O Tráfico e contrabando de Mulheres: Uma forma cruel de escravizar em pleno Século XXI

Resumo

A Criminologia Positivista no Brasil contribuiu para a criação e fortalecimento de estereótipos que influenciam as relações sociais atuais. A Criminologia, enquanto ciência, fortaleceu a ideia do que se chamou “ideal feminino”, ou seja, comportamentos padrões que seriam “naturais” e esperados para as mulheres. Um dos temas que mais chamavam a atenção era a sexualidade, o que criou padrões rígidos e preconceitos que perduram até os dias atuais. Esse é um dos motivos que faz com que as mulheres, hoje, vítimas do tráfico para fins de exploração sexual sejam vistas como agressoras e não sejam merecedoras de um tratamento digno e adequado.

Abstract

The Positivist Criminology in Brazil, contributed to the creation and strengthening of stereotypes that influence recent social relations. Criminology, as a science, strengthened the idea called “feminine ideal”, being, standard behaviors, considered “natural” and expected to women. One of the issues that drew most attention was sexuality, which created rough standards and prejudices that persists until nowadays. This is a reason for the women today, victims of trafficking in persons for sexual exploitation means, to be seen as aggressors and not worthy of a dignified and appropriate treatment.

Artigo

O TRÁFICO E CONTRABANDO DE MULHERES: UMA FORMA CRUEL DE ESCRAVIZAR EM PLENO SÉCULO XXI

 

CARDOSO, Gleyce Anne [1]

VELOSO, Carla Amejeiras Sendon[2]

  RESUMO: A Criminologia Positivista no Brasil contribuiu para a criação e fortalecimento de estereótipos que influenciam as relações sociais atuais. A Criminologia, enquanto ciência, fortaleceu a ideia do que se chamou “ideal feminino”, ou seja, comportamentos padrões que seriam “naturais” e esperados para as mulheres. Um dos temas que mais chamavam a atenção era a sexualidade, o que criou padrões rígidos e preconceitos que perduram até os dias atuais. Esse é um dos motivos que faz com que as mulheres, hoje, vítimas do tráfico para fins de exploração sexual sejam vistas como agressoras e não sejam merecedoras de um tratamento digno e adequado.  Palavras-chave: Mulher, Tráfico de Pessoas, Trabalho Escravo Contemporâneo.

ABSTRACT The Positivist Criminology in Brazil, contributed to the creation and strengthening of stereotypes that influence recent social relations. Criminology, as a science, strengthened the idea called “feminine ideal”, being, standard behaviors, considered “natural” and expected to women. One of the issues that drew most attention was sexuality, which created rough standards and prejudices that persists until nowadays. This is a reason for the women today, victims of trafficking in persons for sexual exploitation means, to be seen as aggressors and not worthy of a dignified and appropriate treatment.
Keywords: Woman, Trafficking in Persons, Contemporary Slave Labor.    

INTRODUÇÃO A repressão ao tráfico de pessoas vem descrita nas disposições legais, contudo não basta existir a lei se não houver, por parte das autoridades competentes, a real repressão por meio de fiscalização que tornem possível a aplicação de tais disposições, para realmente efetivar a condenação daqueles que colaboram para disseminar essa prática criminosa. Ressalta-se o combate ao tráfico de pessoas deve ser uma realização não só do Poder Judiciário, mas também uma meta para o Governo Brasileiro.

O Governo Brasileiro lançou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em 2006 por meio de um processo participativo, inclusive com pioneira consulta pública virtual, promovida pelo Ministério da Justiça. O I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que tem como escopo reforçar e concretizar os princípios, diretrizes e ações dos seus três eixos estratégicos, quais sejam, prevenção, repressão e atenção às vítimas (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013).

Essa política pública de enfrentamento ao tráfico de pessoas é complexa por envolver metas intersetoriais, pois não há um único setor (ator) que consiga de forma efetiva combater essa prática criminosa (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2013). A diretriz do Plano Nacional deixa claro que deve haver um fomento à cooperação interdisciplinar, para o enfrentamento do problema, há o envolvimento do Governo, do Judiciário, das polícias e da Sociedade Civil para implementação da Política Nacional de Enfrentamento.

As políticas públicas representam como bem mostram O’Donnell e Schmitter (1988), “instâncias empíricas do Estado em ação” e mobilizam diretamente todos aqueles envolvidos com a administração pública.  Política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. O Plano Nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas faz parte de uma política pública.

A Análise de Política tem como objeto os problemas com que se defrontam os formuladores de política e como objetivo auxiliar o seu equacionamento. Na visão de Wildavsky (1979, p. 17):

[…] o papel da Análise de Política é encontrar problemas onde soluções podem ser tentadas, ou seja, “o analista deve ser capaz de redefinir problemas de uma forma que torne possível alguma melhoria”. Portanto, a Análise de Política está preocupada tanto com o planejamento como com a política (politics). Segundo este mesmo autor (1979, p. 15), a Análise de Política é uma empreitada multidisciplinar que visa interpretar as causas e consequências da ação do governo.

