OS EFEITOS NEFASTOS DO DISTRATO IMOTIVADO FRENTE A HIPERCOMPLEXIBILIDADE E O CICLO ECONÔMICO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.

Artigo

OS EFEITOS NEFASTOS DO DISTRATO IMOTIVADO FRENTE A HIPERCOMPLEXIBILIDADE E O CICLO ECONÔMICO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.

Eduardo Abreu Biondi

Advogado

  1. O CICLO ECONÔMICO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA NO BRASIL.

Sabe-se que no último centenário, houve forte crescimento da construção civil na edificação de prédios com ascensões horizontais em regime de condomínio, vindo como resposta ao abrupto crescimento populacional e, principalmente, ao desenvolvimento urbano que se caracterizou pelas demandas destacadas nos planos diretores das cidades.

Por consequência e em virtude da falta de infraestrutura das cidades para agregar esse novo cenário de reposição de moradia populacional, surgiu a necessidade de regulamentação própria para evitar o crescimento demográfico desorganizado.

Assim, surgiu a incorporação imobiliária, cuja atividade desenvolvida é de grande repercussão social e econômica. Através dela, permite-se que empresas construam grandes empreendimentos imobiliários através da captação da poupança dos adquirentes das unidades autônomas, que somadas aos recursos do incorporador e créditos emitidos pelos bancos, sejam construídos grandes empreendimentos para uso residencial, comercial ou misto, com a devida ocupação lícita das terras urbanísticas, consubstanciadas na regulamentação vigente de preservação ambiental e planejamento demográfico organizado pelos Estados.

Desta forma, com o desenvolvimento urbano através de grandes empreendimentos, acaba ocorrendo a circulação de recursos e na geração de empregos diretos e indiretos que refletem diretamente no PIB (produto interno bruto) e crescimento do nosso país.

A construção civil, sempre foi fator preponderante no crescimento econômico do país, ainda mais quando induz diretamente na compra de bens e insumos, mas também na geração dos empregos tão necessários ao Brasil. Nunca houve dúvida de que os investimentos feitos pela construção civil sempre fizeram a economia crescer de forma sustentável e a construção civil é a atividade com maior potencial para gerar resultados positivos ao país.

Para tanto, basta observar os dados estatísticos elaborados pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção até o ano de 2018:

Com a chegada da pandemia gerada pela Covid-19, houve uma estagnação com paralisação imediata da construção civil, trazendo consequências negativas para diversos segmentos (principalmente aquele motivado pela geração de empregos), já que muitos canteiros ficaram paralisados por semanas, causando uma desaceleração abrupta no setor e para toda a cadeia de suprimentos, dificultando a logística e trazendo limitações mesmo com a retomada de muitas empresas no mercado.

Apesar do cenário crítico, existe um panorama bastante positivo para a construção civil na pandemia. Esse momento favoreceu a reflexão e análise do setor, conduzindo as empresas a otimizar seus processos, uma vez que os investimentos gerados criam um ciclo virtuoso, ancorado na criação de empregos de qualidade – formal, com renda e direitos garantidos para o trabalhador, com a melhoria na prestação de serviços à sociedade.

Sob essa ótica, necessário dizer, que para um país prosperar, necessário que o dinheiro circule, de modo que o país possa prosperar. Recentemente tem circulado nas mídias digitais uma estória cuja moral é a seguinte: se o dinheiro circula, não há crise.

Ela é mais ou menos assim: “Em uma cidade, os habitantes estão endividados e vivendo às custas de crédito em virtude do alto índice de desemprego desencadeado pela Covid-19. Por sorte, chega um viajante rico e entra em um pequeno hotel. O mesmo saca uma nota de R$ 100,00 (cem reais), põe no balcão e pede para ver um quarto. Enquanto o viajante estrangeiro sai para ver as acomodações, o gerente do hotel sai correndo com a nota de R$ 100,00 (cem reais) e vai até o açougue pagar suas dívidas com o açougueiro. Este, por sua vez, pega a nota e vai até um criador de suínos a quem deve em virtude da venda de mercadorias a prazo. O criador, por sua vez, pega também a nota e corre até o prostibulo da cidade e paga os serviços da meretriz. Esta com a nota em mãos, vai até o gerente de hotel e paga o quarto utilizado na semana anterior com um antigo cliente. Nesse momento, o gringo retorna ao balcão, pede a nota de volta, agradece, mas diz não ser o que esperava e sai do hotel e da cidade”. Moral da estória: Ninguém ganhou nenhum vintém, porém agora toda a cidade está tranquila. Moral econômica 1, que é justamente a verdade que a estória tem e o sentido que tem se atribuído a ela: quando o dinheiro circula, não há crise. Obviamente estamos tratando de uma simplificação das condições reais de economia e mercado, abstraindo-se uma série de variáveis e fatores, valendo acreditar, e é fato, que se o dinheiro circula, os efeitos de prosperidade são sentidos.

