POR QUE O CPC/2015 NÃO CONSEGUIU REDUZIR A MOROSIDADE DO JUDICIÁRIO? UMA RESPOSTA COM BASE NA DISTINÇÃO DOS DIFERENTES FATORES QUE CONCORREM PARA O PROBLEMA

Resumo

Antecedido por uma promessa de amplos resultados e decorridos mais de cinco anos da promulgação e vigência do CPC de 2015, é natural que alguém se pergunte: por que o Código não conseguiu reduzir a morosidade do judiciário? O presente artigo procura responder a essa questão sem recorrer a dados estatísticos ou examinar a jurisprudência recente, mas mediante o estudo da literatura específica que versa sobre as sistematizações dos fatores de demora da prestação jurisdicional e, assim, verificar a posição, a dimensão e a relevância que os fatores relacionados com a lei processual ocupam nesse conjunto. Após a análise de nove categorizações distintas, concluiu-se que os fatores de atraso das decisões judiciais não possuem a sua origem exclusiva na lei processual ou mesmo em qualquer lei material; que não deve ser perquirida a razão do problema como se este possuísse origem única e, por conseguinte, uma solução única; e que código algum possui aptidão para resolver com eficácia todos ou a maior parte dos diferentes fatores que provocam a lentidão da justiça.

Artigo

Por que o CPC/2015 Não conseguiu reduzir A morosidade do judiciário?

Uma resposta com base na distinção dos diferentes fatores que concorrem para o problema[1]

Walter dos Santos Rodrigues[2]

Resumo

Antecedido por uma promessa de amplos resultados e decorridos mais de cinco anos da promulgação e vigência do CPC de 2015, é natural que alguém se pergunte: por que o Código não conseguiu reduzir a morosidade do judiciário? O presente artigo procura responder a essa questão sem recorrer a dados estatísticos ou examinar a jurisprudência recente, mas mediante o estudo da literatura específica que versa sobre as sistematizações dos fatores de demora da prestação jurisdicional e, assim, verificar a posição, a dimensão e a relevância que os fatores relacionados com a lei processual ocupam nesse conjunto. Após a análise de nove categorizações distintas, concluiu-se que os fatores de atraso das decisões judiciais não possuem a sua origem exclusiva na lei processual ou mesmo em qualquer lei material; que não deve ser perquirida a razão do problema como se este possuísse origem única e, por conseguinte, uma solução única; e que código algum possui aptidão para resolver com eficácia todos ou a maior parte dos diferentes fatores que provocam a lentidão da justiça.

Palavras-chave

Código de Processo Civil. Fatores da demora da prestação jurisdicional. Alterações legislativas.

Sumário

A promessa de justiça rápida mediante alteração legislativa. 1. Classificações dos fatores para o atraso da prestação jurisdicional. 1. Desenvolvimentos quantitativo e qualitativo da litigiosidade de acordo com Roger Perrot. 2. Causas social, técnico-jurídicas e econômico-administrativas da ineficácia da prestação jurisdicional segundo Roberto Armelin e João Roberto Egydio Piza Fontes. 3. Causas genéticas, orgânicas e conjunturais do emperramento do judiciário de acordo com Adhemar Ferreira Maciel. 4. Fatores institucionais, fatores de ordem técnica e subjetiva e fatores derivados da insuficiência material da lentidão dos processos judiciais segundo José Rogério Cruz e Tucci. 5. Causas normativas, conjunturais e culturais da morosidade do judiciário de acordo com José Renato Nalini. 6. Causas internas e externas da morosidade conforme Juliano da Costa Stumpf. 7. Causas relacionadas com problemas estruturais do Poder Judiciário, com a conduta da Administração Pública direta e indireta, com a atuação do Poder Legislativo, com as circunstâncias do caso concreto e com a conduta das partes, segundo Eider Avelino Silva. 8. Fatores de ordem estrutural, técnica e sociopolítica que desencadeiam a demora no processamento e no julgamento dos processos de acordo André Vasconcelos Roque e Francisco Carlos Duarte. 9. As morosidades necessária e legal, as morosidades pré-processual, processual e pós-processual e as morosidades endógena e funcional conforme Boaventura de Souza Santos e outros. Saber para onde ir para saber o caminho a tomar. Referências

A promessa de justiça rápida mediante alteração legislativa

Passaram-se mais de cinco anos da promulgação e vigência da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil. Parece razoável fazer algum balanço. Uma pergunta que pode vir à mente é a que dá título a este artigo. Trata-se de uma indagação prioritária, porque este código foi antecedido por uma promessa de justiça rápida, veiculada em mais de uma ocasião. Ora referindo-se ao anteprojeto,[3] ora ao projeto[4] do Código de Processo Civil conforme o momento, chegou a ser prometida, por meio dele, “redução significativa no tempo de tramitação dos processos na Justiça brasileira: 50% no caso das demandas individuais, e 70% no caso das demandas coletivas”.

A promessa deve ser entendida como produto do otimismo, da esperança e até de alguma empolgação com o, então, novo Código que viria. Mas, com o máximo respeito, pode sugerir generalização, apriorismo e precipitação na análise, seja dos fatores que concorrem para a morosidade do judiciário, seja da aptidão de um código de processo para lidar com o problema.

A pergunta-título, além da constatação de que o CPC de 2015 não conseguiu diminuir o atraso da prestação jurisdicional, transparece a convicção de que este texto legal não conseguirá abreviar a duração dos processos. Dessas palavras não pode ser inferida uma opinião negativa quanto ao Código, pois seria uma dedução indevida. Alguém poderia contra-argumentar alegando que ainda é cedo para cobrar resultados. Estaríamos dispostos a conceder, antecipadamente e de bom grado, que talvez o seja. O que se está querendo dizer é que código algum, por melhor que fosse, seria capaz de, sozinho, solucionar o problema da demora dos processos ou mesmo atingir resultados significativos. E isso não depende do transcurso do tempo.