A pesquisa foi analisada abordando os resultados obtidos desde a implantação do Plano Nacional de Enfrentamento. A pesquisa buscará dados que nos informem se após a implantação dessas políticas houve a redução de vítimas de tráfico e contrabando. Se as vítimas tiveram assistência do Governo Brasileiro para retornarem ao país de origem. Se as rotas do tráfico reduziram.

Há uma questão cultural muito forte em nosso país referente a escravidão, assim como na atualidade podemos destacar o analfabetismo, exclusão social, abismo econômico que acarreta na pobreza e desemprego. Tudo isso é somado a ausência eficaz estatal em todos os recantos do nosso país.

Além disso, podemos afirmar que existe uma discriminação, ainda que velada do sexo feminino e isso faz com que a utilização destas mulheres para o trabalho escravo, principalmente sexual é uma realidade.

Utilizamos a metodologia bibliográfica através da análise de literatura sobre o tema.

A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

A sujeição do ser humano do passado vem sendo adaptada ao mundo atual. Se, por um lado, não existem mais correntes ou senzalas, por outro, são inúmeras as semelhanças relatadas por trabalhadores de condições que remetem a uma escravidão contemporânea.

Ameaças de morte, castigos físicos, dívidas que impedem o livre exercício do ir e vir, alojamentos sem rede de esgoto ou iluminação, sem armários ou camas, jornadas que ultrapassam 12 horas por dia, sem alimentação ou água potável, falta de equipamentos de proteção, promessas não cumpridas, ou seja, uma pressão psicológica tão forte e degradante que impossibilita que o trabalhador se permita sair da condição de escravo e consequentemente seja liberto, tornando-se um ciclo vicioso de submissão.

“Pessoas, inclusive pessoas de direito, só são individualizadas por meio da coletivização em sociedade. Sob essa premissa, uma teoria dos direitos entendida de maneira correta vem exigir extamente a política de reconhecimento que preserva a integridade do indivíduo, inclusive nos contextos vitais que conformam sua identidade.” (HABERMAS, 2002, p. 235)

Embora haja uma preocupação nacional, bem como dos órgãos internacionais de proteção ao trabalhador e de erradicação desta forma de trabalho, a realidade vem demonstrando a sua ineficácia, tendo em vista que como mercado rentável e flexível, há uma evasão rápida nas hipóteses de denúncias e localização de cativeiros.

Tudo isso é facilitado pelo grande número de desempregados, ausência de fiscalização, facilidade de migração de pessoas, má distribuição de renda e a miséria instaurada em nosso país.

A restrição da liberdade é o que sempre definiu a escravidão, sendo quase que indiferente a escravidão histórica e a contemporânea. Entretanto, urge a necessidade de se classificar a nova definição de trabalho escravo, que, nas palavras de Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé (2000), modernamente é:

“Aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador.”

 E, mais especificamente:

 “Processo de exploração violento de seres humanos cativos por dívidas contraídas pela necessidade de sobrevivência, e forçados a trabalhar porque não têm opção. Recrutados em bolsões de miséria, são levados para locais de difícil acesso, sem possibilidade de fuga, às vezes vigiados por homens armados, atraídos através de falsas promessas.” (Vieira, 2004).

A busca por melhores condições de vida e a miséria existente em várias localidades do nosso país favorece o aliciamento destes trabalhadores pelos “gatos”, que disponibilizam locais para facilitar o aliciamento, e daqueles que utilizam do trabalho escravo (donos ou grileiros da terra) e que mantêm estabelecimentos onde são vendidos (quando deveriam ser fornecidos gratuitamente pelo empregador) os materiais para o trabalho, cujos preços são elevadíssimos, que fazem gerar dívidas impossíveis de serem quitadas, pagas com trabalho árduo e degradante, em condições subumanas de higiene, segurança e saúde no trabalho.

Vale asseverar, que o Estado Democrático de Direito, demonstra uma preocupação com os direitos fundamentais que possuem a finalidade de resguardar a dignidade e integridade da pessoa humana, ressaltando-se que no Brasil a Carta da República os preceitua como alicerce básico.

Utilizaremos como parâmetro a Organização Internacional do Trabalho que explicita que a principal característica do escravo contemporâneo é a supressão da dignidade e ausência de liberdade.

É possível, nesta linha de raciocínio, afirmar que não é porque um direito trabalhista não é cumprido pelo empregador, que o trabalhador será caracterizado como escravo.

Nessa vertente, vale aduzir o exemplo da jornada exaustiva. O empregador que não paga horas extras não caracteriza automaticamente seu empregado como escravo. A incapacidade de exercer o direito de ir e vir, ou seja, a liberdade, é que será o marco caracterizador deste tipo de trabalho.

 1.4.1 Variantes do trabalho escravo contemporâneo

Apesar da abolição da escravatura, persiste no Brasil o trabalho degradante e em condições análogas a escravidão. Esta forma de labor desrespeita totalmente os direitos fundamentais do indivíduo.

Mister ressaltar, que na atualidade é irrelevante a raça ou a anuência do trabalhador para a configuração do trabalho escravo, como será visto mais adiante.

Segundo Luís Antônio Camargo de Melo (MELO, 2004, p. 425), inverbis:

“Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibida em basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação que causam efeitos talvez menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras de impedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego quando julgar necessário ou conveniente.”

