REFLEXÕES SOBRE ÁREAS VERDES URBANAS RECOBERTAS POR MATA ATLÂNTICA

Resumo

Análise de imóveis em área urbana recobertos pela Mata Atlântica. O Bioma da Mata Atlântica é o de maior biodiversidade no território brasileiro, possuindo legislação específica de proteção que impacta diretamente nos valores imobiliários. Esse artigo pretende abordar situações em que imóveis possuem recobrimento de Mata Atlântica e áreas sem possibilidade de uso e ocupação.

Artigo

REFLEXÕES SOBRE ÁREAS VERDES URBANAS RECOBERTAS POR MATA ATLÂNTICA.

 Simone Feigelson Deutsch[1]

 

Resumo: Análise de imóveis em área urbana recobertos pela Mata Atlântica. O Bioma da Mata Atlântica é o de maior biodiversidade no território brasileiro, possuindo legislação específica de proteção que impacta diretamente nos valores imobiliários.  Esse artigo pretende abordar situações em que imóveis possuem recobrimento de Mata Atlântica e áreas sem possibilidade de uso e ocupação.

 

PALAVRAS CHAVE: Mata Atlântica – Avaliação Ambiental – Bioma – Preservação

INTRODUÇÃO

            A Mata Atlântica é o bioma brasileiro de maior biodiversidade, superando a Floresta Amazônica, e vem, desde a descoberta do Brasil, sendo degradada, restando apenas cerca de 7% de áreas íntegras. Esse bioma recobre todo o litoral brasileiro, atingindo ainda áreas internas, limitando-se com a Argentina e o Paraguai.

            A região em análise possui cerca de 2/3 da população brasileira, visto que está presente nas megalópoles de maior destaque do território, principalmente o eixo da região sudeste, contemplando Rio de Janeiro e São Paulo.

            No cenário atual da Mata Atlântica se observa que 73% desse bioma é ocupado por particulares, que necessitam cada vez mais, de estudos e parâmetros para avaliar a presença do mesmo em seus imóveis.

            O artigo abordará casos de imóveis com recobrimento pela Mata Atlântica, onde existe uma legislação que restringe a permissão de novas construções, gerando impactos dessa realidade na avaliação imobiliária.

 O BIOMA MATA ATLÂNTICA

É considerado o bioma mais rico do planeta, 1.300.000 km², englobando 17 estados brasileiros, do Piauí ao Rio Grande do Sul, além do Paraguai e Argentina. Do seu bioma original, 93% já foi devastado, o que significa que apenas cerca de 7% da floresta original sobrevive à devastação, contendo ainda um vasto número de espécies endêmicas com várias formas de vida peculiares.

O histórico da Mata Atlântica se confunde com o do desenvolvimento brasileiro. A evolução de sua urbanização, industrialização, exploração dos bens naturais e da transição do modelo agrário para o modelo urbano industrial explica onde se inicia uma preocupação com o meio ambiente, e atualmente se estimula a preservação e a manutenção do bioma existente.

Com a colonização portuguesa, a floresta foi alvo direto da pressão sobre seus recursos naturais, iniciado pela extração do Pau-Brasil. Segundo Dean (2011):

“Um dos primeiros atos dos portugueses que chegaram ao Brasil em 1500 foi abater uma árvore para montar a cruz da primeira missa. Nesse gesto premonitório fez-se a primeira vítima da ocupação europeia da Mata Atlântica, que cobria boa parte do território brasileiro. Nos cinco séculos que se seguiram, cada novo ciclo econômico de desenvolvimento do país significou mais um passo na destruição de uma floresta de um milhão de quilômetros quadrados, hoje reduzida a vestígios.”[2]

Com a ocupação portuguesa do território brasileiro e os vários ciclos econômicos que se sucederam desde 1500, primeiro a extração de árvores como o pau-brasil, passando à derrubada da floresta para o plantio da cana de açúcar, produto originário da Índia, plantado em todo o Mediterrâneo e trazido pelos colonizadores, que devastaram áreas de Mata para o plantio do novo produto. Outro ciclo que gerou grande devastação da Mata foi o do café com leite, várias áreas de floresta foram derrubadas para dar lugar a plantio de mudas de café e a criação de pastagens de gado em grandes fazendas, que se instalavam com mão de obra escrava, derrubando a floresta sem qualquer cuidado. Assim o território da Mata Atlântica foi perdendo seu espaço, como pode ser percebido nos mapas comparativos a seguir.