Como pode ser visto acima, o investimento cria um ciclo virtuoso, ancorado na criação de empregos de qualidade – formal, com renda e direitos garantidos para o trabalhador – e melhoria na prestação de serviços à sociedade, sendo certo que a economia se movimenta com a circulação do dinheiro e não pelo endividamento das famílias.

Na prática, a estruturação da incorporação imobiliária inicia-se nos contratos celebrados com os donos dos terrenos, e avançam com a aprovação do projeto respectivo na prefeitura municipal e com o registro no Registro de Imóveis de um kit com diversos documentos que descrevem a estrutura da incorporação e a caracterização da futura edificação, com a identificação das unidades privativas e as partes comuns a serem construídas. Nele estão reunidos os elementos essenciais dos futuros contratos de comercialização e produção do empreendimento, que servirão de apoio para acompanhamento de todas as partes envolvidas

Abaixo, de maneira mais genérica, os envolvidos na incorporação imobiliária bem como as relações entre eles:

Nessa sistemática, a atividade desenvolvida pelos “incorporadores”, na qual é idealizada a construção e promoção de determinadas edificações. A incorporação imobiliária parte do princípio de formalizar, perante a lei – representada pelo cartório imobiliário – o projeto a ser desenvolvido.

Vejamos a estrutura do ciclo econômico de uma incorporação imobiliária:

A doutrina em geral, se refere à incorporação imobiliária como uma atividade mercantil de grande complexidade na qual as responsabilidades e relações entre os envolvidos são também muito complexas. Não há como compreender o mecanismo da incorporação, sua gênese, formação, dinâmica e o sistema de construção sem uma visão das relações jurídicas eventualmente envolvidas e tempo que se leva para o produto chegar ao consumidor final.

Uma relação jurídica pressupõe no mínimo duas partes, pessoas físicas ou jurídicas. Ora, pessoas envolvidas no negócio jurídico imobiliário variam segundo sua estruturação, seu grau de complexidade e seu porte. A relação pode ser simples entre vendedor (incorporador) e comprador (adquirentes) ou pode abranger um verdadeiro leque de elementos secundários, também de grande importância. Os mais comuns são os construtores, financiadores e corretores, entre outros. Assim, a lei considera partes envolvidas essencialmente o incorporador e os adquirentes. O primeiro vende aos segundos frações de terreno sobre o qual será construído um edifício em regime de condomínio, composto de unidades autônomas, cada uma diretamente vinculada à sua fração ideal do terreno, sendo ele o responsável por todo o empreendimento até sua finalização e entrega das unidades aos adquirentes.

E após a entrega das unidades imobiliários, começou nos últimos anos surgir um novo fenômeno jurídico, qual seja: As inúmeras rescisões imotivadas. Ou seja, adquirentes, que simplesmente, depois da aquisição, desistem do negócio jurídico sem qualquer motivo de força maior ou fato superveniente.

  1. DOS EFEITOS NEFASTOS DA RESCISÃO IMOTIVADA NO MERCADO IMOBILIÁRIO – “DA TEORIA DO CUSTO DOS DIREITOS” E DA RESPONSABILIDADE DO JULGADOR – DA VANTAGEM EXAGERADA, DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DO DESEQUILÍBRO ECONÔMICO-FINANCEIRO.

 

A hipótese parece simples: O autor/comprador do imóvel desiste imotivadamente da aquisição da unidade, pede de volta todo o valor que pagou e, entendendo que a incorporadora irá vender novamente o imóvel[1], a decisão judicial autoriza a rescisão, determina a devolução dos valores e, mesmo quando parcial a devolução, determina a inclusão de juros moratórios de 1% mais a correção monetária.

Para alguns julgadores, a incorporadora revende o imóvel e segue “realizando seus lucros normalmente”.

Essa é uma visão completamente distorcida da realidade econômica e histórica do negócio imobiliário e sua propagação através de reiteradas decisões judiciais pode gerar grave risco sistêmico, capaz de fazer estruturas sólidas se aproximarem do colapso.