Emerge neste novo milênio a escravidão contemporânea. Ela se dá através do tráfico ou contrabando de seres humanos, redução à condição análoga a do escravo e degradante.

Atualmente o escravo não é mais comprado ou obtido através de guerras. Ele é aliciado por uma rede bem estruturada com objetivo de exploração econômica adaptada ao mercado global.

Esta forma de trabalho em condição análoga à escravidão, afronta os direitos fundamentais básicos dos serem humanos, violando o principal bem jurídico a ser protegido, que é a dignidade da pessoa humana.

Flávia Piovesan (2011, p. 145) salienta que o trabalho escravo surge como a negação absoluta do valor da dignidade humana, da autonomia e da liberdade, ao converter pessoas em coisas e objetos.

O senhor também se relaciona com o escravo como coisa; o escravo, enquanto consciência de si em geral, se relaciona negativamente com a coisa, e a suprime. Porém, ao mesmo tempo a coisa é independente para ele, que não pode, portanto, através do seu negar, acabar com ela até a aniquilação, ou seja, o escravo somente a trabalha (Hegel, 2001, p. 130).

Observa-se que existe um reconhecimento unilateral e desigual do outro. Este outro que figura como escravo deve se ater a permanecer no contexto de vida que é imposta pelo senhor. E este não o reconhece com uma consciência, ou seja, ele o coisifica.

Deparar-se com trabalhos desumanos, em pleno século XXI, causa uma angústia onde questões merecem ser esclarecidas e solucionadas a fim de que se possa contribuir para a erradicação do trabalho degradante, humilhante e desumano.

A utilização de trabalho escravo contemporâneo não é um resquício de modos de produção arcaicos que sobrevivem provisoriamente à introdução do capitalismo, mas sim um instrumento utilizado pelo próprio capital para facilitar a acumulação em seu processo de expansão. A super exploração do trabalho, da qual a escravidão é sua forma mais cruel, é deliberadamente utilizada em determinadas regiões e circunstâncias como parte integrante e instrumento de capital. Sem ela, empreendimentos mais atrasados em áreas de expansão não teriam a mesma capacidade de concorrer na economia globalizada.

O entendimento da Organização Internacional do Trabalho e ratificado no Brasil é que não há relevância quanto a anuência, ou seja, mesmo que o indivíduo aceite, em princípio o trabalho, ainda assim poderá ser caracterizado como trabalho forçado, valendo-se destacar que o consentimento prévio não irá descaracterizar o fato.

Este abuso de direito que causa frontal violação aos direitos humanos fundamentais e consagrados em nossa Carta da República, tais como Dignidade da Pessoa Humana, Liberdade e Igualdade, pode se dar na forma de trabalho degradante, exploração sexual, comércio de órgãos, adoção ilegal de crianças, casamento servil, entre outras que necessita ser combatida de forma sistêmica pelo Estado.

O tráfico de pessoas é um fato à qual milhares de seres humanos estão sujeitos ao redor do mundo. São homens e mulheres que mudam de trabalho, de cidade, de estado, e até mesmo de país, em busca de uma vida melhor, mas acabam encontrando apenas sofrimento e desilusão. Apesar da gravidade da situação, poucas são as condenações, e a maioria das vítimas acaba não sendo identificada, tornando a reparação do mal e a proteção dessas pessoas um desafio a ser superado.

Atualmente, as formas de escravidão estão relacionadas com uma competição desleal ao mercado globalizado. Embora, existam leis protecionistas, a ausência de uma efetiva fiscalização e o desemprego ensejam na migração de pessoas que buscando a concretização de falsas promessas caem em uma rede de tráfico de pessoas para diversos fins.

Após a ratificação das Convenções 29, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957 e 105, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966, ambas da Organização Internacional do Trabalho do Trabalho, bem como a criação da Comissão Pastoral da Terra em 1975, no Brasil, intensificam-se as denúncias e a preocupação em erradicar o trabalho escravo contemporâneo.

Tais fatos culminam com a declaração oficial em 1995, pelo governo brasileiro acerca da existência de trabalho em condição análoga à de escravo no país. Vale asseverar, que neste mesmo ano tem início o primeiro projeto da PEC do trabalho escravo.

A partir de então, várias políticas vem sendo adotadas para erradicar esta forma tão cruel de trabalho que resulta na submissão do ser humano a condição de escravo, sendo certo afirmar são estudadas neste estudo, tais como:

A partir de 1995, com o elevado número de denúncias de trabalho escravo no Brasil, o Governo Federal decide se empenhar no combate a esse tipo de crime. Uma das medidas tomadas é a criação do GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado. Subordinado à Câmara de Política Social do Conselho de Governo, o GERTRAF é integrado pelos Ministérios do Trabalho e Emprego; da Justiça, do Meio-Ambiente; do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Previdência e Assistência Social. Cabe ao GERTRAF a elaboração, implementação e supervisão do programa de repressão ao trabalho forçado; a coordenação das ações de órgãos competentes; a articulação com a Organização Internacional do Trabalho e com os Ministérios Públicos; e a proposição de atos normativos que se façam necessários à implantação do referido programa. Ao representante do Ministério do Trabalho e Emprego cabe a coordenação do grupo. Inicialmente interministerial, o GERTRAF hoje é composto também de entidades da sociedade civil atuantes no combate ao trabalho escravo.

