PERSONALIDADE, TITULARIDADE E DIREITOS DO NASCITURO: ESBOÇO DE UMA QUALIFICAÇÃO

Resumo

Propõe-se estudo teórico com o objetivo de examinar a extensão e os limites da proteção jurídica concedida aos nascituros no ordenamento jurídico brasileiro. Há décadas a doutrina nacional se debruça acerca da exegese mais adequada do art. 4º do Código Civil de 1916, que, atualmente, corresponde ao art. 2º do Código Civil, com pequenas modificações textuais, mas sem alterar substancialmente o dispositivo. O Código Civil aparentemente optou pela atribuição da personalidade civil somente após o nascimento com vida, assegurando, contudo, os direitos do nascituro desde a concepção. O próprio Código Civil prevê expressamente direitos ao nascituro, como o direito a se beneficiar de doação e herança, o direito ao reconhecimento de paternidade e a se submeter à curatela. Não obstante, é costumeira a afirmação de que o reconhecimento desses direitos pressupõe a concessão da personalidade civil desde a concepção, visto que a titularidade deles dependeria do gozo pleno da personalidade. Defende-se, contudo, que o nascituro é titular de situações jurídicas subjetivas, seja de natureza patrimonial, extrapatrimonial ou dúplice, ainda que o ordenamento não lhe tenha atribuído expressamente personalidade civil.

Artigo

PERSONALIDADE, TITULARIDADE E DIREITOS DO NASCITURO: ESBOÇO DE UMA QUALIFICAÇÃO

Vitor de Azevedo Almeida Junior*

Resumo: Propõe-se estudo teórico com o objetivo de examinar a extensão e os limites da proteção jurídica concedida aos nascituros no ordenamento jurídico brasileiro. Há décadas a doutrina nacional se debruça acerca da exegese mais adequada do art. 4º do Código Civil de 1916, que, atualmente, corresponde ao art. 2º do Código Civil, com pequenas modificações textuais, mas sem alterar substancialmente o dispositivo. O Código Civil aparentemente optou pela atribuição da personalidade civil somente após o nascimento com vida, assegurando, contudo, os direitos do nascituro desde a concepção. O próprio Código Civil prevê expressamente direitos ao nascituro, como o direito a se beneficiar de doação e herança, o direito ao reconhecimento de paternidade e a se submeter à curatela. Não obstante, é costumeira a afirmação de que o reconhecimento desses direitos pressupõe a concessão da personalidade civil desde a concepção, visto que a titularidade deles dependeria do gozo pleno da personalidade. Defende-se, contudo, que o nascituro é titular de situações jurídicas subjetivas, seja de natureza patrimonial, extrapatrimonial ou dúplice, ainda que o ordenamento não lhe tenha atribuído expressamente personalidade civil.

Palavras-chave: Personalidade; titularidade; nascituro; situações jurídicas subjetivas.

Notas introdutórias

Não é de hoje que juristas consagrados se debruçam sobre a qualificação jurídica do nascituro no direito alienígena[1] e brasileiro.[2] Diversas são as teorias que procuram explicar e fundamentar a proteção jurídica destinada aos concebidos no útero materno. Na experiência legislativa brasileira, desde os esforços empreendidos à época da elaboração e sistematização da primeira codificação civil nacional promulgada em 1916 até o atual estágio de tramitação do chamado estatuto do nascituro,[3] não se pode afirmar que nossa legislação tenha adotado expressamente uma definição sobre a extensão e os limites da proteção do nascituro. O reflexo dessa obscuridade legal é sentido na doutrina e na jurisprudência, que ainda não se definiram quanto à orientação mais adequada diante do ordenamento jurídico brasileiro.

A promulgação do Código Civil de 2002 em pouco alterou a solução legal anteriormente adotada, dispondo, em seu art. 2º, que a “personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A doutrina, a partir da nebulosidade desse dispositivo, ramifica-se em interpretações variadas, o que torna qualquer incursão no tema um trabalho árido e movediço. A aparente indecisão do legislador ordinário suscita uma indagação central: se a personalidade civil é atribuída apenas após o nascimento com vida, como pode a lei assegurar os direitos do nascituro?

A questão da personalidade tornou-se central para a escorreita compreensão da natureza jurídica do nascituro no direito pátrio. Duas orientações nortearam a doutrina, durante longo período, no tocante à categoria jurídica do nascituro: “a primeira concede personalidade ao nascituro desde a concepção, condicionando-lhe os direitos ao ulterior nascimento com vida”, enquanto a “outra admite personalidade apenas a partir do nascimento com vida, resguardando, porém, eventuais ‘direitos’ do nascituro, ou de modo mais correto, resguardando as ‘expectativas de direito’ do nascituro”.[4]

Infere-se que o momento de atribuição da personalidade civil era o parâmetro definidor da natureza jurídica do nascituro, se considerado detentor de personalidade, ou seja, pessoa, ou se tido como uma figura híbrida que, embora não fosse uma pessoa, teria assegurado suas “expectativas de direitos”. Mas, de todo modo, conforme já salientado, em ambas as teorias “resguarda-se o interesse do que há de nascer, bem como subordina-se o exercício de qualquer direito à condição do nascimento com vida”, o que pode denotar “tratar-se de uma discussão estéril”, muito embora “sejam numerosas suas repercussões sob o aspecto prático”.[5]

Mesmo que já se tenha debruçado sobre o estudo do momento da atribuição da personalidade no direito brasileiro há décadas, não há dúvidas de que a atualidade do tema se impõe de maneira pujante. Dentre os diversos motivos, pode-se dizer que em razão da reelaboração das bases conceituais em torno das noções de pessoa e personalidade no cenário normativo nacional já evocaria a revisitação do tema. Mas, além disso, o acelerado progresso biotecnocientífico e biomédico das últimas décadas também descortina novas situações que envolvem diretamente a proteção do nascituro, desde as técnicas de reprodução humana assistida, que possibilitaram a concepção do embrião humano em laboratório, passando pelas novas formas de intervenção médico-cirúrgicas in utero, até a realização de exames diagnósticos ainda durante a fase gestacional.

            É indispensável, portanto, a análise da renovada dogmática acerca das noções de pessoa e personalidade sob a perspectiva do direito civil-constitucional e sua influência no tratamento jurídico do nascituro. Além disso, cabe examinar as novas bases teórico-conceituais que visam à reformulação dos conceitos e teorias subjacentes à questão do nascituro no direito pátrio diante da constatação de sua insuficiência, mormente para fins de proteção dos interesses extrapatrimoniais do concebido no útero feminino.

 1. Pessoa e personalidade no direito civil contemporâneo

Os conceitos de pessoa e personalidade são centrais para a dogmática jurídica e atravessam o ordenamento civil-constitucional[6] brasileiro em toda sua extensão. As últimas décadas foram especialmente importantes para o enaltecimento desses institutos no direito pátrio, principalmente após a consagração, na Constituição de 1988, da dignidade da pessoa humana como princípio fundante da República e vetor axiológico nuclear.

A preocupação com a tutela integral da pessoa humana, após duas grandes guerras mundiais e os horrores do Holocausto, se tornou cada vez mais crescente nas ordens jurídicas ocidentais, que passaram a contemplar e assegurar os direitos humanos fundamentais nas Constituições nacionais e a reconhecer e proteger os direitos da personalidade em seus códigos civis. Conforme observou Anderson Schreiber, “duas guerras mundiais, os horrores do holocausto nazista e a efetiva utilização da bomba atômica foram apenas alguns dos assustadores acontecimentos que o mundo testemunhou no curto intervalo entre 1914 e 1945”.[7] Diante desses acontecimentos, tornava-se imprescindível uma tutela mais efetiva da pessoa humana, de modo a protegê-la das atrocidades cometidas mundo afora.[8]

A primeira resposta em âmbito internacional foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, na qual se afirmou de modo expresso “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

A consagração do princípio da dignidade humana em Declarações Internacionais de Direitos Humanos e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 1º, inciso III, além de ter um papel limitador do “inteligente egoísmo”, que guiava o mercado através da garantia do livre jogo das vontades, teve o mérito de fortalecer e priorizar a proteção da pessoa humana. Além disso, também foi responsável por inaugurá-la mediante o reconhecimento de sua primazia, em todos os aspectos, no ordenamento jurídico.

A dignidade da pessoa humana passou a ser considerada no ordenamento jurídico nacional como “princípio fundamental de que todos os demais princípios derivam e que norteia todas as regras jurídicas”.[9] Em consequência, firmado o reconhecimento do princípio da dignidade humana como fundamento da República brasileira, é indispensável a releitura de todo o ordenamento à luz dos ditames constitucionais em prol da reconstrução do sistema vigente a partir de uma índole mais humana e solidária, tendo como bússola axiológica a própria dignidade humana.

Não é por menos que grande parte da doutrina convencionou denominar esse movimento, no domínio do direito privado, de repersonalização, no intuito de demonstrar a centralidade que a pessoa humana passara a (re)desempenhar no ordenamento. Nas palavras de Paulo Luiz Netto Lôbo, “a repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário”.[10]

Tendo em vista a consideração de que a historicidade e a relatividade[11] são atributos indissociáveis dos institutos jurídicos e, à medida que se entende o Direito como realidade sociocultural, isso implica no entendimento de que pessoa e personalidade são conceitos derivados de construções jurídicas localizadas espacial e temporalmente. Isto impõe a necessidade de se verificar o que se entende por “pessoa humana” e qual o papel que lhe cabe atualmente em nosso sistema jurídico. Para tanto, é preciso rastrear os sentidos do vocábulo pessoa no mundo jurídico[12] e sua compreensão contemporânea à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Conceituar a pessoa humana no atual contexto de reconstrução da categoria do ser no direito civil contemporâneo não é uma tarefa simples, principalmente a partir do valor intrínseco da dignidade reconhecido a todas as pessoas humanas. Desse modo, pode-se afirmar que um dos consensos a respeito do conceito de pessoa advém da “posição privilegiada na experiência jurídica ocidental, resultado de longa elaboração histórica, influenciada por diversas concepções filosóficas, assim, como pela rica aventura semântica de seu suporte vocabular”.[13] Em outras palavras, já se disse que o “conceito jurídico de pessoa humana não nos foi concedido, mas arduamente construído”.[14]

A etimologia do vocábulo pessoa deriva do substantivo latino persona,[15] cujas raízes repousam na palavra grega prósopon,[16] que originalmente servia para designar a máscara que os atores usavam com o objetivo de fazer ressoar às suas vozes. Gustavo Pereira Leite Ribeiro ressalta que “em sua evolução semântica, o termo [pessoa] passou a denominar o personagem representado e, a seguir, estendeu o seu sentido para indicar o ser humano”.[17]

Ao tratar das transformações do conceito de pessoa, Judith Martins-Costa menciona que uma das dificuldades do Direito atual se encontra, em larga medida, “na distância entre duas ideias-chave: a de sujeito de direito como elemento da relação jurídica, de um lado, e, de outro, a de pessoa humana como valor-fonte do ordenamento”.[18] Surge, assim, a seguinte indagação: “Será o mesmo falar-se em pessoa humana, sujeito de direito, indivíduo, ser humano, ou homem (enquanto indicativo de gênero humano), expressões que, no mais das vezes, são tomadas umas pelas outras?” A partir do campo de estudo da História, a resposta seria negativa, pois se leva em conta que a linguagem é uma convenção legitimada pelo uso e, por isso, “dotada de significados que variam no tempo e espaço”. [19] No entanto, no universo jurídico verifica-se hoje uma sinonímia entre esses vocábulos, sendo forçoso reconhecer que nem sempre foi assim.

Judith Martins-Costa registra que “a expressão ‘sujeito de direito’ é uma invenção moderna e o termo ‘indivíduo’ não tinha o sentido que tem para nós”.[20] A pessoa era vista como representação, confundindo-se com o papel social desempenhado. Nessa senda, cabe registrar que inserido na teia de significações do mundo do Direito, “a pessoa que constituía o sujeito, causando sua capacidade de ser e atuar não era nem o indivíduo nem o ser humano, mas a posição social e processual configurada pela ordem estabelecida”.[21]

Tal concepção de pessoa como representação foi fortemente assimilada em nossa ordem jurídica entre os séculos XIX e XX[22]. No decorrer do século XIX, surgiu a noção de pessoa enquanto ser com direito subjetivo. A evolução semântica da palavra pessoa precisou fincar algumas premissas para assentar a ideia de ser pessoa como ser sujeito de direitos e liberdades, entre elas: “a) discernir entre ser humano e pessoa, b) assentar que somente os seres humanos são pessoas, c) reconhecer que todos os seres humanos são pessoas, d) conectar aos seres humanos, qualificados como pessoas, certos atributos; e) e, finalmente, unificar e universalizar esses atributos num só, a capacidade jurídica.”[23]

Infere-se que o discurso jurídico tradicional reduzia a pessoa natural à categoria de sujeito de direitos, conquanto fosse aquele detentor de personalidade e, portanto, apto adquirir direitos e contrair obrigações na órbita civil, polarizando os extremos da relação jurídica. Assim, “pessoa é o sujeito de direito em plenitude, capaz de adquirir e transmitir direitos e deveres jurídicos”.[24]

Sob essa ótica, costuma-se definir os sujeitos de direitos como um dos elementos da relação jurídica. Conforme Manuel A. Rodrigues de Andrade, os elementos mesmo “sendo estranhos à estrutura interna da relação jurídica, todavia são necessários para que a relação tenha existência”. Emergiu, assim, a paridade entre pessoa e sujeito de direitos, sendo este último qualificado como elemento subjetivo de determinada relação jurídica. Os sujeitos da relação jurídica eram, portanto, definidos como “os pontos terminais da linha em que figuramos a relação jurídica; são os suportes desta relação; as pessoas entre as quais ela se estabelece”. [25]

Gustavo Pereira Leite Ribeiro pontua que “o vocábulo pessoa pode assumir diversos significados, em função do contexto no qual é utilizado ou estudado. Na acepção jurídica, designa o ente a quem se atribui direito e obrigações. É o sujeito de relações jurídicas. É o centro de imputação de situações jurídicas. É o sujeito de direito. É o destinatário de normas jurídicas. É o ator que pode desempenhar diferentes papéis no cenário jurídico”.[26]

Segundo Francisco Amaral, o termo pessoa “tem um significado vulgar e outro jurídico”. Em sentido comum, “pessoa é o ser humano, mas tal sentido não serve ao Direito, que tem vocabulário específico”, enquanto que, na linguagem jurídica, “pessoa é o ser com personalidade jurídica, aptidão para a titularidade de direitos e deveres. […] Pessoa é o ser humano como sujeito de direitos”. [27]

De acordo com o mesmo autor, opõem-se duas concepções a respeito da noção de pessoa após longa evolução semântica do termo. Para os naturalistas, “todos os indivíduos têm personalidade, considerada inerente à condição humana como atributo essencial do ser humano, dotado de vontade, liberdade e razão”. Por outro lado, a concepção formal, “própria da ciência jurídica positivista, a personalidade é atribuição ou investidura do direito. Pessoa e ser humano não coincidiriam. Pessoa não seria o ser humano dotado de razão, mas simplesmente o sujeito de direito criado pelo direito objetivo”. [28]

Essa perspectiva estruturante e formalista da noção de pessoa como sujeito de direito (subjetivo) e de mero elemento da relação jurídica, dotado de personalidade jurídica, acaba por se demonstrar como reducionista e artificial, uma vez que funciona como “máquina de exclusão de seres humanos”[29] e descura da complexidade da realidade social a ponto de obscurecer as dimensões da pessoa humana. De fato, à medida que buscava contemplar num conceito único a categoria da pessoa no universo jurídico, ampliando-se para abarcar as pessoas coletivas (jurídicas), olvidou-se que no epicentro do Direito se encontra a pessoa humana, um ser complexo e dotado de múltiplos atributos que a qualificam e a dignificam.

