POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

Artigo

POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

 

Maria Aparecida Rachid da Motta[1]

Estabelecer os padrões competitivos como requisitos à condição do exercício profissional é uma decorrência da vida em sociedade. Sem a decida percepção das condições de mercado, aliada as exigências constantes de autoaperfeiçoamento profissional o futuro do operador do Direito corre sério risco de estagnação ou, pior, de sucumbência total e irrestrita. Sem dúvida, nessa equação, devem ser considerados os fatores externos, verdadeiros imprevistos perfeitamente previsíveis para quem vive e habita em um mercado pleno de pluralidades e inovações de variados matrizes.

Nesse contexto uma determinada classe profissional de advogados: os audiencistas foram surpreendidos e alijados de sua rotina pela pandemia que nos assola dolorosamente, inclusive nesse sentido. Diante da inércia imposta pelos necessários processos de distanciamento social, perderam abruptamente, sua fonte de renda, seus contatos, suas referências profissionais e, pior, a visibilidade que tal função exige como vetor de retroalimentação profissional. Surpreendidos e atordoados buscaram alternativas para manutenção de sua renda quase sempre sem êxito. Desconsiderados pelas grandes corporações que, até então, se serviram de seus préstimos, posto que atropelados pela automação forçada dos procedimentos processuais e/ou pelo adiamento indefinido dos compromissos jurídicos.

Suas agendas foram esvaziadas acompanhadas de um sentimento de esvaziamento da sua vida profissional, tudo com inevitáveis reflexos emocionais, sociais e, sobretudo familiares. Tal como uma das célebres pragas do Egito de Moises.

Alguns migraram para outras atividades, outros, sobretudo na área trabalhista, se prostituiram, aceitando valores irrisórios para compor as raras audiências virtuais remanescentes, há aqueles que, por desespero, passaram a condições de prepostos como valores ainda menores de remuneração.

Por outro lado, o mercado contratante soube com maestria aproveitar “a maré” para aumentar de forma exorbitante seus lucros, utilizando o desespero de tantos em favor de muito poucos.

Nesse contexto, releva notar a completa e criminosa omissão da Ordem dos Advogados do Brasil, instituição muito mais preocupada com a adimplência de seus associados compulsórios do que com suas funções institucionais de proteção da classe, sobretudo dos profissionais hipossuficientes.

Não obstante, a própria Constituição da República, pugna por princípio de proteção ao trabalho humano que resta ameaçado por processos de automação. Constituímos, pois, mais uma classe trabalhadora despossuída desse mote constitucional, nos termos do artigo 7º, XXVII da Carta, in verbis:

“proteção em face da automação, na forma da lei.”

Aviltada resta a condição dos advogados audiencistas. Relegados estão ao próprio azar existencial todos aqueles que jazem descartados pela promiscuidade mercadológica vilmente associada à omissão do seu órgão de classe.

Premissa imatura supor que esse é um caso isolado. Como classe convém relembrar as sábias palavras de John Donne, poeta inglês do Século XVII, citada no romance do escritor americano Ernest Hemingway:

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

O destino de um é sempre compartilhado por todos.

Notas:

[1] Operadora do Direito, Pós-graduação pela ESA em Direito Processual Civil; Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Instituição LEGALE