Paralelamente à criação do GERTRAF é criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Ele é instituído no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego e é o braço operacional do GERTRAF. Suas principais características são a centralização de comando, o sigilo na apuração de denúncias, a padronização de procedimentos e a atuação em parceria com outros órgãos e entidades.

A Fiscalização Móvel opera com o apoio indispensável da Polícia Federal. Eles vêm atuando, na medida do possível, devido à falta de recursos e de pessoal, na apuração de denúncias de trabalho escravo enviadas ao Governo Federal pelos órgãos e entidades da sociedade civil que atuam no combate ao trabalho forçado.

Os resultados positivos alcançados devem-se à triagem das denúncias recebidas a partir dos elementos de convicção que são apresentados, as ações de mapeamento que precedem as atuações do Grupo, o planejamento articulado com outras instituições, principalmente a Polícia Federal e o Ministério Público e a identificação dos bolsões de pobreza, que constituem a base do fluxo migratório de trabalhadores.

Desde sua criação o Grupo Móvel tem agido de forma quase heróica. Seus integrantes são voluntários, que aceitam correr riscos e abrir mão do conforto das suas casas e cidades para defender os direitos dos trabalhadores sob escravidão. Entretanto, sua atuação pode ser melhorada com a inserção de recursos financeiros e logísticos. (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2014)

Em 2002 dá-se início da execução do Projeto de cooperação técnica “Combate ao Trabalho Forçado no Brasil”, da Organização Internacional do Trabalho;

Outrossim, em março de 2003 é lançado, pelo Presidente da República, do Primeiro Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH);

No mesmo ano, no mês de julho, é criada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE);

Em setembro de 2003 é criado acordo de Solução Amistosa entre o Estado

Brasileiro, representado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, e as peticionárias, representadas pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional, CEJIL-Brasil e a Comissão Pastoral da Terra.

No ano de 2004 ocorre a criação do Cadastro de Empregadores Infratores instituído pela portaria 540/2004 MTE (OIT, 2010, p. 14)

Mister salientar, que entre os anos de 2003 até 2013, a Comissão Pastoral da Terra, em síntese estatística, relata 65.924 (sessenta e cinco mil, novecentos e vinte e quatro mil) trabalhadores resgatados, sendo que 53% dos resgatados exercem atividades na construção civil e empresas de confecções.

Constata-se que as formas de escravidão vão se adaptando as novas necessidades do mercado e, por vezes, se tornam sutis e de difícil constatação.

No Texto-Base da Campanha da Fraternidade de 2014 assevera que as principais modalidades de trabalho escravo na atualidade são: tráfico para a exploração no trabalho, tráfico para a exploração sexual, tráfico para extração de órgãos e tráfico de crianças e adolescentes.

1.4.1.1 Tráfico para exploração de trabalho

O tráfico para exploração de trabalho é conceituado pelo Ministério do Trabalho (BRASIL, 2011):

“Diversas são as denominações dadas ao fenômeno de exploração ilícita e precária do trabalho, ora chamado de trabalho forçado, trabalho escravo, exploração do trabalho, semiescravidão, trabalho degradante, entre outros, que são utilizados indistintamente para tratar da mesma realidade jurídica. Malgrado as diversas denominações, qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos do trabalhador, ou seja, cerceie sua liberdade, avilte a sua dignidade, sujeite-o a condições degradantes, inclusive em relação ao meio ambiente de trabalho, há que ser considerado trabalho em condição análoga à de escravo. A degradação mencionada vai desde o constrangimento físico e/ou moral a que é submetido o trabalho – seja na deturpação das formas de contratação e do consentimento do trabalhador de extinguir o vínculo conforme sua vontade, no momento e pelas razões que entender apropriadas – até as péssimas condições de trabalho e de remuneração: alojamentos sem condições de habitação; falta de instalações sanitárias e de água potável; falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual e de boas condições de saúde, higiene e segurança no trabalho; jornadas exaustivas; remuneração irregular; promoção do endividamento pela venda de mercadorias aos trabalhadores.”

Importante narrar que uma vertente do tráfico de pessoas é a imigração ilegal de pessoas que através da ajuda de aliciadores adentram no país e sem saber se comunicar acabam sendo exploradas.

No estado do Rio de Janeiro, é muito comum existirem pastelarias de chineses que trabalham sem carteira assinada. Essas pessoas são vítimas de seus pares que os trazem para o Brasil com a promessa de uma vida melhor, mas ao chegar aqui são obrigados a viver em alojamentos precários, dentro das próprias pastelaria.

São imigrantes ilegais e por isso tem medo de pedir ajuda.

Há ainda o caso do Bolivianos, Haitianos, dentre outros, valendo o relato abaixo a

Título de exemplificação:

“Onze mulheres bolivianas costureiras em São Paulo são resgatadas em condições análogas a escravidão” – “A moradia e o local de trabalho se confundiam. A casa que servia de base para a oficina de Mario chegou a abrigar, no início de 2010, 11 pessoas divididas em apenas três quartos. Além do trabalho de costura, eram forçadas a preparar as refeições e a limpar a cozinha. E, devido ao controle rígido de Mario, tinham  exatamente uma hora para fazer todos esses serviços (das 12 h às 13 h) e voltar ao trabalho de costura ….Até o tempo e a forma do banho dos empregados, que era com água fria, seguiam as regras estabelecidas pelo dono da oficina. Obrigatoriamente, o banho era tomado em duplas (junto com outra colega de trabalho), durante contados cinco minutos, para poupar água e energia” (PYL; HASHIZUME, 2010).