 
 

Mapas comparativos das áreas ocupadas pela Mata Atlântica

FONTE: http://ambiente.hsw.uol.com.br/mata-atlantica1.htm

Mapa da densidade demográfica no Brasil

FONTE: IBGE, com dados do Censo 2010.

Na região da Mata Atlântica, tal como demonstrado no mapa do IBGE obtido com o censo de 2010 residem cerca de 70% da população brasileira. A ocupação  nas grandes cidades e nas conurbações urbanas de toda essa faixa do litoral levou ao alto grau de desmatamento.  Infelizmente, diante das pesquisas, mesmo com toda a legislação existente, o bioma ainda sofre com o desmatamento, degradação e supressão de sua cobertura. Atualmente, o bioma da Mata Atlântica, em função da ocupação de seu vasto território com variações de latitude e altitude, apresenta subdivisões em diversos ecossistemas.

As áreas recobertas pela Mata Atlântica possuem proteção e tutela legal, quando avaliamos imóveis urbanos com cobertura em parte ou no todo de áreas de Mata Atlântica, há necessidade de se verificar a legislação pertinente. O fato de existir parte da área recoberta, muitas vezes, gera valorização, em função da melhoria da qualidade de vida, ao contrário as áreas totalmente recobertas pela Mata Atlântica que ficam com o uso muito restrito.

De acordo com Ahmed, uma área recoberta por Mata Atlântica, mesmo com a proteção e tutela legal, pode ser utilizada, tal como a seguir apresentado:

“ A proteção e tutela legal não significa necessariamente que uma área onde exista floresta atlântica seja insuscetível de uso (muito ao contrário, o que a Lei faz é regular o uso antes indiscriminado ou deficiência de critérios científicos que o balizasse), ou como equivocada e habitualmente se sustenta, seja a mata atlântica equiparada a uma área de preservação permanente, pois essas categorias se encontram definidas e instituídas pelos dispositivos de Lei citados do Código Florestal, seja a denominada APP Legal (aquelas expressamente definidas em Lei, como as  formas de vegetação que circundam as nascentes, as que margeiam os rios, os topos de morro, as restingas fixadoras de dunas) seja a APP denominada administrativa, que são aquelas declaradas pelo Poder Público como tal, observados, os critérios permissivos contemplados em Lei.”[3]

LEGISLAÇÃO AMBIENTAL RELACIONADA À MATA ATLÂNTICA

                      

            O estudo do direito ambiental está pautado na Lei nº 6.938 de 1981, primeira norma a dar caráter organizacional ao meio ambiente. O ano de 1988, por sua vez, pode ser considerado o momento de consolidação da questão ambiental no direito brasileiro. Neste ano foi promulgada a Constituição Federal, que no seu artigo 225 explicitou a proteção ambiental, alçando assim o status constitucional.

De acordo com Milaré (2005), o direito ambiental visa à qualidade de vida, a proteção dos recursos ambientais, porém com uma dimensão econômica que se harmoniza com o conceito de desenvolvimento sustentado.

“O complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações.”[4]

Bessa (2017) possui uma análise mais fidedigna do tema, onde desdobra o direito ambiental em 3 vertentes fundamentais, explicitada da seguinte forma:

“O Direito Ambiental pode ser definido como um direito que se desdobra em três vertentes fundamentais que são constituídas pelo direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito do meio ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o Direito Ambiental é um direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais. Mais do que um Direito autônomo, o Direito Ambiental é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto, tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que se devem harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentado.” [5]

            A lei n° 11.428, de 2006, dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica. Seu objetivo é a conservação, proteção, regeneração e utilização do referido bioma.

A lei traz importantes definições para o ordenamento jurídico. O art. 2º estabelece que se considerem integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.

A legislação estabelece que somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração terão seu uso e conservação regulados por esta Lei. No artigo 6º estabelece que a proteção tenha por objetivo o desenvolvimento sustentável e a salvaguarda da biodiversidade existente, mantendo aspectos: paisagísticos, turísticos e estéticos. No artigo 11º a lei proíbe o corte e supressão de vegetação visando à regeneração do Bioma, e no artigo 12º observa-se que os novos empreendimentos deverão ser implantados em áreas já degradadas.

