REMÉDIO AMARGO? A EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016 E O INVESTIMENTO PÚBLICO EM INFRAESTRUTURA: UMA VISÃO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Artigo

REMÉDIO AMARGO?

A EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016 E O INVESTIMENTO PÚBLICO EM INFRAESTRUTURA: UMA VISÃO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Alexandre Costeira Frazão[1] 

 

Introdução

“ain’t got a fever, got a permanent disease
And it’ll take more than a doctor to prescribe a remedy

(…)

bad medicine is what I need, whoa
Shake it up just like bad medicine
There ain’t no doctor that can cure my disease”

(Bon Jovi)

                        

Entre 2014 e 2017 o Brasil atravessou a maior recessão econômica da sua história, com uma retração do Produto Interno Bruto da ordem de 8% no período compreendido entre 2015 e 2016.

          Ao mesmo tempo que a recessão deprimia a economia brasileira, a deflagração de uma crise política culminou num processo de impeachment, que levou a deposição da então Presidente da República.

         Aprovada pelo Congresso Nacional neste contexto, meses após a conclusão do processo de impeachment, a EC 95/2016, conhecida como “Emenda do Teto dos Gastos”, despertou críticas furiosas ao mesmo tempo que foi bem recebida pelo mercado financeiro e por economistas de tendência mais liberal.

Neste sentido, a histórica dependência que a infraestrutura tem do financiamento público permite questionar qual foi o impacto da EC 95/2016 neste setor, eis que, em tese, a imposição de limites ao crescimento da despesa pública limita o investimento em infraestrutura.

A Análise Econômica do Direito (“AED”) é o método desenvolvido nos EUA que se utiliza de ferramentas da ciência econômica para analisar como as leis, as decisões do Poder Judiciário e/ou as políticas públicas impactam no comportamento dos diversos agentes econômicos.

O presente trabalho pretende utilizar o método da AED para demonstrar se a EC 95/2016 impactou realmente no investimento público na infraestrutura e se esta teve como externalidade positiva se tornar incentivo adequado para o investimento privado na infraestrutura.

 Para tanto, examinaremos as razões que levaram à promulgação da EC 95/2016, a seguir demonstraremos como o Brasil sempre dependeu do financiamento público para construir e manter a sua infraestrutura e discutiremos brevemente sobre um dos mais recentes mecanismos instituídos para mitigar tal dependência, qual seja, as denominadas debêntures incentivadas.

A seguir apresentaremos, em linhas gerais, as ferramentas utilizadas pela AED para a análise de leis, decisões judiciais e políticas públicas, com foco na análise de custo benefício, para demonstrar, os possíveis impactos que a EC 95/2016 teve no financiamento público da infraestrutura e se esta possível limitação do investimento público pode servir de incentivo adequado para fomentar o investimento privado nesta área.

 As razões para a promulgação da EC 95/2016

 A crise econômica global de 2008 teve diferentes impactos nas economias da América Latina.

Na fase inicial da crise, o seu sólido sistema bancário e o grande mercado interno permitiram que os impactos da crise não fossem tão duros no Brasil. Adicionalmente o Governo Federal injetou mais de 110 bilhões de dólares na economia, com o objetivo de a manter o consumo e de fomentar setores de infraestrutura, através do Programa de Aceleração do Crescimento (“PAC”)[2].

Após a fase mais crítica da crise internacional as denominadas políticas anticíclicas[3]  não foram reduzidas e o Governo Federal permaneceu injetando dinheiro público na economia, com a justificativa de sustentar o investimento e o consumo.

A partir de 2011, com a manutenção desta política batizada de Nova Matriz Econômica, os esforços para a consecução de superávits primários arrefeceram até culminarem em déficits consecutivos, a partir de 2014.

Ao mesmo tempo que o déficit primário do Governo Federal se aprofundava a assunção de obrigações pela União elevou a dívida pública para um patamar próximo aos 70% do PIB.

Entre 2008-2015, a despesa do Governo Federal aumentou 51% acima da inflação enquanto a receita se elevou em apenas 14,5%[4].

A explosão da despesa pública, incluindo a assunção de obrigações futuras pela União, se configurou em fator de instabilidade macroeconômica, acarretando à economia as consequências desta instabilidade como: juros altos; retração do consumo, do crédito e do investimento; diminuição da produção, desemprego; e redução da arrecadação de tributos.

Assim, o rompimento do ciclo de expansão das despesas do Governo Federal se mostrava essencial para a superação da recessão, então vivida pelo Brasil.