Reduzir a pessoa humana a mero elemento subjetivo das relações jurídicas, como sujeito de direitos subjetivos, frustra a exigência de conduzir a pessoa humana à categoria central do ordenamento jurídico, sobretudo de garantir e efetivar as dimensões do princípio da dignidade da pessoa humana. Rose Melo Vencelau Meireles, por sua vez, esclarece que a “pessoa é em si, não apenas tem para si titularidades. O ser alcança patamar central nos valores constitucionais. Consequentemente, as categorias do ser não podem permanecer marginalizadas, como outrora”.[30]

Paulo Lôbo assevera que pessoa é “atributo conferido pelo direito, ou seja, não é conceito que se extrai da natureza. É, portanto, conceito cultural e histórico, que o direito traz para seu âmbito”.[31] Na legalidade constitucional, a pessoa humana é mais do que mero titular de situações jurídicas subjetivas. Ela é, ao mesmo tempo, alvo de todo arcabouço protetivo dos atributos essenciais à sua dignidade, voltados à tutela e à promoção do livre desenvolvimento da personalidade em sentido objetivo. A pessoa humana se torna, portanto, central e de valor nuclear do ordenamento jurídico. É forçoso reconhecer que o atual conceito de sujeito de direito é mais amplo do que o de pessoa. Consoante lição doutrinária, “há sujeitos de direito que não são pessoas físicas ou jurídicas”.[32] Sujeitos de direito seriam, portanto, “todos os seres e entes dotados de capacidade para adquirir ou exercer titularidades de direitos e responder por deveres jurídicos”.[33] Paralelamente, se posiciona César Fiuza: “Pessoa é uma coisa, sujeito de direitos é outra. Sujeito de direitos é o titular de direitos e deveres na ordem jurídica. […] Assim, toda pessoa é essencialmente um sujeito de direitos, mas o sujeito de direitos não é essencialmente pessoa”.[34]

Pode-se dizer que as pessoas são sempre titulares das situações jurídicas subjetivas, nas quais o centro de interesse tutelado pelo ordenamento lhe é pertinente, conquanto nem sempre o núcleo do interesse merecedor de tutela encontre um titular qualificado como pessoa, mas pode-se encontrar com um titular desprovido de personalidade. Nesses casos, percebe-se que titularidade e personalidade nem sempre coincidem. Na medida em que se distinguiu a noção clássica de “direito subjetivo” e se passou a adotar a de “situações jurídicas subjetivas” se permitiu que a titularidade se destacasse do exercício, oportunizando que a titularidade de determinada situação fosse atribuída a um ente despersonalizado.

Conforme Heloisa Helena Barboza, a “personalidade em sentido jurídico é a aptidão reconhecida pela lei para tornar-se sujeito de direitos e deveres; como pressuposto da concreta titularidade das relações, a personalidade corresponde à capacidade jurídica”, assim, compreende que a “personalidade é a qualidade inerente ao ser humano que o torna titular de direitos e deveres, sendo pessoa os que a têm”.[35]

Conforme se percebe, embora sejam conceitos nucleares na renovada ordem jurídica, permanecem nebulosos os conceitos e sentidos de pessoa e personalidade, que, embora sejam próximos, não se confundem. Cabe lembrar que a personalidade jurídica, em sua acepção clássica, exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, caracterizando o sujeito de direitos e habilitando-o a integrar as relações jurídicas. A rigor, a personalidade vista sob uma perspectiva estrutural sempre foi tomada em sua acepção subjetiva, indicando a titularidade das relações jurídicas.

No entanto, ao arrepio dos defensores da teoria negativista, a doutrina foi se sensibilizando a ponto de admitir que a personalidade também pode significar o “conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento” [36]. San Tiago Dantas já apontava que o termo personalidade poder ser tomado em duas acepções:

[…] a palavra personalidade está tomada, aí, em dois sentidos diferentes. Quando falamos em direitos da personalidade, não estamos identificando aí a personalidade como a capacidade de ter direitos e obrigações; estamos então considerando a personalidade como um fato natural, como um conjunto de atributos inerentes à condição humana; estamos pensando num homem vivo e não nesse atributo especial do homem vivo, que é a capacidade jurídica em outras ocasiões identificadas como a personalidade.[37]

A personalidade passa a conceber, ao menos, duplo sentido. Sob o ponto de vista subjetivo, identifica-se com a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, enquanto que sob o aspecto formal se revela “como conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico”, que configuram os direitos da personalidade.[38] Gustavo Tepedino leciona:

É que a personalidade, a rigor, pode ser considerada sob dois pontos de vista. Sob o ponto de vista dos atributos da pessoa humana, que a habilita a ser sujeito de direito, tem-se a personalidade como capacidade, indicando a titularidade das relações jurídicas. É o ponto de vista estrutural (atinente à estrutura das situações jurídicas subjetivas), em que a pessoa, tomada em sua subjetividade, identifica-se como elemento subjetivo das situações jurídicas. De outro ponto de vista, todavia, tem-se a personalidade como conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico.[39]

Neste último sentido é que se aborda os chamados direitos da personalidade, que, após conturbado trajeto afirmativo no campo doutrinário,[40] foi finalmente objeto de preocupação do legislador no Código Civil de 2002, reservando-lhe um capítulo específico que não ficou imune às mais duras críticas. Ainda assim, a doutrina civil-constitucional tem se dedicado a promover uma releitura mais adequada desses dispositivos à luz da legalidade constitucional, de modo a efetivar e concretizar a cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana.[41] Sob a perspectiva da metodologia civil-constitucional, tem-se que as situações jurídicas existenciais são proeminentes sobre as patrimoniais, o que justifica a relevância dos direitos da personalidade em nosso ordenamento. A valorização da pessoa humana em sua dimensão existencial no âmbito do direito civil demonstra a preocupação com o livre desenvolvimento da personalidade e com o respeito à sua dignidade, o que tem levado a doutrina a extremar os conceitos de personalidade – reservado às pessoas naturais em seu projeto pessoal de construção de sua identidade – e subjetividade – que consistiria na capacidade para ser sujeito de direito e comum tanto as categorias de pessoas naturais como jurídicas. A personalidade, desse modo, seria qualidade inerente e exclusiva da pessoa humana, enquanto a subjetividade consiste na aptidão de ser sujeito de direito.[42]

Nessa linha, confirma-se o dito acima, toda pessoa é sujeito de direitos, mas nem todo sujeito de direito é pessoa, repisando a necessidade de diferenciar os conceitos de personalidade e titularidade, que nem sempre consiste na chamada subjetividade, como é o caso do nascituro em nosso ordenamento.

  1. O tratamento do nascituro no cenário normativo nacional

 No Brasil, o legislador infraconstitucional optou por adotar como instante para a atribuição da personalidade o nascimento com vida, o qual é aferido na primeira troca oxicarbônica com o ambiente.[43] O Código Civil de 2002 manteve o mesmo critério adotado pelo Código Civil de 1916, sem adicionar outros requisitos condicionantes como preferiram ordenamentos alienígenas.[44] Talvez fruto da discussão centenária acerca da extensão da personalidade aos nascituros, o Código Civil atual, na linha do anterior, previu expressamente a salvaguarda dos direitos do nascituro desde a concepção.

A disposição contida no art. 4º do Código Civil de 1916, que corresponde ao art. 2º do vigente Código Civil, com pequenas modificações textuais que não alteram substancialmente o dispositivo, atribui personalidade civil no momento do nascimento com vida, mas ao assegurar os direitos do nascituro desde a concepção, desafia a doutrina nacional há décadas na busca da exegese mais adequada.

O Código Civil de 2002, na linha do anterior, prevê expressamente direitos ao nascituro, como o direito a se beneficiar de doação (art. 542) e de herança (art. 1.798), o direito ao reconhecimento de paternidade (art. 1.609, parágrafo único) e o direito à curatela (art. 1.779). Nas últimas décadas, outras leis infraconstitucionais reforçaram a proteção do nascituro, a exemplo da Lei n. 8.069/1990, que assegurou o direito à assistência pré-natal (art. 8º), e a Lei n. 9.434/1997, que procurou resguardar o direito à saúde e integridade física do nascituro ao proibir a gestante de dispor de tecidos, órgãos ou partes do corpo (art. 9º, § 7º), e a Lei n. 11.804/2008, que regulamentou os denominados alimentos gravídicos. Depreende-se, portanto, que nossa legislação é pródiga no tocante à previsão de direitos do nascituro, salvaguardando seus interesses desde a concepção.

No plano internacional, a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos e incorporada no ordenamento brasileiro no Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, dispõe em seu art. 4º, que trata do direito à vida, mais especificamente no item 1, que: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.” O documento internacional revela, nesse ponto, a preocupação com a proteção do nascituro, especificamente com a salvaguarda da vida intrauterina.

Observa-se que os direitos assegurados ao nascituro em documentos internacionais, no Código Civil e em leis esparsas reforçam a tutela do direito à vida, seja de maneira expressa, como o fez o Pacto de São José da Costa Rica, seja indiretamente, através, por exemplo, do reconhecimento do direito aos alimentos gravídicos, como regulamentado na Lei n. 11.804/2008. Tal constatação tem levado a doutrina a menosprezar cada vez mais a tese da mera expectativa de direitos, em prol de outras construções teóricas que asseguram com maior efetividade os direitos reconhecidos ao nascituro, sobretudo aqueles de caráter extrapatrimonial.

Considerando o costumeiro entendimento em sede doutrinária de que o reconhecimento de direitos pressupõe a concessão da personalidade civil, visto que a titularidade desses direitos dependeria do gozo pleno da personalidade, nas últimas décadas surgiram e ganharam força as teorias da personalidade condicional e, principalmente, a concepcionista. Conforme se percebe, a compreensão da qualificação jurídica do nascituro e suas controvérsias trazem como pano de fundo a própria discussão a respeito do início da personalidade jurídica.

Observa-se que a defesa da extensão da personalidade jurídica aos nascituros tem crescido na doutrina[45] e na jurisprudência nacionais,[46] ainda que não se possa falar em consensos. Aliás, não só a personalidade formal tem transbordado suas fronteiras conceituais, como igualmente se expande a tese do alcance dos direitos de personalidade aos nascituros.[47] Conforme se vê, há em curso um movimento expansionista para atribuir a personalidade subjetiva e objetiva aos seres em formação no útero.

  • A abrangência e o alcance do conceito de nascituro

 Tradicionalmente, o nascituro é caracterizado como o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno.[48] Essa delimitação conceitual encontra suas raízes no período republicano da Roma Antiga, tendo em vista que desde essa época se utilizava o termo técnico qui in utero sunt (aqueles que estão no útero) para se referir ao nascituro.[49]

Alguns romanistas registraram que no direito romano o nascituro[50], “antes de dado à luz, é uma parte da mulher ou de suas vísceras”,[51] e que, portanto, se admitia o início da personalidade apenas no nascimento com vida.[52] Nesse sentido, José Carlos Moreira Alves ensina que o nascituro “não é […] ser humano – não preenche ainda o primeiro dos requisitos necessários à existência do homem: o nascimento”. O mencionado autor ressalva, no entanto, que “desde a concepção, já é protegido”, visto que a partir dos “princípios que foram enunciados pelos jurisconsultos clássicos, surgiu, no direito justinianeu, a regra geral de que o nascituro, quando se trata de vantagem em seu favor, se considera como se estivesse vivo (in rerum natura esse)”. [53]

André Franco Montoro e Anacleto de Oliveira Faria concluem que “do direito romano post-clássico (sic) veio-nos a orientação considerando o nascituro como nascido, desde que tal ficção lhe fosse favorável”.[54] Porém, o principal legado deixado pelo direito romano foram as dúvidas a respeito do início da personalidade civil.

Na experiência nacional, a influência do pensamento de Augusto Teixeira de Freitas no direito civil pátrio, com a Consolidação e o Esboço, refletiu no uso da expressão pessoas por nascer, o que reforçaria a tese da paridade entre concebidos e nascidos, em razão do jurista considerar os nascituros como pessoas já existentes. A bem da verdade, a Consolidação das Leis Civis no seu art. 1º reconhecia aos seres em desenvolvimento no útero materno a condição de pessoas nascidas, assegurando-lhes, no entanto, seus direitos sucessórios no momento do nascimento.[55] O jurista esclarece que a parte geral de sua consolidação começa “pelo homem em sua vida preparatória – nasciturus, venter, qui in utero est”.

No monumental Esboço, Augusto Teixeira de Freitas continua considerando os nascituros como pessoas, mais precisamente como “pessoas por nascer”. Nos termos do art. 53 de seu Esboço: “São pessoas por nascer as que, não sendo ainda nascidas, acham-se, porém, já concebidas no ventre materno.” Esclarece o civilista que as “pessoas por nascer existem, porque, suposto que não sejam ainda nascidas, vivem já no ventre materno – in utero sunt”. Em sua linha de raciocínio, embora as pessoas por nascer ainda não se enquadrem como pessoas visíveis, elas não podem ser consideradas como pessoas futuras, visto que “não são ainda pessoas, não existem”. [56] O Esboço dispõe em seu art. 16 que “todos os entes suscetíveis de aquisição de direitos são pessoas”, razão pela qual disciplina a representação das pessoas por nascer quando lhes competir a aquisição de bens a título de herança ou doação (arts. 54 a 61).

A partir dos enunciados presentes no Esboço, a doutrina costuma apontar duas conclusões que revelam o pensamento de Augusto Teixeira de Freitas. A primeira consiste na assertiva de que “os direitos são integrados ao patrimônio, à titularidade do nascituro”; enquanto que a segunda revela que “são direitos e não meras expectativas que são adquiridos” pelos nascituros.[57]

O Código Civil de 1916 foi promulgado com a modificação do projeto de Clóvis Beviláqua, que em seu art. 3º dispunha originalmente que “a personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida”. Não obstante, a redação do art. 4º do Código Civil anterior restou com o seguinte teor: “a personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Com a edição do Código de 1916 nesses termos, preponderou a chamada teoria natalista.[58]

Em tempos hodiernos, observa-se, no entanto, que a própria definição clássica doutrinária de nascituro encontra-se em crise. Com as inovações biotecnológicas, especialmente a fertilização in vitro,[59] viabilizou-se a fertilização extracorpórea dos gametas masculino e feminino, da qual se origina o chamado embrião humano pré-implantatório.[60] A partir daí, alguns autores têm se posicionado favoravelmente ao alargamento do conceito de nascituro, de modo a abranger os referidos embriões, também chamados embriões excedentários, no conceito jurídico de nascituro, havendo, inclusive, os defensores da personalidade desses.[61]

Silmara Juny de Abreu Chinellato pontua que “nascituro é aquele que está por nascer, já concebido”, defendendo um “conceito mais amplo de nascituro – o que há de nascer”, a partir do qual é possível contemplar tanto o implantado (nascituro) quanto o embrião pré-implantatório.[62] Chinellato chega, inclusive, a utilizar a expressão “nascituro pré-implantatório”[63] para se referir aos embriões humanos crioconservados.

Cristiane Beuren Vasconcelos aduz que a crise a respeito do conceito de nascituro é “meramente aparente”, uma vez que “se a vida humana merece proteção desde a concepção, o termo deve ser compreendido dentro de seu significado atual, ou seja, já abarcando a hipótese de ocorrência in vitro”, sendo “desnecessária […] a adoção de uma nova terminologia jurídica”. [64]

Não há dúvidas de que uma das questões mais tormentosas que integra o temário do biodireito e da bioética diz respeito à proteção jurídica e ética[65] direcionada aos embriões humanos criados em laboratórios, mas que não foram implantados no útero. A questão da destinação desses embriões vem sendo profundamente discutida em âmbito nacional e internacional.

