Reforma Trabalhista E Desvalorização Do Trabalho Humano

Resumo

Na tentativa de se adequar ao quadro global de mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas nas últimas décadas, muitas alterações legislativas foram postas em prática, em diferentes países, visando principalmente a contenção do desemprego. A abordagem da crise que tem prevalecido, de matriz neoliberal, está centrada na flexibilização das leis e precarização das garantias sociais, justificando que a natureza tutelar do Direito do Trabalho é o que dificulta a mobilidade geográfica e funcional da mão-de-obra e aumenta o custo do trabalho, bloqueando a modernização e inibindo investimentos. Assim, países com maiores avanços sociais e trabalhistas puderam reduzir o que identificavam como excesso, o que não necessariamente reverteu-se em reviravolta ao processo de recrudescimento do mercado, enquanto a maior parte das nações teve que cortar além, comprometendo a trajetória que consagrava proteção e segurança ao trabalhador.

Artigo

Reforma Trabalhista E Desvalorização Do Trabalho Humano

                                                                                  Patrícia Garcia dos Santos[1]

RESUMO

Na tentativa de se adequar ao quadro global de mudanças políticas, econômicas e sociais ocorridas nas últimas décadas, muitas alterações legislativas foram postas em prática, em diferentes países, visando principalmente a contenção do desemprego. A abordagem da crise que tem prevalecido, de matriz neoliberal, está centrada na flexibilização das leis e precarização das garantias sociais, justificando que a natureza tutelar do Direito do Trabalho é o que dificulta a mobilidade geográfica e funcional da mão-de-obra e aumenta o custo do trabalho, bloqueando a modernização e inibindo investimentos. Assim, países com maiores avanços sociais e trabalhistas puderam reduzir o que identificavam como excesso, o que não necessariamente reverteu-se em reviravolta ao processo de recrudescimento do mercado, enquanto a maior parte das nações teve que cortar além, comprometendo a trajetória que consagrava proteção e segurança ao trabalhador.

Palavras-chave: Flexibilização; Precarização; Trabalhador.


[1]  Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense, advogada atuante na área de Direito Social e professora universitária do Ibmec e da UniLaSalle.

Ao longo da história, o Direito do Trabalho se sistematizou como o ramo jurídico especializado responsável pela regulação da relação entre empregado e empregador, que identifica-se como relação de emprego. Essa sistematização foi resultado de um processo em que política, economia e sociedade atuaram em conjunto e de forma dialética com a finalidade de estabelecer regras, institutos e princípios jurídicos que atendesse aos interesses em evidência. Além de dialogar com essas instituições, afirmou-se sob um determinado contexto, como instrumento capaz de produzir equilíbrio entre capital e trabalho (permitindo a perpetuação da relação) e propiciando a evolução social, o crescimento econômico e o desenvolvimento das instituições políticas. E mesmo em países que não tiveram a real experiência do Estado do Bem-Estar Social, como no Brasil, o primado do emprego incorporou-se à cultura jurídica alcançando grande relevância na construção do arcabouço jurídico trabalhista clássico.

            No entanto, como regulador de uma realidade histórica, depende de uma certa dinâmica (inerente ao próprio processo) para sobreviver, o que, inclusive, admite readequações a medida que essa realidade se transmuta. Readequações não no sentido atualmente predominante de redução dos direitos ou exclusão de regras positivadas, mas no sentido de mudanças no sentido de regular. Porém, o que se revela a partir da análise das mudanças efetuadas nos mercados capitalistas nas últimas décadas, definidas como reformas trabalhistas, é uma colonização da realidade política, social e jurídica pela economia, através da disseminação de diagnósticos de matriz neoliberal que apontam o modelo jurídico centrado na figura do emprego clássico e nas garantias dadas ao empregado vinculado (pelos custos que representam) como os principais responsáveis pela crise que repercurte hoje, em maior ou menor monta, no mercado de trabalho, através do crescimento do desemprego, da informalidade e da exclusão social.

            Essa hegemonia do neoliberalismo se explica, entre outros fatores, pela formação e generalização de um pensamento econômico pretensamente único – dada a debilitação e fragmentação do pensamento crítico ao laissez-faire capitalista, aproveitando-se das vitórias político-eleitorais de dois líderes radicais e agressivos do neoliberalismo, Margareth Thatcher (Inglaterra – 1979) e Ronald Reagan (EUA – 1980), nos dois países-chave do sistema financeiro mundial, perda de consistência dos projetos políticos democráticos europeus a exemplo da França e da Espanha, refluxo do movimento sindical em países cuja importância estratégica era indiscutível, como a Inglaterra, e prevalência do setor financeiro-especulativo no âmbito do capitalismo mundial após a reestruturação produtiva, subordinando e relegando a coadjuvantes os outros segmentos do sistema, como a produção e o comércio de bens e serviços, anteriormente centrais[2].

            Para atender a esses diagnósticos, o modelo de reforma sustentado pelos defensores do liberalismo econômico tem rejeitado à manifestação coletiva, adotando-se, neste campo, uma legislação rígida, ao mesmo tempo que vem estimulando a flexibilização da legislação protetora no âmbito das relações individuais. A essência desse fenômeno reconhecido como flexibilização in pejus está centrada na eliminação, redução e substituição da norma protetora do trabalhador por outra norma em favor do empresário. Nesse sentido, vários países, inclusive de tradição no campo da regulação social, acabaram por sucumbir a pressão, apostando na introdução de novas formas de contratação, com direitos reduzidos e de menor custo para as empresas, ao mesmo tempo que permitiram a revisão dos patamares mínimos de garantias construídas sob a égide de um tempo limite e um valor condigno para o trabalho, através da flexibilização da jornada e do salário.

Além de se inserir nessa tendência mais ampla de deslocamento do eixo do Estado para o do mercado como regulador, a reforma trabalhista implementada de forma gradual no Brasil, e atualmente reforçada pela discussão no Congresso Nacional do Projeto de Lei 6787/16, que altera mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, tem características específicas da sua conjuntura política. Desde a década de 1990, em especial após sua segunda metade, percebe-se uma tendência à mercantilização da força de trabalho, não somente pelas mudanças legais, mas também pela extensão dos contratos ilegais de trabalho a áreas antes imunes as relações informais, como a indústria e os serviços. A flexibilização atingiu também o corpo do sistema legislado das relações laborais, mesmo que a flexibilização da relação de emprego pela via da alteração legislativa tenha sido pontual, pois há limites impostos pela supremacia constitucional que assegura os direitos inscritos no Art. 7° da Constituição Federal, o que não significa que foi menor seu impacto.

Estrutura Jurídica e Conjuntura

O declínio da ocupação remunerada ao final do século XX tem sido um marco decisivo não só para o regime de produção e o sistema de acumulação, mas tem produzido efeitos diretos sobre o Direito, em especial sobre o Direito do Trabalho. Desde sua sistematização, o Direito do Trabalho e suas principais formulações doutrinárias sempre gravitaram em torno do emprego típico. A partir do início dos anos oitenta, a centralidade do emprego típico e a primazia da proteção passaram a sofrer um processo de crescente questionamento na maioria dos países do mundo, provocado pela progressiva ineficácia dos recursos jurídicos e políticos do Estado-Nação para fazer frente aos desafios lançados num quadro econômico acentuadamente globalizado e de transição, onde o desemprego emerge como resultado crescente, universal e de longa duração.