A opção do Governo Federal para conter a expansão da despesa pública foi estabelecer um limite para o crescimento das suas despesas primárias totais. Segundo o próprio Governo Federal, esta opção eliminaria a tendência de crescimento real do gasto público, sem impedir que se altere a sua composição, preservando as políticas de caráter social e ao mesmo tempo permitindo a redução dos juros e, a partir disso, que se inicie um novo ciclo de crescimento econômico[5].

Com base nestas premissas, o Poder Executivo propôs a emenda constitucional que viria a ser a EC  95/16, que acrescentou os Arts. 106 a 114 nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (“ADCT”) e limitou o crescimento das despesas primárias do Poder Executivo da União, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, da Justiça do Trabalho, da Justiça Federal, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito do Poder Judiciário; do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, no âmbito do Poder Legislativo; do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público; e da Defensoria Pública da União, nos mesmos patamares do orçamento anterior, corrigido pela variação da inflação, medida pelo índice IPCA do IBGE.

  1. A dependência do financiamento público da infraestrutura e uma tentativa de mitigação: as Debêntures Incentivadas.

 Historicamente, o financiamento de projetos de infraestrutura no Brasil é atribuição do Estado, que por meio de bancos públicos ou do seu próprio orçamento sempre financiou e durante um bom tempo, operou a infraestrutura nacional. À iniciativa privada cabia somente executar obras.

Diante deste contexto de absoluta preponderância estatal o mercado para o financiamento privado da infraestrutura pouco se desenvolveu no Brasil.

De fato, a própria expressão infraestrutura é recente, até o fim do século XX  o  termo utilizado era obra pública.

Mais que uma mudança meramente semântica, o conceito de infraestrutura é mais abrangente que o de obra pública. Infraestrutura se refere tanto às instalações físicas quanto aos serviços e demais elementos imateriais necessários para o funcionamento de uma dada organização[6].

Infraestrutura pressupõe ainda a conexão com uma rede ou a própria rede.  Estas duas ideias estão tão umbilicalmente ligadas que é redundante utilizar a expressão “infraestrutura de rede”.

Toda infraestrutura é uma rede ou se encontra conectada a uma[7].

A evolução do conceito de obra pública para infraestrutura acarretou uma profunda modificação na forma como estas são construídas, operadas e, sobretudo, financiadas.

Com efeito, a necessidade de integração de elementos imateriais, que vão desde os serviços básicos até complexos sistemas de tecnologia da informação e de interligação de rede, tornaram as contratações públicas para construção de qualquer infraestrutura mais complexas e mais caras.

Além do aumento da complexidade das contratações, a partir dos anos 1990 as medidas de estabilização financeira e de controle inflacionário levada à cabo pelo Governo Federal esgotaram a capacidade de financiamento estatal e desnudaram a necessidade de se buscar na iniciativa privada os recursos para o financiamento e a capacidade operacional para a implantação e a manutenção da infraestrutura que o Estado não podia mais prover. A era do Estado empresário que entre 1930 e 1970 proporcionou um desenvolvimento econômico notável ao Brasil havia chegado ao fim.

Neste diapasão foram promulgadas as Lei Federais no 8.987/1995 e 9.074/1995 que regulamenta o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, nos termos do artigo 175 da Constituição da República (“CRFB/88”); e, estabelece normas para a outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos, respectivamente.

Em 2004 tais diplomas foram complementados pela Lei Federal nº 11.079/2004, que estabeleceu as Parcerias Público- Privadas (“PPP’s”).

A partir destes marcos legais a participação do Estado na operação da infraestrutura foi reduzida. Contudo tais diplomas legais não trataram adequadamente do financiamento das concessões de serviços públicos,

A Lei nº 8987/95 se limita a autorizar a cessão de direitos emergentes da concessão como garantia dos contratos de financiamento firmados pela concessionária e autoriza, ainda, a cessão fiduciária de parcela de seus créditos operacionais futuros, observadas determinadas condições.

Além do dispositivo da Lei nº 8.987/1995, nenhuma outra lei trata do financiamento da infraestrutura e é positivo que não o façam.

De qualquer modo, desde o estabelecimento das concessões de serviços públicos em 1995, o Estado permanece como ator principal no seu financiamento, seja por meio de recursos orçamentários, financiamentos de bancos públicos ou aqueles tomados de agências internacionais de investimento (e.g. Banco Mundial e BID), garantidos pelo Tesouro.