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP)

As áreas de preservação permanente são espaços territoriais protegidos de acordo com o disposto no inciso III, § 1º, do art. 225 da Constituição Federal. No Código Florestal foram estabelecidas as áreas de preservação permanente (APP’s), que diretamente influenciam na valoração imobiliária, visto serem faixas determinadas em função da topografia, e que são destinadas à manutenção da qualidade do solo e da água. Dessa forma, por exemplo, na compra de um terreno que possui um curso d’água, seu valor sofrerá impacto, uma vez que deverá ser mantida uma faixa marginal de proteção na qual não será permitido edificar.

            As Áreas de Preservação Permanente não podem ser ocupadas e devem ser mantidas em suas características originais, reconhecidas como indispensáveis para a manutenção das bacias hidrográficas, da manutenção dos biomas, da vegetação, consequentemente da vida humana e de seu desenvolvimento. Caso a APP esteja sem vegetação, o avaliador deve informar o custo para reflorestar, o que pode gerar uma perda de valor e uma baixa liquidez de venda.

            O Código Florestal estabelece faixas e parâmetros diferenciados para as distintas áreas de APP’s, visando assegurar o bem estar das gerações futuras. Para as nascentes a lei estabelece um raio mínimo de 50 metros no seu entorno.

            O novo Código Florestal flexibilizou a legislação ambiental anterior a sua aprovação, em 2012. As novas mudanças, de acordo com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), deixaram de proteger 41 milhões de hectares de vegetação nativa no país. Na classificação por biomas, a Mata Atlântica foi a que proporcionalmente, teve a maior perda de proteção das APP’s, em função do alto grau de urbanização e ocupação de pequenas propriedades que foram anistiadas com a nova legislação.

ÁREAS VERDES URBANAS – MATA ATLÂNTICA

Cada município possui legislação especifica para terrenos recobertos pela Mata Atlântica, como no caso do Rio de Janeiro que possui vários pontos com fragmentos recobertos por Mata Atlântica e seus ecossistemas associados, como restingas e manguezais. Essas áreas são consideradas como Unidades de Conservação.

O Estatuto das Cidades, Lei nº 10.257 introduziu a necessidade de integração das atividades rurais e urbanas em função da crescente expansão das cidades e do aumento dos perímetros urbanos, como já demonstrado no mapa de ocupação das áreas de Mata Atlântica. O Estatuto das Cidades exige que os núcleos urbanos com mais de 20.000 habitantes emita seu Plano Diretor.

O Plano Diretor do Rio de Janeiro, Lei Complementar nº 111 de 2011 definiu como um dos instrumentos básicos da Política de Meio Ambiente a criação de Unidades de Conservação (UC). Neste sentido, a Secretaria vem desenvolvendo estudos técnicos visando à criação de novas unidades, regulamentação e implantação das UC’s existentes. Dentro da área Municipal do Rio de Janeiro podemos citar algumas unidades de conservação: Parque Nacional da Tijuca, Parque Estadual da Pedra Branca, Parque Estadual do Grajaú, Parque Estadual da Chacrinha, Reserva Biológica de Guaratiba, APA do Gericinó/Mendanha e APA de Sepetiba II.O Parque Nacional da Tijuca, UC federal, está sob gestão compartilhada com o município e os Parques Estaduais da Chacrinha e Grajaú são administrados pela SMAC. Da área total do município, aproximadamente 36 mil contam com proteção sob a forma de unidade de conservação, representando um total de 30% de sua superfície.

Das categorias de áreas protegidas temos dentro do espaço urbano do Rio de Janeiro áreas delimitadas e cadastradas pela SMAC (Secretaria do Meio Ambiente do RJ) conhecidas como APA (área de proteção ambiental). A APA em geral é uma área extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar do homem e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

De acordo com Souto[6], as áreas verdes urbanas tem uma função importante para preservar a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental no meio ambiente construído, definindo que o “Instituto da Área Verde em si é mais brando e impreciso que o da Reserva Legal”

A definição de Área Verde está prevista na Resolução CONAMA 369/06, sendo um espaço de domínio púbico que desempenhe função ecológica, paisagística e recreativa, e que propicie melhoria da qualidade de vida nas cidades.

O estabelecimento de Áreas Verdes nos espaços urbanos acaba gerando, em muitos casos, uma perda do valor imobiliário em função da restrição de uso das glebas, que impedem seu loteamento, e dos lotes, pelo impedimento do seu uso, permitindo-se apenas ocupação de pequena faixa.