A erradicação do trabalho análogo ao de escravo é hoje um dos principais objetivos da agenda brasileira de promoção dos direitos humanos. Existe grande controvérsia no Legislativo acerca do conceito de trabalho análogo ao de escravo e as divergências conceituais têm contribuído para a impunidade dos responsáveis pela manutenção de tão vergonhosa chaga no nosso país, identificada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um dos principais empecilhos à erradicação do escravismo contemporâneo.

Vale ressaltar, por oportuno, que muitas vezes está escravidão se dá em forma de servidão de dívida (truck-system), ou seja, é aquela em que o empregador que recruta um agricultor do interior para trabalhar em uma fazenda distante da sua área de origem e, ilicitamente, cobra as despesas com a viagem, compras de comida e remédios, alojamento e outras manutenções feitas no estabelecimento do fazendeiro. Como o pequeno agricultor acaba sendo remunerado com um valor inferior aos gastos, a dívida vai ficando bem maior que o saldo. Por ficar sem alternativas, muitas vezes acaba trazendo também sua família para aumentar a rede de trabalho e como consequência, tira, por exemplo, seus filhos da escola. Este tipo de trabalho forçado se alimenta da pobreza e do desconhecimento que perpetuam a prática.

E por mais incrível que isso possa parecer, não são raras às vezes em que essa situação cria entre patrão e empregado laços morais, a serem cumpridos pelo último, sendo comum casos de empregados que se autodenominam devedores e se privam de deixar o local de trabalho sob o argumento de que antes devem quitar a dívida que possuem.

A característica mais comum do trabalho escravo é a falta de liberdade, não necessariamente a falta de liberdade física, mas especificamente a situação de não poder o trabalhador, fazer uso da liberdade individual que é garantida não apenas pela declaração dos direitos do homem, mas também pela Constituição da República Federativa do Brasil  de 1988. Em face disso, pode-se dizer que no Brasil existem basicamente quatro formas de privação direta ou indireta da liberdade do trabalhador, assim discriminadas: a servidão por dívidas; a retenção de documentos; a dificuldade de acesso ao local de trabalho e a presença de seguranças armados, como forma de repressão e prevenção às tentativas de fuga.

1.4.1.2 Tráfico para exploração sexual

O tráfico para exploração sexual é utilizado em redes de pornografia, turismo sexual, indústria de entretenimento, internet, sendo, a grande maioria dos traficados mulheres.

Tal forma de escravidão é comum no Brasil e no mundo tratando-se de questão internacional. No nosso país há vários relatos de pessoas resgatadas do cárcere, valendo destacar o exemplo abaixo especificado, extraído do site Repórter Brasil (GLASS, 2013), in verbis:

Adolescente é resgatada de prostíbulo em Belo Monte – Menina de 16 anos foge de boate onde polícia encontrou 15 mulheres em situação de cárcere privado e regime de escravidão. Caso pode ser caracterizado ainda como tráfico de pessoas.

“Ele saiu atrás dela armado e disse que não custava matar uma, que ninguém ficaria sabendo”, afirma a garota, que tem 18 anos. Procedente de Joaçaba, no interior de Santa Catarina, ela conta que lá trabalhava em uma boate cuja cafetina era “sócia” do dono da boate no Pará. “Viemos em nove lá de Joaçaba.Falaram para a gente que seria muito bom trabalhar em Belo Monte, que a gente ganharia até R$ 14 mil por mês, mas quando chegamos não era nada disso”, conta. “Já de cara fizemos uma dívida de R$ 13 mil por conta das passagens [valor cobrado do grupo]. Aí temos que comprar roupas, cada vestido é quase R$ 200, e tudo fica anotado no caderninho pra gente ir pagando a dívida. E tem também a multa, qualquer coisa que a gente faz leva multa, que também fica anotada no caderno. Depois de cada cliente, a gente dava o dinheiro para o dono da boate pra pagar as nossas dívidas, eu nunca ganhei nenhum dinheiro para mim”, explica a garota. Sobre as condições às quais foram submetidas na boate, ela conta que morava com outras três meninas em um pequeno quarto muito quente, e que realmente não tinha permissão de sair do local. “Eles ligavam o ar condicionado só por uma hora. A gente tinha que trabalhar 24 horas por dia; quando tinha cliente, tinha que atender”, afirma. “De comida, tinha almoço e janta. Se você estava trabalhando na hora do almoço, tinha que esperar a janta. Se desse muita fome, a gente tinha que comprar um lanche. O gerente da boate dizia que a gente só poderia sair depois de pagar todas as dívidas, e que nem adiantava reclamar porque ninguém ia nos ajudar, ele era amigo da justiça e nunca ninguém ia fazer nada contra ele. Mas ele disse que se a gente falasse, eles iam atrás dos nossos filhos e parentes lá no Sul.”