O esgotamento da capacidade do Estado brasileiro de financiar a construção, manutenção e a ampliação da infraestrutura nacional e a não ocupação deste espação pelo mercado financeiro privado em níveis satisfatórios levou à degradação da infraestrutura do país.

O   investimento em infraestrutura no Brasil corresponde a pouco mais de 2% do PIB, montante estagnado há pelo menos 20 anos. Somente para compensar a depreciação da sua infraestrutura o volume de investimentos em infraestrutura deveria ser em torno de 3% do PIB e para que o Brasil se aproximasse dos demais países emergentes de nível de desenvolvimento sócio econômico semelhante ao seu, o investimento requerido é de adicionais 2 a 4% do PIB.[8]

Em 2011 foi editada a Lei nº 12.431/2011, que estabeleceu a isenção de imposto de renda para o investimento em debêntures emitidas por pessoas jurídicas ou fundos de investimento que aplicassem os recursos captados em projetos de infraestrutura e/ou de inovação, pesquisa e desenvolvimento.

Denominadas de Debêntures Incentivadas ou Debêntures de Infraestrutura, este instrumento se mostrou eficaz em captar financiamento por meio do mercado de capitas.

Criada poucos anos antes do Brasil mergulhar na grave recessão de 2015-2017, tais títulos foram capazes de atrair os investidores. Entre 2012 e outubro de 2018 já foram captados mais de 56 bilhões de reais no mercado de capitas através das debêntures incentivadas, sendo que destes, mais de 48 bilhões foram captados para a área de infraestrutura.[9]

As Debêntures Incentivadas vem se mostrando um importante instrumento para o financiamento de projetos por meio do mercado de capitais. Apesar de comum em países com economias mais avançadas, no Brasil tal modalidade nunca foi disseminada, apesar do menor custo de capital.

Não obstante, o sucesso das Debêntures Incentivadas, o seu papel dos títulos deste tipo e do mercado de capitas no financiamento da infraestrutura será sempre complementar, o papel principal caberá sempre ao mercado financeiro, i.e. aos bancos, que no Brasil possuem capital e porte suficiente para se tornarem os grandes financiadores da infraestrutura nacional.

  1. Análise Econômica do Direito: análise de custo-benefício

 A AED se desenvolve a partir do artigo de Ronald Coase, no qual o autor norte-americano discute a responsabilidade por danos causados a terceiros no curso do desenvolvimento de atividades econômicas. Coase traz para o direito o conceito econômico de externalidades demonstrando a natureza recíproca da atribuição de responsabilidade civil:

Segundo Coase[10]:

Se A inflige um dano a B, o que se decide é como se pode restringir A? Contudo, isto está errado. Estamos lidando com um problema de natureza recíproca. Para evitar que B sofra danos, se impõe danos à A. A verdadeira questão a ser decidida é: deve A ser autorizado a infligir danos a B? Ou a B deve ser permitido infligir danos a A. O problema em questão é evitar o dano mais grave.

Coase demonstra que na elaboração e na análise das regras jurídicas as escolhas feitas pelo legislador ou pelos tribunais podem acarretar em consequências não previstas e, no fim, reduzir o bem-estar do destinatário da própria regra. A AED traz para o direito uma análise não absoluta das normas jurídicas. A sua utilização é útil para descobrir os impactos gerados pelo ordenamento jurídico na distribuição de direitos e seus respectivos custos. Em poucas palavras: a AED traz para o Direito e ideia de escassez e de eficiência, dois conceitos caros à ciência econômica[11].

Um dos instrumentos da AED para auferir o impacto econômico do Direito é a análise de custo benefício, muito utilizado para se auferir a eficiência das políticas públicas.

A ideia que subjaz a análise de custo benefício é tão simples quanto a sua execução é complexa.

Com efeito, ao estabelecer uma política pública o seu formulador deve mensurar se aqueles que se beneficiarão desta o serão de tal modo que compense àqueles que serão prejudicados. Tal compensação é meramente potencial, mas se entende que na prática a implementação de políticas públicas consistentes gerará, a longo prazo, um benefício a toda sociedade[12].

A aferição da eficácia de uma política pública não é necessariamente monetária, isto é, nem sempre se poderá converter em moeda os benefícios de determinada política pública, no entanto, esses devem ser quantificáveis[13].

              Quantificar o bem-estar de uma determinada população é tarefa por demais difícil, se não impossível a filosofia política e a economia já enfrentaram este tema.

A tradição política liberal anglo-saxã elaborou o conceito de utilidade, assim entendida como o maior nível de felicidade para o maior número de pessoas de uma determinada sociedade.