Para comprovar essa hipótese é prescindível trazer dados estatísticos a respeito do número de processos atingidos pelos incidentes de resolução de demandas repetitivas; ou fazer o cotejo do emprego e a estimativa do número dos agravos, numa amostra específica e bem delimitada, antes e depois a vigência da Lei nº 13.105 de 2015;[5] ou elaborar conjecturas de quanto tempo foi economizado ou desperdiçado com a concentração de defesas processuais direta e indireta na contestação e com a contagem dos prazos em dias úteis. Pesquisas empíricas possuem o seu valor, apesar de — por enquanto — os seus métodos não serem dominados pelas faculdades de Direito e os seus resultados orientarem bem pouco as atividades legislativas e as políticas públicas. Porém, para responder à indagação que expressa o objeto deste artigo, não é preciso tamanho esforço.

A proposta não é buscar resposta mediante o exame qualitativo ou quantitativo das inovações legislativas e nem pelo esquadrinhamento dos inúmeros fatores que convergem para prolongamento indefinido das demandas, mas sim pela análise das sistematizações desses fatores. Há uma enorme pluralidade de fenômenos apontados como fatores responsáveis pela morosidade do judiciário. Mais reduzidas, embora variadas, são os arranjos os quais distribuem e agrupam estes fatores. Percorrendo a literatura que de alguma forma classificou os fatores que dão ensejo as protelações judiciais, verificar a posição, a dimensão e a relevância que os fatores relacionados com a lei processual ocupam nesse conjunto. Parece que este percurso investigativo seja mais curto, relativamente direto, bastante objetivo, menos arriscado e a conclusão esperada seja não menos convincente.

Serão expostas diferentes tentativas de classificações que indiretamente enumeram, não exaustivamente, os fatores que confluem para o atraso da prestação jurisdicional. As categorizações (1) de Roger Perrot em desenvolvimento quantitativo e de desenvolvimento qualitativo da litigiosidade; (2) de Roberto Armelin e João Roberto Egydio Piza Fontes em causas sociais, técnico-jurídicas e econômico-administrativas da ineficácia da prestação jurisdicional; (3) de Adhemar Ferreira Maciel, em causas genéticas, orgânicas e conjunturais do emperramento do judiciário; (4) de José Rogério Cruz e Tucci, em fatores institucionais, fatores de ordem técnica e subjetiva e fatores derivados da insuficiência material para a lentidão dos processos judiciais; (5) de José Renato Nalini, em causas normativas, conjunturais e culturais da morosidade do judiciário; (6) de Juliano da Costa Stumpf, em causas internas e externas da morosidade; (7) de Eider Avelino Silva, em causas relacionadas com problemas estruturais, com a conduta da Administração Pública direta e indireta, com a atuação do Poder Legislativo, com as circunstâncias do caso concreto e com a conduta das partes; (8) de André Vasconcelos Roque e Francisco Carlos Duarte, em fatores de ordem estrutural, técnica e sociopolítica que desencadeiam demora no processamento e no julgamento dos processos; e (9) de Boaventura de Souza Santos, em morosidades necessária e legal, morosidades pré-processual, processual e pós-processual e morosidades endógena e funcional.

A pesquisa bibliográfica levada a cabo, a exposição a seguir e a conclusão trazida ao final apontam que os fatores que tendem para a procrastinação dos feitos, os quais a lei processual é capaz de atingir, são comparativamente restritos e limitada a eficiência da mesma classe de lei. Ao final serão tecidas algumas considerações sobre o prisma pelo qual estudar a questão das dilações processuais indevidas, extensivo não só para outras questões processuais, mas para várias questões jurídicas.

  1. Desenvolvimentos quantitativo e qualitativo da litigiosidade de acordo com Roger Perrot

Roger Perrot expõe uma mudança de contexto ocorrida na França, mas com paralelo noutros lugares (dentre eles o Brasil), que deixa transparecer uma dimensão social importante da postergação da tutela judicial na conjuntura atual:

Quando se litigava, como no começo do século [XX], sobre a definição de sucessões, sobre o direito de propriedade, sobre servidões ou usufrutos, a lentidão dos processos era talvez algo de irritante, mas a gente acabava por se resignar a ela, atribuindo a responsabilidade ao formalismo judicial, a cujo respeito ocasionalmente se pilheriava. Hoje, levada em conta a natureza dos litígios, já não é possível resignar-se: uma pensão alimentar, uma indenização por despedida ou destinada a ressarcir um dano não pode esperar meses. Eis por que a celeridade se converteu num dos primeiros imperativos da Justiça moderna.[6]

Não é uma simples mudança dos tempos. Falando da realidade francesa (semelhante à realidade brasileira), Roger Perrot[7] distingue entre (1) desenvolvimento quantitativo e (2) desenvolvimento qualitativo da litigiosidade.

O primeiro se origina da sucessão acelerada de leis que gera contencioso mais abundante. O segundo se origina da profunda mudança na natureza dos litígios, de um deslocamento de “processos [que] gravitavam em torno de uma fortuna familiar solidamente enraizada e atingiam camadas relativamente abastadas da população[8], para processos envolvendo membros das “camadas populacionais mais modestas, que vivem de seus ganhos e são comumente designadas por ‘classes médias’ [g.o.][9].

O âmago da questão estaria na proeminência que o Direito, o Estado e o Poder Judiciário ocuparam no modo de viver e de pensar nas sociedades contemporâneas.