“O crescente desemprego e o simétrico decréscimo nas taxas de ocupação, estão a desafiar, sob o ângulo ético, social, e mesmo econômico, o julgamento amplamente favorável das ações de governo que se mostraram, nos anos noventa, eficazes no combate à inflação, na estabilização da moeda e no manejo equilibrado dos interesses internos, ante os efeitos da progressiva globalização em diversos terrenos da sociedade. Por sinal, mesmo no âmbito das relações internacionais e supranacionais, onde quer que e mostrem mais amplas e sofisticadas, o problema do desemprego e da crise de ocupação também vem adquirindo crescente visibilidade”.[3]

A empresa contemporânea está longe daquele modelo de unidade jurídica, física e social de produção comumente situado em um espaço geográfico nuclear que assegurava todas as atividades necessárias à persecução da produção e cujos trabalhadores estavam sujeitos a um estatuto jurídico comum. No novo paradigma tecnológico globalizado, a regulação do trabalho humano é vista como fator que gera perda de competitividade. A nova dinâmica imposta pela competitividade exige a seleção de meios para mudar a empresa, e a velocidade exigida para a efetivação de tal mudança esbarra nesse plexo regulatório, que, na visão concorrencial, seria um fator contrário à modernização. Para alcançar-se um patamar bom de competitividade neste novo modelo de empresa torna-se necessária a racionalização da mão-de-obra numa visão mercantilista do trabalho.

No entanto, é possível perceber que a crise que se instala mundialmente em diferentes proporções não é só econômica, mas também de valores, e são as novas realidades sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e culturais que têm resvalado para o campo jurídico (uma vez que o Direito, assim como a realidade social que retrata e regula, vive em constante mutação), ressaltando-se que não é o Direito do Trabalho, mas o Direito do Trabalho clássico, que vem sendo questionado. De modo geral, a crise emergiu do meio econômico e contagiou as outras esferas do tecido social e em especial as áreas sociais reguladas pelo Direito (família, trabalho, educação, saúde, etc). Para autores como Boaventura de Sousa Santos, um fator prepoderante que se tornou evidente nas últimas décadas, foi a carência de força política das classes populacionais para garantir a continuidade das medidas estatais de proteção social construídas ao longo do século.

“A escolha entre as diferentes possibilidades institucionais no horizonte regulatório vai transformando-se ao sabor do processo político. Portanto, não se deve atribuir a ineficácia do direito regulatório às limitações que são inerentes ao processo de regulação, pois tais limitações são estratégicas e dependem, em especial, do poder político. O padrão de eficácia altera-se de acordo com as políticas econômicas e sociais.”[4]

De fato, a crise do chamado Estado-Providência enquanto fomentador do pleno emprego e da cobertura social, as mudanças de um regime de acumulação fordista para um regime mais flexível dando novos contornos ao sistema capitalista de produção, os avanços tecnológicos e seus impactos no mundo do trabalho, as reconfigurações dos movimentos de mobilização social, e o recente processo de globalização, conjuntamente com esse panorama atual de desemprego e crise da ocupação tradicional, resultaram em um quadro tal de transição que a legislação trabalhista, até então suficiente, já não é capaz de responder aos anseios de proteção legal ao trabalhador no qual se fundamentou. Seja pela incapacidade de dar vazão às demandas que lhe são dirigidas, seja pela atuação inadequada às exigências do mercado, a Justiça do Trabalho vem, assim, sendo colocada em xeque.

Essa realidade de crise é facilmente identificável ao se constatar que o Direito do Trabalho clássico já não consegue conter, no figurino das leis restritivas de direitos trabalhistas, a avalanche de acordos informais por cujo intermédio empresas, sindicatos e trabalhadores não sindicalizados têm pactuado em ultrapassar as fronteiras legais ainda vigentes e ignorar os direitos conquistados e firmados em leis. O que parece demonstrar que pelo menos esse ramo do Direito já não oferece um aparelho conceitual e metodológico à altura sequer de conter na legalidade o processo de corrosão da proteção conferida ao trabalhador. Em síntese, o Direito do Trabalho que se consolidou como instrumento de equilíbrio nas relações de trabalho entre empregado e empregador deixou de cumprir efetivamente seu papel social originário.

Concomitantemente, diante da inefetividade de suas ordens jurídico-trabalhistas, alguns Estados – como se verá a seguir, tem reagido por meio da edição de sucessivas normas que só agravam as tensões já existentes, uma vez que não se debruçam sobre a razão real das tensões: a superação de um modelo datado. O fenômeno reconhecido e nomeado como inflação legislativa, longe de solucionar o problema, reduz conquistas consagradas em textos legais a pó, através de um sistema jurídico que, de tanto ampliar seu número de normas e ser tão elástico, torna-se pesado, obscuro, contraditório, ineficaz e impotente, trazendo à tona contradições entre sindicatos, patrões, empregados, governo e mercado de trabalho, o que evidencia a necessidade de uma reformulação legislativa minuciosa e atenta aos novos conflitos e contradições sociais.

Por outro lado, o desemprego estrutural, ou seja, aquele ocasionado não apenas por fatores transitórios de crise econômica, mas um fenômeno de maior duração, produzido por fatores que residem no próprio modelo de reestruturação da economia, que se caracteriza pela crescente incorporação de tecnologias redutoras da necessidade de trabalho humano, terceirização e flexibilização da força de trabalho, progressiva globalização das relações de produção e estratégias muitas vezes equivocadas e mal sucedidas de países periféricos para inserção em um mercado globalizado, força a percepção de que o simples crescimento econômico por si só não é suficiente para produzir uma economia do pleno emprego. É necessário rever as bases que sustentavam essa condição no modelo do Estado-Providência, inclusive e fundamentalmente as bases jurídicas.

Mas para entender melhor essa necessidade de reforma que se apregoa hoje é preciso lembrar que a experiência jurídica que caracterizou o Estado-Providência sob o regime fordista de acumulação – modelo que mais perto chegou da produção do pleno emprego e da cobertura social ao desempregado, baseava-se em um sistema legal e uma cultura jurídica de regulação do mercado por um Estado forte, que fornecia uma ampla cobertura aos necessitados através da seguridade pública e, de certa forma, promovia a organização e atuação dos sindicatos. Em síntese, evidenciava um sistema jurídico de cunho protecionista, promocional, e auto-sustentável através das contribuições fiscais, até chegar ao seu momento de exaustão. Nesse aspecto, percebe-se que a crise é muito mais de um modelo político do que de um modelo jurídico.

Uma retrospectiva histórica aponta que esse sistema não ruiu apenas por seus limites internos, embora a insuficiência de reservas orçamentárias explique em parte as razões de seu esgotamento. Ao lado desses fatores, a globalização econômica em qualquer de suas dimensões, com a respectiva dispersão internacional da tarefa produtiva, a internacionalização dos mercados de insumo, bens e capital, constituiu-se rapidamente numa grave ameaça à competitividade das economias caracterizadas por elevados níveis de remuneração do trabalho, frente àquelas com extensiva oferta de trabalho a preço vil. O processo de mundialização joga, assim, com o “fenômeno das fronteiras”, com aquilo que se pode chamar de pluralidade formal dos direitos do trabalho e com a diversidade substancial dos ordenamentos nacionais.