Vale asseverar, que a revolução tecnológica torna mais cômoda à vida da população em geral, mas por outro também ajuda a propagação de maneira muito mais veloz a expansão dos traficantes de pessoas e de certa forma ajuda a manter uma margem de segurança em relação aos seus perseguidores, fazendo grande uso dessas ferramentas eletrônicas como transmissões de rádio criptografadas, celulares, e-mails na rede, são de grande valia e são responsáveis por grande parte do sucesso na travessia nas fronteiras principalmente entre os EUA e o México. Nos últimos tempos a internet vem sendo usada em grande escala para o comércio sexual onde já há uma nova forma de leilão de escravos virtual onde são vendidas para donos de bordeis ou para consumidores individuais, com o uso da tecnologia combinado com a violência brutal que é perpetrada praticamente neutralizando qualquer forma de reação por parte das vítimas.

1.4.1.3 Tráfico para extração de órgãos

O tráfico para a extração de órgãos caracteriza-se pela remoção de órgãos e a venda dos mesmos por doadores involuntários ou doadores que são explorados a venderem seus órgãos em circunstâncias desprovidas de ética, sendo a internet muito comum para o crescimento deste “mercado”.

Constata-se no caso abaixo que muitas vezes o ser humano se torna um “doador” pela necessidade de sobrevivência.

“Uma mulher de 44 anos colocou à venda todos os órgãos “não vitais” de seu corpo mediante um anúncio na internet para enfrentar um processo de despejo de seu ex-companheiro, proprietário da casa na qual vive com sua filha, de 22 anos. A página na internet do jornal “El Mundo” relata a situação da mulher, da qual não se revela a identidade. Ela vive com uma pensão de € 426 por mês de um programa de ajuda social e conta com a colaboração de uma médica da cidade de Melilla para “enfrentar os possíveis processos que possam surgir e a extração” dos órgãos que vá vender. A cidade na qual a mulher vive se ofereceu para buscar uma solução e arrumar uma casa de aluguel social para ela, pela qual pagaria um pequeno valor, mas respeitando sua liberdade “de fazer o quiser fazer com sua vida”. Caso a protagonista desta história consiga vender seus órgãos, ela poderá pegar 12 anos de prisão. O Código penal espanhol introduziu em 2009 uma reforma para estabelecer  como delito o tráfico ilegal de órgãos humanos. (Alves, D., 2012)

A pobreza e a falta de esperança faz com que muitas pessoas se submetam a dilacerar o corpo para venda de órgãos em uma rede indissolúvel de corrupção.

1.4.1.4 Tráfico de crianças e adolescentes

O trabalho infantil é um fenômeno presente em toda a história do Brasil, com origens desde à colonização portuguesa, sendo que as crianças indígenas e negras são as primeiras a sofrer com ele. Nem mesmo a industrialização, que introduz o Brasil na economia capitalista, é capaz de mudar a estrutura do trabalho infantil, sendo que muitas crianças e adolescentes ainda hoje são chamadas a participar do sistema produtivo.

O trabalho infantil e de adolescentes, encaixa-se dentro do gênero trabalho precoce e ocorre na maioria dos países do mundo. Os motivos são os mais variados, mas certamente a pobreza, desigualdade e exclusão social são os fatores que mais impelem o menor a ingressar no mercado de trabalho, por outro lado, o desemprego em crescente expansão, a informalidade e os menores salários, fazem com que o trabalho infantil seja uma opção interessante e lucrativa para o empregador.

O Estatuto da Criança e do adolescente, Lei nº 8.069, de 13-07-90, em seu art. 2º estabelece distinção entre o adolescente, que é aquele situado na faixa dos 12 aos 18 anos, e a criança, que vai de zero a 12 anos. Assim cuida-se exclusivamente do trabalho do adolescente e, nessa faixa, de 14 a 16 anos como aprendiz, exclusivamente, e de 16 aos 18 já como empregado.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2016), cuida da idade mínima da admissão ao emprego. Passa a expedir uma série de convenções e recomendações sobre o tema. A Convenção nº 5, de 1919, estabelece a idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria (art. 2°), ratificada pelo Brasil em 1934. A Convenção n° 6, de 1919, promulgada pelo Decreto n° 423, de 12-12-1935, proibe o trabalho do menor no período noturno nas indústrias. Todavia, reconhece que há fatores econômicos e sociais que impedem, em muitos países, a adoção dessa medida restritiva. Em uma tentativa de esquematização das normas em vigor, podemos indicar os principais pontos da regulamentação do trabalho do menor na lei pátria:

A Convenção n° 10, de 1921, fixa o limite de idade mínima para o trabalho na agricultura. A Recomendação n° 45, de 1935, versa sobre o desemprego dos menores. As Convenções nº 59 e 60, de 1937, tratam do resguardo da moralidade do menor. A Convenção n° 78, de 1946, trata do exame médico em trabalhos não industriais. A Convenção n° 79, de 1946, especifica o trabalho noturno em atividades industriais. A Convenção n° 128, de 1967, versa sobre o peso máximo a ser transportado pelo menor.