AVALIAÇÃO DE ÁREA URBANA RECOBERTA OU COM PRESENÇA DE MATA ATLÂNTICA

Diante de todas as metodologias indicadas na NBR 14.653-2 para avaliação de imóveis urbanos, no caso de avaliação de áreas recobertas, em parte pela Mata Atlântica, o método involutivo é o mais adequado, visto que contempla as principais características do imóvel que é bastante específico e peculiar.

Nelson Nady Nor Filho (IBAPE 2007) descreve o método involutivo como o “Máximo Aproveitamento Eficiente” e esclarece:

“…consiste, basicamente, na apuração do valor do terreno a partir da receita provável que seria obtida com a comercialização de uma edificação de máximo aproveitamento eficiente, erigida no terreno em análise.

Classifica-se, pois, como método indireto de avaliação, normalmente empregado em terrenos próprios à incorporação. A primeira etapa para sua aplicação é a definição da edificação hipotética no terreno, considerando-se a utilização mais indicada para o local em apreço e de acordo com a legislação pertinente.”[7]

No estudo involutivo de uma gleba com área recoberta por Mata Atlântica, o avaliador deve realizar um “estudo de massa” de um possível loteamento, verificando a legislação do local, estabelecendo a faixa “non aedificandi” e a área onde é possível se lotear, ou se realizar algum aproveitamento.

Para tal, nesta metodologia, há necessidade de se realizar uma análise apurada da legislação do local onde o imóvel se encontra, seja uma gleba, seja um lote, onde se verificam as restrições legais existentes, quer de âmbito federal, estadual ou municipal.

É importante realizar a distinção entre gleba e lote. As glebas constituem-se de uma grande extensão de terreno em zona urbana, cujo aproveitamento poderá ser realizado por meio de subdivisão em lotes. Define-se como Gleba Urbanizável todo terreno situado em zona urbana ou de expansão urbana, cujo aproveitamento eficiente depende de parcelamento e urbanização, tendo, em princípio, uma área superior a 10.000, 00 m². Os lotes são porções de terreno em condições de aproveitamento imediato, e em condições de produzir renda.

Para o caso de avaliações de imóveis urbanos, onde as áreas são totalmente recobertas pela Mata Atlântica, não se permitindo qualquer aproveitamento ou loteamento, o método comparativo direto de mercado (MCDM) por tratamento de fatores é o mais indicado, visto ser muito difícil conseguir elementos comparativos similares em quantidade para realizar uma inferência estatística e o cálculo pelo método involutivo requer algum aproveitamento do lote. Neste caso também é imprescindível o estudo da legislação vigente para se identificar a impossibilidade de qualquer aproveitamento.

Na análise de um determinado terreno que tenha remanescentes de Mata Atlântica, para a verificação do seu valor, deve-se mapear a área efetivamente ocupada. A NBR 14.653-6 recomenda a realização da representação da área, quer por meio de desenhos, quer por meio de imagens de satélite.

Na parte 6 da Norma existe um item que se constitui na caracterização da região e do bem, onde fica clara a importância da análise do relevo, hidrografia, situação geográfica, entre outros elementos que influenciam diretamente no valor, tal como a seguir apresentado.

“7.4.2 Caracterização da região

Recomenda-se que a região onde se situa o recurso natural ou ambiental seja caracterizada com a consideração dos seguintes aspectos:

aspectos gerais: condições econômicas, políticas e sociais;

aspectos ambientais: relevo, clima, hidrografia, flora, fauna e outras condições ambientais;

localização: situação geográfica e indicação de pólos de influência;

infra-estrutura pública: sistema viário, transportes, saneamento, energia e outros;

aspectos econômicos: atividades existentes (comércio, indústria, serviços), vocação econômica e potencial de desenvolvimento.

7.4.3 Caracterização do bem

denominação;

localização: situação na região e em relação a centros urbanos e de consumo;

dimensões, limites e confrontações;

atividade econômica atual e potencial, bem como os condicionantes legais;

infra-estrutura disponível: vias de acesso, acessos internos, energia, saneamento, construções, instalações e benfeitorias;[8]

características ambientais: relevo, recursos hídricos, flora e fauna;

estado de preservação, estado de conservação ou nível de degradação ambiental.