Essas condições presentes em um contexto de concorrência desigual que apontavam para uma crise política sem precedentes, com reflexos diretos na economia, provocaram o deslocamento da capacidade de formulação, de decisão e de execução de políticas públicas antes radicadas no Estado-Nação, para arenas transnacionais ou supranacionais resultantes da globalização econômica, como o BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e a OMC (Organização Mundial do Comércio), e de seus efeitos sobre o conteúdo e a extensão da soberania. Surgiam assim novos desafios para o Direito do Trabalho, que outrora fundamentado em um espaço limitado do Estado-Nação, não contemplava as novas figuras e contratos de trabalho que emergiam das relações trabalhistas efetivadas em esferas mais amplas do que o Estado-Nação, onde não existe uma coletividade de trabalho, mas diversas coletividades de trabalhadores.

A partir dessa realidade de crise, e procurando explicar as reviravoltas por que passavam as figuras jurídicas tradicionais, seguidores do liberalismo clássico mantiveram a defesa da redução do papel do Estado e, conseqüentemente, da Justiça do Trabalho, como saída para a crise de legitimidade instaurada. Em contrapartida, simpatizantes do protecionismo promocional apostavam na revisão dos direitos trabalhistas e no fortalecimento do papel sindical para contornar o problema. Partindo de perspectivas divergentes, no entanto, ambas correntes que repensavam o Direito do Trabalho admitiam que a legislação trabalhista, construída sob a égide do Estado do Bem Estar Social, precisava ser revista, uma vez que ao invés de dar conta da ‘questão social’, deixava a margem da proteção estatal um número cada vez maior de indivíduos.

Nesse sentido, e na tentativa de se adequar ao quadro geral de mudanças políticas, econômicas e sociais, muitas alterações legislativas foram postas em prática, no curso das últimas décadas, em diferentes países, visando principalmente a contenção do desemprego e o incremento do nível de ocupação. No aspecto geral, tais alterações se caracterizam por reduzir encargos tributários e parafiscais incidentes sobre a remuneração do trabalho, abrandar o caráter de normas legais que regulam a prestação do trabalho sob o vínculo empregatício e regulamentar modalidades atípicas de trabalho, inclusive sem vínculo empregatício, sempre com a justificativa de estimular a abertura de novos postos de ocupação. Apesar disso, a simples crença em que o capital é bom e o governo é mau não constitui uma política econômica alternativa e o aparente triunfo de uma concepção identificada como neoliberal não tem produzido os resultados esperados como demonstram os indicativos apresentados nas tabelas a seguir:

Tabela 1. Desempenho do Mercado associado às Reformas Trabalhistas

                       Taxa de Emprego*         Taxa de Desemprego**      Emprego Parcial***
Países Antes da Reforma Depois da Reforma Antes da Reforma Depois da Reforma Antes da Reforma Depois da Reforma
Alemanha 64.1 64.9 4.8 8.7 10.5 15
Áustria 68.3 68.2 3.9 3.7 8.7 10.8
Bélgica 54.4 58.9 6.7 9 14.1 17.4
Canadá 70.3 70.1 8.1 7.6 15.7 17.8
Dinamarca 75.4 76.5 7.7 5.2 17.9 20.6
Espanha 51.1 53.8 16.3 15.9 4.2 7.9
EUA 72.2 73.9 5.6 4.2 14.4 13.6
Finlândia 74.1 66 3.2 10.3 7 8.5
França 59.9 59.8 9 11.3 12.5 15.5
Holanda 61.1 70.9 6.2 3.3 25.4 29.1
Inglaterra 72.4 71.7 7.1 6.1 21.4 23.1
Itália 53.9 52.5 9 11.4 8.5 12.4
Japão 68.6 68.9 2.1 4.7 16.5 23.2
Portugal 67.5 67.3 4.6 4.5 6.6 7.9
Suécia 83.1 72.9 1.7 7.2 18.5 15.7
Total 65.2 65.1 6.1 6.8 14.1 15.2

* Relação entre o total da ocupação e o total da população em %

** Relação entre o total de empregados e o total da população economicamente ativa em %

*** Relação entre o total do emprego em tempo parcial e o total da ocupação em %

Fonte: OCDE, OIT e FMI, vários anos.

Tabela 2. Desempenho do Mercado associado às Reformas Trabalhistas em Países Latino-Americanos

                       Taxa de Emprego*         Taxa de Desemprego**      Emprego Parcial***
Países Antes da Reforma Depois da Reforma Antes da Reforma Depois da Reforma Antes da Reforma Depois da Reforma
Argentina 50.1 49.6 7.5 14.3 61.9 57.5
Bolívia 51.8 47.5 7.2 7.5 68.5 65.2
Brasil 59.4 52.9 3 9.6 74 67
Chile 62.1 62.4 7.4 9.8 79.9 77.4
Colômbia 54.3 51 10.5 19.4 62.9 67.1
Equador 44.4 41.4 6.1 15.1 55.1 46.6
El Salvador 50.6 46.5 10 8 58.9 56.7
Honduras 52.4 49.3 6.9 5.2 61.9 60.1
México 61.6 59.9 2.8 2.5 58.5 69.9
Nicarágua 51.2 49.1 7.6 15.7 49.8 46.7
Panamá 64 61.1 20 13 58.4 55.2
Paraguai 49.2 45.5 6.6 9.4 47.7 45.2
Peru 48.9 46.1 8.3 8.7 53.6 56
Uruguai 60.9 56.9 9.2 11.8 82.6 79.4
Venezuela 61.4 50.9 11 14.9 70.6 66.4
Total 57.2 53.6 5.7 8.8 66.6 65.9

* Relação entre o total da ocupação e o total da população em %

** Relação entre o total de empregados e o total da população economicamente ativa em %

*** Relação entre o total do emprego em tempo parcial e o total da ocupação em %

Fonte: OCDE, OIT e FMI, vários anos.

A ótica neoliberal de abordagem da crise está centrada na liberalização e flexibilização[5], ou seja, na eliminação do que seus adeptos entendem como ‘imperfeições do mercado de trabalho’, especificamente as leis sobre salário, a proteção contra despedidas arbitrárias, a segurança social e a mobilização sindical, determinando que a natureza tutelar do Direito do Trabalho é o que dificulta a mobilidade geográfica e funcional da mão-de-obra e aumenta o custo do trabalho, bloqueando a modernização do aparelho produtivo e inibindo investimentos. Para esse grupo, a legislação laboral deve ser menos protecionista e burocratizada. A flexibilização pode se dar por intermédio da lei ou da negociação coletiva. A idéia que está por trás desse processo é que haja menos regras legais e mais regras negociadas, pois a negociação possibilita adequar as regras às condições locais/setoriais, bem como permite mudá-las mais agilmente, de acordo com o mercado.

“Não se trata, portanto, de ausência de regras, mas, antes, de passar da regulamentação pelo Estado à regulação pelo mercado, na perspectiva – é forçoso repetir – de reduzir o escopo e o alcance dos direitos.”[6]

Sendo assim, não obstante o êxito dos avanços tecnológicos identificados a partir dos últimos anos, um crescimento econômico modesto e um desemprego crescente motivaram o conjunto das economias de mercado a passarem por um verdadeiro vendaval de reformas trabalhistas. Em maior ou menor medida, tais reformas primaram por buscar livrar o empregador de parte dos mecanismos de proteção do uso, exploração e remuneração da força de trabalho. Partindo dessa ótica, países com maiores avanços sociais e trabalhistas puderam reduzir o que identificavam como gorduras acumuladas, o que não necessariamente reverteu-se em reviravolta ao processo de recrudescimento do mercado, enquanto a maior parte das nações teve que cortar além, comprometendo a trajetória que consagrava proteção e segurança no mercado de trabalho.

