OS DESAFIOS DA ADVOCACIA TRABALHISTA EM MEIO A PANDEMIA

Artigo

OS DESAFIOS DA ADVOCACIA TRABALHISTA EM MEIO A PANDEMIA

 

Andrea Mendonça de Albuquerque Perez[1]

A COVID-19 de forma aterradora trouxe ao nosso cotidiano uma enxurrada de incertezas, inseguranças, perdas irreparáveis em todos os aspectos da nossa vida.

Fomos todos impactados tanto como profissionais quanto como indivíduos, em uma luta diária contra um inimigo invisível e insensível, que revelou e ressaltou explicitamente nossas fraquezas e fragilidades.

No início da pandemia quando foi determinado fechamento dos prédios do TRT1, ocorreu a interrupção de todas as atividades e suspensão de prazos por algum período. Restabelecidas as atividades remotas, o advogado trabalhista passou a prestar seus serviços em um formato totalmente inédito para a prática trabalhista.

Tivemos que nos reciclar, atualizar, aprender e nos reinventar, mesmo atordoados pela dura e devastadora realidade, pelas perdas de familiares, amigos e colegas de profissão.

E diante deste cenário, em meio ao sentimento de medo e impotência, precisamos continuar a desempenhar nosso papel social na luta pelos direitos daqueles que nos procuram para solução de seus problemas, apresentando suas dúvidas e demandas. Não estamos a falar somente de novas demandas, mas de tantas que se encontravam em curso perante o judiciário e que tiveram, inicialmente, sua marcha interrompida.

O novo formato de condução dos processos desafiou a todos, juízes, serventuários, advogados, partes e testemunhas. A busca pela continuidade da prestação jurisdicional trabalhista desembocou na exploração máxima da tecnologia em favor da justiça.

Mas a que custo?

Ressaltamos que não somos contra a virtualização adotada, mas não podemos ignorar as evidentes dificuldades e receios que enfrentamos.

Atualmente nos parece clara a agilidade que as audiências virtuais proporcionam quando possível sua realização, entretanto, a verdade é que ao mesmo tempo em que houve brusca redução nos rendimentos houve a necessidade de adquirir equipamentos e contratação de serviços de provedor de internet para que pudéssemos participar de tais audiências na execução de nosso trabalho.

Fomos obrigados a aprender a utilizar câmera, microfone, smartphones, criar links contendo vídeos quando imprescindível a produção de tal prova, entre tantas outras providências de forma quase profissional. Verdadeiros experts em tecnologia da informação e ainda temos que orientar, ensinar, partes e testemunhas a utilizarem com desenvoltura os equipamentos para que possam participar das audiências.

A grande questão é que nem todos estamos aptos ou familiarizados com o uso dos instrumentos utilizados durante uma audiência telepresencial/virtual e diariamente presenciamos colegas, partes e testemunhas que enfrentam dificuldades, o que impede o prosseguimento de algumas audiências.

Não podemos desconsiderar que grande parcela da sociedade sequer possui condições financeiras para adquirir os equipamentos e serviços mínimos para participação na modalidade virtual.

Mesmos os advogados enfrentam muitos obstáculos neste ponto, seja por inaptidão no manuseio dos computadores/internet seja por não os possuir na configuração necessária e, com a óbvia redução da renda, se vê impossibilitado adequar suas estações de trabalho.

O impacto financeiro negativo, como em todos os ramos da economia, afetou sobremaneira a advocacia, especialmente os colegas audiencistas que há mais de um ano não prestam tais serviços.

Não negamos que a modalidade virtual é eficaz na continuidade dos serviços judiciais durante o imprescindível distanciamento social, porém pessoalmente noto uma certa fragilidade no controle das partes e testemunhas, vez que em muitas ocasiões permanecem no mesmo espaço físico, nos escritórios dos advogados e nas empresas no momento dos depoimentos.

É claro que nos cabe acreditar na ética e boa fé de todos os envolvidos, entretanto, não podemos ser demagogos em afirmar que os referidos depoimentos não estão sendo de alguma forma ouvidos pelos demais. A própria tecnologia permite que isto aconteça através de aparelhos celulares ligados, transmitindo em tempo real o que ocorre na instrução processual.

Uma nova etapa se iniciou recentemente com as audiências híbridas, o que certamente vai facilitar e ampliar o número de assentadas realizadas, oportunizando a participação daqueles que estiveram por algum motivo excluídos digitalmente das audiências por videoconferência.