  1. Causas social, técnico-jurídicas e econômico-administrativas da ineficácia da prestação jurisdicional segundo Roberto Armelin e João Roberto Egydio Piza Fontes

Segundo Roberto Armelin e João Roberto Egydio Piza Fonte,[10] as causas da ineficácia da prestação jurisdicional são de três naturezas: (1) social (decorrentes do embate entre o capital e o trabalho), (2) técnico-jurídicas (decorrentes do embate entre o formalismo jurídico e a afirmação dos direitos fundamentais) e (3) econômico-administrativas (obstáculos criados por atos dos órgãos do Poder Executivo, tais como negar-se a aceitar as consequências decorrentes da declaração judicial da ilegalidade e/ou da inconstitucionalidade de atos da administração pública ou, mais especificamente, de planos econômicos para a contenção da inflação, recusando-se a obedecer a decisões judiciais e promovendo procrastinações ou até mesmo chicana nos processos).

Eles lembram que a atividade judicial é um serviço público (ainda que tal característica não seja suficiente para defini-lo) e, sem com isso defender a sua privatização (apesar de entenderem que, sob certo sentido, já aconteça com a arbitragem), escreveram que “a demora da prestação jurisdicional é conseqüência [sic] do caráter de serviço público de que se reveste[11]. Todavia não correlacionaram esse fator com nenhuma das três naturezas de causas apontadas.

A ineficiência do serviço público é um fator mencionado também por Adhemar Ferreira Maciel, que se manifesta a esse respeito com bastante incisividade: “[o] emperramento da Justiça, evidentemente, tem muitas causas, além da doença crônica de todo serviço público: falta de planejamento político-administrativo[12].

  1. Causas genéticas, orgânicas e conjunturais do emperramento do judiciário de acordo com Adhemar Ferreira Maciel

De acordo com Adhemar Ferreira Maciel,[13] é possível falar em (1) causas genéticas, (2) causas estruturais e (3) causas conjunturais do emperramento do judiciário.

A causa genética é a nossa formação romano-germânica, que nos levou a constituir um sistema jurídico fechado fundamentado nas codificações e no método dedutivo de subsunção do caso concreto à lei abstrata, mais especulativo e menos pragmático, o que exigiria a previsão legal para a resolução dos conflitos.

A causa orgânica é a adoção de um sistema intermediário que conjuga o modelo norte-americano de república federativa e o argentino de competências legislativa e judicial, onde a preponderância da competência legislativa da União catalisa a interposição de recursos aos tribunais superiores e o controle concentrado de constitucionalidade (apesar de existir também a modalidade difusa).

As causas conjunturais são (i) a globalização da economia e das comunicações, a positivação dos direitos fundamentais, a redemocratização do país e a instabilidade político-econômica do regime democrático brasileiro que despertaram o povo para exercer judicialmente os seus direitos da cidadania, sociais e de consumo, que outrora não chegavam ao judiciário; (ii) o aumento demasiado da demanda pelos serviços judiciais, com o desproporcional crescimento do número de juízes; (iii) o despreparo dos juízes para lidar com conflitos coletivos tendo em vista a formação universitária voltada para soluções individuais; (iv) a falta de órgãos comunitários de aconselhamento, consulta e exame prévio do êxito da causa, o que permite a ocorrência de muitas demandas temerárias e infundadas, afogando inutilmente o Judiciário; (v) o excesso de formalidades para dar início ao processo e a exigência do acompanhamento do juiz em todos os atos; (vi) o excesso de recursos processuais; a profusão legislativa, sendo que as leis ainda são mal feitas, provocam incertezas jurídicas e ensejam não só o aumento de demandas, mas de dificuldades interpretativas para Administração e para Judiciário; (vii) o caos nas áreas previdenciária e tributária provocado pela “praga legislativa[14] das sucessivas medidas provisórias do Governo Federal que dão azo a uma avalanche de processos judiciais na Justiça Federal; (viii) a pouca autonomia dos órgão públicos na solução administrativa ou mesmo judicial de conflitos de interesses; (ix) a tendência entre os julgadores de desviar para questões processuais ou marginais do mérito, não se atendo ao caso concreto, bem como o dispêndio para causas de menor importância do mesmo tempo ou tratamento dado à causas de maior monta, uma vez que é impossível a seleção ou triagem de causas relevantes a serem apreciadas pelos tribunais superiores; e, ainda que de menor monta, (x) a exigência constitucional de motivação judicial em toda a decisão, o que se traduz em menor velocidade processual, ainda que com o aumento da qualidade e segurança.

No entanto, apesar de um extenso rol de fatores de delongas processuais (particularmente os das causas conjecturais), não foi possível indexar com certeza a falta de planejamento político-administrativo antes citada em uma das três categorias propostas por Adhemar Ferreira Maciel.

  1. Fatores institucionais, fatores de ordem técnica e subjetiva e fatores derivados da insuficiência material da lentidão dos processos judiciais segundo José Rogério Cruz e Tucci

José Rogério Cruz e Tucci[15] agrupa em três itens os fatores da lentidão dos processos judiciais: (1) fatores institucionais, (2) fatores de ordem técnica e subjetiva e (3) fatores derivados da insuficiência material.

Por fatores institucionais entende os vetores de ordem política, econômica e cultural que provocam o problema da intempestividade da tutela jurisdicional. Dentre esses vetores ele destaca (i) a prevalência do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário, e do segundo sobre o terceiro; (ii) o conservadorismo, a mesquinharia e o personalismo predominante da classe política brasileira que se recusa regulamentar as leis processuais ou quando legisla sobre questões sensíveis estatui procedimentos especiais com deficiência de isonomia processual;[16] e, na tentativa de “solução de reiteradas e profundas crises econômicas […][, (iii)] a edição de legislação intervencionista e emergencial […] — quase sempre em antinomia ao ius positum [g.o.] —, fator que, via de regra, gera uma proliferação generalizada de demandas entre particulares e entre estes e o Estado”,[17] agravada pela omissão do Estado na resolução destes problemas e litígios.