“A situação aparentemente paradoxal em que se encontra, no presente, o Direito do Trabalho, resulta precisamente da crescente atipicidade dos vínculos de trabalho por ele induzidos ou tolerados, precisamente com vistas a ampliar os níveis de ocupação. Para além da duvidosa eficácia dessa estratégia de mudanças, o aprofundamento e a ampliação desmedidos dessa linha de ‘flexibilização’ tenderão a trazer, como subproduto, a erosão na eficácia do próprio Direito do Trabalho, quando voltado para a proteção dos vínculos subordinados por prazo indeterminado. Em outras palavras, para que o paciente não venha a perecer pela cura, a natureza terapêutica de tais medidas persistirá na razão da parcimônia em eu emprego”.[7]

Não obstante, observa-se até aqui que há uma aproximação das questões sobre a crise do Direito do Trabalho propagada pelos neoliberais e a regulação em favor do capital. O verdadeiro programa do discurso neoliberal sobre a redução de custos do trabalho como ‘estratégia’ para criação de emprego é a descentralização produtiva e de natureza autônoma; o baratear custos é precarizar empregos e rebaixar salários. Paralelamente, o Direito fica reduzido, assim, à sua especificidade operacional, a um instrumento de manipulação do capital e perde parte da sua capacidade emancipatória. O Direito do Trabalho passa a ser concebido ideologicamente, sobretudo, como um instrumento ao serviço da promoção do emprego e do investimento, como variável da política econômica, mostrando-se dominado e colonizado – quando não obcecado, por considerações de eficiência e uma profunda crise de identidade.

No entanto, sustenta Karl Polanyi, que a dinâmica da sociedade moderna é governada por um duplo movimento: enquanto o mercado se expande, enfrenta-se um contramovimento espontâneo que, mesmo incompatível com a auto-regulação é vital para a proteção da sociedade. De acordo com essa tese, os defensores do neoliberalismo, apesar de exaltarem uma auto-regulação, percebem inclusive pelas experiências do passado que as fraquezas e contradições inerentes ao próprio sistema de mercado auto-regulável é que força em alguma medida uma intervenção sistematizada em forma de leis. “Em várias ocasiões os projetos liberais econômicos defenderam restrições à liberdade do contrato. (…) de um lado, o princípio da associação do trabalho e, do outro, a lei das corporações de negócios. O primeiro refere-se ao direito dos trabalhadores de se associarem com o propósito de elevar seus salários; o último ao direito das corporações de elevar os preços.”[8]

Com base nas contradições e retrocessos que se deram nesse contexto de transição está a grande razão do dilema hoje enfrentado pelo Direito do Trabalho: cobrir o enorme fosso entre o sistema jurídico-positivo e as condições atuais de vida da sociedade sem ocasionar uma falência para o Estado-Nação, sem se limitar às fronteiras do mesmo e tendo em vista as novas demandas e exigências do mercado globalizado e flexibilizado. Os desafios contemporâneos que se impõem ao Direito do Trabalho não se limitam ao objetivo de conter as taxas de desemprego, mas preservar os postos de trabalho ainda ativos, induzir a economia à ampliação de novos postos de trabalho e conferir aos desempregados novas oportunidades de ocupação e renda, ressaltando-se seu papel de instrumento de inclusão social que assumiu em alguns momentos da história.

O declínio do trabalho remunerado, assim como foi evidenciado ao longo desse trabalho, repousa sobre a essência das profundas mudanças que estão em curso, e nenhum outro campo do Direito vive mais intensamente a agonia dessas mudanças. Ao testemunhar intensamente os declínios dos níveis de ocupação, o Direito do Trabalho passa gradualmente a se interrogar sobre as condições de sua própria sobrevivência, o que não é novidade, uma vez que a regulamentação das relações entre capital e trabalho sempre se deu sob contexto de crise. E viver num mundo de induvidoso declínio das oportunidades de ocupação remunerada significa povoar um cenário em que seja iminente refazer temporalidades, reconstruir identidades e revisitar as premissas pelas quais fomos habituados a conferir parâmetros de dignidade à condição humana.

A Experiência Internacional

 Entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a década de 1970, a discussão em torno da política macroeconômica assentou-se sobre a eficiência das medidas fiscais e monetárias comprometidas em garantir o pleno emprego, especialmente nas economias avançadas. A partir dos anos oitenta e noventa, entretanto, a busca por mudanças estruturais para alavancar o crescimento econômico sustentado valorizou a maior confiança nas forças de mercado, associada à desregulação e à luta contra a rigidez do planejamento estatal e das intervenções protetoras no mercado de trabalho. Em síntese, como anteriormente citado, o sistema de relações de trabalho e a construção da regulação em torno dele foram apontados como sendo os principais responsáveis pela crise do padrão de desenvolvimento, sobretudo pela escassez de empregos para todos.

Com a revisão da ideologia política liberal clássica, através da difusão da corrente identificada como neoliberal, a defesa da flexibilidade tornou-se majoritária na maioria dos países identificados com a idéia de globalização econômica e integração dos mercados a um sistema internacional. Apesar dos fatores de homogeneização e sinais de diferenciação, estabeleceram-se cinco grandes blocos temáticos: flexibilidade contratual, com estímulo à maior mobilidade dos trabalhadores; flexibilidade da demissão, concedendo maior liberdade ao empregador para romper o contrato de trabalho; flexibilidade na organização do trabalho, visando métodos mais modernos de uso e remuneração da força de trabalho; flexibilidade salarial, com o objetivo de fazer o custo do trabalho seguir as instabilidades do faturamento das empresas; flexibilidade do tempo de trabalho, associando a alocação das horas de trabalho às oscilações da produção.

Em 2000, o Conselho da União Européia realizou em Lisboa uma reunião com o objetivo de promover, segundo dados do relatório geral, a ocupação, a competitividade das empresas e a coesão social entre os países membros. Foram fixadas metas a serem alcançadas até 2010: taxa de ocupação geral de 70% (estava em torno de 65%), com ampliação de vagas para mulheres e idosos. O ponto central do relatório era a promoção da flexibilização do trabalho produtivo, juntamente com a modernização das garantias e proteção do trabalho e da seguridade social, com o objetivo de promover maior mobilidade no mercado de trabalho e no curso da vida produtiva de cada trabalhador e obter uma adequada qualidade do trabalho frente a outras organizações.

Para o conjunto dos países desenvolvidos, reunidos em torno da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), houve uma significativa adesão aos princípios da flexibilidade. Espanha, Finlândia, Holanda e Portugal produziram reformas em todos os temas de flexibilização apresentados, seguidos de perto pela Bélgica, França e Inglaterra. Mas os resultados das medidas adotadas não apontaram para questões objetivas do ponto de vista do bem estar social. Isto é, o nível de emprego, expresso pela relação entre total dos ocupados e o total da população economicamente ativa não cresceu, segundo dados apresentados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), OCDE e FMI (Fundo Monetário Internacional) na última década. Também não houve redução das taxas de desemprego, como demonstrado nas tabelas 1 e 2.

