Paulo: Ed. LTr, 2007.

GENRO, Tarso Fernando. Contribuição à crítica do direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1988.

MAIOR, J.L.S., SEVERO, V. S.. A greve sem direito. Disponível em: http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-greve-sem-direito Acessado em : 19/07/17 ás 20:42 h.

MELO, Raimundo Simão. A Greve no Direito Brasileiro. São Paulo: LTr, 2006.

PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen.  Conclusões. In FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa (org.) Curso de Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7ª Edição. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007.

Notas de Rodapé:

[1] Advogada do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação- RJ (SEPE-RJ), advogada do escritório Machado Silva, Palmisciano e Grillo advogados, pós- graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

[2] O Supremo Tribunal Federal, em 25.10.2007, assim decidiu, por maioria, no julgamento dos Mandados de Injunção nº. 670/ES, Rel. Min. Mauricio Corrêa, Min. Redator para acórdão Gilmar Mendes; nº. 708/DF, Min. Rel. Gilmar Mendes e nº 712/PA, Min. Rel. Eros Grau.

Palavras Chaves

Direito de greve. Servidores públicos civis. Supremo Tribunal Federal.