Por fatores de ordem técnica e subjetiva entende que (i) a carreira da magistratura é pouco atrativa e desestimulante;[18] (ii) as sentenças são desprestigiadas, porque destituídas de exequibilidade; (iii) a tutela condenatória é incompleta, porque dependia de um processo de execução;[19] (iv) a pletora do serviço judicial, que ainda consome o tempo para o aperfeiçoamento profissional; (v) a falta de tirocínio que dá azo sucessivos incidentes e recursos;[20] (vi) a displicência quanto ao cumprimento dos prazos para os juízes e auxiliares da justiça; (vii) o descumprimento da carga horária do expediente forense; (viii) o adiamento de atos que deveriam ser praticados em audiência; e (ix) o proferimento de provimentos que supostamente movimentam os processos, mas na verdade são procrastinatórios, porque adiam decisões complexas ou a própria sentença.

Por fatores derivados da insuficiência material entende o sucateamento das instalações e a falta de infraestrutura dos fóruns, frente ao aumento crescente de processos judiciais desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o que acontece não apenas nas cidades do interior, mas também nas capitais dos estados, sendo chamativa a precariedade quando se comparam os órgãos de primeiro grau com os de segundo e os tribunais superiores. Sem falar da carência de recursos materiais ou, quando existem, na sua má utilização, como por exemplo, a implantação de sistemas de informática nos tribunais dos estados, na Justiça Federal e nos tribunais superiores incompatíveis entre si.

  1. Causas normativas, conjunturais e culturais da morosidade do judiciário de acordo com José Renato Nalini

Para José Renato Nalini[21] a morosidade do judiciário possui (1) causas normativas, (2) causas conjunturais e (3) causas culturais.

Possuem causas normativas (i) a complexidade do processo judicial; (ii) o duplo grau de jurisdição convertido em quádruplo grau; e (iii) a oportunidade desperdiçada pelo judiciário de fornecer ao legislativo propostas em matéria de procedimentos, aproveitando a competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal franqueada pela Constituição da República.

Possuem causas conjunturais (i) os investimentos insuficientes em pessoal e em meios materiais colocados à disposição do judiciário; (ii) sua insipiente informatização; (iii) a falta de preparo e de interesse pelo aprendizado contínuo do servidor público do poder judiciário; (iv) os seus planos de cargos e de carreira são antiquados (e ainda se convive com o nepotismo); e (v) a resistência implícita ao uso de técnicas gerenciais nas serventias judiciais.

Possuem causas culturais o positivismo exacerbado, a resistência à interdisciplinaridade, o apego ao formalismo e a incompreensão da instrumentalidade do processo nos quais são formados os bacharéis e futuros juízes.

  1. Causas internas e externas da morosidade conforme Juliano da Costa Stumpf

Juliano da Costa Stumpf divide as principais causas da morosidade em (1) internas e (2) externas. As causas internas são divididas em três: (1.1) a omissão do juiz das obrigações de gestão da unidade jurisdicional que hodiernamente deve assumir; (1.2) a desorganização administrativa do cartório judicial; e (1.3) as causas estruturais; que por sua vez se dividem em três carências: (1.3.1) carências de recursos de informática; (1.3.2) carências de recursos humanos e (1.3.3) carências de espaço físico suficiente e adequado. As causas externas são divididas em outras três: (2.1) as causas com origem nos novos tempos e na cultura da litigiosidade; (2.2) as causas com origem na legislação processual e no formalismo e (2.3) as causas com origem nas dificuldades orçamentárias.[22]

Por causas internas da morosidade entende-se “aquelas cujo enfrentamento as soluções estão ao alcance do próprio Judiciário, por iniciativa direta, ainda que influenciadas sejam de modo indireto por fatores outros”.[23] Por causas externas entende-se aquelas cujos “meios e as providências para a sua solução [situam-se] fora da ação direta e exclusiva do Poder Judiciário. Dependem, portanto, da ação e do exercício de competências atribuídas aos demais Poderes ou, pelo menos, de uma mudança cultural no âmbito da própria comunidade”.[24]

Geralmente as dificuldades de ordem material e estrutural (causa interna 1.3) são consideradas preponderantes na avaliação das causas da morosidade. Essas dificuldades são consequências de outras carências, em especial orçamentárias (causa externa 2.3). Entretanto essa apreciação precisa ser reconsiderada.

Na atualidade a atividade judicativa deve ser encarada como mista, agregando tanto a atividade fim (o julgamento das lides), com a atividade meio (a gestão da serventia judicial). As deficiências e até a inexistência de critérios de gestão (causas internas 1.1 e 1.2) devem ser consideradas como problemas de grande importância, até porque ambas estão sob responsabilidade do magistrado.

Com a mudança dos tempos (causa externa 2.1) o “Judiciário passou a ser chamado a intervir em relações e conflitos que antes não existiam ou, se existiam, não exigiam a sua tutela”,[25] deixando de ser o último recurso para ser o primeiro método de composição de conflitos.

A legislação processual é uma causa (externa 2.2), dentre outras, que contribui para a morosidade. Porém, deve ser feita uma ressalva quanto ao peso que lhe é atribuído, porque “o sistema processual posto permite desde logo renovações e simplificações úteis à celeridade. Esta circunstância retira a relevância da complexidade ou precariedade da legislação processual como causa mais destacada da morosidade[26] e essas medidas podem ser implementadas pelos próprios juízes.