Recomenda-se que a caracterização do bem seja georreferenciada e acompanhada com a apresentação de cartografia, desenhos, fotografias, imagens de satélite e outros documentos que acrescentem informações relevantes, com citação das respectivas autorias.”

A importância do mapeamento da área ocupada pela Mata Atlântica afeta diretamente no valor do imóvel. Sempre é importante se verificar a extensão da ocupação da Mata Atlântica, da legislação do local, das restrições existentes, e das características especificas.

Na norma verifica-se que os campos de aplicação da parte 6 se referem à valoração dos recursos ambientais existentes, principalmente visando à proteção desse remanescente ativo, tal como a seguir apresentado.

“8.3 Campos de aplicação

Existem três campos básicos de aplicação da metodologia de valoração:

  • identificação do valor dos recursos ambientais;
  • identificação dos custos de oportunidade da proteção ambiental;
  • determinação de prioridades e ações para subsídio da gestão ambiental.”

Na parte 6 verifica-se uma fórmula para cálculos de áreas de parque e ecoturismo, áreas onde há visitação, e os lotes e glebas urbanos recobertos pelo bioma, como avaliá-los? A Norma é omissa nesses casos urbanos.

A parte 2 da norma, referente aos imóveis urbanos é muito generalista e também não analisa casos específicos de imóveis com características urbanas e ambientais.

No estudo detalhado da Norma de avaliação verifica-se que de forma geral, não há uma preocupação na análise de imóveis recobertos por Mata Atlântica, sendo 100% com mata intocada, ou que contenha parte dela, e o impacto da presença desse bioma do valor final do bem.

Após a realização do cálculo do valor do imóvel, deverá ser identificado detalhadamente à presença da vegetação e da área ambiental, que será aqui denominado, fator de cobertura vegetal, devendo ser aplicado um percentual que poderá ser maior ou menor que a unidade, dependendo da parcela ocupada pela Mata Atlântica no terreno e em função das restrições consequentes a ele impostas.

CASO PRÁTICO 1  – TERRENO 100% RECOBERTO PELA MATA ATLÂNTICA

Caso no qual o lote se localiza no Alto da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro, em Macrozona de Ocupação Controlada conforme Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro, Lei Complementar nº 111/ 2011 e na Zona Especial 1, conforme Decreto nº 322 de 1976.

O terreno é totalmente recoberto por Mata Atlântica, possui aclive muito acentuado se iniciando na curva de nível – cota 340, estando, portanto, muito acima da cota 100, possuindo TODAS AS RESTRIÇÕES LEGAIS VIGENTES.

Foi elaborado um levantamento e demarcação detalhada do lote, buscando toda a legislação pertinente e características florestais e geológicas. Verificou-se que o terreno estava totalmente acima da cota 100, iniciando-se na cota 340 e indo até a cota 480m.

Em relação à legislação o terreno encontrava-se na Área de Proteção do Ambiental de Recuperação Urbanística (APARU) do Alto da Boa Vista  conforme Decreto nº 11301 de 1992 e Decreto nº 18685 de 2000

Planta topográfica e foto áerea com demarcação do lote

 No artigo 163 do referido decreto fica claro que o lote está posicionado na Zona Especial 1, tal como apresentado a seguir.

“Art. 163 A ZE-1 compreende as áreas acima da curva de nível de 60m (sessenta metros) nos morros do Pão de Açúcar, Urca, Telégrafos e Serra do Engenho Novo e as que estão acima da curva de nível de 100m (cem metros) nos demais morros e serras do Município, consideradas áreas de reserva florestal, obedecida a competência federal.

  • 1.º – Fazem parte da Zona Especial – 1 (ZE-1) as áreas acima da curva de nível de 100m (cem metros) delimitadas no Anexo 15 C e incluídas na Zona Especial – 3 (ZE-3). (§ 1º com redação dada pelo Decreto 5050, de 23-4-1985)

  • 2.º – A conservação e manutenção da cobertura florestal existente nas áreas definidas neste artigo constituem obrigação dos respectivos proprietários.”[9]

Trata-se de uma área ONDE NÃO É PERMITIDO LOTEAMENTO, visto que o terreno possui uma área de 33.335,00 m², não permitindo qualquer tipo de subdivisão, tal como definido no artigo 164 do referido decreto.