De modo geral, a OCDE constatou que quase todos os vinte e nove países membros realizaram algum tipo de flexibilização, e, nessas últimas duas décadas pós reforma flexibilizadora, em comparação com o período anterior, não houve alteração no nível ocupacional, mas o desemprego e a precarização aumentaram: a ocupação antes da reforma era de 65,2% e depois dela passou a ser de 65,1%; a taxa de desemprego que antes era de 6,1% aumentou para 6,8%, e a ocupação precária que nos países desenvolvidos era de 14,1% passou para 15,2%. No período de 1983 a 1996 houve larga variação nas taxas de desemprego dos países europeus membros da OCDE, mas um dado relevante é que 30% dos países membros durante estes anos tiveram taxas médias de desemprego mais baixos do que a dos EUA. E aqueles com as taxas mais baixas não sofreram a desregulamentação do mercado de trabalho, como a Áustria e a Noruega.

Síntese da reforma trabalhista por temas em alguns países
Países Contratual Jornada Salarial Organização Demissão
Argentina          X          X          X          X         X
Alemanha          X          X          –          X          –
Bélgica          X          X          X          X          –
Canadá          X          X          –          –          –
Colômbia          –          X          X          –          X
Espanha          X          X          X          X          X
EUA          X          –          X          –          –
Finlândia          X          X          X          X          X
França          X          X          X          X          –
Holanda          X          X          X          X          X
Inglaterra          X          X          X          –          X
Itália          X          –          X          –          –
Portugal          X          X          X          X           X

Fontes: OCDE e OIT/2000

Verifica-se que onde há flexibilização a predominância das alterações legais diz respeito à contratação do trabalhador, especialmente nos países da Europa Ocidental, com opções referentes a contrato a tempo parcial, de interinidade, intermitente, partilhado ou temporário, além das hipóteses de contrato por prazo determinado. Em alguns países foram adotadas medidas flexibilizadoras também quanto à jornada trabalhista, estipulando-se médias semanais ou anuais através do sistema de banco de horas, o que gerou o aumento do poder patronal sobre a fixação de horários de trabalho e uma maior mobilidade do trabalhador, como de fato se pretendia. No entanto, ainda é mantido um certo controle no que se refere às demissões arbitrárias, corroborando com a Convenção 158 da OIT que determina a criação de medidas contrárias às mesmas nos países signatários.

O que também se constata através da análise dos dados é o crescimento sistemático da precarização das condições e das relações de trabalho, reflexo da elevação da participação do emprego em tempo parcial no total da ocupação. Em geral, o emprego parcial não possui proteção trabalhista – ou ela é menos abrangente do que o emprego em tempo integral e por prazo determinado. E essa constatação dos impactos para o conjunto da classe que vive do trabalho não é exclusiva para os países desenvolvidos. Na maior parte dos países da América Latina foi adotada o receituário de reforma trabalhista verificado nas economias desenvolvidas, com resultados similares. A taxa de emprego não cresceu, verificou-se uma elevação na taxa de desemprego e uma redução na cobertura da seguridade social. Segundo dados da OIT de 2001, antes da reforma a taxa de emprego era de 57,2%, passando depois para 53,6%; a taxa de desemprego era de 5,7% e passou a 8,8%, enquanto a taxa de cobertura da previdência social era de 66,6% e caiu para 65,9%.

É necessário reconhecer que, em seus principais aspectos, as reformas nos países europeus não se deram a ponto de devolver ao mercado a tarefa de se auto-regular. Bem ao contrário, por duas de suas diretrizes comuns: reconhecimento da relevância do papel do Estado, como agente interventor no mercado de trabalho, reservando-lhe função regulatória e, em alguns casos, subsidiária e conjugação de políticas flexibilizantes com a atuação dos sindicatos de trabalhadores, conferindo a esses não apenas atribuições de controle como poder negocial autorizativo. Outro aspecto comum reside na tensão entre Direito do Trabalho interno e diretivas de natureza supranacional, evidenciadas na prática do Mercado Comum Europeu. Na realidade, como colocado anteriormente, o modelo neoliberal não reside na simples negação da atuação do Estado, mas numa política de cooperação.

O fato é que os principais eixos de aplicação de uma flexibilização presentes nos países estudados podem ser resumidos no aprofundamento das diferenças entre dispensa individual e coletiva, crescente procedimentalização da dispensa individual com eliminação de estágios prévios, incentivo e ampliação das hipóteses de admissão dos trabalhadores sob formas contratuais atípicas, incentivo fiscal à oferta de novos postos de trabalho, incentivo creditício ao trabalho autônomo, custeio público de trabalho comunitário, ampliação legal da esfera de exercício do poder diretivo, redução gradual da jornada de trabalho, universalização da cobertura previdenciária com redução do valor dos benefícios e incentivo a formação continuada, notadamente com a responsabilização do indivíduo que trabalha pela sua inserção no mercado, através da difusão da idéia de empregabilidade.

O pano de fundo dessas reformas, para mais além do que o simples incentivo à competitividade empresarial, e ao lado do que possa ser dito no que diz respeito à adequação dos sistemas jurídicos internos, às normas supranacionais do sistema de integração europeu, se perpetua sobre um cenário de inquietantes índices de desemprego e do declínio das oportunidades de ocupação remunerada influenciados pela demanda espontânea do mercado. Também é possível ressaltar, considerando as reformas implementadas nestes países, que houve uma pronunciada ampliação do poder empresarial, com a redução dos direitos do empregado, evidenciando um desequilíbrio ainda mais acentuado nas relações e praticamente desmistificando e impedindo uma composição paritária de interesses.

Tomando como exemplo três países europeus: Portugal, Espanha e Itália, é possível pormenorizar alguns detalhes das experiências de reforma. O caso de Portugal é ilustrativo pelas taxas de crescimento e indicadores de modernização capazes de servir de parâmetro para alguma compreensão sobre o verdadeiro papel do desemprego como indutor de mudanças legislativas. Ao lado da flexibilização dos procedimentos de demissão, a introdução da regra de polivalência (flexibilidade funcional) e a redução da jornada de 44 horas para 40 horas semanais fazem parte das introduções legislativas mais inovadoras no âmbito da estrutura jurídica trabalhista portuguesa, que sempre apresentou um elevado nível de rigidez e regulação legal do trabalho subordinado. Essas mudanças foram introduzidas no início dos anos oitenta, quando o fenômeno do desemprego começou a inquietar as autoridades públicas, mas não alteraram os índices de ocupação.

O recente comportamento da economia espanhola, que consiste em ser uma economia em crescente expansão associada à persistência da maior taxa de desemprego da União Européia, foi o principal provocador de uma ampla reforma da legislação trabalhista, no início dos anos oitenta, caracterizada pela tentativa de flexibilizar a regulamentação do trabalho subordinado de modo a tornar mais atraente a abertura de novos postos de trabalho.  A reforma espanhola pode ser sintetizada pela constituição de um pacto de concertação social, com a ascensão de um regime socialista que implantou mudanças com a finalidade de sanear as finanças públicas e promover a modernização industrial. As medidas flexibilizadoras trouxeram como resposta uma taxa de 34% de contratação temporária, acentuando a precarização das relações trabalhistas e forçando o governo, em 2006 a editar o Real Decreto n. 5, estimulando a contratação por prazo indeterminado e à conversão de contratos temporários em contratos por tempo indefinido.

Já a Itália, por ser um país de forte tradição sindical, de robusta e influente produção no campo do Direito do Trabalho e tido como de grande generosidade no campo dos benefícios sociais, também merece uma atenção especial. Mesmo contando com taxas de desemprego contidas e uma forte rigidez econômica logo no início do processo, tem se tornado palco de um amplo debate com vistas à redução dos benefícios sociais, assim como do aprofundamento de medidas flexibilizadoras de direitos trabalhistas, até como contra-partida dos compromissos de austeridade fiscal assumidos em torno da agenda de introdução da moeda única. Dessa forma, constituiu um instituto semelhante ao contrato de trabalho temporário brasileiro, ampliou as possibilidades de contrato de trabalho e abrandou as sanções decorrentes da sua inobservância, facilitando a terceirização e a fragilização do vínculo entre capital e trabalho.