A partir da Constituição da República de 1988 não houve mais dúvida quanto à possibilidade de os tribunais elaborarem as suas próprias propostas orçamentárias. Todavia o foco continua na vinculação entre recursos orçamentários e produtos necessários para o cumprimento das atividades, restringindo o orçamento a um simples instrumento de previsão de receitas e despesas (causa externa 2.3). O foco deve ser ampliado para vinculação entre recursos e resultados a serem atingidos no exercício das atividades, tornando do orçamento um instrumento de implementação de mudanças. “Na verdade, muito dos problemas justificados pela carência orçamentária não decorrem da falta de recursos ou apenas da falta de recursos. Decorrem […] da inadequada concepção e elaboração da peça orçamentária”.[27]

  1. Causas relacionadas com problemas estruturais do Poder Judiciário, com a conduta da Administração Pública direta e indireta, com a atuação do Poder Legislativo, com as circunstâncias do caso concreto e com a conduta das partes, segundo Eider Avelino Silva

Antes de apontar as possíveis causas da morosidade da justiça no Brasil, Eider Avelino Silva afirma que “a responsabilidade pela demora na prestação jurisdicional não pode ser atribuída exclusivamente a uma determinada causa”.[28] Depois de ter examinado as causas aduz: “É injusto se atribuir a morosidade exclusivamente à quantidade de recursos ou deficiência legislativa, sem levar em consideração os demais fatores levantados acima e diversos outros que possam ser suscitados”.[29] Na sua opinião “a principal causa da demora excessiva na prestação jurisdicional está relacionada a problemas estruturais do Poder Judiciário[30] e que “a solução da morosidade da justiça deveria começar pela solução da crise estrutural do Poder Judiciário e pela conduta da Administração Pública direta e indireta em sua atuação em juízo[31].

Ele entende que as causas da morosidade estão relacionadas (1) com problemas estruturais, (2) com a conduta da Administração Pública direta e indireta, (3) com a atuação do Poder Legislativo, (4) com as circunstâncias do caso concreto e (5) com a conduta das partes.[32]

Quanto às diferentes causas da morosidade relacionadas com problemas estruturais do Poder Judiciário, se refere a:

(i) falta de aparelhamento e investimento em tecnologia da informação; (ii) falta de pessoal para o desempenho das atividades do Poder Judiciário, incluindo juízes, desembargadores, ministros e serventuários; (iii) falta de qualificação específica dos administradores dos fóruns e tribunais para o desempenho de funções administrativas, que exigiriam profissional com formação específica para a tarefa; (iv) falta de qualificação de pessoal; (v) reiterado descumprimento dos prazos atribuídos aos juízes e serventuários; (vi) falta de efetiva penalização de juízes e servidores que negligenciam o cumprimento de seu dever; (vii) falta de corregedorias presentes e efetivas que estabeleçam e acompanhem o cumprimento de metas e combatam atos de negligência e de corrupção; e (viii) falta de estudos estatísticos sérios e confiáveis acerca dos processos e recursos em trâmite que permita sua identificação, separação e agrupamento, para uma maior racionalidade em julgamentos em massa etc.[33]

Reconhecendo que não se trata de um problema estrutural, ainda que relativo ao Poder Judiciário, Eider Avelino Silva destaca (i) a instabilidade da jurisprudência dos tribunais superiores; (ii) a baixa adesão aos entendimentos pacificados e sumulados, não apenas por parte dos órgãos hierarquicamente inferiores, senão dos mesmos órgãos de convergência; e (iii) a falta de independência financeira que, violando a separação dos poderes, deixa o Judiciário refém do Executivo e do Legislativo, como outras causas relevantes de demora na prestação jurisdicional.

Quanto à conduta da Administração Pública direta e indireta, ele se refere aos fatos de (i) a União e não poucos Estados, Municípios e autarquias figurarem dentre os litigantes habituais, agindo contrariamente à Constituição e às leis; (ii) desprestigiar a própria esfera administrativa ou os métodos autocompositivos; e, sem poder renunciar à remessa necessária, (iii) não deixar de renunciar a recursos nos casos em que a matéria está pacificada.

Quanto à atuação do Poder Legislativo, ele se refere às reformas processuais casuísticas, apressadas, sem participação das associações de classe, sem base estatística ou em estudos sistemáticos, sem avaliação prospectiva específica e sem aferição dos resultados obtidos. Ressalve-se que Eider Avelino Silva não está aludindo à elaboração do CPC de 2015.

Quanto às circunstâncias do caso concreto, ele se refere à possibilidade de trâmites difíceis, como a produção de prova técnica complexa e a expedição de cartas precatórias ou rogatórias. Ele reitera que a informatização e o processo eletrônico não vão trazer grandes resultados se não forem cuidadas as estruturas técnica e de pessoal.

Quanto à conduta das partes, ele se refere (i) aos atos de litigância de má-fé, diante dos quais os magistrados costumam ser condescendentes; (ii) a equivocada presunção de que ambas as partes têm interesse na rápida solução do litígio; e (iii) a rentabilidade econômica da procrastinação em razão da desproporcionalidade da atualização monetária ou dos juros com o tempo decorrido.

  1. Fatores de ordem estrutural, técnica e sociopolítica que desencadeiam a demora no processamento e no julgamento dos processos de acordo André Vasconcelos Roque e Francisco Carlos Duarte

André Vasconcelos Roque e Francisco Carlos Duarte elaboraram um elenco exemplificativo dos fatores de ordens diversas que desencadeiam a demora no processamento e no julgamento dos processos. São fatores de ordem (1) estrutural, (2) técnica e (3) sociopolítica.[34]

Antecedendo a lista das principais causas para descumprimento da promessa constitucional da duração razoável do processo, há a seguinte anotação: “[a]s reformas legislativas, como se constata facilmente, não podem ser a única solução adotada para resolver a morosidade processual”,[35] como já vem apontando a doutrina com frequência. E rematando a mesma lista, há o comentário a seguir:

Sendo fenômeno decorrente de uma multiplicidade de causas, não se mostra possível combater a morosidade do processo atacando apenas algumas delas. A reforma da legislação processual, por mais adequada que seja, não será capaz cumprir, sozinha, a (hercúlea) promessa de duração razoável do processo.[36]

Os fatores de ordem estrutural são (i) a falta de verbas, de recursos humanos e de autonomia financeira do Poder Judiciário; (ii) a gestão ineficiente pelos tribunais dos seus exíguos recursos, porque levada a cabo por juízes, em princípio, sem preparação para atividades de gestão; e (iii) a reduzida capacidade de participação dos magistrados, treinados para passar nos concursos, mas não para agir de forma cooperativa e eficiente.