Na experiência legislativa brasileira, após longo dissenso parlamentar acerca da matéria, o art. 5º da Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, dispôs sobre a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos via fertilização in vitro e não aproveitadas no procedimento médico. O legislador permitiu a utilização de embriões humanos ou que sejam considerados inviáveis ou que estejam congelados há três anos ou mais na data da publicação da Lei de Biossegurança, ou depois de completarem três anos, contados a partir da data de congelamento, se já congelados na data de publicação dessa Lei. Além das exigências previstas nos incisos I e II do art. 5º, é imprescindível, ainda, o consentimento dos genitores para a utilização de embriões para fins de pesquisa e terapia, conforme determina o § 1º.

O mencionado dispositivo foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade n. 3.510, na qual os ministros do STF decidiram, por maioria, ser compatível com os preceitos constitucionais.[66] Considerando que as dimensões do objeto do julgamento extrapolavam os estreitos limites da ciência jurídica, com o propósito de ampliar e permitir a participação da sociedade civil no sentido de oferecer subsídios científicos suficientes aos ministros da Corte Constitucional, foi realizada a primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal, ocorrida em 20 de abril de 2007, para o espinhoso julgamento da ADin n. 3.510, impetrada pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles.

Em que pesem os dissensos em relação ao conceito de nascituro resultantes principalmente do desenvolvimento das ciências biomédicas, em especial das técnicas de fertilização in vitro, que possibilitaram a criação e crioconservação de embriões humanos, é necessário esclarecer que neste trabalho se considera como nascituro o ser já concebido, mas que se encontra no ventre de uma mulher. Independentemente da evolução biotecnológica e biomédica em face das técnicas de reprodução assistida, é necessário fixar os momentos do processo da vida humana e a partir dos quais haverá tutela jurídica, que deve se adequar às peculiaridades de cada uma das fases de desenvolvimento.

Pedro Pais de Vasconcelos ressalta a importância de fixar a terminologia relativa ao nascituro, a fim de se evitar possíveis equívocos. Ele defende que “há que distinguir, a este propósito, a situação de quem ainda não nasceu mas já foi concebido, e a expectativa de alguém vir a ser gerado”. Com base na tradição do próprio Direito, de acordo com o autor, deve-se reservar “a designação nascituro para aqueles que já foram concebidos e têm vida no seio da mãe, mas ainda não nasceram”, sob a justificativa de que a condição do ente por nascer é uma situação transitória e limitada no tempo. Convém distinguir, nesse particular, os nascituros dos concepturos,[67] tendo em vista que estes “não existem, são simples esperanças ou expectativas”, sendo que o que, a rigor, existe é a possibilidade de um dia vir a ser gerado.[68]

Considerando que os ciclos da vida humana comportam uma proteção jurídica diferenciada, chegando a seu ápice durante a existência da pessoa a partir do nascimento com vida até a morte natural, nos termos dos respectivos arts. 2º e 6º do Código Civil vigente, não se pode olvidar que o ordenamento contempla uma tutela peculiar e adequada às demais fases constitutivas do ser humano. É preciso, no entanto, realmente extremar aqueles que já foram concebidos e se encontram em gestação – os nascituros – dos embriões que se encontram criopreservados – os concepturos, ou melhor, embriões que não estão sendo gestados. Duas características importam para essa diferenciação e, ao mesmo tempo, justificam sua permanência, a saber: (i) a transitoriedade da condição de nascituro; e, (ii) a proximidade com a qualidade de pessoa, tendo em vista ser a fase imediatamente antecedente ao nascimento com vida, requisito para a atribuição da personalidade jurídica, nos termos da codificação vigente.

Essas, contudo, não são características de que gozam os embriões não implantados no útero de mulher para gestação, na medida em que seu estado de crioconservação pode ser por tempo indefinido e, portanto, seu nascimento é totalmente incerto, e em muitos casos talvez jamais ocorra. Diversamente, o desenvolvimento do nascituro, isto é, do embrião implantado e em gestação, tem termo previsto, e somente pode ser interrompido nos casos de aborto espontâneo ou nas hipóteses em que legalmente pode ser provocado no Brasil. O que convém frisar é que o processo gestacional é um contínuo que culmina no nascimento do ser em gestação que somente é interrompido por força de causas naturais ou pela intervenção humana, enquanto o embrião humano congelado precisa da manipulação humana para sair do estado de dormência e ser implantado no útero da mulher, na tentativa de se iniciar a gravidez, o que nem sempre se verifica.[69]

Isso demonstra que a equiparação entre nascituros e embriões congelados não implantados no útero deve ser evitada, visto que se trata de fases diferenciadas do desenvolvimento da vida humana que cabe ao Direito tutelar de forma específica.

Cabe observar que a concepção é um termo que tem conceito médico,[70] nascituro não. São termos que não se confundem, pois todo nascituro (o que está para nascer) foi concebido, mas nem todo concebido é um nascituro (caso dos embriões congelados). O problema está em entender como nascituros os embriões já concebidos, mas que não se encontram em gestação (e que poderão nunca ser gestados), e atribuir-lhes a mesma situação dos que estão na fase gestacional.

Ainda que concepção seja um termo oriundo da literatura médica, deve-se investigar qual o significado que o legislador civil utilizou. Os termos “concepção” e “concebidos” surgem ao longo da codificação atual em cinco dispositivos, a saber: (i) no art. 2º se asseguram os direitos do nascituro desde a concepção; (ii) a presunção criada para os filhos havidos na constância do casamento e frutos das técnicas de reprodução assistida, nos termos do art. 1.597, inciso III, IV e V; (iii) a prova da impotência à época da concepção ilide a presunção de paternidade, conforme previsto no art. 1.599; (iv) na ordem de vocação hereditária geral, imposta no art. 1.798; e, por fim, (v) na testamentária, estabelecida no art. 1.799, inciso I, além da substituição fideicomissária, conforme reza o art. 1.952, todos do Código Civil vigente.

Na busca por compreender a expressão concepção, adotada pelo legislador no art. 2º para fins de proteção de direitos ao nascituro e, assim, o conceito de nascituro, é preciso analisar o sentido e a razão da utilização desse termo em diferentes passagens do texto codificado, seja para designá-lo em sua qualidade de ser já existente (isto é, como concebido em gestação), seja a fim de se referir a filiação eventual, ou seja, aos ainda não concebidos.[71]

            O legislador não conferiu tratamento uniforme quanto ao uso da expressão “concepção” no decorrer do Código Civil, pois em que pese tradicionalmente o termo se refira ao nascituro, conforme preconiza o art. 2º – embora haja divergência –, em outras passagens do texto codificado ele faz referência tanto ao nascituro (isto é, aquele que se encontra em gestação) quanto aos embriões havidos por técnicas de reprodução assistida (arts. 1.597, III, IV e V, e 1.798). Logo, a concepção não é um critério hábil para a qualificação do nascituro, que se caracteriza pelo fato da gestação se encontrar em curso, razão pela qual se diz que nascituro é aquele que foi implantado no útero feminino e que se encontra em desenvolvimento.

            A maternidade é outro critério que não mais se mantém para definir o conceito de nascituro. É comum a afirmação de que nascituro é aquele que se encontra no “ventre materno”. No entanto, com a possibilidade da gestação de substituição, ou seja, naqueles casos em que outra mulher se propõe a gestar no lugar da beneficiária da técnica de reprodução assistida, não se pode dizer que esse ser em formação não goza da proteção como se fosse gerado no próprio útero de quem planejou o projeto parental. A gestação desenvolvida por mulher que não será a mãe da criança denomina-se “gestação de substituição”,[72] popularmente conhecida como “barriga de aluguel”.[73]

            Cabe expor que a gestação em útero de doadora temporária não retira a qualidade de nascituro nem toda a proteção jurídica que o ordenamento lhe assegura. Os centros de interesses merecedores de tutela cuja titularidade é imputada aos nascituros, conforme se verá adiante, mantêm-se nas situações de gestação de substituição, mesmo em face da gestante substituta, que passa a ter que, eventualmente, se sujeitar aos direitos extrapatrimoniais do nascituro prevalecentes na análise do caso concreto.

            É possível dizer que o conceito de nascituro alcança todo ser humano cuja formação se encontra em fase intrauterina, independentemente de a gestação ocorrer ou não no útero materno, pois com o desenvolvimento da biotecnológica se tornou possível que outra mulher geste no lugar daquela que planejou e deseja se tornar mãe. É, portanto, o estado gravídico – e não a determinação da maternidade – que caracteriza a existência de um nascituro. Em termos jurídicos, é com a concepção do nascituro – nos casos de reprodução natural – que se inicia a gestação, cujo termo inicial as ciências médicas reputam ser a nidação[74] do embrião no útero feminino. Nos casos de reprodução assistida, o início da gestação se dá com a implantação do embrião no útero. O conceito de nascituro abrange, portanto, todo ser humano já concebido ou implantado no útero que se encontra em gestação.

 

  1. As teorias sobre a qualificação do nascituro (ou sobre a natureza jurídica do nascituro)

 Ainda sob a égide do Código Civil de 1916, a discussão acerca da natureza jurídica do nascituro arregimentava grandes embates doutrinários. Diante da vacilante disposição legal, com base na ressalva do art. 4º do CC/1916 e dos demais dispositivos pertinentes ao nascituro, se esforçavam os autores em conferir uma interpretação sistemática, buscando uma forma de conferir uma tutela adequada ao nascituro.

Nos albores do Código Civil de 1916, Milciades Mario de Sá Freire expunha que no projeto primitivo do aludido texto codificado prevaleceu a tese que sustentava que “a personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida”, nos termos do então art. 3º. Na revisão do projeto, a comissão responsável abraçou outra teoria, na qual ligou o nascimento com vida ao começo da personalidade civil, cujo reflexo restou firmado na seguinte redação do art. 4º do projeto revisto: “A personalidade civil do ser humano começa do nascimento com vida; mas desde a concepção a lei garante os direitos eventuaes (sic) do nascituro.”[75] Esses relatos demonstram que, durante os debates que antecederam a promulgação do Código Civil pretérito, as controvérsias e dúvidas quanto ao início da existência da pessoa natural, coincidente com o momento da atribuição da personalidade civil, já se exasperavam a ponto de evidenciar a divergências das escolas.

Segundo Milciades Mario de Sá Freire, “uma das escolas faz começar a personalidade civil com o nascimento, reservando para o nascimento uma espectativa (sic) de direito; a outra faz coincidir a vida jurídica com a vida physica (sic), dando por extremos a concepção e a morte”. A partir desse embate, indaga o autor: “Das duas escolas, qual deve ser a preferida? […] Realmente, se o nascituro é considerado sujeito de direitos, se a lei civil lhe confere um curador, se a lei criminal o protege comminando (sic) penas contra a provocação do aborto, a lógica exige que se lhe reconheça o caracter de pessoa”. A resposta evidencia a adoção da escola concepcionista, muito embora tal defesa tenha sufragado ante a constatação de que “foi vencedora a theoria (sic) que reconhece o início da personalidade no nascimento com vida, reservando para o nascituro uma espectativa (sic) de direito”. [76]

Como se depreende, o Código Beviláqua se afastou da doutrina concepcionista, tendo se definido pela escola natalista. No entanto, a doutrina não tardou a se ramificar em correntes, posto que a despeito da dicção da primeira parte do então art. 4º, que estabeleceu “a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida”, a segunda parte do aludido dispositivo reacendeu os debates a respeito do tema ao por a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Percebe-se que ao longo do último século a doutrina brasileira se posicionou entre as extremadas concepções que ora sustentavam a mera expectativa de direito do nascituro, ora se embasavam na personalidade sob condição resolutiva ou suspensiva, e que, por vezes, defendiam o início da personalidade a partir da concepção. Silmara Juny Chinelato, com base no momento de atribuição da personalidade, popularizou conhecida divisão tripartite no cenário nacional, reunindo os juristas que já se debruçaram sobre o tormentoso tema, agrupando-os em adeptos da teoria natalista, da personalidade condicional e os concepcionistas.

A teoria natalista, para muitos aquela agasalhada pelo Código Civil de 1916 e pela codificação atual,[77] considera o início da personalidade a partir do nascimento com vida, nos moldes da orientação da primeira parte do art. 2º do Código Civil de 2002. Para Caio Mário da Silva Pereira, um dos representantes dessa escola, “o nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial”. Portanto, “se nasce [o nascituro] e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar portanto em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito”. [78]

Os natalistas sustentam que embora alguns dispositivos do próprio Código Civil reconheçam direitos aos nascituros, a exemplo dos arts. 1.609 e 1.779, tais hipóteses tratam de um “mero reconhecimento de proteção legal limitado à preservação de alguns direitos potenciais ou situações jurídicas específica e limitadamente previstas em um numerus clausus legal”.[79]

Há, ainda, os adeptos da chamada teoria da personalidade condicional,[80] que defendem que a personalidade se inicia desde a concepção, sob a condição de nascer com vida. Para os condicionalistas, “desde a concepção o nascituro já possui os direitos da personalidade, estando os direitos patrimoniais – decorrentes de herança, legado ou doação – condicionados ao nascimento com vida”, sustentando, desse modo, que a “própria personalidade jurídica está condicionada”.[81]

Enquanto no direito brasileiro, normalmente, se advoga a tese de que a personalidade é adquirida pelo nascituro com a concepção, sob a condição suspensiva do nascimento com vida, “no direito francês a personalidade também se adquire a partir da concepção, contudo sob a condição resolutiva do nascimento sem vida”. Everaldo Augusto Cambler, por exemplo, afirma que a “distinção carece de interesse prático, se também no ordenamento gaulês for atribuída eficácia retroativa à condição resolutiva, isto é, se o nascimento sem vida impedir a aquisição de direitos pelo nascituro”. [82]

Sobre o debate se o fato do nascimento funciona como uma condição suspensiva ou resolutiva da personalidade jurídica, Pedro Pais de Vasconcelos esclarece que “na primeira alternativa, o pré-nascido não tem personalidade jurídica antes do nascimento. Se, antes de nascer, lhe foram atribuídos bens por doação ou sucessão e ele vier a nascer com vida, é-lhe reconhecida retroactivamente (sic) a personalidade desde a data da aquisição”. Enquanto que na segunda hipótese “entende-se que o pré-nascido tem personalidade jurídica desde a concepção e a sua personalidade extingue-se com a morte; caso venha a morrer antes do nascimento, é retroactivamente (sic) desconsiderada a sua personalidade, tendo-se como nunca existido, por ficção legal”. [83]

Com efeito, a condição é um instituto hábil para explicar a neutralização da eficácia dos direitos patrimoniais do nascituro, que dependeria do marco do nascimento com vida para a produção dos efeitos jurídicos pertinentes. No entanto, a personalidade jurídica em si considerada não admite o estado condicional, pois ou se atribui a personalidade em sua completude ou o ente resta desprovido dela. A capacidade jurídica enquanto “medida da personalidade”[84] é que suporta modulações ou restrições, razão pela qual a legislação civil prevê as figuras dos absolutamente ou relativamente incapazes.[85] Contudo, assim não o fez com a personalidade, o que nos leva a crer que a personalidade não comporta nenhuma condição ou redução em seu conteúdo.