Esse mundo judicial virtual, o qual acreditamos que irá se perpetuar, nos obrigou a aprender e/ou aprimorar nossos conhecimentos em informática, atuação iniciada com o advento do PJE quando passamos a ser advogados, digitadores, digitalizadores, instaladores dos mais diversos programas, enfim, agregamos conhecimento, descobrimos novos talentos e ultrapassamos algumas barreiras pessoais.

Particularmente, apesar das deficiências na área da tecnologia, não posso deixar de reconhecer o ganho de tempo útil que perdíamos nos deslocamentos por todo o Estado do Rio de Janeiro.

Cabe refletirmos e discutirmos quanto ao futuro, eis que se por um lado para muitos a permanência da modalidade virtual é interessante e benéfica, para tantos outros por inúmeros motivos, alguns abordados anteriormente, o formato presencial é o adequado. Muito se cogita quanto a concomitância dos dois formatos. Mas será que de fato estamos preparados?

Devemos manter em mente que a maioria dos escritórios de advocacia conta com um ou dois profissionais, colegas que atuam de forma autônoma e individual e que enfrentarão muitos entraves para realizar em um mesmo dia e até mesmo horário audiências nas diversas modalidades.

Bem, você pode ponderar que esta possibilidade ocorria anteriormente e está correto, porém quando retornarem as audiências presenciais o fluxo retido ao longo de mais de um ano certamente vai elevar o risco de audiências simultâneas para um único advogado que terá que escolher qual processo vai requerer o adiamento, causando em seus clientes a sensação de estar sendo prejudicado, preterido pelo seu advogado.

Não podemos nos deixar seduzir pelas facilidades das audiências virtuais e esquecer que as grandes bancas são minoria, especialmente na Justiça Trabalhista em que militam advogados, especialmente pelos reclamantes, com escritórios bem mais modestos que os que patrocinam as reclamadas, o que naturalmente trará um desequilíbrio.

Antes de eventual implantação de audiências presencias e virtuais concomitantes é aconselhável que os advogados sejam consultados, que seja verificada a real possibilidade da adoção de tal prática a fim de não restarem prejudicados patronos e partes.

Os desafios não param por aí. Não só audiências virtuais, câmeras, microfones, internet, plataformas de videoconferência, etc, nos fizeram inovar.

As relações trabalhistas se modificaram. Trabalhadores e empregadores se depararam com novas legislações, suspensões de contrato de trabalho, reduções, afastamento daqueles que integram grupos de risco, jovens aprendizes menores de 18 anos, idosos, gestantes.

Muitas dúvidas e situações sem previsão legal se fizeram e fazem presentes no cotidiano, gerando insegurança de parte a parte. O jargão “cada caso é um caso” nunca foi tão utilizado.

Se pelo lado do trabalhador houve grande perda financeira, pelo lado do empregador não foi diferente. Notória é a elevação da taxa de desemprego e da inadimplência no pagamento das verbas rescisórias, elevando o ajuizamento de ações para que os trabalhadores possam receber as parcelas que lhe são devidas, o que acarreta o aumento de trabalho/casos, para o advogado, mas a realidade econômica atual frusta muitas vezes a execução das sentenças, passando de um para dois trabalhadores sem remuneração apesar da prestação de serviços: a parte e o advogado.

Ainda que se obtenha sucesso na execução, seja através do pagamento por parte das reclamadas por meio de depósito judicial seja por meio de penhora e outros mecanismos de execução, o momento do recebimento muitas vezes não é menos tormentoso.

Brilhantemente foi adotada a prática da transferência bancária para a conta do cliente ou do patrono, entretanto, muitos tem sido os relatos quanto à demora na realização da operação bancária, especialmente pela CEF, o que também é motivo de frustração das expectativas das partes e advogados. Visando facilitar e otimizar os recebimentos, está sendo oportunizado o agendamento para atendimento e levantamento dos valores, obviamente não na velocidade que gostaríamos e precisamos, mas não podemos deixar de reconhecer os esforços para amenizar os efeitos da pandemia por nós vivida.