A Convenção n° 138, de 1973, ressalva sobre a idade mínima de admissão no emprego em relação aos menores; a idade mínima não deve ser inferior ao fim da escolaridade obrigatória, nem inferior a 15 anos, admitindo-se o patamar de 14 anos, como primeira etapa, para os países insuficientemente desenvolvidos. A Convenção n° 138 foi aprovada pelo Decreto Legislativo n° 179, de 1999. O Decreto n° 4.134, de 15-2-2002, promulga a Convenção n° 138 da OIT e a Recomendação n° 146 da OIT. O país deve especificar mediante declaração a idade mínima. A Recomendação n° 146 da OIT complementa a Convenção n° 138. A Convenção n° 146, de 1973, versa sobre idade mínima para admissão no emprego.

A Convenção n° 182 e a Recomendação n° 190 da OIT tratam da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação. É a Convenção aprovada pelo Decreto Legislativo n° 178, de 1999. A promulgação ocorre com o Decreto n° 3.597/2000. Criança é toda pessoa menor de 18 anos. Deve-se assegurar o acesso ao ensino básico gratuito. A Convenção n° 182 da OIT inclui na proibição o recrutamento forçado ou obrigatório de meninos soldados. As piores formas de trabalho da criança são: (a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como o tráfico de crianças, a servidão por dívidas, a condição de servo e o trabalho forçado ou compulsório; (b) o recrutamento forçado ou obrigatório de meninos para utilização em conflitos armados; (c) o emprego de crianças na prostituição, a produção de pornografia ou ações pornográficas; (d) a utilização, o recrutamento ou o oferecimento de crianças para a realização de atividades ilícitas, como a produção e tráfico de drogas; o trabalho que prejudique a saúde, a segurança e a moral das crianças.

A Recomendação n° 190 da OIT, que complementa a Convenção n° 182 (BRASIL, 2000) define trabalhos perigosos como: (a) trabalhos em que a criança fique exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual; (b) trabalhos subterrâneos, ou embaixo de água, em alturas perigosas ou em ambientes fechados; (c) trabalhos realizados em máquinas ou ferramentas perigosas ou com cargas pesadas; (d) trabalhos realizados em ambiente insalubre no qual as crianças fiquem expostas, por exemplo, a substâncias perigosas, a temperaturas ou níveis de ruídos ou vibrações que sejam prejudiciais à saúde; (e) os trabalhos em condições dificultosas, como horários prolongados ou noturnos e os que obriguem a criança a permanecer no estabelecimento do empregador.

Ainda no âmbito internacional, verificamos que em novembro de 1959 é editada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos da Criança (OIT, 2016)). Estabelece a referida norma, entre outras coisas, proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual da criança (art. 2º); proibição de empregar a criança antes da idade mínima conveniente (art. 9º, 2ª alínea).

Por derradeiro, cumpre aduzir que todas as formas de escravidão violam frontalmente os Pactos Internacionais, bem como a Legislação Brasileira, o que, demonstraremos a seguir.

Na Corte Interamericana de Direitos Humanos o Brasil assume a existência de trabalho escravo e ratifica acordo comprometendo-se a erradicá-lo. Tal situação é inédita no Brasil, daí a importância de abordarmos o Caso José Pereira.

Além disso em 2016 o Brasil passou a fazer parte do ranking de países condenados pela exploração de Trabalho Escravo Contemporâneo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

CONCLUSÃO

  Ao analisarmos brevemente a influência da Escola Postivista e sua classificação de mulheres criminosas, percebemos quanto a criminalidade era ligada a comportamentos sexuais que estavam fora do chamado “ideal feminino”.

Não à toa percebemos a carga preconceituosa sofrida pelas mulheres que fogem aos comportamentos tradicionais, seja por não terem condições ou por livre opção de buscarem outros caminhos.

A figura da mulher, como abordamos neste texto, era vista, e ainda é, tradicionalmente, como ligada à doçura, à fragilidade e à sutileza, qualquer comportamento que não se adeque a essas características era, e continua sendo visto com grande receio.

Dessa forma, a ligação que a teoria da escola positivista fazia entre comportamentos “desviantes”, sobretudo os sexuais, e periculosidade permanece no imaginário social no que se refere à mulher.

A intenção deste artigo científico é fazer uma breve associação entre nossas heranças preconceituosas e o tratamento das vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e as mulheres que cometem tais crimes.

Se por um lado esses estereótipos auxiliam na criminalização das vítimas, exatamente por possuírem comportamentos não desejados, por outro, as mulheres que participam da autoria do crime são vistas como menos agressivas e normalmente induzidas e comandadas por algum homem.

Com relação ao tratamento das vítimas de tráfico de pessoas, sabe-se que um dos maiores desafios é conscientizar, tanto a população quanto os técnicos das diversas áreas, que as mulheres traficadas para a exploração sexual, trabalhadoras do sexo ou não, foram vítimas de um crime.

É importante ressaltar Thaís Dumêt Faria 169 que o fato dessas mulheres atuarem como prostitutas no local de origem não descaracteriza o crime, nem mesmo seu consentimento.