Nessa senda, Silmara J. A. Chinelato e Almeida já afirmou que “não há meia personalidade ou personalidade parcial. Mede-se ou quantifica-se a capacidade, não a personalidade. Por isso se afirma que a capacidade é a medida da personalidade. Esta é integral ou não existe”.[86]

Os concepcionistas[87] defendem o critério da atribuição da personalidade jurídica ao nascituro desde a concepção. Para eles, nascituro é a pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno. André Franco Montoro e Anacleto de Oliveira Faria já se posicionavam favoráveis à concessão da personalidade aos nascituros, tendo em vista que a “afirmação de que estamos em presença de simples ‘expectativas de direitos’ não resiste a um exame sério. O direito à vida ou o direito de representação, por exemplo, existem em sua plenitude desde o início da gestação”. E apontam que “bastaria ao nascituro ser titular de um único direito para que lhe não pudesse ser negada a qualidade de pessoa”. Por isso os autores concluem, à luz do Código Civil de 1916, que “uma análise rigorosa do art. 4º do Código Civil Brasileiro, em confronto com disposições do próprio Código e de outros ramos do direito, que reconhecem ao ser concebido verdadeiros direitos, impõe a conclusão de que, no próprio direito brasileiro vigente o nascituro é considerado pessoa”. [88]

Silmara J. A. Chinelato e Almeida assevera que “o nascituro tem personalidade desde a concepção”, e amparada em métodos lógico e sistemático de interpretação aduz que o art. 4º do CC/1916 “consagra a teoria concepcionista e não a natalista”. Ainda segundo a autora, “a personalidade – que não se confunde com a capacidade – não é condicional. Apenas certos efeitos de certos direitos, notadamente dos direitos patrimoniais materiais, como a herança e a doação, dependem do nascimento com vida”. Anota, ademais, que “a plenitude da eficácia desses direitos fica resolutivamente condicionada ao nascimento sem vida”. [89][90] A condição do nascimento (sem vida) é resolutiva, segundo a autora, porque a legislação civil e processual civil “reconhecem direitos e estados ao nascituro, não do nascimento com vida, mas desde a concepção”. [91]

Insta consignar que as teorias mencionadas anteriormente se baseiam na definição do momento da atribuição da personalidade civil, em razão de elas considerarem que a titularidade de direitos por parte do nascituro depende necessariamente do reconhecimento da personalidade, seja condicionando suspensiva ou resolutivamente desde a concepção, ou concedendo-a desde a concepção. Com efeito, a construção teórica realizada é fruto do entendimento reinante de que todo sujeito de direito reveste-se da qualidade de pessoa. Desse modo, na medida em que se reconheceu a existência de direitos do nascituro foi preciso justificar essa concessão alterando o momento em que começa a personalidade civil.

Conforme se vê, o debate sobre a extensão da personalidade aos nascituros é centenário no direito brasileiro. Contudo, é forçoso insistir que a questão se agravou com o surgimento das técnicas de fertilização in vitro. Reverberam, nesse sentido, dissonâncias tanto no campo doutrinário quanto no jurisprudencial.[92] Os esforços hauridos para a escolha do termo para o início da personalidade tornaram, consequentemente, a necessidade de proteção dos interesses, de caráter extrapatrimonial, do nascituro uma questão marginal no debate jurídico brasileiro contemporâneo.

Rafael Garcia Rodrigues já apontou que “independentemente da opção de conferir personalidade apenas àqueles indivíduos com vida extra-uterina, ou seja, aos nascidos com vida”, é preciso reconhecer a proteção ao nascituro, levando-se em consideração, inclusive, uma “série de situações existenciais envolvidas no processo de formação de uma nova pessoa e os bens jurídicos, especialmente aquelas de caráter não patrimonial, que mesmo antes do nascimento já envolvem o nascituro”.[93]

A insuficiência das orientações doutrinárias tradicionais relativas ao nascituro demonstra que o demasiado apego da doutrina tradicional aos confins do tecnicismo conceitual – embora de extrema importância – não pode descurar da necessidade de tutela dos interesses não patrimoniais do nascituro, sob pena de por em risco a possibilidade de uma vida digna no futuro.

            A partir da análise das principais teorias formuladas pela doutrina jurídica nacional a respeito da qualificação jurídica do nascituro em nosso ordenamento se infere que há uma predominância do debate em torno do momento em que se atribui a personalidade, descurando-se que, por vezes, determinados centros de interesses merecem tutela mesmo antes da existência, ou melhor, do início da pessoa natural, que nos termos do atual Código se inicia com o nascimento com vida. A titularidade de situações jurídicas extrapatrimoniais prescinde da atribuição em abstrato da personalidade jurídica, tendo em vista que a existência de centros de interesses merecedores de tutela por parte do ordenamento civil-constitucional brasileiro permite a concessão da titularidade de direitos extrapatrimoniais peculiares à fase de formação do nascituro no útero da mulher.

Além das teorias debatidas pela doutrina nacional, mencionam-se, ainda, à luz da doutrina portuguesa, as teses dos direitos sem sujeito, dos meros estados de vinculação, da retroação da personalidade ao momento da constituição do direito e da personalidade parcial, reduzida, fracionária.[94]

Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de Sousa defende, posicionando-se a favor da última teoria exposta anteriormente, que “é necessário reconhecer no concebido uma entidade parcialmente dotada de força jurisgénica, pois podem existir lesões e ilícitos juscivilisticamente tutelados nos casos em que o concebido morra antes do nascimento e para o esclarecimento de tais efeitos jurídicos mostra-se ainda mais adequada a construção do concebido como uma personalidade jurídica parcial”.[95] Críticas idôneas são feitas aos defensores dessa tese, na medida em que a fragmentação da personalidade pré-natal não se afigura como um entendimento razoável para a proteção integral do nascituro, ainda que tal tutela deva sempre ser sopesada com os direitos da gestante. Na verdade, a mesma crítica à teoria da personalidade condicional pode ser aplicada aqui, em razão de não se admitir restrições ou gradações à personalidade civil.

Pedro Pais de Vasconcelos, em sentido contrário, defende que o “nascituro é um ser humano vivo com toda a dignidade que é própria à pessoa humana. Não é uma coisa. Não é uma víscera da mãe”. O autor sustenta que “a sua qualidade pessoal [do nascituro] impõe-se ao Direito, que não tem o poder de negar a verdade da pessoalidade, da hominidade, da humanidade do nascituro. Não pode, pois, deixar de ser reconhecida, pelo Direito, ao nascituro a qualidade de pessoa humana viva, o mesmo é dizer, a personalidade jurídica” [96]. Desse modo, parece se filiar à tese concepcionista, na medida em que reconhece a personalidade ao nascituro, sem fazer ressalvas e restrições. Segundo o mencionado autor, “numa perspectiva personalista, como a nossa, em que a personalidade jurídica é conatural à vida humana, não pode ser aceite[a] a construção da condição suspensiva”.[97]

Alguns autores defendem a existência dos direitos sem sujeito como forma de explicar determinadas “situações, como a atribuição de bens, por doação ou por sucessão causa mortis, a um nascituro ou até a um concepturo […], em que parece existir um direito sem titular activo entre o momento da doação ou da morte e o nascimento do beneficiário”. Carlos Alberto da Mota Pinto leciona, nesse sentido, que “certas situações parecem só poder ser juridicamente enquadradas numa categoria de direitos sem sujeitos”. [98] Para o mencionado autor, não há “inconveniente ou obstáculo lógico na admissibilidade dos direitos sem sujeito”, pois “não são casos de permanente inexistência do sujeito; são situações provisórias, durante as quais a relação se mantém duma forma imperfeita ou há uma indeterminação transitória do titular”.[99]

A formulação da teoria dos direitos sem sujeito se apresenta como uma exceção à relação jurídica entendida em sua concepção tradicional, a qual se traduz num poder do sujeito ativo em contraposição à vinculação (dever jurídico ou sujeição) do sujeito passivo, exigindo, portanto, a existência de sujeitos para sua formação e caracterização. A escapatória possível é justificar dogmática e conceitualmente que, em algumas situações, ante a inexistência de sujeitos se admite, ainda assim, a existência de direitos.

A contradição é a principal crítica enfrentada por seus defensores, na medida em que “tratar-se-ia de um absurdo lógico, dado que o poder, em que o direito subjectivo se traduz, tem de pertencer a alguém”.[100] Manuel A. Domingues de Andrade, um dos críticos da doutrina dos direitos sem sujeito, expõe que “constituem minoria aqueles autores que sustentam a possibilidade de direitos sem sujeito, notando-se aliás que não admitem a falta completa e definitiva deste elemento, por maneira que o direito possa surgir, viver e extinguir-se sem ele, mas só uma falta temporária ou provisória, por maneira que a certa altura a situação se resolve ou num não-direito ou num direito com titular”.[101]

Pedro Pais de Vasconcelos expõe que a “construção positivista formalista da personalidade jurídica só consegue ultrapassar esta dificuldade considerando que, antes do nascimento, os direitos atribuídos ao nascituro são direitos sem sujeito, o que constitui uma contradição nos próprios termos e uma solução artificial”.[102]

Para Manuel A. Domingues de Andrade é inconcebível a figura dos direitos sem sujeitos, uma vez que o direito subjetivo é definido como o poder de exigir ou pretender concedido pelo ordenamento jurídico a uma pessoa, sendo essa justamente o sujeito de direito. Com base na ideia de poder característico do direito subjetivo, o autor compreende que “todo poder tem, necessariamente, de estar conexionado a um sujeito”. [103]

Fiel à necessidade de um sujeito para a existência do direito subjetivo e, por consequência, da configuração da relação jurídica, Manuel A. Domingues de Andrade advoga a tese de meros estados de vinculação de certos bens, “em vista da possível superveniência de um titular para eles e portanto de um direito que lhes corresponda”, eis que o “possível objecto de certo direito, em vez de estar livre, encontra-se vinculado, como que em expectativa adequadamente tutelada, reservado para o mesmo direito, se vier a surgir com o respectivo titular”.[104]

Tanto a teoria dos direitos sem sujeito quanto a dos meros estados de vinculação apresentam problemas por se manterem atadas a uma concepção individualista do direito subjetivo, sob a qual o dogma do poder da vontade reina. A primeira não responde a todas as indagações na medida em que foi elaborada para excepcionar a formulação clássica da relação jurídica, que exige a presença do sujeito como elemento para sua definição. Por sua vez, a segunda teoria, em razão do apego demasiado à estrutura do direito subjetivo, impede sua reformulação, impondo o afastamento das situações titularizadas pelos entes despersonalizados do âmbito das relações jurídicas e mantendo-as como meros estados de vinculação, que, no fundo, se equiparam a uma espécie de salvaguarda da expectativa de direitos.

  1. Os nascituros e a titularidade das situações jurídicas subjetivas: exegese do art. 2º do Código Civil de 2002

             Indispensável aprofundar a interpretação do art. 2º do Código Civil, de modo a verificar a possibilidade de o nascituro ser titular de situações jurídicas subjetivas, ainda que não lhe seja atribuída a personalidade jurídica e, em consequência, não seja considerado pessoa para a dimensão normativa. Para tanto, é necessário examinar a insuficiência da noção tradicional de direito subjetivo como meio de estruturar a aquisição de titularidades no campo do direito civil, passando-se a analisar as situações jurídicas subjetivas e suas titularidades à luz da metodologia do direito civil-constitucional, notadamente no que tange à tutela extrapatrimonial do nascituro no direito brasileiro.

            O enfoque precipuamente individualista e patrimonialista na compreensão do direito civil contemporâneo mostrou a insuficiência das concepções clássicas acerca do direito subjetivo como única forma de reconhecer comportamentos humanos admitidos ou permitidos pelo direito objetivo diante de um cenário de liberdade do indivíduo. O desenvolvimento das teorias formadoras da categoria do direito subjetivo encontrou ambiente propício no período liberal, tornando-se figura central do direito civil oitocentista.[105] Em contraposição ao direito objetivo (norma agendi), o direito subjetivo compreendido como a facultas agendi é justificado em doutrina como “as prerrogativas do indivíduo asseguradas pelo direito objetivo”. Já se afirmou que é impossível “construir o direito sem a noção de que o homem, submetido embora à regra social, nunca deixa de constituir um ser individual, e que, coexistindo a sociedade e a norma geral, existe o indivíduo”. [106]

            Em que pese a existência de teorias antissubjetivistas, capitaneadas, sobretudo, por Hans Kelsen[107] e León Duguit,[108] a noção de direito subjetivo foi amplamente disseminada a partir das construções produzidas pela doutrina alemã no século XIX. No interior das teorias clássicas do direito subjetivo, tornou-se célebre o embate entre a proposição voluntarista ou psicológica do direito subjetivo, formulada por Windscheid, na esteira dos ensinamentos de Savigny, na qual se enxergava o elemento volitivo como essencial para a caracterização do direito subjetivo; enquanto, Ihering, a partir de um enfoque normativo, defendia o direito subjetivo como um interesse legitimamente protegido, deslocando a noção central da categoria do poder da vontade para o interesse.

            Caio Mário da Silva Pereira registra que, dentre os defensores da teoria da vontade, “uma gama de valorações aparece, desde a que o erige em fator todo-poderoso a sujeitar-lhe as vontades dos outros indivíduos, até a que restringe o elemento volitivo a um poder de vontade nos termos em que o permite o direito objetivo”.[109] Da oposição entre as teorias da vontade e do interesse, proliferaram as teses conciliatórias, que procuravam integrar os elementos teleológicos e psicológicos. Sob esse aspecto, já se disse que o direito subjetivo “é a expressão de uma vontade, traduz um poder querer, que não se realiza no vazio, senão para perseguir um resultado ou visando à realização de um interesse”.[110] É, portanto, da simbiose entre o elemento interno (a vontade) e o externo (a finalidade) que, conjugados, retrataria a fórmula da facultas agendi.

            O direito subjetivo traduzido como poder do titular corresponde de imediato a um dever exigível de outrem, passando a ser encarado a partir do binômio poder-dever insito a essas relações jurídicas. Nesse sentido que Caio Mário da Silva Pereira obtempera que “o dever pode ser um tipo variável: dar, tolerar ou abster-se; enquanto o direito será sempre o mesmo, isto é, o poder de exigir o cumprimento do dever”.[111]

            Sob a ótica do direito civil-constitucional, a crise do direito subjetivo é exasperada na medida em que se visualiza que “enquanto este [o direito subjetivo] nasceu para exprimir um interesse individual e egoísta”, por outro lado, a “complexidade das situações subjetivas – pela qual em cada situação estão presentes momentos de poder e de dever, de maneira que a distinção entre situações ativas e passivas não deve ser entendida em sentido absoluto – exprime a configuração solidarista do nosso ordenamento constitucional”.[112]

            Ao considerar, portanto, que a noção de direito subjetivo não mais se mantém incólume no direito contemporâneo, seja porque encerra posições individualistas ou porque as limitações são externas, é preciso percorrer a qualificação e os perfis das situações jurídicas, e, assim, analisar a questão da titularidade por parte dos nascituros.

            As situações jurídicas subjetivas nascem de um fato jurídico cuja eficácia diz respeito a um centro de interesses que encontra sua justificativa no manto do merecimento de tutela realizado a partir do projeto constitucional. Conforme lição de Pietro Perlingieri, “fato jurídico é qualquer evento que seja idôneo, segundo o ordenamento, a ter relevância jurídica”. Assim, o fato jurídico, o ser, adquire relevância jurídica na medida em que o ordenamento lhe confere eficácia jurídica. Com a ocorrência de um acontecimento humano ou natural, um fato, que confrontado com o enunciado normativo abstrato previsto em lei, verifica-se. a partir do processo de qualificação do fato juridicamente relevante, quais são os efeitos jurídicos que o ordenamento como um todo irá lhe emprestar. Assim, “o fato concreto, quando se realiza, constitui o ponto de confluência entre a norma e a transformação da realidade: é o modo pelo qual o ordenamento se concretiza”. [113] Dessa maneira, da intensa relação dialógica entre norma e realidade que surge a disciplina do caso concreto.