Nos últimos anos vinha crescendo de forma exponencial o número de investidores atraídos pelo mercado promissor da construção civil e pela grande demanda que se instalava nesse momento no Brasil.

Começaram então a comprar unidades imobiliárias de maneira desordenada, com fito de lucro. Ocorre que com a mudança do cenário nacional, estes investidores, ao perceberem que os lucros inicialmente pretendidos não seriam alcançados e, mantendo sempre o pensamento nas vantagens econômicas, optam por rescindir o contrato imotivadamente, exigindo que a construtora devolva 80 ou 90% do que pagaram.

Assim, mais do que simples razões jurídicas, é fundamental entender os efeitos macroeconômicos que uma decisão pode causar em todo um mercado, em especial, o mercado imobiliário.

Portanto, parece-nos de extrema valia trazer para o processo conceitos da obra do Professor Flávio Galdino – In Introdução à Teoria dos custos dos direitos[2]– direitos não nascem em árvores – que foi ímpar em realizar o diálogo “normas legais x resultados econômicos x impactos sociais” para demonstrar que, algumas vezes, o princípio da função social do contrato é reinterpretado para privilegiar exclusivamente interesses individuais.

Vejamos:

“O compromisso das partes com a performance contratual é ainda sobrevalorizado, pois não é possível prever com precisão ou exatidão as consequências perante os demais participantes do inadimplemento.É o caso preciso da prestação de serviços públicos. (…) Neste caso da prestação de serviços públicos, esse caráter relacional é reforçado ainda pelo fato de que há, para ambas as partes, principalmente se considerarmos a essencialidade do serviço em questão, obrigatoriedade em contratar.”[3]

 

 “E o problema está em que muitos estudos jurídicos encontram-se divorciados da realidade em medidas muitas vezes insuportáveis. Com efeito, já temos advertido nossos alunos de que muitos estudos jurídicos são dotados de elevado grau de esquizofrenia; é a esquizofrenia jurídica. (…) Em vez de amoldarmos nossos conceitos à realidade concreta, procuramos fazer o caminho inverso, o que, infelizmente, nem sempre é possível. E a viagem torna-se cada vez mais difícil à medida que aumenta a distância entre os mundos jurídico e real. Alguns operadores do Direito não voltam ao mundo real. Na imagem do jusfilósofo, substituiu a fórmula cartesiana penso, logo existo (cogito, ergo sum), pelo enunciado penso, logo é (cogito, ergo est), como se as nossas mais simples cogitações tivessem o condão de conformar a realidade. E essa postura esquizofrênica produz um afastamento da realidade incompatível com um agente público que pretende interferir na realidade social. É importante ter em vista que o Direito não existe apenas para enunciar valores que consideramos relevantes ou dignos de serem observados. O direito existe para regular a vida das pessoas. Para tentar tornar essas vidas mais felizes. E, para alcançar essa finalidade, de quase nada adianta construir realidades artificiosas…”[4]

“No que se refere aos juros, por exemplo, os operadores das demais ciências sociais, notadamente os economistas discutem diuturnamente, com base em estudos concretos, medidas complexas que possam determinar a queda das taxas ou pelo menos evitar que elas sejam impulsionadas, cientes das múltiplas consequências intencionais (ou não) das medidas da manutenção das taxas elevadas, como sejam o desenvolvimento dos setores produtivos ou elevação das taxas de desemprego etc. Irrealisticamente, os operadores do Direito pensam poder resolver o mesmo problema dos juros – e todos os outros – com uma boa idéia e uma penada. Como se fosse possível mandar chover para cima simplesmente revogando a lei da gravidade. Por isso, sua opinião não é mais sequer consultada acerca de juros…”

 

 “O tratamento jurídico dos juros e de algumas questões correlatas nos últimos anos são apenas mais um exemplo de esquizofrenia jurídica. Os operadores do Direito simplesmente recusam-se a compreender que as taxas de juros, em grande medida, dependem da facilidade ou dificuldade de recuperação do capital emprestado (rectius: mutuado) e não de um ato de inspiração divina para intuir-se qual seria a taxa mais justa…”[5]

 