Para os filósofos políticos utilitaristas a justificação moral da existência de determinada instituição seria, portanto, a sua utilidade, isto é a capacidade de maximizar a felicidade média ou total da sociedade no qual está inserida[14].

De outro lado, para a ciência econômica, quanto maior o bem-estar de uma sociedade e menor os custos sociais incorridos, melhor alocados estão os recursos econômicos desta sociedade, em outras palavras, mais eficiente é esta economia.

A maximização da riqueza do utilitarismo e a eficiência da ciência econômica muitas vezes se confundem, assim como bem-estar social e o conceito de felicidade do utilitarismo. As críticas muitas vezes direcionadas à AED são na verdade ao utilitarismo[15]

Seja como for, a análise de custo benefício adota dois critérios para aferir a eficiência de uma economia, a do ótimo de Paretto e o critério de Kaldor-Hicks. Enquanto aquele entende eficiência como a situação em que nenhum indivíduo pode melhorar o seu bem-estar sem piorar ao de outro indivíduo, esse utiliza um critério de compensação potencial, o que significa que a melhora na situação de apenas um indivíduo compense o prejuízo daqueles que pioraram de situação.[16]

Críticas não faltam à análise de custos benefícios e à AED, por supostamente privilegiar a eficiência em detrimento de princípios de equidade e justiça distributiva.

As críticas não são de todo impertinentes, contudo, a implementação de políticas públicas, sobretudo regulatórias, implica necessariamente em ganhadores e perdedores.

Assim, o critério de Kaldor-Hicks parece o mais adequado quando se trata da alocação de recursos para implementar políticas públicas[17].

Deste modo, a análise de custo-benefício deve estar presente nas duas pontas do ciclo de vida das políticas públicas, a fase de implementação e de avaliação.[18]

  1. EC 95/2016 como política pública e os impactos no financiamento público da infraestrutura

O debate que precedeu a EC 95/16, se estabeleceu, a grosso modo, em duas correntes antagônicas: a primeira defendia a EC/95 como a panaceia geral para corrigir o acentuado e crescente desequilíbrio fiscal das contas do governo federal.

Do outro lado, os seus detratores argumentavam que a então PEC 241/2016, congelava os dispêndios do Governo Federal com políticas públicas, sobretudo as de educação, saúde e desenvolvimento social, prejudicando a parcela mais pobre da população.

Como só aconteceu em debates políticos polarizados, ambos os lados exageravam na sua argumentação.

Com efeito, a retomada do equilíbrio fiscal depende de medidas adicionais para ser atingido, a EC 95/2016 sozinha é incapaz de lograr tal objetivo.

Por sua vez, a mera leitura do texto constitucional permite concluir que a EC 95/2016 não possui a rigidez no estabelecimento de limites às despesas do Governo Federal apregoada por seus detratores.

De todo o modo, a EC 95/2016 pode ser considerada uma política pública.

Para fins estritamente jurídicos pode-se conceituar política pública, conforme o proposto por Felipe de Melo Fonte[19] como: “o conjunto de atos e fatos jurídicos que têm por finalidade a concretização de objetivos estatais pela Administração Pública”

A partir deste conceito a EC/95/2016 buscou reorganizar as contas do Governo Federal, de modo que o Estado recuperasse a sua capacidade de prestação de serviços públicos que garantam a fruição dos Direitos Fundamentais.

A análise de custo benéficos efetuada pelo próprio Poder Executivo ao propor a reforma constitucional consistiu na definição do tipo da despesa para a fixação do limite[20]:

A conciliação de metas de resultado primário com limite de despesa nos levou a escolher o conceito de despesa sobre o qual se imporá o limite de gastos. Poderíamos tanto limitar a despesa empenhada (ou seja, aquela que o Estado se comprometeu a fazer, contratando o bem ou serviço) ou a despesa paga (aquela que gerou efetivo desembolso financeiro), aí incluídos os “restos a pagar” vindos de orçamentos de exercícios anteriores e que são efetivamente pagos no ano. Como é sabido, o resultado primário é apurado pelo regime de caixa (desembolso efetivo de recursos), o que nos leva a escolher o mesmo critério para fins de fixação de limite de despesa. Assim, com o mesmo critério adotado nos dois principais instrumentos de gestão fiscal, teremos maior transparência no acompanhamento dos resultados obtidos e maior facilidade para considerar o efeito simultâneo do resultado primário e do limite de gastos.