            É, portanto, ao fato da vida social, o “ser”, que o ordenamento jurídico confere um efeito jurídico, que se traduz como o “conjunto simples ou complexo de constituição, modificação ou extinção de situações jurídicas”. Assim, o efeito jurídico é, na verdade, um “dever ser”, que depende da concretização da norma disposta no ordenamento jurídico, cuja realização implica a ocorrência de um fato concreto no mundo do “ser”. [114]

            As situações subjetivas juridicamente relevantes se revelam como “a eficácia do fato com referência a um centro de interesses, que encontra a sua imputação em um sujeito destinatário”. O conceito geral de situação jurídica, de acordo com esse raciocínio, abarca, por exemplo, “o direito subjetivo, o poder jurídico (potestà), o interesse legítimo, a obrigação, o ônus”, entre outros, tratando-se, portanto, de categoria ampla e abrangente.[115]

            Considerando a necessidade de superar o enfoque individualista e patrimonialista que circunda a análise das situações subjetivas, Pietro Perlingieri propõe que elas devem ser compreendidas “sob diversos perfis entre eles concorrentes”, mas que devem ser entendidas de forma unitária. Somente assim, alerta o autor, é possível ter a “exata dimensão” das situações jurídicas subjetivas.

            Sob o perfil do efeito, considera-se que toda “situação é efeito de um fato, ou seja, encontra a sua origem em um fato, natural ou humano, juridicamente relevante”.[116] É a partir do acontecimento do fato concreto, portanto, que o ordenamento lhe atribui uma qualificação e disciplina. Segundo Pietro Pelingieri, o “fato concreto, quando se realiza, constitui o ponto de confluência entre a norma e a transformação da realidade: é o modo pelo qual o ordenamento de concretiza”. Assim, afirma-se que a “norma existe a sua realização, quando é individuada pelo intérprete em relação ao caso concreto: o momento fático atribui à norma a concretude e a historicidade que lhe são essenciais”. [117]

            As situações subjetivas encontram seu fundamento justificador no interesse, que pode se revestir da natureza “patrimonial, existencial ou, por vezes, um e outro juntos, já que algumas situações patrimoniais são instrumento para a realização de interesses existenciais ou pessoais”.[118] Ana Carolina Brochado Teixeira e Carlos Nelson Konder explicam que, “embora o perfil do interesse e do efeito sejam também importantes para se refletir acerca a normativa aplicável a cada situação, hoje o perfil funcional é o mais relevante nessa distinção”,[119] tendo em conta que “funcionalizar um instituto é descobrir sob qual finalidade ele serve melhor para o cumprimento dos objetivos constitucionais, qual seja, a tutela da pessoa humana na perspectiva não apenas individual, mas também solidarista e relacional”.[120] O próprio Pietro Perlingieri já ressaltava a importância do perfil funcional da situação jurídica na medida em que se trata de “aspecto particularmente importante para a qualificação da situação, isto é, para a determinação da sua função no âmbito das relações sócio-jurídicas”.[121]

            Em que pese a proeminência do perfil funcional, no atual contexto de funcionalização dos institutos jurídicos, é preciso analisar, ainda, os perfis dinâmico, do exercício e normativo, para concluir o itinerário analítico para a compreensão integral das situações jurídicas subjetivas. Em relação ao perfil dinâmico, que se assenta na contínua qualificação de uma pluralidade de comportamentos que constituem a situação jurídica, Pietro Perlingieri aduz que o “ordenamento vigente conforma a função de cada situação subjetiva em sentido social”,[122] operando a inversão do enfoque individualista em prol de um entendimento mais solidário e global das situações jurídicas merecedoras de tutela. Além disso, a doutrina já asseverou que “a ideia fundamental é que a função pode acompanhar as mudanças da sociedade, sendo, portanto, um conceito contextual e socialmente construído”.[123]

            Deve-se atentar igualmente para o perfil do exercício que se relaciona com a imprescindibilidade da manifestação de vontade de um sujeito para o exercício da situação, mas “não necessariamente do titular do interesse”. Seria o caso da legitimidade de tutores para o exercício das situações cujo interesse em jogo é titularizado pelos filhos menores, nos termos do art. 1.728 do atual Código Civil. É como esclarece Pietro Perlingieri: “um conto é o sujeito titular do interesse, outro, aquele que o exerce.”[124]

            Em relação, por fim, ao denominado perfil normativo ou regulamentar, se justifica “na medida em que atribui relevância jurídica à situação, a qual, para ser jurídica, deve ter valor normativo”.[125] Todo fato concreto é dotado de juridicidade, embora nem sempre a norma lhe atribua efeitos jurídicos individualizáveis e determinados. Para Pietro Perlingieri, “fato relevante não é somente aquele produtor de consequências jurídicas bem individualizadas, mas qualquer fato que, enquanto expressão positiva ou negativa (fato ilícito) de valores ou princípios presentes no ordenamento, tenha um significado próprio segundo o direito”.[126] Nessa direção, a juridicidade de determinado fato concreto permite que o destinatário de um centro de interesse possa realizar ou exigir que outros realizem ou se abstenham de determinados atos, desde que amparados por normas dispostas no ordenamento. É com assento nesse aspecto que “a situação constitui uma norma de conduta que pode significar atribuição ao sujeito – no interesse próprio ou de terceiros, no interesse individual e/ou social – do poder, às vezes, de realizar, outras, de não realizar determinados atos ou atividades”.[127]

A compreensão das situações subjetivas só se satisfaz dentro de uma relação jurídica. A indissociabilidade entre as noções de situações subjetivas e relação jurídica se deve ao fato daquelas encontrarem “sua justificação e o seu próprio ponto de confluência” nesta. Do ponto de vista estrutural, a relação jurídica é a ligação entre situações subjetivas. Contrapor centros de interesse é uma exigência de uma visão conforme o princípio da solidariedade social, tendo em vista que “o conceito de relação representa a superação da tendência que exaure a construção dos institutos civilísticos em termos exclusivos de atribuição de direitos”. Eis a razão pela qual Pietro Perlingieri afirma que o “ordenamento é não somente um conjunto de normas, mas também um sistema de relações”. [128]

Sabe-se, contudo, que a doutrina tradicional do direito civil entendia a relação jurídica como vínculo entre sujeitos. Conforme Rose Melo Vencelau Meireles, “a pessoa, nessa perspectiva, seria elemento subjetivo da relação jurídica e, portanto, seu elemento interno”.[129]

Manuel A. Domingues de Andrade leciona que são vários os sentidos do termo relação jurídica. Mais especificamente, numa acepção mais ampla, relação jurídica seria “toda a situação ou relação da vida real (social), juridicamente relevantes (produtiva de consequências jurídicas), isto é, disciplinada pelo Direito”.[130] Em seu sentido restrito, relação jurídica “vem a ser unicamente a relação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo (sic) e a correspondente imposição a outra pessoa de um dever ou de uma sujeição”.[131] Patente, portanto, a ligação entre o viés tradicional da teoria da relação jurídica e a construção doutrinária do direito subjetivo.

Sob o pálio da metodologia civil-constitucional, no entanto, concebe-se a relação jurídica, do ponto de vista estrutural, como a ligação entre situações jurídicas subjetivas. Assim, Pietro Perlingieri pontua que “o sujeito é somente um elemento externo à relação jurídica porque externo à situação: é somente o titular, às vezes ocasional, de uma ou de ambas as situações que compõe a relação jurídica”.[132]

Nessa linha, defende-se que “o sujeito não é elemento essencial para a existência da situação, podendo existir interesses – e, portanto, situações – que são tuteladas pelo ordenamento apesar de não terem ainda um titular”. Torna-se patente, portanto, que o “sujeito não é parte imanente da situação subjetiva, mas que no máximo é elemento essencial para a individuação da titularidade da própria situação”.[133]

Em que pese a titularidade se qualifique como a ligação entre sujeito e situação subjetiva, Pietro Perlingieri afirma que “existem situações existenciais que são juridicamente relevantes antes mesmo da existência do sujeito”. Se  se considerar que a personalidade se inicia para as pessoas naturais com o nascimento com vida, entende-se que em hipóteses “determinadas e específicas” é possível se ter um centro de interesses juridicamente relevante “apesar da inexistência (o não nascimento) do sujeito titular do interesse”.[134]

A inexistência ou indeterminação do sujeito titular da situação jurídica subjetiva demonstra que há certos interesses que merecem tutela por parte do ordenamento, mesmo que não exista uma pessoa nos termos da codificação atual. Convém perquirir, porém, se diante dessas situações é possível vislumbrar a titularidade, ainda que sob o manto de spettanza (titularidade potencial).

Diferente da titularidade atual, que pode ser traduzida em termos de pertinência (appartenenza),[135] surge a forma da titularidade potencial ou virtual que se “exprime com a noção de spettanza, a qual indica a potencialidade da situação, isto é, a existência de um título idôneo para a aquisição da titularidade definitiva”.[136]

De modo a exemplificar uma aplicação dessa noção, Pietro Perlingieri traz a hipótese de disposição causa mortis a favor de um nascituro. Segundo o autor italiano, “o ato de disposição incide na esfera patrimonial e cria uma titularidade, em termos de spettanza, que se transforma em pertinência no momento do nascimento do sujeito”. Assim, “a ligação de titularidade, ainda que potencial, entre a situação e o sujeito que está para nascer, impede que se defina aquela situação como sendo sem titular”.[137]

A partir da explanação feita anteriormente, depreende-se que a inexistência do sujeito para a configuração de interesses tutelados pelo ordenamento não se traduz na ausência de titularidade. O que se percebe é que, mesmo nos casos em que o sujeito titular de determinada situação jurídica subjetiva ainda não tenha nascido, já se constituiu a titularidade a partir dos interesses em jogo e que merecem tutela. Mas que ainda é em sua modalidade potencial, transformando-se em titularidade atual no momento em que se verificar o nascimento com vida do sujeito titular ainda inexistente ou indeterminado daquela situação protegida.

A titularidade potencial explica a existência de situações patrimoniais ao nascituro, porém, acaba por deixar descoberta as situações extrapatrimoniais. Ainda assim, é preciso ressaltar que, muito embora encapsulada dentro de uma perspectiva de potencialidade, Pietro Perlingieri já avança ao incluir a titularidade virtual dentre as formas de titularidade. Trata-se, portanto, de um passo importante rumo ao entendimento de que a titularidade prescinde da concessão da personalidade civil para a existência da situação merecedora de tutela. Resta saber se a individuação da titularidade para fins de tutela dos direitos extrapatrimoniais necessita do nascimento com vida.

Defende-se, nessa senda, que a titularidade de situações jurídicas não possui como requisito a aquisição da personalidade civil e nem a ela fica condicionada. O próprio legislador ordinário (art. 2º, CC/2002) reconheceu que a existência de direitos não se confunde com a atribuição da personalidade ao titular dos direitos. Desse modo, embora tenha estabelecido como marco o nascimento com vida para a concessão da personalidade, não se conteve ao assegurar os direitos do nascituro.

Ana Carolina Brochado e Renata de Lima Rodrigues expõem que é possível reconhecer a existência de uma relação jurídica entre o nascituro e uma pessoa natural, na medida em que se considera que “a titularidade é elemento adicional da situação jurídica”, configurando, assim, a “existência de relações jurídicas unissubjetivas, nas quais apenas um dos centros de interesse conectados juridicamente possui titular, ou de relações jurídicas em que os centros de interesses são titularizados por sujeitos de direito distintos”. Defendem, ainda, que “haverá situações em que é igualmente possível atribuir titularidade jurídica ao nascituro”, sem que isso implique na atribuição da “subjetividade ou personalidade ao nascituro em todas as hipóteses, para que ele venha a titularizar direito ou deveres correspectivos”. [138]

A linha de argumentação do raciocínio proposto pelas autoras se assenta na necessidade de “abandonarmos a teoria clássica da personalidade e de sua atribuição como uma categoria estanque – ou seja, uma qualificação que deve acompanhar o sujeito por toda sua existência –, é possível atribuir titularidade ao nascituro ou ao morto apenas em determinadas situações jurídicas”. A título de exemplo do entendimento esposado, mencionam a positivação em lei do direito a alimentos gravídicos e afirmam que se está diante de uma atribuição da “personalidade jurídica ao nascituro em uma situação específica, transformando-o em um referencial de imputação correspondente ao reconhecimento de uma esfera de liberdades e de não liberdades, analisada concretamente diante dessa situação jurídica”[139]. Em arremate a concepção apresentada, Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues sustentam:

[…] é preciso abandonar a concepção oitocentista de atribuição de personalidade e a consequente noção estanque das categorias de pessoas naturais e jurídicas. A partir disso, é possível atribuir personalidade jurídica de maneira dinâmica, diante de situações jurídicas concretas, o que elimina o problema sempre persistente dos chamados “entes despersonalizados”, dentre eles o nascituro.[140]

Acredita-se, contudo, que a atribuição da personalidade jurídica se trata de uma escolha política-legislativa, o que impediria a forma dinâmica e alternativa de atribuição de personalidade jurídica aos nascituros, a depender de positivação em lei de determinado direito como os alimentos gravídicos. Sustenta-se, desse modo, a concepção dinâmica das titularidades como forma mais razoável de viabilizar a tutela dos direitos de cunho extrapatrimoniais do nascituro, independentemente de previsão específica em nossa legislação. É de todo desarrazoado admitir que a atribuição da personalidade jurídica fique à mercê da vontade legislativa e da positivação de direitos, quando, na verdade, os interesses eventualmente albergados pelos nascituros devem ser processados a partir do método do merecimento de tutela desse centro de interesse com arrimo no ordenamento unitário. Em outras palavras, pode-se dizer que é possível que os direitos do nascituro sejam merecedores de tutela mesmo nas hipóteses em que não há previsão legal. Insista-se que o legislador ao assegurar os direitos do nascituro no art. 2º do Código Civil não o fez de maneira a restringir esses direitos a futura previsão legal.

Assim, muito mais razoável entender a titularidade de situações jurídicas como conectada à situação concreta e, portanto, dotada de dinamicidade. Devem-se percorrer as situações jurídicas extrapatrimoniais concretamente consideradas de modo a visualizar os vínculos existentes entre os sujeitos e as situações e determinar a titularidade de direitos por parte do nascituro. Com essa finalidade, igualmente é preciso superar a noção de sujeito de direitos subjetivos a fim de visualizar os sujeitos como titulares de centros de imputação de interesses legitimamente merecedores de tutela pelo ordenamento jurídico à luz da legalidade constitucional. Conforme já visto, há outros entes que titularizam situações jurídicas, mesmo que o ordenamento não tenha lhes atribuído a personalidade, e, assim, a qualidade de pessoa em termos jurídicos.

Nos termos da doutrina clássica, a personalidade jurídica sempre foi considerada uma categoria abstrata e estanque que, na forma da lei, atribui por força de escolha política-legislativa a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Conforme visto, há muito se perdeu o sentido unívoco de personalidade, abrangendo, hoje, igualmente os atributos essenciais à dignidade da pessoa humana – os chamados direitos da personalidade. Esse mesmo movimento colocou em foco as perplexidades e dificuldades da doutrina em explicar dogmaticamente a proteção pré-natal e post-mortem[141] da personalidade. É debatido pela doutrina se seria necessário estender a personalidade civil, em seus termos clássicos, para proteger a personalidade em seu perfil objetivo para antes do nascimento com vida e para depois da morte, ou se se protege esses atributos, mas sem se falar em personalidade subjetiva.

Ao que nos interessa, a questão da proteção da personalidade pré-natal deve ser encarada como tutela dos direitos extrapatrimoniais titularizáveis pelos nascituros e que são aqueles moldados pelo ordenamento jurídico a partir do merecimento de tutela, tendo em vista que a existência de situações jurídicas extrapatrimoniais cujo titular é o concebido não depende de previsão legal específica.