Os fatores de ordem técnica são (i) o desprestígio das decisões de primeira instância em virtude da ampla recorribilidade; o rígido sistema de preclusões do CPC de 1973;[37] (ii) o formalismo exacerbado passível de ser encontrado em certas normas processuais e na jurisprudência defensiva dos tribunais superiores; e (iii) a deficiente regulamentação do processo coletivo.

Os fatores de ordem sociopolítica são (i) o crescimento do afluxo aos tribunais em decorrência da ampliação dos mecanismos de acesso à justiça, do processo de redemocratização do país, da Constituição de 1988 e da globalização; e (ii) a existência de um Estado demandista, que não proporciona os direitos dos cidadãos, força a judicialização das pretensões, posterga o cumprimento de suas obrigações e congestiona o judiciário.

  1. As morosidades necessária e legal, as morosidades pré-processual, processual e pós-processual e as morosidades endógena e funcional conforme Boaventura de Souza Santos e outros

Boaventura de Souza Santos, Maria Manuel Leitão Marques, João Pedroso e Pedro Lopes Ferreira falam em sete tipos de morosidade determinados em função de três critérios. As morosidades (1) necessária e (2) legal,[38] as morosidades (3) pré-processual, (4) processual e (5) pós-processual e as morosidades (6) endógena e (7) funcional.[39]

A morosidade necessária é aquela que dura o tempo ideal, ou seja, “aquel[a] em que a rapidez e a eficiência do Tribunal se harmonizam com o tempo necessário à protecção [sic] dos direitos de todos os intervenientes no processo”.[40] A morosidade legal é aquela “que decorre do cumprimento dos prazos legais na prática dos actos [sic] judiciais [e que deveria] aproximar-se tanto quanto possível dessa duração necessária”.[41]

A lide, enquanto fenômeno social, começa antes do processo judicial. O próprio processo é apenas uma parcela da trajetória do conflito intersubjetivo de interesses. Razão pela qual pode-se distinguir, uma morosidade anterior ao processo, uma morosidade processual, e uma morosidade posterior ao processo.

A morosidade da resolução de um litígio civil ou criminal pode ir muito além da duração de um processo em tribunal. […] No que se refere à morosidade pré-judicial [sic] [g.o.] […] [temos], entre outros, temas interessantes como os tempos de negociação, mediação ou conciliação com recurso a participação de amigos, vizinhos, louvados, ou de profissionais como advogado, que antecedem as acções [sic] judiciais; o tempo que os advogados demoram a intentar as acções [sic] para as quais são mandatados e quais as causas dessa demora […].

Relativamente à morosidade pós-judicial [g.o.] […] [temos], entre outros aspectos, o estudo do tempo que medeia entre a decisão judicial e o seu efectivo [sic] cumprimento, por exemplo, o pagamento de indemnização [sic] pelas companhias de seguros ou pelo Estado.[42][43]

A morosidade endógena é aquela inerente ao “sistema e [é] contrária aos interesses das partes em litígio”,[44] como por exemplo as decorrentes (i) da precariedade das condições de trabalho; (ii) da irracionalidade na distribuição dos servidores e magistrados; (iii) do despreparo e da negligência dos serventuários, juízes e membros do Ministério Público; (iv) do acúmulo de processos; (v) da necessidade de recorrer à auxiliares do judiciário externos; e (vi) do cumprimento das cartas precatórias e rogatórias. A morosidade funcional é aquela provocada por uma ou por ambas as partes e que se torna útil “aos interesses de ambas as partes ou de uma em detrimento da outra”.[45]A morosidade endógena [g.o.] pode ser endémica [sic] [g.o.] ao sistema, na medida em que decorre do volume de serviço e/ou das rotinas adquiridas, ou pode ser provocada por negligência dos magistrados, funcionários ou outros, assim como dos peritos ou polícias”.[46]

Saber para onde ir para saber o caminho a tomar

O estudo da literatura que se dedicou a identificar e perfilar os fatores de dilações processuais assinalam que o formalismo nos códigos de processo e outras deficiências das leis processuais não são os únicos culpados ou principais responsáveis pela morosidade do judiciário. Os fatores legais-processuais (ou mesmo os fatores ligados à lei material), se não forem quantitativa e qualitativamente inferiores se comparados com os fatores extralegais, estão ao lado e imbricados com estes, os quais não podem ser esquecidos ou negligenciados.

A revisão da bibliografia específica sobre a estruturação dos fatores de postergação das decisões judiciais ao posicionar os fatores de ordem processual-legal (ou mesmo de ordem legal) no quadro mais amplo dos fatores extralegais (políticos, econômicos, sociais, culturais etc.), abalizam que “a demora resulta da conjugação de múltiplos fatores, entre os quais não me parece que a lei, com todas as imperfeições que tem, ocupe o lugar de máximo relevo”.[47]

Argumentar que os fatores legais são alguns dentre outros responsáveis pelo adiamento da prestação jurisdicional não significa que não haja fatores que poderiam ser classificados em mais de uma categoria. Também não implica em defender que esses fatores apareceriam na realidade na exata proporção das respectivas classificações. Aliás, a interpenetração das sistematizações impede de fazer tais afirmativas. Ou ainda que as mudanças legislativas seriam desnecessárias ou até desprezíveis. A posição que se sustenta é que a exposição da pluralidade de origens da intempestividade processual (e inclusive da sua correlação com fatores de natureza diversa) mostra a insuficiência das reformas legislativas de natureza processual para mudanças significativas de ordem fática.

A insistência na abordagem dos fatores processuais-legais do atraso dos provimentos jurisdicionais decorre eventualmente da proximidade com esses fatores. Cumpre afastar-se um pouco do objeto de análise, considerá-lo em suas relações com outros elementos e com o próprio conjunto onde se situa. “Estou convencido de que a ânsia de modificar incessantemente a lei — tão sensível nos últimos anos,[48] no campo processual — cresce na razão inversa de nossa disposição para pesquisar a realidade com critérios técnicos”.[49] Critérios os quais podem ser teóricos ou empíricos, variando o método de acordo com objeto e a finalidade da pesquisa, mas sempre com rigor e embasamento.