 “Essas promessas irrealizáveis no contexto de um Estado (dito de bem-estar social) ineficiente, embora tenham a função ideológica de promover a confiança nas instituições – a chamada ‘lealdade das massas’ -, acabam convertendo-se em fator de descrédito com evidente desgaste do próprio discurso dos direitos fundamentais e indefectível instabilidade das instituições democráticas. É importante levar os direitos a sério. Assim, no sentido subjetivo, especificamente de direito subjetivo, não se admite mais a afirmação de um direito fundamental sem a necessária inclusão e séria consideração acerca de seus custos. Neste sentido, incluindo os custos no conceito de direito fundamental, podemos falar em um conceito pragmático de direito fundamental.”[6]

            A superproteção dos interesses individuais coloca em risco, não apenas os direitos da parte contrária[7], mas a coletividade de pessoas iguais ao comprador, que irá sofrer consequências de revisão do preço ou extinção de um determinado mercado. Ou seja: acaba sendo a única hipótese jurídica em que o consumidor individual colide com os interesses dos consumidores de forma coletiva, uma vez que aquele que desiste da unidade adquirida, faz com que os outros, suportem coletivamente pela sua má escolha.

Um exemplo prático é fundamental para alinhar a discussão com os macros conceitos econômicos. A hipótese será a seguinte:

            Valor da unidade – R$ 500.000,00.

Comprador, até restar inadimplente, pagou– R$ 150.000,00

A sentença determinou a devolução de 80% do valor pago, mais juros de 1% ao mês e correção monetária pelo IGPM, além de honorários de 10% (dez por cento) do valor a ser devolvido.

            Nesse caso, imaginando um tempo médio de 12 (doze) meses de duração do processo, o comprador o receberá:

R$ 120.000,00 (80% do valor pago)

Correção monetária pelo IGP-M – 13.952,63 (11,63%)

Juros de 1% – R$ 35.698,91.

Nesse cenário, o investidor que pagou R$ 150.000,00, receberá R$ 169.651,54, mesmo com eventual retenção de 20% (vinte por cento) do valor pago.

Ora, considerando que a inflação no período foi, em média, 12% (doze por cento), ele receberá, em verdade, 100% (cem por cento) do que pagou, devidamente corrigido, ou seja, com manutenção do valor da moeda. Assim, o COMPRADOR INVESTIDOR INADIMPLENTE e DESISTENTE IMOTIVADO será PREMIADO e não punido pela quebra do sinalagma do contrato.

Se a devolução for de 70%, o comprador inadimplente receberá
R$ 149.556,78 (cento e quarenta e nove mil, quinhentos e cinquenta e seis reais e setenta e oito centavos), ou seja, TUDO que pagou menos a inflação, o que, sendo ele o responsável pela rescisão, ainda é um prêmio conquistado.

Vamos a outra comparação ainda mais preocupante: No caso de devolução de 80%, o comprador inadimplente receberá R$ 169.651,54, mesmo sofrendo a retenção. Se, ao invés de sofrer uma retenção, ele aplicasse na poupança o valor integral, ou seja R$ 150.000,00, ao final do mesmo período ele teria R$ 172.926,18 (cento e setenta e dois mil, novecentos e vinte e seis reais e dezoito centavos), praticamente o mesmo valor que ele irá receber da incorporadora, mesmo depois de lhe ser descontados 20%.

Por óbvio que as decisões em casos de resolução contratual privilegiam quem descumpre o contrato e não quem busca todos os meios de adimplir com sua parte na relação jurídica.

Ora, não há perda financeira nenhuma para o inadimplente! Resta evidente que comprar unidades imobiliárias e depois buscar amparo no judiciário, pleiteando a rescisão do contrato com a consequente devolução de 80 ou 90% dos valores pagos passou a ser o melhor investimento possível – sem perdas para o comprador e garantia de lucro!

Obviamente que o comprador não faz pedido de rescisão quando o mercado está aquecido, porque prefere ele revender a sua unidade no mercado secundário, como é absolutamente legal.  Ele só faz isso quando o mercado deixa de apresentar a valorização no curto prazo[8]que ele irrazoavelmente esperava.

Nessa situação, o investidor resolve “sacar” o seu dinheiro através da rescisão de contrato.  É, na prática, como se ele pudesse fazer dois contratos e, ao final do prazo de entrega da obra, escolhesse se quer o imóvel ou a devolução do dinheiro.

Optando por “sacar” o dinheiro, rompendo a legítima expectativa que a incorporadora possuía de recebimento do preço nas condições pactuadas, o comprador desequilibra a relação econômica do negócio, ameaçando a todos que integram aquela cadeia econômica.