É importante frisar que os três países indicados acima apresentam em comum a circunstância de terem introduzido mudanças jurídicas relativamente recentes, de grande impacto sobre os marcos anteriores da disciplina legal do trabalho subordinado, bem como o fato de terem sido tais mudanças introduzidas sobre o argumento da promoção da ocupação e do combate ao desemprego. Uma realidade que tem se evidenciado cada vez mais comum. Já na América Latina adota-se o que Süssekind[9] chama de ‘flexibilização selvagem’, que é a revogação ou modificação de algumas normas legais de proteção ao trabalhador e ampliação das alternativas para reduzir condições de trabalho, seja por meio de contratos coletivos ou por atos unilaterais do empregador, em países que já apresentavam dados de precarização e informalidade preocupantes.

E enquanto na Europa foram comuns casos de legislação negociada, que reunindo o conveniado em pactos sociais ou acordos padrão, acabaram modelando negócios bilaterais ou sinalagmáticos, em que a perda dos trabalhadores implicou em uma compensação por parte dos empregadores ou mesmo do Estado, na América Latina foi possível ocorrer acordos nos quais os trabalhadores cederam direitos na expectativa de uma melhora do mercado, sem pactuar nenhuma espécie de mecanismo compensatório. Ainda sobre a América Latina, é importante ressaltar que todas as demandas flexibilizadoras se concentraram na modificação de normas e institutos do direito individual do trabalho, e muito pouco para a flexibilização da tradicionalmente rígida e castradora legislação sobre liberdade sindical, negociação coletiva, greve e participação política.

Atenta às conjunturas econômicas, a OIT vem analisando os efeitos de tais reformas em diferentes países da América Latina, incluindo Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Venezuela e Brasil, entre outros. O que se constata, mais uma vez, é que as principais mudanças se referem ao regime do contrato de trabalho, especialmente no que diz respeito à contratação e ao término da relação de trabalho. Em 1999, analisando especificamente a Argentina, o Chile, a Colômbia e o Peru, percebeu que a pretendida diminuição do custo do trabalho está, nesses países, associada à perda de proteção. Verificou, ainda, que o trabalhador temporário custa em média 34% menos que o contratado por tempo indeterminado, enquanto que o trabalhador sem registro representa um custo de 15% a 30% menor do que o do trabalhador temporário, não só pela perda de proteção, que gera menos contribuições do empregador, mas principalmente pelos níveis de salário inferiores.

No Chile, conforme o estudo apresentado pelo Escritório Regional para as Américas da OIT, a experiência da flexibilização impôs um novo cenário, com redução da carga tutelar da regulação, forte acentuação da autonomia privada individual e restrições à autonomia coletiva. Porém, já em 1990, tiveram início as modificações que tentaram readequar o processo de flexibilização iniciado no regime militar e combater o desemprego persistente que só aumentou após a reforma de 1979. Tais mudanças tiveram por objetivo outorgar aos trabalhadores condições adequadas de estabilidade, especialmente quanto às causas de despedida justificada. Por outro lado, os empregadores passaram a privilegiar por política interna a contratação de duração indefinida, sustentando que o trabalhador não permanente não se sente comprometido com a empresa.

Já na Argentina o processo de reforma, iniciado em 1991, teve como conseqüência o aumento do desemprego, que atingia cerca de 20% da população, e da contratação precária, que chegou a 85% anuais. O contrato de duração determinada (CDD) deixou de ser uma excepcionalidade para se tornar preferência por meio de incentivos estatais. As reformas de 1995 complementaram o dispositivo flexível com novas modalidades de CDD e eliminação de registros no início da contratação para as pequenas empresas. Dessa forma, ao analisar o mercado de trabalho argentino deve-se atentar não só para as taxas de desemprego, mas para as formas de precarização ocultas sob a cobertura dos novos contratos. Todavia, o resultado não foi o esperado e em 1998, as novas formas de contratação foram eliminadas e a lei 25.250, de 2000, utilizou a extensão parcial do pagamento de contribuições como incentivo à contratação indefinida, nos moldes do que ocorreu na Espanha.

Porém, a experiência mais paradigmática de desregulamentação imposta pelos países latinos na década de 90 talvez tenha sido a verificada no Peru. Após o Congresso outorgar faculdades ao Poder Executivo para baixar normas para fomento da ocupação, o governo baixou cerca de cem decretos legislativos que habilitaram formas atípicas de contratação precária, modificaram normas sobre a estabilidade no emprego e sobre a gestão, participação nos lucros e prosperidade das empresas, proibiu cláusulas de reajuste salarial nas convenções coletivas e derrogou toda a legislação trabalhista nas zonas francas e nas ‘zonas especiais de desenvolvimento’. “Esse processo de desregulamentação imposta pode ser considerado paradigmático pela profundidade das reformas, por se tratar de uma imposição legislativa unilateral de desmelhoramento e por se consolidar no contexto de uma ruptura constitucional e da dissolução do Tribunal de Garantias Constitucionais”.[10]

Apesar das peculiaridades de cada processo, no que se refere à ampliação dos postos de trabalho, a OIT observou que o aumento se deu correlacionado com a precarização em todos os ramos de atividade, em especial no comércio e no setor de serviços. Ou seja, não há aumento de postos de trabalho, há aumento de postos de trabalho precário. No Chile, por exemplo, observou-se que a metade da mão-de-obra contratada pelas grandes empresas está submetida a subcontratações. Uma realidade de risco, que permite situações como a flagrada no Peru, onde 90% das empresas subcontratadas para proverem mão-de-obra não pagam a seus empregados os benefícios laborais estabelecidos em lei. O que reforça a constatação inicial de que as reformas como vêm se evidenciando acontecem em favor do capital, e em pouco ou nada favorecem os que vivem do trabalho.

Dados como estes demonstram a falibilidade da política neoliberal sobre a flexibilidade da regulamentação laboral como incentivo ao emprego e o desenvolvimento social. Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, onde essas teses têm maior aceitação, é onde se apresenta a mais alta percentagem de pessoas pobres de todo o primeiro mundo. Em 1960, 18% das famílias norte-americanas viviam abaixo da linha da pobreza. Durante os dez anos seguintes, a economia dos EUA exibiu a maior e mais forte expansão que o país já havia tido, e em conseqüência, em 1973 o número de pobres já havia baixado para 9%. Porém, duas grandes ondas de crescimento, a primeira de 1983 a 1989 e a segunda de 1992 a 1993 não conseguiram alterar essa realidade. Aliás, “para espanto geral, pela primeira vez na história contemporânea americana a expansão econômica esteve associada com o crescimento do número absoluto de pobres”[11].

Nessa mesma linha de raciocínio, os principais argumentos dos defensores da flexibilização se reportam à preservação do emprego e diminuição do desemprego, através da redução do custo da mão-de-obra, já que viabilizaria, teoricamente, a participação dos produtos e serviços nacionais no comércio mundial, bem como a atração de investimentos estrangeiros, não convencem. Quanto à inserção no mercado globalizado, percebe-se claramente o efeito nefasto da internacionalização dessa mão-de-obra barata sem o controle e fiscalização adequada, com a disseminação de empresas de fachada e realidades que beiram a escravidão. A ONU, por sua vez, solicitou através de uma pesquisa aberta que investidores classificassem de 0 a 5 as principais razões para o investimento externo e o resultado apontou que o ‘crescimento do mercado’ (que recebeu a nota 4,2) é muito mais relevante do que a ‘ausência de protecionismo’ (que recebeu a nota 2,2).