Nesse sentido, é que se entende que a titularidade de situações jurídicas subjetivas prescinde da personalidade civil. O próprio legislador ordinário (art. 2º, CC/2002) reconheceu que a existência de direitos não se confunde com a atribuição da personalidade ao titular dos direitos. Desse modo, em que pese tenha estabelecido como marco o nascimento com vida para a concessão da personalidade, não se conteve ao assegurar os direitos do nascituro.

José Carlos Barbosa Moreira sentencia que, se a legislação determinou que se pusessem a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, “não há de se ter usado impensadamente sem compromisso com a propriedade terminológica, a palavra direitos. Poderia ter dito interesses; não o fez, preferiu dizer direito”.[142]

O nascituro é titular de direitos que são compatíveis com sua peculiar fase de formação, nomeadamente aqueles extrapatrimoniais. Em passagem elucidativa, José Carlos Barbosa Moreira expõe:

Direitos é termo técnico, e em princípio deve ser entendido na acepção técnica; sobre quem o conteste, em todo caso, recairá o ônus da prova […]. Pouco importa, aqui, o modo pelo qual, no plano dogmático, se justificará a atribuição de direitos a alguém que, nos termos da primeira parte do dispositivo, ainda não tem personalidade. É assunto para disposições teóricas, sem dúvida importante e sedutoras. Seja como for, porém, nenhuma proposta nesse plano poderá minimizar, nem a fortiori desprezar, o dado claro e inequívoco do texto legal: é de direitos que se cuida, e não de qualquer outra forma jurídica […]. Em suma, no ordenamento brasileiro, seja qual for a explicação dogmática, o nascituro, conquanto ainda não haja adquirido personalidade jurídica, tem direitos; e estes não são apenas os indicados e disposições específicas.[143]

                Tércio Sampaio Ferraz Junior entende que a noção de sujeito jurídico é “mais ampla dos que o de pessoa física ou jurídica”, razão pela qual afirma que “toda pessoa física ou jurídica é um sujeito jurídico”. No entanto, adverte que “a recíproca […] não é verdadeira”. Desse modo, “o sujeito nada mais é do que o ponto geométrico de confluência de diversas normas. Esse ponto pode ser uma pessoa, física ou jurídica, mas também um patrimônio. A ele se atribuem, nele convergem normas que conferem direitos e deveres”. [144]

            César Fiuza também defende que “há determinados entes, no ordenamento jurídico brasileiro, que, embora não sejam pessoas, são tratados como se fossem”.[145] Constata que “para estas entidades, a doutrina formulou, ao longo dos anos, vários nomes, embora nenhum deles retrate com fidelidade a verdadeira natureza desses entes”. Considerando que em algumas situações esses entes são tratados como se pessoas fossem, apesar de não serem ontológica e juridicamente, César Fiuza rechaça a ideia de conceber esses entes como “quase pessoa”, eis que “a teoria da quase pessoa, oriunda de uma analogia com a teoria dos quase contratos do Direito Romano, fala muito e não diz nada. Que significa ser uma quase pessoa?”, indaga, por fim, o autor. A resposta a tal indagação, o próprio nos fornece: “receber tratamento de pessoa, sem o ser. Ora, isso não explica a natureza desses entes, assim como a figura do ‘quase contrato’ não explicava a natureza dos fatos jurídicos que recebiam tratamento de contrato, embora não o fossem”. [146]

A utilização da expressão “grupos com personificação anômala” por parte da doutrina[147] não passa sem críticas. Segundo César Fiuza, são duas as razões pelas quais a expressão não é das mais felizes: “em primeiro lugar, há casos em que não há grupos de pessoas, mas apenas acervo patrimonial, como a herança jacente.” Em seguida, acentua, ainda, que, “em segundo lugar, a expressão ‘personificação anômala’ traduz a ideia de que se trata de um organismo que deveria ter adquirido personalidade, mas não o fez da forma correta, constituindo, assim, uma anomalia”.[148]

A tese dos entes de personalidade reduzida é censurada por César Fiuza. Em seu entendimento a “personalidade é ou não é”, visto que “não se pode admitir redução de personalidade”.[149] De fato, a concessão da personalidade jurídica não admite gradações, sendo uma qualidade que adjetiva o ser humano durante a sua existência, ou seja, do nascimento com vida até a sua morte (real ou presumida).

A formulação da teoria dos entes de personalidade judiciária igualmente não se mantém incólume, tendo em vista que “a esfera dos sujeitos sem personalidade não se reduz à esfera judiciária”. Registra César Fiuza que há “direitos que independem de qualquer atuação processual, como o direito à vida do nascituro”.[150] Com efeito, a proteção desses entes, em especial do nascituro, não se confunde com a legitimidade processual para pleitear seus direitos em sede jurisdicional, haja visto que a preocupação é justificar no plano dogmático a existência de direitos merecedores de tutela atribuídos ao nascituro no ordenamento nacional, mesmo que a esses sujeitos não lhes tenha sido concedida a personalidade jurídica.

A teoria dos sujeitos de direito sem personalidade se mostra adequada a justificar a atribuição de direitos a entes não personificados. Para os defensores dessa teoria, faz-se necessário superar o “dogma na doutrina jurídica que só as pessoas são sujeitos de direito”, eis que “pessoa é uma coisa, sujeito de direitos é outra”. Segundo César Fiuza, enquanto “sujeito de direitos é o titular de direitos e deveres na ordem jurídica”, a pessoa “não é um simples sujeito de direitos, mas um ser complexo, inserido num meio complexo, titular de direitos e deveres também complexos, que lhe garantem o epicentro do ordenamento jurídico”. Por isso, emerge a afirmativa no sentido de que a “essência dos sujeitos de direitos não é a personalidade, mas a titularidade de direitos e deveres na esfera do Direito”.[151]

Deve-se, contudo, evitar um tratamento unitário a todos os sujeitos de direitos sem personalidade, visto que cada um deles demanda uma tutela específica e os direitos respectivos são assegurados pelo ordenamento por justificativas diferentes. Não se pode, por exemplo, tratar como idênticas as situações jurídicas que são titularizadas pelo nascituro, herança jacente[152] e massa falida.[153] Aos acervos patrimoniais despersonificados a função merecedora de tutela é completamente diferente daquela pretendida pelo legislador quando assegura os direitos do nascituro, cuja proteção da vida intrauterina objetiva o alcance da qualidade de pessoa humana, que, após o nascimento com vida, se encontra no centro do ordenamento brasileiro por força do princípio da dignidade da pessoa humana.

Há, entretanto, que se ressalvar que os direitos cujo nascituro é titular, mesmo sem a concessão da personalidade, não se confundem com a clássica concepção dos direitos subjetivos, estrutura de há muito considerada insuficiente para exteriorizar os interesses merecedores de tutela imputados aos seus titulares. Se tal noção já se mostra incompatível com as situações patrimoniais titularizadas pelos nascituros, cuja pertinência e exigibilidade depende do nascimento com vida, mais problemática se torna a tutela das situações extrapatrimoniais do nascituro, visto que a pertinência se efetiva ainda no curso da gestação.

            Diante das considerações acima, conclui-se que a titularidade de situações jurídicas extrapatrimoniais prescinde da atribuição em abstrato da personalidade jurídica, tendo em vista que a existência de centros de interesses merecedores de tutela por parte do ordenamento civil-constitucional brasileiro permite a concessão da titularidade de direitos extrapatrimoniais peculiares à fase de formação do nascituro no útero da mulher.

            As situações jurídicas subjetivas, sob o perfil do interesse, podem possuir natureza ora patrimonial, ora extrapatrimonial e, por vezes, dúplice. Com base em interpretação do art. 2º do Código Civil, o legislador civil preferiu não restringir os direitos do nascituro àqueles de natureza patrimonial e previstos em lei, razão pela qual é possível a existência de direitos extrapatrimoniais do nascituro mesmo sem previsão legal.

            O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar um caso sobre o direito à reparação de seguro obrigatório de “Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre” (DPVAT) em razão de abortamento provocado por acidente de trânsito, debateu recentemente a questão da titularidade de direitos por parte do nascituro. O REsp. 1.120.676 foi provido, tendo sido vencido o relator, julgando-se procedente o pedido. Embora o objeto da controvérsia tenha se centrado “se o aborto, compreendido, nos dizeres dos recorrentes, como a morte do nascituro, decorrente de acidente automobilístico, confere ou não aos genitores, na qualidade de beneficiários do natimorto, o direito à indenização do referido seguro obrigatório”, o debate havido acerca da extensão da proteção do nascituro no direito brasileiro tangenciou a questão da titularidade, fornecendo subsídios valorosos para a análise do tema.

            Embora o voto do ministro relator Massami Uyeda tenha restado vencido, na fundamentação do voto de sua lavra, ele aduz que:

A despeito da controvérsia existente na doutrina, acerca do momento em que se inicia a personalidade civil, infere-se das teorias que se propõem a resolvê-la, como ponto em comum, que o nascituro, assim compreendido como o ser já concebido, mas ainda inserido no meio intra-uterino, titulariza, sim, alguns direitos. Aliás, a parte final do supracitado dispositivo legal é expresso em assentar que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.[154]

            No direito brasileiro, o nascituro é titular de direitos, ou melhor, titular de situações jurídicas subjetivas, não obstante o ordenamento não lhe tenha provido a personalidade. Assentado, portanto, que o nascituro é titular de situações jurídicas subjetivas, seja de natureza patrimonial, extrapatrimonial ou dúplice, ainda que não tenha lhe sido atribuído personalidade jurídica.

Síntese conclusiva

É preciso reconhecer que o atual conceito de sujeito de direito é mais amplo do que o de pessoa. Pode-se dizer que as pessoas são sempre titulares das situações jurídicas subjetivas, nas quais o centro de interesse tutelado pelo ordenamento lhe é pertinente, conquanto nem sempre o núcleo do interesse merecedor de tutela encontre um titular qualificado como pessoa, mas pode-se ser atribuído a um titular desprovido de personalidade, como é o caso do nascituro. Percebe-se, dessa maneira, que titularidade e personalidade nem sempre coincidem. Na medida em que se distinguiu a noção clássica de “direito subjetivo” e se passou a adotar a de “situações jurídicas subjetivas”, a titularidade pode ser destacada do exercício, oportunizando, assim, que a titularidade de determinada situação fosse atribuída a um ente despersonalizado.

A titularidade de situações jurídicas extrapatrimoniais prescinde da atribuição em abstrato da personalidade jurídica, tendo em vista que a existência de centros de interesses merecedores de tutela por parte do ordenamento civil-constitucional brasileiro permite a concessão da titularidade de direitos extrapatrimoniais peculiares à fase de formação do nascituro no útero da mulher.

O nascituro é titular de direitos, ou melhor, titular de situações jurídicas subjetivas, não obstante o ordenamento não lhe tenha atribuído personalidade. Desse modo, conclui-se que o nascituro é titular de situações jurídicas subjetivas, seja de natureza patrimonial, extrapatrimonial ou dúplice, ainda que não lhe seja atribuída a qualidade da personalidade.

* Doutorando e mestre em direito civil pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Professor Assistente de direito civil do Instituto Três Rios da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ITR-UFRRJ). Professor de direito civil da PUC-Rio. Professor do curso de especialização em Responsabilidade civil e direito do consumidor da EMERJ e direito civil constitucional do CEPED-UERJ. Membro do conselho executivo da revista eletrônica ||civilistica.com. Advogado.

Notas de Rodapé:

[1] Cf., na doutrina de países de cultura romano-germânica, BARRA, Rodolfo Carlos. Los derechos del por nascer en el ordenamiento jurídico argentino. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 1997; CATALANO, Pierangelo. Os nascituros entre o direito romano e o direito latino-americano. In Revista de Direito Civil, n. 45, ano 7, jul./set., 1988; TORCO, Jose Maldonado y Fernandez. La condicion jurídica del “nasciturus” en el derecho español. Madrid: [s.n.], 1946. Sobre o tema no sistema anglo-saxão, v. WELLMAN, Carl. The concept of fetal rigthts. Law and Philosophy, 21, Kluwer Academic Publishers, 2002, p. 65-93.

[2] Ver, por todos, MONTORO, André Franco; FARIA, Anacleto de Oliveira. Op.cit.; ALMEIDA, Silmara Juny Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000; e, SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito. 2. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

[3] O denominado “Estatuto do Nascituro” foi proposto pelos deputados federais Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), sob o número 478, em 19 mar. 2007. Atualmente, encontram-se apensados ao projeto de Lei n. 478/2007, as seguintes proposições legislativas: 489/2007, 3.748/2008, 1.763/2007 e 1.085/2011.

[4] MONTORO, André Franco; FARIA, Anacleto de Oliveira. Op. cit., p. 7.

[5] Id. Ibid., p. 7.

[6] Cabe ressaltar a importância desses conceitos estabelecidos no âmbito civil, mas que são utilizados pelo Direito em geral, em qualquer dos seus ramos, realçando a unidade do ordenamento jurídico. Segundo Paulo Nader: “O estudo das pessoas é um capítulo de grande relevo que a Teoria Geral do Direito apresenta. Apesar de sua regulamentação jurídica, em nosso sistema, inserir-se no Código Civil, é matéria que extrapola o interesse restrito desse ramo e do próprio Direito Privado, pois repercute intensamente nas diferentes espécies de relações jurídicas, apresentando, assim, um significado universal para o Direito” (Introdução ao estudo do direito. 24. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 283).

[7] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011, p. 6.

[8] Além dos horrores nazistas, Heloisa Helena Barboza relata os casos do Estudo da Sífilis de Tuskegee e o Estudo sobre Obediência Autoridade de Stanley Milgram ocorridos na década de 1960 e 1970 nos Estados Unidos, em que foram denunciadas graves violações éticas e metodológicas em pesquisas com seres humanos. (Reflexões sobre autonomia negocial. In: TEPEDINO, Gustavo: FACHIN, Luiz Edson (coords.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – estudos em homenagem ao professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 416).

[9] FACHIN, Luiz Edson. Fundamentos, limites e transmissibilidade – anotações para uma leitura crítica, construtiva e de índole constitucional da disciplina dos direitos da personalidade no Código Civil brasileiro. In: Revista da EMERJ, v. 8, n. 31, 2005, p. 58.

[10] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. In: Revista de Informação Legislativa, ano 36, n. 141, Brasília, jan./mar., 1999, p. 103.

[11] Para essa orientação metodológica relativa à historicidade e relatividade dos institutos jurídicos remete-se, por todos, a PERLINGIERI, Pietro. Direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 137-143.

[12] Segundo Paulo Nader, “a terminologia consagrada pelo sistema brasileiro, pessoa natural e pessoa jurídica, para designar, respectivamente, o individual e o coletivo, não é a mais adequada, porque, na realidade, ambas são pessoas jurídicas. Daí Eduardo Garcia Máynez, entre outros autores, preferir nomeá-las por pessoa jurídica individual e pessoa jurídica coletiva. Em seu famoso ‘Esboço’, Teixeira de Freitas propôs as denominações de existência visível e de existência ideal, acolhidas, posteriormente, pelo Código Civil argentino” (Introdução ao estudo do direito, Op. cit., p. 283-284). Neste trabalho, optou-se pela terminologia de pessoa e pessoa humana para designar a pessoa natural, reservando o termo pessoa jurídica para os entes coletivos.

[13] RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Personalidade e capacidade do ser humano a partir do novo Código Civil. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coords.). Manual de teoria geral do direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 177.

[14] FIUZA, César. Teoria filosófico-dogmática dos sujeitos de direito sem personalidade. In: Revista dos Tribunais, ano 100, v. 914, São Paulo: Revista dos Tribunais, dez., 2011, p. 76-77.