EM SUMA, O CONTRATO CELEBRADO NÃO PODE SER COMPARADO A UMA POUPANÇA, QUE PERMITA O COMPRADOR SACAR O INVESTIMENTO A QUALQUER TEMPO, COM CORREÇÃO. O ÚNICO DANO, NESTE CASO, SERIA SUPORTADO PELA EMPRESA, PREJUDICANDO DIRETAMENTE TODOS OS DEMAIS COMPRADORES DE BOA-FÉ.

Se a incorporadora pudesse ser dado o direito de aumentar o preço, depois do contrato feito, se houvesse valorização do imóvel, talvez pudesse ser legítima a pretensão do comprador de fazer da incorporação imobiliária um contrato de investimento com várias portas de saída.

Acontece que essa não é a realidade. Se o imóvel valoriza, a incorporadora não cobra diferença e o comprador fica com as vantagens; se o imóvel desvaloriza, a incorporadora não tem que reduzir o preço e o comprador fica com o resultado do negócio como de fato ocorreu, já que esse fenômeno econômico é o que regra os contratos bilaterais na maioria das situações.

Para tanto, basta lembrar, que no início da década de 90 (noventa), quando essa matéria (distrato imotivado) chegou ao STJ, a jurisprudência era pacífica no sentido de que só era possível o distrato, quando comprovado fatos supervenientes[9] pelo adquirente, como pode ser visto no Resp. nº. 109.331 da lavra do Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

 

Nesta senda, pode-se verificar que houve grande mudança na jurisprudência do STJ, quando começou a aceitar o distrato imotivado, rompendo flagrantemente com toda a cadeia jurídica que rege a incorporação imobiliária.

Inclusive o STJ em recente decisão no REsp 1163283/RS, cujo Relator foi o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, decidiu uma matéria (imobiliária) ressaltando a importância da análise de como a macroeconomia influencia o direito:

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. LEI N. 10.931/2004. INOVAÇÃO. REQUISITOS PARA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO A TODOS OS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO.

  1. A análise econômica da função social do contrato, realizada a partir da doutrina da análise econômica do direito, permite reconhecer o papel institucional e social que o direito contratual pode oferecer ao mercado, qual seja a segurança e previsibilidade nas operações econômicas e sociais capazes de proteger as expectativas dos agentes econômicos, por meio de instituições mais sólidas, que reforcem, ao contrário de minar, a estrutura do mercado.
  2. Todo contrato de financiamento imobiliário, ainda que pactuado nos moldes do Sistema Financeiro da Habitação, é negócio jurídico de cunho eminentemente patrimonial e, por isso, solo fértil para a aplicação da análise econômica do direito.
  3. A Lei n. 10.931/2004, especialmente seu art. 50, inspirou-se na efetividade, celeridade e boa-fé perseguidos pelo processo civil moderno, cujo entendimento é de que todo litígio a ser composto, dentre eles os de cunho econômico, deve apresentar pedido objetivo e apontar precisa e claramente a espécie e o alcance do abuso contratual que fundamenta a ação de revisão do contrato.
  4. As regras expressas no art. 50 e seus parágrafos têm a clara intenção de garantir o cumprimento dos contratos de financiamento de imóveis tal como pactuados, gerando segurança para os contratantes. O objetivo maior da norma é garantir que, quando a execução do contrato se tornar controvertida e necessária for a intervenção judicial, a discussão seja eficiente, porque somente o ponto conflitante será discutido e a discussão da controvérsia não impedirá a execução de tudo aquilo com o qual concordam as partes.
  5. Aplicam-se aos contratos de financiamento imobiliário do Sistema de Financiamento Habitacional as disposições da Lei n. 10.931/2004, mormente as referentes aos requisitos da petição inicial da ação de revisão de cláusulas contratuais, constantes do art. 50 da Lei n. 10.931/2004.
  6. Recurso especial provido.

(REsp 1163283/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 04/05/2015) (grifo nosso)

            Em especial ressalta o Ministro em seu acórdão: “Todo contrato de financiamento imobiliário, ainda que pactuado nos moldes do Sistema Financeiro da Habitação, é negócio jurídico de cunho eminentemente patrimonial e, por isso, solo fértil para a aplicação da análise econômica do direito”.

Como pode ser visto, deve o STJ reanalisar a questão, com o fito de evitar QUE OS COMPRADORES INADIMPLENTES sejam premiados e que isso se espalhe, de forma endêmica, para todo o mercado imobiliário, pondo em risco, tal como ocorreu no sistema americano, a solidez estrutural até hoje apresentada no Brasil.