Até mesmo o argumento da redução de custo pela redução das garantias legais não é irrefutável. Em geral, o que se percebe é que a regulação do mercado de trabalho pautada por um grau de proteção ao trabalhador afeta muito pouco o custo total da produção e menos ainda o preço da venda de um produto. Na indústria manufatureira, o custo do trabalho é ínfimo como porcentual do custo total de produção e menor ainda como porcentual de preço de venda. Em média, nos países latino-americanos, o custo do trabalho tenderia a situar-se em volta dos 10% do custo da produção. De fato, o relatório da OCDE de junho de 1999, sobre as perspectivas do emprego, sustenta que o rigor da regulamentação do trabalho tem pouca ou nenhuma incidência sobre o nível global do emprego, que a flexibilidade teria contribuído para deteriorar a qualidade do emprego restante e que a alta proteção diminui a rotatividade.

Até hoje os defensores do modelo de flexibilização pautada na desregulamentação não conseguiram demonstrar uma relação causal entre o nível de proteção do emprego e as taxas de desemprego. A negação da efetiva geração de empregos após o fenômeno flexibilizador/desregulamentador dos diversos países que o adotaram demonstra que a utilização de determinada ideologia como fundamento mascara, na verdade, a incapacidade dos sistemas econômicos em criar ou manter emprego. O elemento de maior significância na trama da flexibilidade tem sido a mobilidade do trabalhador, permitindo ao empregador se acomodar as mudanças de mercado sem se preocupar com as garantias do empregado. E essa forma de aquisição de trabalho representa um processo que alimenta a vulnerabilidade social e produz ao final do percurso o desemprego e a desfiliação.

A Experiência Brasileira

 Desde o final dos anos oitenta está em curso o debate sobre a reforma do sistema brasileiro de relações de trabalho. Esse debate ganhou força, porém, ao longo da última década do século XX, quando se evidenciou com maior clareza a existência de diferentes posições sobre o tema e tiveram lugar as primeiras iniciativas governamentais de mudança da legislação trabalhista. Se a idéia da reforma do sistema corporativo foi inicialmente impulsionada pelos setores mais dinâmicos do movimento sindical, preocupados em oferecer uma alternativa que fortalecesse o papel dos sindicatos na regulação do mercado de trabalho, a partir de meados dos anos noventa ganharam importância as teses favoráveis à desregulamentação e flexibilização das garantias sindicais e dos direitos sociais, defendidas sobretudo pelas entidades empresariais do país, que se fundamentavam no ideário construído pelo Consenso de Washington.[12]

Paradoxalmente, foi logo em seguida à Constituição de 1988 (um dos pontos altos de afirmação do Direito do Trabalho no Brasil), que os governos brasileiros passaram a extremar a estratégia de desregulamentação e flexibilização. O reconhecimento constitucional da autonomia coletiva e da negociação coletiva como fonte do Direito do Trabalho foi o ápice de um processo de proeminência do sindicalismo no país, que possibilitou que temas como a irredutibilidade salarial e a jornada de trabalho fossem objetos de negociação. Porém, a lei se projeta para o futuro, e a assimilação desses preceitos acabou se dando em um novo contexto, mais favorável às possibilidades de flexibilização. Assim, o primeiro governo eleito constituiu comissão para estudar a substituição da CLT, destituída pela deposição do Presidente da República, o curto governo subseqüente (1992-1994) foi responsável pela Lei das Cooperativas, e o governo seguinte (1995-2002) conduziu as maiores mudanças nesse sentido.

As pressões apontavam que a legislação trabalhista e social construída no Brasil entre 1931 e 1943, sobre o estado varguista, destinada a impulsionar a industrialização, passava a ser um obstáculo ao emprego da força do trabalho e à livre acumulação flexível do capital. Considerando a fase mais recente do capitalismo brasileiro, a partir da década de noventa, percebe-se uma transição do modelo anterior para um modelo mais subordinado à competição internacional, enquanto que a legislação trabalhista vigente permanecia atada ao compromisso de manter o controle estatal sobre o conflito trabalhista, mantendo um sistema corporativo, paternalista, burocrático e muitas vezes imposto de cima para baixo, com claras restrições a autonomia coletiva. Modelo que parecia não dar conta da explosão da flexibilização no mercado de trabalho globalizado.

“Entre 1991 e 2000 o número de trabalhadores com carteira assinada diminuiu em 4% no Brasil, enquanto o número dos trabalhadores sem carteira cresceu em 45% e o número dos trabalhadores por conta própria cresceu 68%. Esse processo levou o setor informal a representar cerca de 56% da mão-de-obra metropolitana brasileira em 2000”. [13]

É importante ressaltar que o crescimento do trabalho por conta própria nos últimos anos está ligado diretamente ao racionamento dos empregos assalariados e a disseminação da expectativa de ganhos maiores que aqueles recebidos pelos assalariados de baixa qualificação, com uma expansão significativa das atividades no setor de serviços. O Brasil já apresentava historicamente uma contínua resistência à generalização do vínculo empregatício como padrão de contratação da força de trabalho, e em conexão com essa característica, grande parte do avanço desregulamentador e flexibilizador da ordem jurídica trabalhista se concretizou nas últimas décadas independentemente de autorização legal.  Sendo exatamente o que se passou com a terceirização trabalhista, que se generalizou no mercado sem previsão legal que alterasse o modelo inicial previsto na Lei 6.019/74, que regula o trabalho temporário realizado por empresas de intermediação.

Nesse contexto, o Poder Executivo procurou conduzir o processo de mudança na legislação sindical por meio do envio ao Congresso Nacional de Projetos de lei que visavam o controle e a descentralização dos sindicatos, contudo, os processos de liberalização comercial, privatização e desregulamentação foram temporariamente adiados pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo, e perderam seu ímpeto durante o governo interino de Itamar Franco. No âmbito das relações de trabalho, isso se refletiu no esvaziamento dos projetos em tramitação no Poder Legislativo e no fortalecimento momentâneo do debate entre os atores sociais envolvidos com o tema da reforma trabalhista, a partir da realização do Fórum Nacional de debates sobre Contrato Coletivo e Relações de Trabalho no Brasil[14].

Este é o panorama geral que culminou na proposta de mudança da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) elaborada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Essa proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados em dezembro de 2001 e no início de 2002 teve sua votação adiada no Senado Federal. O fato é que a CLT passou a ser encarada como uma regulação ambígua, pelo seu caráter originariamente corporativista, mantenedor de uma estrutura sindical vertical viciada, onde se dizia haver pouca autonomia para a negociação, já que a Justiça do Trabalho estava definida como um órgão fiscalizador com poder normativo, processando, julgando e deliberando sobre os problemas individuais e coletivos do trabalho. Apesar dos argumentos difundidos apontarem para a necessidade de alterar a legislação como um todo, o governo, em seus dois mandatos, privilegiou a reforma trabalhista, deixando a reforma sindical em segundo plano.