[15] César Fiuza registra que “na sociedade romana, encontrou-se a acepção latina ‘persona’, do verbo latino ‘personare’ que tinha o sentido de ecoar, fazer ressoar. A ‘persona’ era a máscara que os atores adaptavam ao rosto, com o intuito de dar eco às suas falas” (Teoria filosófico-dogmática dos sujeitos de direito sem personalidade, Op. cit., p. 77); Diogo Luna Moreira leciona que “originariamente, a palavra pessoa se referia às máscaras utilizadas pelos atores greco-romanos, através das quais podiam ampliar as suas vozes (per-sonare) e expressar os sentimentos de personagens retratados. Ligado a essa ideia de máscara (prósopon), o termo persona passou a ser utilizado também para identificar um status social do indivíduo humano” (MOUREIRA, Diogo Luna. Pessoas e autonomia privada: dimensões reflexivas da racionalidade e dimensões operacionais da pessoa a partir da teoria do direito privado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. XVII).

[16] “Na etimologia do vocábulo, encontramos na cultura helênica a expressão ‘prósopon’ significativa de máscara utilizada pelos atores gregos em suas encenações”. FIUZA, César. Teoria filosófico-dogmática dos sujeitos de direito sem personalidade, Op. cit., p. 77.

[17] RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Personalidade e capacidade do ser humano a partir do novo Código Civil, Op. cit., p. 177.

[18] MARTINS-COSTA, Judith. Pessoa, personalidade, dignidade (ensaio de uma qualificação). Tese de livre-docência em direito civil apresentada à Congregação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Maio, 2003, p. 21.

[19] MARTINS-COSTA, Judith. Pessoa, personalidade, dignidade (ensaio de uma qualificação), Op. cit., p. 19 (grifos no original).

[20] Id. Ibid., p. 22.

[21] Id. Ibid., p. 29-30.

[22] Não tinha pessoa o escravo, e também a mulher, no Código Comercial de 1850, para comerciar; também não a tinha, na Codificação de 1916, para uma miríade de efeitos, entre os quais o determinar-se a si mesma, se casada fosse; não “tinham pessoa” os não-proprietários para exercer seus mais elementares direitos políticos, como o direito de representação pelo voto, até 1932, quando acaba o voto censitário por força da expansão do ideário positivista. Id. Ibid., p. 30-31.

[23] Id. Ibid., p. 37-38.

[24] LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 96.

[25] ANDRADE, Manuel A. Rodrigues de. Teoria geral da relação jurídica, v. I, sujeitos e objecto, reimp., Coimbra: Almedina, 1997, p. 19.

[26] RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Op. cit., p. 177-178.

[27] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed., rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 252.

[28] Id. Ibid., p. 253.

[29] MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 73.

[30] MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 16.

[31] LÔBO, Paulo. Op. cit., p. 96.

[32] Id. Ibid., p. 99.

[33] Id. Ibid., p. 96.

[34] FIUZA, César. Op. cit., p. 87.

[35] BARBOZA, Heloisa Helena. Verbete Capacidad. In: CASABONA, Carlos María Romeo (Director). Enciclopedia de Bioderecho y Bioética. Tomo I, a-h, Granada: Biblioteca Comare de Ciencia Jurídica, 2011, p. 324 (tradução livre). No original: “Personalidad en sentido jurídico es la aptitud reconocida por la ley para volverse sujeto de derechos y deberes; como presupuesto de la titularidad concreta de las relaciones, la personalidad corresponde a la capacidad jurídica. La personalidad es la cualidad inherente al ser humano que lo torna titular de derechos y deberes, siendo persona aquellos que la tienen”.

[36] TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Constitucional Brasileiro. In: Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 29.

[37] DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979, p. 192.

[38] TEPEDINO, Gustavo, Op. cit., p. 25-62.

[39] Tepedino, Gustavo. Op. cit., p. 26-27.

[40] Leciona Gustavo Tepedino que: “Destacam-se, antes de mais, as chamadas teorias negativistas (Roubier; Unger; Dabin; Savigny; Thon; Von Tuhr; Enneccerus; Zitelmann; Crome; Iellinek; Ravà; Simoncelli, dentre outros), que, no século passado, refutaram a categoria dos direitos da personalidade. Afirmava-se, em síntese estreita, que a personalidade, identificando-se com a titularidade de direitos, não poderia, ao mesmo tempo, ser considerada objeto deles. Tratar-se-ia de contradição lógica. Segundo a famosa construção de Savigny, a admissão dos direitos da personalidade levaria à legitimação do suicídio ou da automutilação, sendo também eloquente a objeção formulada por Iellinek, para quem a vida, a saúde, a honra, não se enquadrariam na categoria do ter, mas do ser, o que os tornaria incompatíveis coma  noção de direito subjetivo, predisposto à tutela das relações patrimoniais e, em particular, do domínio” (Ibid., p. 25).

[41] Cf. BODIN DE MORAES, Maria Celina. Ampliando os direitos da personalidade. In: Na medida da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 121-148.

[42] Cabe registrar que, segundo Milena Donato Oliva, “a equiparação conceitual entre personalidade (na acepção subjetiva) e capacidade deve ser refutada em um sistema no qual a personalidade (entendida objetivamente) passa a ser objeto de tutela privilegiada, ocupando a dignidade da pessoa humana posição central no ordenamento. Preferível dizer que, tal como a pessoa humana, a pessoa jurídica é dotada de subjetividade, possuindo capacidade para ser sujeito de direito. A subjetividade, assim, indica uma qualidade, a aptidão para ser sujeito de direito – correspondendo ao conceito de capacidade de gozo –, ao passo que a capacidade de fato consiste na intensidade de seu conteúdo, sendo, por isso, mesmo, considerada a medida da subjetividade. Por conseguinte, a subjetividade, não já a personalidade, pode ser atribuída a grupamentos humanos, mediante a criação de pessoas jurídicas. Somente as pessoas naturais, por sua vez, são dotadas de personalidade e, por isso mesmo, constituem objeto de proteção máxima pelo ordenamento” (Condomínio edilício e subjetividade. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (orgs.). Diálogos sobre direito civil. v. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 67-68.

[43] Relata Heloisa Helena Barboza: “Para a doutrina dominante, caracteriza o nascimento com vida a troca oxicarbônica no meio ambiente, ou seja, há vida a partir do primeiro momento em que o feto respira com seus pulmões, ainda que não tenha sido cortado o cordão umbilical – se respirou, viveu” (Autonomia em face da morte: alternativa para a eutanásia? In: PEREIRA, Tânia da Silva; MENEZES, Rachel Aisengart; BARBOZA, Heloisa Helena. Vida, morte e dignidade humana. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 33).

[44] Os romanos, por exemplo, exigiam, além do nascimento e da vida extrauterina, a forma humana do recém-nascido. Segundo Alexandre Ferreira Assumpção Alves: “Não se consideravam pessoas o monstrum, o prodigium e o portentum, termos interpretados pelos glosadores como designativos de crianças com forma animalesca, ou deformidades físicas graves, que era fantasiosamente atribuídas a coitus cum bestia” (O elemento subjetivo da relação jurídica: Pessoa física, pessoa jurídica e entes não personificados. In: Revista Trimestral de Direito Civil, v. 5., jan./mar., 2001, p. 27).

[45] Cf. ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Tutela civil do nascituro, cit., passim; PAMPLONA FILHO, Rodolfo; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. In: Revista de Direito Privado, ano 30, n. 251, abr./jun., 2006; AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed., rev., atual. e aum., Rio de Janeiro: Renovar, 2006; FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1994; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, v. I, Rio de Janeiro: Saraiva, 2002.

[46] Cf. CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. O nascituro perante os Tribunais. A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Evolução e tendências. In: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 20, 2007, p. 222-232. V. na jurisprudência: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp n. 150297/DF, Terceira Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julg. 23 abr. 2013, publ. 07 maio 2013; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado Rio de Janeiro. Apelação n. 0006295-83.2005.8.19.0063, 16ª C.C., Relator Des. Marco Aurélio Bezerra de Melo, julg. 22 nov. 2011.

[47] CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Direitos da personalidade do nascituro. In: Revista do Advogado (São Paulo), São Paulo, n. 38, 1992, p. 21-30, e Bioética e direitos de personalidade do nascituro. In: Scientia Iuris (UEL), v. 7/8, 2003, p. 87-104. Ver, ainda, NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. O nascituro e os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: GZ, 2012.

[48] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 36.

[49] CATALANO, Pierangelo. Os nascituros entre o direito romano e o direito latino-americano. A propósito do artigo 2º do Projeto de Código Civil Brasileiro. In: MENDES, Gilmar Ferreira; STOCO, Rui. Pessoas e domicílio (Coleção doutrinas essenciais: direito civil, parte geral; v. 3). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 632.

[50] Convém, desde logo, consignar que o direito romano não apresentou uma orientação uniforme quanto à qualificação jurídica do nascituro. Conforme lição de André Franco Montoro e Anacleto de Oliveira Faria: “parece-nos certo não haver no direito romano uma ‘doutrina’ uniforme sobre a condição do nascituro, problema que não pode ser apresentado em uma única fórmula, numa condensação mágica de textos contraditórios”. MONTORO, André Franco; FARIA, Anacleto de Oliveira. Op. cit., p. 15.

[51] PORCHAT, Reinaldo. Da pessoa física em direito romano. São Paulo: Duprat & Cia., 1915, p. 9.

[52] ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema de Direito Civil Brasileiro. vol. I, 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 1938, p. 334.

[53] ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 102.

[54] MONTORO, André Franco; FARIA, Anacleto de Oliveira. Op. cit., p. 17.

[55] “Art. 1. As pessoas considerão-se como nascidas apenas formadas no ventre materno; a Lei lhes-conserva seus direitos de successão (sic) para o tempo do nascimento.” CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS CIVIS. Publicação autorisada (sic) pelo Governo. Terceira edição mais augmentada. Rio de Janeiro: B. L. Garnier (Livreiro Editor do Instituto Histórico), 1876.

[56] FREITAS, Augusto Teixeira. Esboço do Código Civil. Brasília, Ministério da Justiça: Fundação Universidade de Brasília, 1983, p. 37.

[57] CAMBLER, Everaldo Augusto e et al. Comentários ao Código Civil Brasileiro, parte geral, v. 1. ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 47.

[58] “No útero, a criança não é pessoa. Se não nasce viva, nunca adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direitos, nem pôde ter sido sujeito de direito (nunca foi pessoa). Todavia, entre a concepção e o nascimento, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tenha de esperar o nascimento para saber se algum direito, pretensão, ação, ou exceção lhe deveria ter ido. Quando o nascimento se consuma, a personalidade começa.” MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, p. 162-163; “A personalidade data do nascimento e não basta o nascer, precisa-se nascer com vida. Nascimentos com vida são, pois, elementos essenciais para que se inicie a personalidade. […] Antes do nascimento a posição do nascituro não é, de modo algum, a de um titular de direitos subjetivos; é uma situação de mera proteção jurídica, proteção que as normas dão, não exclusivamente às pessoas, mas até às coisas inanimadas.” DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. Programa de direito civil. 3. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 133-134.

[59] A fertilização in vitro (FIV) – método de reprodução humana assistida extracorpórea – é utilizada com sucesso desde 1978 quando nasceu o primeiro “bebê de proveta” do mundo, Louise Joy Brown, que concretizou a possibilidade da concepção de um ser humano in vitro.

[60] Denominado ainda de excedentários ou supranumerários.

[61] VASCONCELOS, Cristiane Beuren. A proteção jurídica do ser humano in vitro na era da biotecnologia. São Paulo: Atlas, 2006, especialmente, p. 72 e ss.

[62] ALMEIDA, Silmara Juny Chinelato e. Op. cit., p. 13-15.

[63] Id. Ibid., p. 13.

[64] VASCONCELOS, Cristiane Beuren. Op.cit., p. 73.

[65] Cf., por todos, BARBOZA, Heloisa Helena. Estatuto Ético do Embrião Humano. In: Daniel Sarmento; Flavio Galdino (Orgs.). Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 527-549; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

[66] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direito de Inconstitucionalidade n. 3.510-DF. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Ayres Britto. Julg. em 29 maio 2008.

[67] Concepturos seriam os embriões ainda não implantados no útero da mulher, ou seja, os embriões crioconservados em laboratórios.

[68] VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria Geral do Direito Civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 72-73.

[69] O embrião humano forjado em laboratório e ainda não implantado no útero feminino para gestação merece uma proteção própria e condizente com o estado de potencialidade e viabilidade que se encontra. É possível, como visto, a utilização destes para fins de pesquisa ou terapia, mas desde que observados as exigências constantes no art. 5º da Lei n. 11.105, que permite essa destinação com a finalidade de atender à tutela da saúde daqueles que precisam dos avanços da medicina para o desenvolvimento de novas tecnologias e tratamentos para a cura de doenças graves e mesmo para a criação de órgãos para transplante. Assim, após o itinerário ponderativo, entendeu-se que a proteção da saúde e, mesmo, da manutenção do direito à vida das pessoas já nascidas prepondera a partir de uma clivagem constitucional frente à proteção do embrião humano. No entanto, a própria Constituição em seu art. 199, § 4º, proíbe a comercialização de embriões humanos e a legislação ordinária tipifica, inclusive, essa conduta como crime, nos termos do art. 15 da Lei n. 9.434/1997. Assim, nosso ordenamento considera que a qualidade ou a potencialidade de vir a ser pessoa justifica a vedação à comercialização, sob pena de coisificação do embrião humano.

[70] Segundo a literatura médica: “É muito grande o interesse no desenvolvimento humano antes do nascimento, em grande parte pela própria curiosidade sobre os primórdios da nossa formação e também pelo desejo de melhorar a qualidade de vida. Os intrincados processos pelos quais um bebe se desenvolve a partir de uma única célula são miraculosos […]. O desenvolvimento humano é um processo contínuo que se inicia quando um ovócito (óvulo) de uma fêmea é fertilizado por um espermatozoide de um macho. […] é difícil determinar exatamente quando a fertilização (concepção) ocorre, porque o processo não pode ser observado in vivo (no interior do corpo vivo)”. É consensual, no entanto, que o “zigoto é o início de um novo ser humano (ou seja, um embrião)”, sendo definido como a “célula resulta[nte] da união do ovócito ao espermatozoide durante a fertilização” (MOORE, Keith L; PERSAUD, T. V. N.; TORCHIA, Mark G. Embriologia clínica. 7. ed. Tradução de Adriana Paulino do Nascimento et all. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 1-3).

[71] A referência ao ente ainda não concebido remonta à figura da prole eventual, admitida pelo Código Civil de 1916 no art. 1.718. À luz da codificação anterior, a prole eventual seria beneficiada da sucessão testamentária, desde que seus futuros pais fossem vivos no momento da abertura da herança.

[72] Existem diversas expressões para designar tal situação: gestante substituta, mãe gestacional, mãe substituta.

[73] Atualmente, a prática da gestação de substituição é regulamentada pela resolução CFM n. 2.121/2015. Além de vedar o caráter comercial ou lucrativo, a Resolução restringe até o quarto grau de parentesco de um dos parceiros as doadoras temporárias de útero, sendo que os demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

[74] Registra Silmara J. A. Chinelato e Almeida que a “gravidez começa com a nidação (isto é, quando ovo se implanta no endométrio, revestimento interno do útero)” (Tutela civil do nascituro, cit., p. 11).

[75] FREIRE, Milciades Mario de Sá. Manual do Código Civil Brasileiro. Parte Geral. Disposição Preliminar e das Pessoas e dos bens (Arts. 1 a 73). Vol. II. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1930, p. 37-38.