            Se o inadimplente recebe um bônus, o adimplemento cai, os investimentos desaparecem e aumenta a crise habitacional no país. Se o inadimplemento atinge um nível tal que leve a colapso o sistema, todos os novos lançamentos desaparecem, os preços dos estoques podem cair tão rapidamente que todos vão querer vender seus imóveis e, assim, o haverá uma crise sem precedentes – e sem cura – no Brasil.

            Assim, o presente artigo é uma reflexão sobre a hipercomplexidade da incorporação imobiliária no Brasil, sendo certo, que se faz necessária uma reanalise pelo STJ, que se materializa em um único lema: respeito aos contratos e garantia da incorporação por aqueles que são investidores e buscam nesse tipo de operação o lucro.

  1. CONCLUSÃO

O sistema da incorporação imobiliária no Brasil, consiste em importante atividade econômica no país, sendo certo que os atos e negócios jurídicos e formalização da atividade macroeconômica depende da dinamicidade do fenômeno. Assim, a atuação do incorporador no exercício da atividade negocial estará necessariamente voltada à função social da incorporação imobiliária, que norteia os deveres contratuais e legais da relação jurídica entre o incorporador e o promitente comprador, que juntos, somam energias necessárias para a concretização e conclusão do empreendimento imobiliário.

Logo, chega-se à conclusão que a mitigação dos diversos riscos da incorporação imobiliária se dará juridicamente por meio da inserção de garantias do cumprimento por todos os agentes contratuais, sendo certo, que os contratos celebrados devem ser respeitados, para a concretização efetiva da incorporação imobiliária.

Sob esse prisma, destaca-se que há de se atentar na própria função social do contrato para se limitar a aplicação indiscriminada e protecionista de um único individuo, sem que haja preocupação efetiva com os consectários e efeitos advindas da proteção daquele, sem observância em que contexto o sujeito está inserido, tendo em vista a necessidade de proteção dos interesses do demais consumidores de forma coletiva, que, apesar de não fazer parte diretamente da promessa de compra e venda a ser distratada, serão diretamente afetados por aquele ato.

Desta feita, há de se fazer uma diferenciação entre o consumidor[10] do investidor[11], quando ocorrer o pedido judicial de dissolução do contrato, observando-se primordialmente eventual onerosidade excessiva ocasionada por um fato superveniente, sendo certo que o tratamento não merece a mesma tutela daquele que desiste da compra pela simples perda do interesse do negócio, posto que, se no primeiro caso há motivo relevante para desconsiderar os efeitos jurídicos da função social do contrato em relação aos demais adquirente, o mesmo não se identifica na segunda hipótese.

Assim, entende-se que há necessidade de uma reanalise pelo Superior Tribunal de Justiça, de todo o sistema que envolve a complexibilidade da incorporação imobiliária, protegendo o sistema como um todo.

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 109.331-SP. Segunda Seção. Relator: Min. Ruy Rosado Aguiar. Diário Oficial de Justiça. Brasília, 31.03.1997.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 1.163.283-RS. Quarta Turma. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Diário Oficial de Justiça. Brasília, 04.05.2015.

 

CHALHUB, Melhim. A Promessa de Compra e Venda no Contexto da Incorporação Imobiliária e os Efeitos do Desfazimento do Contrato. Revista dos Tribunais: Revista de Direito Civil Contemporâneo, S/i, v. 07, n. /, p.147-183, abr. 2016. Disponível em Unifor Online. p.04,10.

GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos – direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: RENOVAR. 2005.

MENIN, Rubens. Distratos: a busca do equilíbrio. Revista do SFI, S/i, v. 44, n. /, p.26 28, jul. 2016. Disponível em:https://www.abrainc.org.br/artigos/2016/07/19/distratos-busca-do-equilibrio/. Acesso em: 10 de junho de 2021.

Notas de Rodapé:

[1] Quiçá até com preço menor!!!

[2] GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos – direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: RENOVAR. 2005.

[3] Página 295

[4] Página 333

[5] Páginas 334/335

[6] Idem

[7] No caso, a incorporadora imobiliária.

[8] O conceito de valorização no curto prazo no mercado imobiliário foi desenvolvido em um determinado momento e depois aproveitado por especuladores, sendo uma subversão absoluta – e arriscada –  da regra de que imóveis representam investimento de longo prazo.

[9] Acometimento de doenças, perda de emprego e etc.

[10] Aquele que quer comprar, mas não pode – em virtude de algum fato superveniente.

[11] Aquele que pode comprar, mas não quer.