 “Art. 164. Nas áreas da ZE-1 não é permitido loteamento ou arruamento de iniciativa particular, tolerando-se apenas desmembramento em lotes com testada para logradouro público reconhecido, com testada e área mínima correspondentes a lote de 2ª categoria.” (grifos nossos)

Do Decreto tem-se ainda:

“Art. 165 As áreas situadas em ZE-1, ressalvado o disposto nos artigos 166, 167 e 168, são “non aedificandi”.

Parágrafo Único. Estando apenas parte de um lote situado em ZE-1, toda esta parte será considerada “non aedificandi”, aplicando-se a ela o disposto nos artigos 166, 167 e 168, apenas quando ficar comprovado que a parte do lote fora de ZE-1 não se presta para edificação.

Art. 166 Nos lotes integrantes de projetos aprovados de loteamento com testada para logradouro público reconhecido é permitida edificação sob as seguintes condições:

I – Uso residencial unifamiliar. I

II – Uma única edificação unifamiliar por lote.

III – Gabarito máximo: dois pavimentos (qualquer que seja sua natureza) .

IV – Área livre mínima:

1 – Lotes existentes com área até l.000m² (mil metros quadrados) – 80% da área do lote;

2 – Lotes existentes com área superior a 1000 m² – variável nos lotes com área entre 1000m² e 2000 m² de forma a permitir no máximo, a ocupação até 200 m² com edificação e 90% da área do lote quando esta área for igual ou superior a

2 000 m²

V – Afastamento frontal mínimo: 5m (cinco metros).

Parágrafo Único.

É tolerada a construção de edículas, limitada sua área em 10% (dez por cento) da área da projeção da edificação, atendidos, porém, para o conjunto os incisos III, IV e V deste artigo.”

Importante observar que só seria permitido desmembramento em lote de segunda categoria, que se constitui de acordo com regulamento de parcelamento da terra, em lotes com testada mínima de 50m e área mínima de 50.000,00 m², totalmente improcedente no presente caso, visto que o lote possui 33.335,00 m².

Essa delimitação de ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL foi estabelecida em função do lote estar situado no Maciço da Tijuca, local considerado PATRIMÔNIO PAISAGÍSTICO, sendo um local raro de coexistência entre o patrimônio natural e construído da Cidade, além da Floresta da Tijuca ser considerada a maior floresta urbana do planeta, sendo um bem tombado.

De acordo com o Decreto nº 11.301 de 1992, as áreas inseridas em Zona Especial 1, Reserva Florestal, acima da cota 100m, exatamente as características do lote em análise, devem ser preservadas e protegidas, não sendo permitido qualquer tipo de desmatamento ou qualquer tipo de modificação do perfil do terreno, ou seja, essa legislação demonstra mais uma vez, que a área é absolutamente “non aedificandi”.

“Art. 1º – É criada a Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana do Alto da Boa Vista, compreendendo o bairro do Alto da Boa Vista, parte do Parque Nacional da Tijuca e contendo zona de reserva florestal, constituída pelas áreas situadas acima da cota de 100m (cem metros). A zona de reserva florestal é considerada Zona Especial –1 (ZE-1). Parágrafo único – Os limites da APARU são os constantes dos Anexos I (descrição em texto) e II (mapa).

Art. 2º – São objetivos da APARU do Alto da Boa Vista:

I – preservar, proteger e recuperar o ecossistema da Mata Atlântica existente;

II – preservar, proteger e recuperar o patrimônio cultural do bairro;

III – promover a compatibilização entre o aproveitamento do solo e a defesa do meio ambiente, mediante a revisão dos parâmetros de uso, ocupação e parcelamento do solo, de modo a garantir a defesa ambiental;

IV – promover a regularização das favelas existentes, nos seus aspectos fundiários, urbanístico e ambiental;

V – promover o controle do crescimento das favelas existentes; VI – estabelecer prioridades para projetos e ações, no seu limite;

VII – proteger e recuperar os mananciais existentes;

VIII – implantar o seu sistema da gestão, para implemento das ações de preservação, proteção e recuperação ambiental.

Art. 3º – A tutela e a gestão da APARU do Alto da Boa Vista cabem ao órgão

competente do Meio Ambiente, ouvido o órgão competente do Patrimônio Cultural, quando se tratar de defesa do Patrimônio Cultural.

  • 1º – O licenciamento de qualquer tipo de construção, modificação, acréscimo e demolição de construções existentes, de uso e atividades, está sujeito à prévia realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), assim como à aprovação do órgão competente do meio Ambiente.