[76] Id. Ibid., p. 38-39.

[77] Filiam-se à denominada teoria natalista: “A personalidade do homem começa com a sua existência, isto é, com o seu nascimento. Antes de nascer não é homem o fruto o corpo humano e não tem personalidade jurídica” (ESPINOLA, Eduardo. Sistema do direito civil brasileiro. Parte geral do direito civil. Estrutura do Direito. v. 2, 4. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1961, p. 49-50); “No útero, a criança não é pessoa. Se não nasce viva, nunca adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direitos, nem pôde ter sido sujeito de direitos (= nunca foi pessoa). Todavia, entre a concepção e o nascimento, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tenha de esperar o nascimento para se saber se algum direito, pretensão, ação, ou exceção lhe deveria ter ido. Quando o nascimento se consuma, a personalidade começa” (MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Parte Geral. v. I, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, p. 162-163); “personalidade se adquire com o nascimento com vida, conforme determina o art. 2º do Código Civil” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Vol. I, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 35); “A personalidade data do nascimento e não basta o nascer, precisa-se nascer com vida” (DANTAS, San Tiago. Programa de Direito Civil, cit., p. 170); “Em nosso código, contudo, predominou a teoria do nascimento com vida para ter início a personalidade” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol. I, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 136).

[78] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. 1, 23. ed., rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 184.

[79] CAMBLER, Everaldo Augusto, et al.; ALVIM, Arruda e ALVIM, Thereza (coords.). Comentários ao Código Civil Brasileiro, parte geral. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 51.

[80] No direito brasileiro, filiam-se à teoria da personalidade condicional: “[…] o art. 4º do Código Civil, em sua parte final ressalva os direitos do nascituro. […] De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o sistema do nosso Código Civil, fica subordinada à condição de que o feto venha a ter existência, se não houver o nascimento com vida, ou por ter ocorrido um abôrto ou por ter o feto nascido morto, não há uma perda ou transmissão de direito, como devera de suceder, se ao nascituro fôsse reconhecida uma ficta personalidade. Em casos tais, não se dá a aquisição de direitos” (LOPES, Miguel Maria de Serpa. Cursos de direito civil. v. I. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1953, p. 210-211); “Por assim dizer, o nascituro é pessoa condicional; a aquisição da personalidade acha-se sob a dependência de condição suspensiva, o nascimento com vida” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. v. I, 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 66); “A personalidade do ser humano começa com a concepção […] sob a condição, acrescentava, de nascer com vida” (BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 3. ed. Brasília: Ministério da Justiça e Negócios, 1966, p. 70); “Em suma, reconhece-se a existência do ser humano a partir da concepção. A personalidade é condicional, dependente do nascimento com vida” (RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 130).

[81] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil – Parte geral e LINDB. 11. ed., rev., ampli. e atual. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 317.

[82] CAMBLER, Everaldo Augusto, et al.; ALVIM, Arruda e ALVIM, Thereza (coords.). Op. cit.,, p. 48.

[83] VASCONCELOS, Pedro Pais. Op. cit., p. 76-77.

[84] Leciona Luiz Edson Fachin: “O que a capacidade faz, na verdade, é informar a medida da personalidade e o grau da sanção que se volta contra o não atendimento a esse requisito” (Teoria crítica do direito civil., cit., p. 36).

[85] Ver arts. 3º e 4º do Código Civil de 2002, que foram substancialmente alterados por força da Lei n. 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência. Permita-se remeter a BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA JUNIOR, Vitor de Azevedo. A capacidade civil à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de (Org.). Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas – Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. Rio de Janeiro: Processo, 2016, p. 249-274.

[86] ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Tutela civil do nascituro, cit., p. 168.

[87] São filiados a teoria concepcionista na doutrina pátria: “[…] formalmente, o nascituro tem personalidade jurídica. Não se pode, assim, de modo lógico, negar-se ao nascituro a titularidade jurídica. O nascimento não é condição para que a personalidade exista, mas para que se consolide” (AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed., rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 221); “o nascituro tem personalidade desde a concepção” (ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Tutela civil do nascituro, cit., p. 348); “a despeito de contar (ainda) com minoria entre os autores, a doutrina racional é aquela que admite a condição de pessoa a partir da concepção” (FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 49); “Independente de se reconhecer atributo da personalidade jurídica, fato é que seria um absurdo resguardar direitos, desde o surgimento da vida intra-uterina (sic) se não se autorizasse a proteção desde o nascituro – direito à vida – para que justamente pudesse usufruir tais direitos” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. v. I. Rio de Janeiro: Saraiva, 2002, p. 93); “Em épocas de fertilização in vitro e embriões excedentários, a lei pretende resguardar mais esse sujeito de direitos, apesar de não possuir personalidade” (NICOLAU, Gustavo Rene. Direito civil: parte Geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 29); “Fato é que, em tempos atuais, com recurso da ciência que permitem a identificação da carga genética do embrião […] cresce a tendência em se proteger o nascituro e seus direitos desde a concepção” (LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. v. I. Rio de Janeiro: Saraiva, 2004, p. 13). “Sem dúvida, reconhecendo o acerto da teoria concepcionista, é de se notar que a partir da concepção já há proteção à personalidade jurídica. O nascituro já e titular de direitos da personalidade. Com efeito, o valor da pessoa humana, que reveste todo o ordenamento brasileiro, é estendido a todos os seres humanos, sejam nascidos ou estando em desenvolvimento no útero materno. Perceber essa assertiva significa, em plano principal, respeitar o ser humano em toda a sua plenitude” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. v. 1, 11 ed., rev., ampl. e atual. Salvador, BA: Juspodivm, 2013, p. 315); Por fim, conclui Flávio Tartuce: “[…] não há dúvidas em afirmar que, na doutrina civilista atual brasileira, prevalece o entendimento de que o nascituro é pessoa humana, ou seja, que ele tem direitos reconhecidos em lei, principalmente os direitos existenciais da personalidade. Em suma, prevalece, pelo inúmeros autores citados, a teoria concepcionista” (Direito civil: lei de introdução e parte geral. Prefácio Maria Helena Diniz. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 123).

[88] MONTORO, André Franco; FARIA, Anacleto de Oliveira. Op. cit., p. 71.

[89] ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Tutela civil do nascituro, cit., p. 348.

[90] Id. Ibid., p. 350. Como salientado por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “não há, efetivamente, distinção prática entre as posições sustentadas pela teoria concepcionista e pela teoria condicionalista”. Aduzem os autores que “ambas as teses reconhecem direitos ao nascituro, apenas divergindo quanto ao reconhecimento da personalidade jurídica, que para os condicionalistas estaria submetida a uma condição, enquanto os concepcionistas já admitem desde o momento da concepção” (Op. cit., p. 317).

[91] Id. Ibid., p. 349.

[92] Filiando-se à teoria concepcionista: BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70002027910, sexta câmara cível, Rel. Desembargador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, julg. 28 mar. 2001; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp n. 150297/DF, Terceira Turma, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julg. 23 abr. 2013, publ. 7 maio 2013; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado Rio de Janeiro. Apelação n. 0006295-83.2005.8.19.0063, 16ª C.C., Relator Des. Marco Aurélio Bezerra de Melo, julg. 22 nov. 2011. Em posição contrária, a favor da teoria natalista: BRASIL. Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 195123112, oitava câmara cível, Relator Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, julg. 28 nov. 1995.

[93] RODRIGUES, Rafael Garcia. A pessoa e o ser humano no Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 6.

[94] Essas teses são expostas em CAPELO DE SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 361-364.

[95] Id. Ibid., p. 363-364.

[96] VASCONCELOS, Pedro Pais. Op. cit., p. 74.

[97] Id. Ibid., p. 77.

[98] MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria geral do direito civil. 4. ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 196.

[99] Id. Ibid., p. 197.

[100] Id. Ibid., p. 197.

[101] ANDRADE, Manuel A. Rodrigues de. Op. cit., p. 35.

[102] VASCONCELOS, Pedro Pais. Op. cit., p. 77 (grifos no original).

[103] ANDRADE, Manuel A. Rodrigues de. Op. cit., p. 34-35.

[104] Id. Ibid., p. 35.

[105] De acordo com Marcelo Benacchio, “as construções doutrinárias iniciais do direito subjetivo foram calcadas no liberalismo que, também como pensamento político, pregava a liberdade como garantia da igualdade, resultando na análise científica do indivíduo, que se firma e explica socialmente por meio de sua liberdade” (Direito Subjetivo – Situação Jurídica – Relação Jurídica. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral do direito civil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 190).

[106] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 1, 23 ed., rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 27.

[107] “Na concepção da jurisprudência o sujeito jurídico – como pessoa física ou jurídica – com os seus deveres e direitos, representa o Direito num sentindo subjetivo; a titularidade jurídica (Berechtigung) designada como direito subjetivo é apenas um caso especial desta noção compreensiva. E o Direito neste sentido subjetivo mais amplo situa-se em face do Direito objetivo, da ordem jurídica, quer dizer, em face de um sistema de normas, como se fosse um domínio distinto. A Teoria Pura do Direito afasta esse dualismo ao analisar o conceito de pessoa como a personificação de um complexo de normas jurídicas, ao reduzir o dever e o direito subjetivo (em sentido técnico) à norma jurídica que liga uma sanção a determinada conduta de um indivíduo e ao tornar a execução de sanção dependente de uma ação judicial a tal fim dirigida; quer dizer, reconduzindo o chamado Direito em sentido subjetivo ao Direito objetivo. Desta forma, supera-se aquela posição subjetivista em face do direito a cujo serviço se encontra o conceito de direito em sentido subjetivo”. KELSEN, Hans, 1881-1973. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 212-213.

[108] “O ‘direito subjetivo’, por sua vez, constitui um poder do indivíduo que integra uma sociedade. Esse poder capacita o indivíduo a obter o reconhecimento social na esfera do objeto pretendido, desde que o seu ato de vontade possa ser considerado deliberadamente legítimo pelo direito objetivo. […] Estabelecido o direito objetivo na solidariedade social, o direito ‘subjetivo’ daí deriva, direta e logicamente. E sendo todo indivíduo obrigado pelo direito objetivo a cooperar na solidariedade social, resulta que ele tem o ‘direito’ de praticar todos aqueles atos com os quais coopera na solidariedade social, refutando, por outro lado, qualquer obstáculo à realização do papel social que lhe cabe. O homem em sociedade tem direitos; mas esses direitos não são prerrogativas pela sua qualidade de homem; são poderes que lhe pertencem porque, sendo homem social, tem obrigações a cumprir e precisa ter o poder de cumpri-las.” DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Tradução de Márcio Pugliese. São Paulo: Editora Ícone, 2006, p. 7-8 e 27.

[109] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 27.

[110] Id. Ibid., p. 29.

[111] Id. Ibid., p. 29 (grifos no original).

[112] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 107.

[113] Id. Ibid., p. 635-636.

[114] Id. Ibid., p. 667-668.

[115] Id. Ibid., p. 668. Pietro Perlingieri esclarece que “a categoria geral das situações subjetivas inclui uma multiplicidade de figuras, classificadas como situações subjetivas ativas ou passivas” (Ibid., p. 672).

[116] Id. Ibid., p. 669.

[117] Id. Ibid., p. 636.

[118] Id. Ibid., p. 669.

[119] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; KONDER, Carlos Nelson de Paula. Situações jurídicas dúplices: controvérsias na nebulosa fronteira entre patrimonialidade e extrapatrimonialidade. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (orgs.). Diálogos sobre direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 6.

[120] Id. Ibid., p. 7.

[121] PERLINGIERI, Pietro. Op. cit., p. 670.

[122] Id. Ibid., p. 670.

[123] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; KONDER, Carlos Nelson de Paula. Op. cit., p. 6.

[124] PERLINGIERI, Pietro. Op. cit., p. 670.

[125] Ibid. p. 672.

[126] Ibid. p. 639.

[127] Id. Ibid., p. 672.

[128] Id. Ibid., p. 727.

[129] MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Op. cit., p. 17.

[130] ANDRADE, Manuel A. Domingues. Op. cit., p. 2.

[131] Id. Ibid., p. 2.

[132] PERLINGIERI, Pietro. Op. cit., p. 734.

[133] Id. Ibid., p. 734.

[134] Id. Ibid., p. 734.

[135] Conforme Pietro Perlingieri: “Atual é a titularidade existente e imediatamente relevante, que pode ser indicada em termos de pertinência (appartenenza): a situação pertence ao sujeito. Isso vale para qualquer situação patrimonial” (Op. cit., p. 716)

[136] PERLINGIERI, Pietro. Op. cit., p. 716.

[137] Ibid. p. 716 [nota 172].

[138] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O direito das famílias entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2010, p. 13.

[139] Id. Ibid., p. 15.

[140] Id. Ibid., p. 21.

[141] Cf. TEPEDINO, Gustavo. Tutela da personalidade após a morte. In: Revista Trimestral de Direito Civil, Editorial, ano 12, v. 46, abr./jun., 2011; MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Op. cit., p. 161-182.

[142] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito do nascituro à vida. In: Revista Brasileira de Direito de Família, ano VII, n. 34, fev./mar., 2006, p. 144-145.

[143] Id. Ibid., p. 145 e 148.

[144] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed., 4. reimpr. São Paulo: Atlas, 2012, p. 127.

[145] FIUZA, César. Op. cit., p. 75.

[146] Id. Ibid., p. 85.

[147] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. vol. 1, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 265.

[148] FIUZA, César. Op. cit., p. 86.

[149] Id. Ibid., p. 86.

[150] Id. Ibid., p. 86.

[151] Id. Ibid., p. 85-87.

[152] Segundo Orlando Gomes, “a natureza da herança jacente não é definida pacificamente. […] A herança jacente constitui, realmente, distinta massa de bens que formam uma unidade, para fim certo. A esse acervo faltam os pressupostos indispensáveis à personificação. Os interesses compreendidos na sua unificação podem ser atendidos mediante outros processos técnicos, que não o da personalidade jurídica. A nomeação de um curador é suficiente. É a herança jacente, em suma, um núcleo unitário […]” (Sucessões, 15. ed., rev. e atual. por Mario Roberto Carvalho de Faria. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 77); Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “no direito brasileiro, a herança jacente é tratada como ente despersonalizado, um patrimônio temporariamente sem titular atual, que deve ser guardado e administrado para ser entregue ao herdeiro que apareça ou, eventualmente, ao Município, Distrito Federal ou União, caso venha a tornar-se herança vacante, atendidos outros pressupostos” (Direito Civil: sucessões, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 79-80); Em sentido contrário, Caio Mário da Silva Pereira sustenta que “não obstante esta ausência de personificação legal, o tratamento dado à herança na qualidade de massa sucessória é o de uma pessoa jurídica, ao menos aparente” (Instituições de Direito Civil, v. VI, rev. e atual. por Carlos Roberto Barbosa Moreira, 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 56-57).

[153] Milena Donato entende que “a massa falida constitui patrimônio afetado à realização do ativo para liquidação do passivo, com vista à satisfação dos credores. O falido é titular da massa falida, embora não tenha o poder de administrá-la. O administrador desta não representa o falido e não deve agir de acordo com os interesses deste, mas no sentido de realizar o escopo unificador da massa falida” (Patrimônio separado – herança, massa falida, securitização de créditos imobiliários, incorporação imobiliária, fundos de investimento imobiliário, trust. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 295).

[154] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. n. 1.120.676-SC. Terceira Turma. Relator: Ministro Massami Uyeda. Relator para Acórdão: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Julg. em 07 set. 2010. Publ. em 04 fev. 2011.

Palavras Chaves

Personalidade; titularidade; nascituro; situações jurídicas subjetivas.