A virtualização não se restringiu às audiências, se estendendo ao atendimento ao advogado pelas Vara do Trabalho através dos balcões virtuais, as citações e intimações eletrônicas até mesmo por e-mail, a fiscalização indireta pelos fiscais do Ministério do Trabalho e Procuradores que enviam notificações por e-mail para determinar a apresentação de documentos, esclarecimentos quanto às medidas adotadas para prevenção do COVID, a fiscalização das Secretarias de Vigilância Sanitária, entre tantas outras fiscalizações, que de fato são relevantes e indispensáveis.

Temos observado a falta de delimitação de competência entre os referidos órgãos, havendo excessiva repetição nos temas fiscalizados, impondo uma sobrecarga na atuação do advogado no manuseio de documentos, elaboração de respostas e todos os atos e providências necessárias ao atendimento de tais determinações/solicitações. Há casos em que as Secretaria Municipais oficiam às empresas para que emitam CAT em razão de que determinado trabalhador foi diagnosticado com COVID, sem se preocupar em realizar uma ampla investigação e verificação dos hábitos do infectado, tendo em vista que não se pode afirmar o local e forma em que ocorreu a contaminação.

A ausência da mencionada e imprescindível verificação antes de atribuir a responsabilidade pela contaminação ao empregador, obriga o advogado a executar a desagradável e, muitas vezes, impossível tarefa de executar verdadeira pesquisa social em conjunto com o médico do trabalho para constatar se aquele trabalhador pode de fato ter sido contaminado no trabalho ou em seu ambiente social e familiar. Poucos não são os casos daqueles que contraíram a doença durante o gozo de férias, em atividades sociais em bares e festas, obrigando o advogado a produzir contestação, quase uma peça processual acompanhada de provas, para resposta de um simples ofício.

Todas as esferas da atuação dos advogados passaram por uma inovação nem sempre positiva, pois veja que, além da virtualização alhures citada, surgiram novos e desconhecidos temas em uma velocidade e volume, muito em razão da prática eletrônica de intimações e notificações, que nos impõe esforço intelectual e dedicação sem a contrapartida pecuniária equivalente. Como dito, inúmeros temas e legislações que por vezes conflitam entre as medidas Estaduais e Municipais no combate à pandemia, por exemplo, cujo amplo conhecimento o advogado não pode se furtar.

O bom senso e a consciência social devem anteceder qualquer orientação dirigida tanto aos trabalhadores quanto às empresas.

Os desafios e dificuldades do advogado trabalhista são característicos da própria militância trabalhista. Desde sempre trabalhamos durante todo o processo sem qualquer remuneração, é quase um investimento a longo prazo, visto que só recebemos ao final ou quando funcionamos com audiencistas ao substituir algum colega. Investíamos nosso tempo, nosso intelecto, custeávamos nosso deslocamento e algumas vezes nossa alimentação, o que difere sobremaneira de outros ramos do direito em que o advogado estipula honorários ao ser contratado para causas do juízo orfanológico, cível, criminal, nos litígios familiares, entre outros, quando mesmo que de forma parcelada já inicia o recebimento pelo trabalho prestado.

A pandemia nos desafiou ainda mais, surgiram novas dificuldades, novas e mais elevadas despesas ao sermos obrigados a adquirir eletroeletrônicos, contratar serviços, alguns obrigados a pagar pela instalação e configuração de dispositivos ante nosso desconhecimento técnico, reduziu nossos ganhos, adiou alguns recebimentos e nos afastou do convívio presencial tão importante no desempenho de nossa função, especialmente da função social do direito, bastante expressivo no âmbito trabalhista.

Profissionalmente tivemos, temos e teremos estes e tantos outros desafios nessa nova e frágil realidade, no tão falado novo normal. O ser humano que sustenta e dá forma ao profissional é posto à prova constantemente ao ter que lidar com o desconhecido, com as mazelas sociais, com a insegurança e o medo, mantendo a serenidade necessária ao desempenho de seu ofício, ansiando pelo retorno da vida como conhecíamos, da interação com colegas e clientes nos corredores do Tribunal e nas salas de audiências no pleno exercício da advocacia em defesa da Justiça e do Direito, infelizmente sem a presença de muitos que perderam a luta para o nosso maior e verdadeiro desafio, nosso inimigo invisível e desleal protagonista desta pandemia.

Notas:

[1] Advogada no Escritório Albuquerque Perez Advocacia. Pós Graduada em Processo e Direito Civil e Graduanda em Direito e Processo do Trabalho