  • 2º – São vedados os seguintes usos e atividades nos limites da APARU, sem prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e autorização do órgão existente:
  1. desmatamento, extração de madeira e de vegetação características, bem como a retirada de espécimes vegetais;
  2. utilização, perseguição, caça, apanha ou captura de animais, bem como a retirada de ovos, destruição de ninhos e de criadouros;
  3. extração de recursos minerais;
  4. alteração do perfil natural do terreno.”[10]

O terreno é recoberto por vegetação típica da Mata Atlântica. Esta mata apresenta-se em estagio médio de regeneração, com presença de arvores de diferentes portes e muitos arbustos (sub-bosque) não havendo qualquer possibilidade de remoção, ou abertura de um espaço para construção.

Analisando as leis e decretos existentes, pertinentes ao caso, e após realização das consultas verificamos que no terreno em análise NADA PODE SER CONSTRUÍDO, NEM QUALQUER LOTEAMENTO PODE SER REALIZADO.

O TERRENO EM ANÁLISE NÃO POSSUI QUALQUER TIPO DE APROVEITAMENTO, portanto seu valor é reduzido.

Nesse caso com não há aproveitamento possível foi adotado o método comparativo com alguns lotes em oferta na região, e ao valor final foi aplicado o fator de cobertura vegetal de 0,80

 

CASO PRÁTICO 2 – TERRENO 100% RECOBERTO PELA MATA ATLÂNTICA

Caso no qual o lote se localiza no Alto da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro, em Macrozona de Ocupação Controlada conforme Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro, Lei Complementar nº 111 de 2011 e na Zona Especial 1 conforme Decreto nº 322 de 1976 (“Lote 2”).

O terreno encontra-se inserido na APARU do Alto da Boa Vista, conforme o Decreto nº 11301 de 1992 e Decreto nº 18685 de 2000.

O terreno é totalmente recoberto por Mata Atlântica, como pode ser observado na foto aérea a seguir:

       
   
 
     

Vista aérea do local

 O Lote possui aclive acentuado totalmente recoberto por vegetação nativa de Mata Atlântica, com morfologia geológica original, sem nenhum tratamento de terraplanagem, formato irregular e uma área de 3.020,00m², conforme RGI, IPTU e PAL 33.809 sendo que a totalidade de sua área encontra-se acima entre as cotas 330 e 340.

Foi elaborado um levantamento e demarcação detalhada para identificar exatamente as características do lote.

A análise da legislação do local foi detalhadamente elaborada.

Como se trata de um lote em zona especial 1, recoberto de mata atlântica, trata-se de uma área ONDE NÃO É PERMITIDO LOTEAMENTO, visto ser um terreno de dimensões reduzidas, com 3.020,00 m², não permitindo qualquer tipo de subdivisão, tal como definido no artigo 164 do decreto nº 322:

“Art. 164. Nas áreas da ZE-1 não é permitido loteamento ou arruamento de iniciativa particular, tolerando-se apenas desmembramento em lotes com testada para logradouro público reconhecido, com testada e área mínima correspondentes a lote de 2ª categoria.”

 

De acordo com o Regulamento de Parcelamento da Terra, decreto E. 3800 de 1970, o Lote 2 em análise é de 3ª categoria, portanto não pode ser desmembrado.

Do decreto E 3800 de 70 constam as seguintes categorias de lote:

O terreno em análise não possui qualquer tipo de aproveitamento, portanto seu valor é reduzido.

Nesse caso com não há aproveitamento possível foi adotado o método comparativo com alguns lotes em oferta na região, e ao valor final foi aplicado o fator de cobertura vegetal de 0,80.

Como se trata de um lote muito diferenciado foram encontrados apenas 5 elementos amostrais, não possibilitando o método da comparação pela inferência estatística, apenas por tratamento de fatores.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O presente artigo pretendeu gerar uma reflexão sobre
Áreas Verdes Urbanas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro e para tal foi abordado o histórico da Mata Atlântica, as principais peculiaridades do bioma e as restrições atualmente existentes.

Em função da análise e estudo de inúmeros casos de imóveis urbanos com recobrimento de Mata Atlântica pode-se observar que nas Normas de avaliação vigentes há uma deficiência de análises e estudos dessas áreas. Verificou-se ainda que não há estudos realizados para casos corriqueiros de lotes urbanos com características ambientais, não sendo contemplado tal caso, nem na parte 2, nem na parte 6.