Talvez determinados fatores enunciados e certas realidades descritas neste artigo mereceriam maior contextualização, a exposição de alguns matizes, alguma atualização, o oferecimento de mais questionamentos, mas não é a ocasião. Não sucumbiremos à tentação de elaborar classificação própria. Cada leitor escolha a sua. São adotadas essas posições para não desviar a atenção daquilo que é considerado fundamental: para responder à pergunta por que o Código de Processo Civil de 2015 não conseguiu reduzir a morosidade do judiciário, não é preciso analisar o potencial das inovações do código; também não é necessário saber como os tribunais estão aplicando o CPC; nem é preciso enumerar todas as causas in genere para a protelação do julgamento dos feitos — isso é provavelmente impossível…

Para responder à pergunta que está no título deste artigo basta elencar a diversidade de sistematizações que tentam identificar e organizar os fatores de demora dos tribunais; basta constatar que os fatores legais-processuais são numericamente inferiores aos demais; e, sobretudo, não deve ser perquirida a razão do problema como se este possuísse origem única e, por conseguinte, uma solução única.

É importante entender que a pendência indefinida das demandas não possui a sua origem exclusiva na lei processual ou mesmo em qualquer lei material. Para começar a resolver o problema da morosidade do judiciário é preciso diferenciar e tentar atacar, se não todos, o maior número de fatores que contribuem para o problema. E mais, não buscar ou esperar resultados onde estes não podem ser produzidos. “Temos de combinar estratégias e táticas, pondo de lado o receio de parecermos incoerentes se, para enfermidades de diferente diagnóstico, experimentamos remédios diferenciados. O simplismo das palavras de ordem, já indesejável na política, revela-se aqui funesto”.[50]

Assim é possível compreender que a morosidade processual tem origem numa diversidade de fatores e perceber que o Código, ou qualquer código, como lei que é, não possui a aptidão para resolver com eficácia todos ou a maior parte dos diferentes fatores que provocam a lentidão da justiça. E que promessas nesse sentido não devem ser feitas.

Não foi dado o primeiro passo e nem o último. Importa saber para onde ir, qual caminho tomar e que a caminhada não seja interrompida.

O problema dos atrasos na justiça é um problema reconhecidamente complexo, difícil de resolver com políticas ou medidas isoladas, desde logo, porque a crise da justiça não é um fenómeno [sic] isolado, mas antes emerge num quadro de outras crises (crise de emprego, de segurança, de direitos sociais, etc.) [sic]. No quadro do exercício dos direitos fundamentais e de cidadania, esta questão assume, reconhecidamente, uma especial importância. O atraso na realização da justiça constitui, desde logo, uma violação do direito de acesso aos tribunais, onde se inclui o direito a um protecção [sic] jurídica eficaz e em tempo útil, consagrado no ordenamento jurídico […]. O seu combate exige intervenções concertadas que poderão passar por reformas legais e administrativas, redimensionamento e racionalização dos recursos humanos e materiais, mas também por uma nova cultura judiciária que envolva todos os actores [sic] judiciais e que altere práticas institucionalizadas no sentido de aprofundar a cidadania da justiça e a sua efectiva [sic] realização dentro dos princípios do Estado de direito democrático.[51]

As palavras acima poderiam ter funcionado como desfecho. Entretanto a lembrança de outras palavras, as de um livro infantil (?), vão servir como remate porque bem ilustram a importância de saber o que se quer, de procurar onde seja possível encontrar e de esperar o resultado de onde ele possa vir.

“Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?”

“Depende bastante de para onde quer ir”, respondeu o Gato.

“Não importa muito para onde”, disse Alice.

“Então não importa que caminho tome”, disse o Gato.[52]

Referências

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VEJA a íntegra do discurso do presidente José Sarney sobre o anteprojeto do novo CPC. Senado Notícias, Brasília, DF: Senado Federal, 8 jun. 2010. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/06/08/veja-a-integra-do-discurso-do-presidente-jose-sarney-sobre-o-anteprojeto-do-novo-cpc. Acesso em: 2 ago. 2021.

[1] Versão escrita das palestras proferidas na Universidade Iguaçu (Unig/Nova Iguaçu) a 28 de agosto de 2019 e na Universidade Cândido Mendes (Ucam/Centro) a 29 de março de 2017. O autor e seus colegas da turma Luiz Felipe da Silva Haddad, formados na Nacional, por meio deste artigo, rendemos homenagem ao querido professor que deu nome à turma e que desde 9 de maio de 2020 passou a ser nosso patrono no céu.

[2] Professor de Direito Processual Civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor de Prática Jurídica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ (PPGD). Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF). Especialista pelo Centro de Extensão Universitária (atual CEU Law School). Bacharel em Direito pela UFRJ. Advogado. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9070-3540. E-mail: [email protected].

[3] VEJA a íntegra do discurso do presidente José Sarney sobre o anteprojeto do novo CPC. Senado Notícias, Brasília, DF: Senado Federal, 8 jun. 2010. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/06/08/veja-a-integra-do-discurso-do-presidente-jose-sarney-sobre-o-anteprojeto-do-novo-cpc. Acesso em: 2 ago. 2021.

[4] MINISTRO Fux explica reforma do CPC. Boletim (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam), Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, n. 8, out./dez. 2010, p. 16. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/BoletimEnf/article/view/674/635. Acesso em: 2 ago. 2021.

[5] Inclusive verificar a recorrência deste recurso antes e depois do julgamento, em 5 de dezembro de 2018, do Recurso Especial nº 1.704.520 – MT pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual modificou o sistema da taxatividade para o da taxatividade mitigada do rol de cabimento de agravo de instrumento.

[6] PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XXI. Trad. José Carlos Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 205.