Segundo o Protocolo de Palermo, configura-se o crime desde que elas tenham sido vítimas de engano, abuso de poder, fraude e outras circunstâncias que possam viciar sua vontade ou, claro, tenham sido vítimas de ameaças, violência ou qualquer ato que viole os direitos humanos.

O que deve ficar claro é que as mulheres que são vítimas de tráfico de pessoas e possuem o estereótipo de prostitutas, normalmente, são vistas e tratadas como criminosas ou, ao menos, culpadas pelo que lhes ocorreu.

Essas posturas acabam por fazê-las, além de vítimas do crime, vítimas do sistema que as criminaliza, ainda que não penalmente, mas, com certeza, socialmente, impedindo-as de ter acesso aos serviços de proteção e apoio. Os estigmas da criminalidade permanecem fortes na nossa sociedade e, com relação às mulheres, define as posturas e, sobretudo, as condutas sexuais que devem seguir. Não à toa, as mulheres que mais sofrem preconceitos são as que demonstram atitudes sexuais consideradas fora do “ideal feminino” – a homossexualidade, a prostituição, a sexualidade “exacerbada”, livre, etc. Perceber a origem dos estereótipos é o primeiro passo para desestigmatizar determinados grupos sociais e iniciar um processo de aceitação dos seres humanos, independente da forma como se apresentem ou conduzam suas vidas.

Tratar homens e mulheres como dotados da mesma capacidade é não utilizar a sexualidade para punir as mulheres e favorecer os homens. Exemplifico um caso em que um homem foi detido com uma adolescente que estava fazendo sexo oral em troca de dinheiro. Na delegacia, o homem, que praticava o crime de exploração sexual, foi liberado e a adolescente, vítima do crime, foi encaminhada à delegacia da infância e juventude. Essa é a sociedade em que vivemos, que tem a tendência a punir comportamentos sexuais femininos e aceitar ou até incentivar os masculinos.

 O trabalho no enfrentamento do tráfico de pessoas para a exploração sexual, sem dúvida, passa por um trabalho de conscientização da população sobre os diferentes comportamentos sexuais, principalmente das mulheres, diminuindo as punições sociais e criminais a essas condutas. Por outro lado, e esse não é o objeto deste artigo, as mulheres quando estão no polo ativo de determinados crimes são vistas, algumas vezes, como incapazes de cometê-lo, passando pelo imaginário coletivo que estão sempre subordinadas a algum homem, porque não teriam “natureza” para cometer crimes mais violentos.

A mulher seria agressora passional ou submetida ao controle masculino. Talvez por isso, algumas pesquisas sobre mulheres que cometem crimes atestem que a tendência é que tenham penas mais leves que as dos homens por entender que a periculosidade da mulher é muito menor que a do homem.

Ora, sem analisar dados ou fazer um trabalho mais aprofundado de pesquisa, podemos ponderar sobre essas diferenças ditas “naturais”. Se esperamos que as mulheres sejam reconhecidas como não inferiores aos homens, devemos esperar que lhes seja também reconhecida a capacidade de cometer crimes e de coordenar ações criminosas tanto quanto os homens. Claro que as mulheres estão menos envolvidas que os homens no mundo do crime, mas talvez isso se dê mais por uma questão de divisão social do mundo privado e público que por questões de “natureza”.

Este artigo pretende, enfim, lançar algumas informações e fomentar uma reflexão sobre os papeis dados às mulheres e sobre a história dos estereótipos que se formaram e que contribuem para o preconceito a determinadas condutas femininas. Conhecer a história é o primeiro passo para reconhecer nas diferentes pessoas o mesmo valor e a mesma importância, sobretudo para o tratamento do Estado na proteção dos seus direitos.

BIBLIOGRAFIA  

ANDERSON, Bridget; O’CONNELL, Davidson. Trafficking a demand led problem? A multi-country pilot study. Save the Children Sweden and Bridget Anderson and Julia O’Connell Davidson 2002. ISBN: 91-7321-069-2 Disponível em: http://gaatw.org/publications/The%20Demand%20Side%20part1.pdf

ARY. Thalita Carneiro. O tráfico de pessoas em três dimensões: evolução, globalização e rota Brasil-Europa. Dissertação. UNB. Brasília 2009

BRASIL – Ministério da Justiça (MJ). Tráfico de Pessoas, Marco Legal, II Plano Nacional.

Brasília: Ministério da Justiça. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJE8833249ITEMIDB5014675B7634282891A784E0688387APTBRNN.htm.

PARENTE. Tara M. Human Trafficking: identifying forced labor in multinational corporations & the implications of liability. Revista de Direito Internacional.  Brasilian Journal International Law. Volume 11. N. 1. 2014

Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil. Disponível em http://www.childhood.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Pestraf_2002.pdf

Notas de Rodapé:

[1] Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Petrópolis; Pós-Graduanda em Administração Pública Pelo CEAP/UFF; Professora assistente da Universidade Iguaçu (UNIG) e pós graduação na Universidade Estácio de Sá.. E-mail: [email protected]

[2] Doutoranda em Direito pela Universidade Veiga de Almeida; Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Petrópolis; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Professora da Universidade Estácio de Sá e Universidade Veiga de Almeida.. E-mail: [email protected]

Palavras Chaves

Mulher, Tráfico de Pessoas, Trabalho Escravo Contemporâneo.