As Normas Brasileiras são omissas em estabelecer parâmetros e análises de casos de imóveis de particulares, quer sejam glebas, quer sejam lotes que possuam áreas de preservação ambiental e que são muitas vezes tributados de forma excessiva pelo poder público, não conseguindo um valor adequado no mercado imobiliário.

Sugere-se, diante de inúmeros casos já elaborados, e da pesquisa realizada que se contemple na revisão da parte 6 da norma, um item relacionado a áreas urbanas com recobrimento de cobertura vegetal, onde se indica o uso do método involutivo para imóveis com aproveitamento, quer edilício, quer de loteamento e o método comparativo direto de mercado por tratamento de fatores para imóveis sem qualquer tipo de aproveitamento. Em ambos os casos, faz-se necessário uma demarcação detalhada da área de ocupação da Floresta e que se contemple no texto normativo a criação de um “fator de cobertura vegetal” que oscile entre 0,80 e 1,20, ou seja, que permita uma amplitude de 20% sobre o valor aferido sem seu cômputo.

Nos terrenos onde ocorre 100% da cobertura vegetal, o valor torna-se muito reduzido, pois a legislação não permite seu aproveitamento, restringindo assim o valor, nesse caso deve ser aplicado um fator de cobertura vegetal menor que a unidade.

BIBLIOGRAFIA

  • AHMED, Flávio; COUTINHO, Ronaldo – Cidade, direito, e meio ambiente, perspectivas críticas – Editora Lumen & Juris, 2011.
  • AHMED, Flávio; YOSHIIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato; CAVALCA, Renata Falson – Temas Fundamentais de Direitos Difusos e Coletivos: Desafios e Perspectivas – Editora Lumen & Juris, 2013
  • ANTUNES, Paulo de Bessa – Direito Ambiental – Atlas, 2017
  • DEAN, Warren. A ferro e fogo – a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. Companhia das Letras, SP, 2011 – 8ª Reedição.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 14.653 – parte 2 – Avaliação de Bens Imóveis. São Paulo, 2011.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 14.653 – parte 6 – Recursos Naturais e Ambientais. São Paulo, 2008.
  • PERÍCIA AMBIENTAL – IBAPE/SP, PINI, 2011
  • BRASIL, Lei n° 6.938 de 31 de Agosto de 1981. Diário Oficial da União: Brasília, DF. Atualizado.
  • ATLAS DOS REMANESCENTES FLORESTAIS DA MATA ATLÂNTICA – Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE) – 2008/2010.
  • MILARÉ, Edis; “Direito do Ambiente – doutrina – jurisprudência – glossário – SP – Editora Revista dos Tribunais, 2005.
  • SOUTO, Luís Eduardo Couto de Oliveira: “A perpetuidade da Reserva Legal em zona urbana e seu aproveitamento como área verde”

Notas de Rodapé:

[1] Consultora da CDA/OAB-RJ. Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal Fluminense. Pós graduação em Avaliações e Perícias de engenharia e ambiental, mestrado e doutorado em engenharia civil.  Professora adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO, no Departamento de Turismo e Patrimônio. Autora do livro: “Pericias de Engenharia, a apuração dos fatos”.

[2] DEAN, Warren. A ferro e fogo – a história e a devastação da Mata Atlântica Brasileira. Companhia das Letras, SP, 2011 – 8ª Reedição.

[3] AHMED, Flávio; COUTINHO, Ronaldo – Cidade, direito, e meio ambiente, perspectivas críticas – Editora Lumen & Juris, 2011

[4] MILARÉ, Edis; “Direito do Ambiente – doutrina – jurisprudência – glossário – SP – Editora Revista dos Tribunais, 2005.

[5] ANTUNES, Paulo de Bessa – Direito Ambiental – Atlas, 2017

[6] SOUTO, Luís Eduardo Couto de Oliveira: “A perpetuidade da Reserva Legal em zona urbana e seu aproveitamento como área verde”

[7] Nor, Nelson Nady – PERÍCIA AMBIENTAL – IBAPE/SP, PINI, 2011

[8] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 14.653 – parte 6 –  Recursos Naturais e Ambientais. São Paulo, 2008

[9] Decreto nº 322 de 1976

[10] Decreto nº 11.301 de 1992

Palavras Chaves

Mata Atlântica – Avaliação Ambiental – Bioma – Preservação