[7] Ibidem, p. 204-205.

[8] Ibidem, p. 205.

[9] Ibidem, p. 205.

[10] ARMELIN, Roberto; FONTES, João Roberto Egydio Piza. A reforma do estado e o judiciário: Em busca da eficácia social da prestação jurisdicional. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 23, n. 91, jul./set. 1998, p. 181-188.

[11] Ibidem, p. 180.

[12] MACIEL, Adhemar Ferreira. Considerações sobre as causas do emperramento do judiciário. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 25, n. 97, jan./mar. 2000, p. 18.

[13] Ibidem, p. 18-25.

[14] MACIEL, Adhemar Ferreira. Considerações sobre as causas do emperramento do judiciário. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 25, n. 97, jan./mar. 2000, p. 24.

[15] TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 99-110.

[16] Lamentavelmente a experiência e a história têm mostrado que os progressistas também se aliam aos detentores do capital em detrimento dos interesses dos desabastados ou da maioria que os elegeram. Fisiologismo e patrimonialismo não é exclusividade da direita.

[17] Ibidem, p. 101.

[18] Em tempos de crise (que parecem ser sazonais) ou considerando que alguns tipos humanos não são dados ao empreendedorismo e privilegiam a segurança ou a estabilidade ao risco ou ao lucro, a magistratura (e outros cargos públicos jurídicos) podem se mostrar desestimulantes, mas não pouco atrativos.

[19] José Rogério Cruz e Tucci escreveu antes da reforma de 2005 que alterou o CPC/1973, abolindo o sistema da actio e da actio juticati ou da dualidade de processos de conhecimento e de execução. O CPC/2015 seguiu a linha da reforma de 2005, a do sistema da executium officium judicis ou sincrético do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença.

[20] Por um lado, o CPC/2015 pode ter reduzido o volume de agravos. Por outro lado, a deficiência das decisões pode ter causado outros danos.

[21] NALINI. José Renato. Morosidade do judiciário: causas normativas, conjunturais e culturais. Propostas de enfrentamento. Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, ano 104, v. 399, set./out. 2008, p. 131-133.

[22] STUMPF, Juliano da Costa. Poder judiciário: morosidade e inovação. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em: http://www.escoladaajuris.com.br/esm/images/arquivos/publicacoes/adm_judiciaria/caj_II.pdf. Acesso em: 2 ago. 2021, p. 15-82

[23] Ibidem, p. 16.

[24] Ibidem, p. 57-58.

[25] Ibidem, p. 60.

[26] Ibidem, p. 71.

[27] Ibidem, p. 77.

[28] SILVA, Eider Avelino. A razoável duração do processo e o projeto de novo Código de Processo Civil: uma constante preocupação. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 38, n. 216, fev. 2013, p. 288.

[29] Ibidem, p. 294.

[30] Ibidem, p. 289.

[31] Ibidem, p. 294.

[32] Ibidem, p. 271-304.

[33] Ibidem, p. 289.

[34] ROQUE, André Vasconcelos; DUARTE, Francisco Carlos. As dimensões do tempo no processo civil: tempo quantitativo, qualitativo e a duração razoável do processo. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 38, n. 218, abr. 2013, p. 342-344.

[35] Ibidem, p. 342.

[36] Ibidem, p. 345.

[37] O CPC/2015 relativizou a rigidez do sistema de preclusões do CPC/1973, por exemplo, ao extinguir o agravo retido e transferir para o momento da apelação ou das contrarrazões a oportunidade para suscitar as questões que não comportam agravo de instrumento, ao permitir a flexibilização procedimental e ao possibilitar a alteração da ordem de produção de prova. Mas absolutizou a preclusão no artigo 293.

[38] O critério para distinguir entre morosidade necessária e legal não parece claro. Não é pautado numa relação de diferenciação ou oposição, como os demais critérios, mas numa de relação de identidade ou assimilação, na qual o prazo legal deve tender para o prazo necessário. Se o critério fosse a conveniência, seria melhor falar em morosidades necessária ou indevida, onde indevida seria a morosidade desarrazoada, que desrespeita os direitos e garantias processuais e coloca em risco o direito material e a tutela jurisdicional. Se o critério fosse a origem, seria melhor falar em morosidades legal, endógena ou funcional.

[39] SANTOS, Boaventura de Souza et al. Os tribunais nas sociedades contemporâneas: o caso português. Porto: Afrontamento, 1996, p. 390-441.

[40] Ibidem, p. 390.

[41] Ibidem, p. 390.

[42] Ibidem, p. 399.

[43] A morosidade pós-processual, como apresentada acima, pode ser questionada. Parece que Boaventura de Souza Santos e outros restringem o processo à tutela cognitiva e não levam em consideração a tutela executiva. Mas a classificação não é desprezível e pode ser aplicada naqueles casos em que não há processo executivo que satisfaça a obrigação consubstanciada no título. Não há melhor exemplo, ou adaptação mais precisa à realidade brasileira, do que o pagamento da Administração Pública pelo regime dos precatórios judiciais.

[44] Ibidem, p. 432.

[45] Ibidem, p. 432.

[46] Ibidem, p. 432.

[47] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns mitos. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 26, n. 102, abr./jun. 2001, p. 231.

[48] José Carlos Barbosa Moreira se refere às reformas na segunda metade do período de vigência do Código de Processo Civil de 1973. Essas palavras adquirem atualidade quando aplicadas ao CPC de 2015.

[49] Ibidem, p. 236.

[50] Ibidem, p. 233.

[51] GOMES, Conceição. O tempo dos tribunais: um estudo sobre a morosidade da Justiça. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 268.

[52] CARROL, Lewis. Alice: edição comentada. Ilustrações: John Tenniel. Introdução e notas: Martin Gardner. Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 62-63.

Palavras Chaves

Código de Processo Civil. Fatores da demora da prestação jurisdicional. Alterações legislativas.