No Brasil, não houve, uma grande lei de flexibilização que marcasse notadamente uma reforma formal, mas muitas medidas concretas. Mesmo não tendo promovido uma reforma ampla no sistema corporativo, foi na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso que o governo passou a adotar uma série de iniciativas pontuais de alteração da legislação trabalhista, recorrendo, inclusive, a medidas provisórias, decretos e portarias. Tais medidas evidenciaram uma tendência à desregulamentação dos direitos sociais e à ampliação do grau de flexibilidade do sistema de relações de trabalho brasileiro, que, apesar da existência de uma legislação extensa e detalhada, sempre foi relativamente flexível, particularmente no que diz respeito às condições de contratação e demissão e à mobilidade funcional do trabalhador na empresa.

Ainda nos mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, ao longo do período de 1995 a 1998 é possível identificar dois momentos. O primeiro esteve diretamente associado à consolidação do Plano Real e tratava de subordinar as questões trabalhistas à meta da estabilização econômica. O segundo momento corresponde ao último ano do primeiro mandato, quando passaram a ser adotadas algumas medidas de enfrentamento do desemprego. Em ambos, o sentido da ação governamental era nítido: a ampliação do grau de flexibilidade do mercado de trabalho, seja para desestimular demissões e estimular novas contratações, seja para reduzir pressões de custos resultantes dos encargos sociais, seja para atender as exigências das agências internacionais como BIRD E FMI, e assim adequar a situação das empresas brasileiras às novas condições de concorrência interna e externa.

As políticas desenvolvidas na primeira parte do mandato reduziam a arena de atuação dos sindicatos e permitiram a utilização das reformas trabalhistas pela utilização do recurso da negociação coletiva, com a ampliação da abrangência e da capacidade normativa das convenções e acordos coletivos. Com a debilitação do sindicalismo e da autonomia coletiva, o governo pretendia redirecionar a agenda sindical, habilitando e outorgando à autonomia coletiva capacidade normativa para flexibilizar leis trabalhistas. “Fragilizada em sua capacidade social ordenadora, a autonomia coletiva em sua dimensão de autonormação seria prestigiada na reforma trabalhista brasileira, que entre 1998 e 2000 introduziu a possibilidade de flexibilização negociada para o amplo estabelecimento de contratos de trabalho temporários, de banco de horas, de trabalho em tempo parcial, de suspensão temporária do contrato de trabalho e para a criação de mecanismos de conciliação de litígios com o objetivo de reduzir os custos empresariais com as demandas judiciais”.[15]

Já no governo Lula, foram reforçadas as possibilidades de contratação flexível através de medidas como a Lei 10.748/03, que instituiu o Primeiro Emprego. Essa lei permitiu um contrato de duração determinada de, no mínimo, 12 meses, para jovens entre 16 e 24 anos (parcela da PEA em que o desemprego é mais elevado). A despeito das vantagens oferecidas ao empregador, que receberia R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) anuais por jovem contratado, a adesão foi reduzida. Outra medida na mesma linha foi a Lei Complementar 128/08, que regularizou a contratação de prestadores de serviços na condição de empresas constituídas por uma única pessoa. Essa modalidade de contratação tornou legal o que era uma forma de burlar direitos trabalhistas, pois possibilitou a dissimulação da existência de vínculo empregatício. Assim, além de isentar-se do pagamento das verbas decorrentes do vínculo, como férias e FGTS, o empregador transferiu ao trabalhador pessoa jurídica a responsabilidade de recolher os impostos e contribuir para a previdência.

Também houve conseqüências trabalhistas com a publicação da Emenda Constitucional 45/2004, que trata da reforma do Judiciário, nesse processo. Aparentemente considerada um avanço, no sentido de ampliar a competência da Justiça do Trabalho para tratar de conflitos oriundos de qualquer relação de trabalho, e não mais só de situações onde se caracteriza o vínculo empregatício, de fato a medida pouco alterou a realidade dos trabalhadores que não possuem um contrato formal, uma vez que os direitos especificados na CLT continuam a atender apenas a relação de emprego. Além disso, a emenda limitou o poder normativo da Justiça do Trabalho, condicionando o ajuizamento de dissídios coletivos de natureza econômica ao comum acordo entre as partes, em um momento de fragilidade do movimento sindical, o que acabou por dificultar soluções mais ágeis e equilibradas entre as categorias em conflito.

Por fim, ainda no governo Lula, foi aprovada uma proposta de mudança tributária destinada às micro e pequenas empresas (o Super Simples), que permitiu a flexibilização no pagamento de direitos trabalhistas, dispensando as empresas enquadradas da fixação de quadro de avisos e da anotação das férias em seus livros de registro, o que impediu a verificação do cumprimento dos direitos e estabeleceu a fiscalização com caráter orientador, sendo necessário haver reincidência para o registro de infração. Longe de promover a reversão do processo, a transição para um governo de viés mais social (pelo menos ideologicamente), manteve a flexibilização trabalhista, ainda que em ritmo menor. E hoje, diante de uma crise de legitimidade provocada pela sucessão presidencial em caráter extraordinário, após o impeachment de Dilma Roussef e a ocupação do cargo por seu vice, Michel Temer, a proposta de flexibilização das garantias trabalhistas ressurge – uma clara confirmação de que as regras e instituições se configuram de acordo com as oportunidades que determinados grupos encontram para defender seus interesses ao longo da história.

[1]  Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense, advogada atuante na área de Direito Social e professora universitária do Ibmec e da UniLaSalle.

[2] Para entender melhor esses aspectos, ver DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego. São Paulo: Ltr, 2008.

[3] FREITAS JR., Antônio Rodrigues de. Direito do Trabalho na Era do Desemprego. São Paulo: LTr, 1999, p. 13.

[4]  SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. Porto: Edições Afrontamento, 2002, p. 149.

[5] No âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilização pode ser definida como a eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a ressalva de que o Direito do Trabalho sempre foi flexível ao admitir normas heterônomas ou autônomas, coletivas ou individuais, mais favoráveis ao trabalhador, por isso o que se define hoje como flexibilidade seria “in pejus”.

[6]  HYMAN, Richard. As Relações Industriais na Europa: crise ou reconstrução. Londres: Macmillan, 1998.

[7]  FREITAS JR., Antônio Rodrigues de. Direito do Trabalho na Era do Desemprego. São Paulo: LTr, 1999, p. 158.

[8] POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 191.

[9] Süssekind, Arnaldo. Conferência de Abertura do Fórum Internacional. In: Anais do Fórum Internacional de Flexibilização no Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2003.

[10] URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: Ltr, 2002, p. 33.

[11] DUPAS, Gilberto. Economia Global e Exclusão Social. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 136.

[12] A expressão Consenso de Washington foi criada por John Williamson em 1990, originalmente para significar o mínimo denominador comum de recomendações de políticas econômicas que estavam sendo cogitadas pelas instituições financeiras baseadas em Washington e que deveriam ser aplicadas nos países da América Latina.

[13]  DUPAS, G. Economia Global e Exclusão Social.  São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 148.

[14]  Esse Fórum, realizado em 1993, foi promovido pelo Ministério do Trabalho, à época do então Ministro Walter Barelli, tendo sido composto por 11 representantes das entidades empresariais, 11 trabalhadores e 11 representantes das instituições ligadas à área trabalhista. No entanto, o aparente consenso na necessidade de reformulação do sistema trabalhista não teve efeitos práticos.

[15] SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Relações Coletivas de Trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 309.

Palavras Chaves

Flexibilização; Precarização; Trabalhador.