Essa escolha não se faz sem perdas. O limite sobre a despesa empenhada teria as suas vantagens. Ao impor restrição aos compromissos que o Estado pode assumir, evitaríamos a ocorrência de despesas realizadas e não pagas. Adotando-se o critério de “despesas pagas” não se afasta, a priori, a possibilidade do cumprimento do limite por meio de atrasos de pagamentos, o que não constituiria ajuste fiscal legítimo, mas tão somente repressão fiscal, que empurraria o problema para frente, sem resolvê-lo.

Ainda que a PEC 95/2016 não tenha sido elaborada especificamente para mitigar a ineficiência do financiamento de projetos de infraestrutura no Brasil, a sua alta dependência do financiamento estatal torna a análise de custo-benefício do seu impacto nesta área necessária.

O financiamento da infraestrutura pelo Estado é efetuado primordialmente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (“BNDES”), com taxas de juros que até 2017 eram subsidiadas e redundavam em ônus para o Tesouro Nacional.

O mercado financeiro privado cobra taxas de juros efetivamente altas e tradicionalmente opera no curto prazo, deste modo o financiamento de infraestrutura por bancos privados no Brasil sempre foi incipiente.

O ponto de partida (baseline) para a análise de custo benefício da PEC 95/2016 no financiamento da infraestrutura é: (i) alta dependência do financiamento estatal via BNDES, com juros subsidiados até 2017; (ii) mercado de capitais incipiente e pouco utilizado em financiamento de projetos; (iii) debêntures incentivadas; e (iv) juros altos no mercado privado. Tudo isso que redunda numa situação altamente ineficiente.

O principal benefício potencial da PEC 95 são a estabilização da dívida do Governo Federal como consequência redução da demanda governamental por capital, o que reflete na taxa de juros de empréstimos, inclusive de longo prazo.

Como custo basilar, temos a possível redução do financiamento de políticas públicas, incluídos também o investimento público na infraestrutura.

Neste aspecto a PEC 95 foi claramente salutar.

Com efeito a falta de investimentos dos bancos privados em infraestrutura não se deve a uma suposta falta de compromisso com o desenvolvimento nacional, ou não atratividade econômico-financeira da infraestrutura. O financiamento da dívida pública sempre consistiu no negócio primordial dos bancos que operam no Brasil, por possuírem uma relação risco-retorno altamente favorável aos credores empréstimos.

A organização e a manutenção da dívida pública em patamares razoáveis, que reduza a demanda governamental por financiamento contribui que os juros caiam e facilitem a captação de financiamento para projetos de infraestrutura, como incentiva os bancos privados a buscarem outros tipo de “cliente”, com baixo risco, o que , de forma geral, é o caso de projetos de infraestrutura, sobretudo os denominados brownfield[21].

Ainda que não tenha sido promulgada com esse objetivo a melhoria do ambiente macroeconômico contribui por si só com o incremento no financiamento da infraestrutura. Todavia, a longo prazo, a PEC 95/2016 se configura como um incentivo correto para fomentar o financiamento privado da infraestrutura, eis que o mercado financeiro deverá buscar nela a relação risco-retorno semelhante a que teria financiando o Governo Federal.

  1. Conclusão

A EC 95/2016 teve como objetivo central reduzir o aumento da dívida do Governo Federal, cujos gastos dispararam desde 2009, primeiro como uma reação, eficaz, aos efeitos da crise de 2008 e após como política econômica, a Nova Matriz Econômica.

A EC 95/2016 gerou preocupações por acarretar uma suposta redução no investimento em políticas públicas e em infraestrutura, pela sua histórica dependência do Estado.

A superação desta dependência já havia sofrido uma tentativa de mitigação pela Lei nº 12.431/2011, que criou as denominadas Debêntures Incentivadas, que têm conseguido sucesso na captação de recursos para o investimento em infraestrutura. Ainda assim, o papel do mercado de capitais no financiamento e projetos de infraestrutura será sempre complementar.

A AED é uma ferramenta importante para a análise de políticas públicas, e a modalidade de análise de custo-benefício imprime racionalidade na utilização de recursos públicos.

Considerando a EC 95/2016 como uma política pública macroeconômica, conclui-se que esta, em relação ao financiamento da infraestrutura gerou uma externalidade positiva que é – ante ao seu potencial efeito de reduzir a dívida do Governo Federal e por conseguinte a demanda deste por capital – de incentivo para que os bancos privados procurem investimentos em áreas com relação risco-retorno próxima, que é a infraestrutura.

Portanto, a relação custo-benefício da EC 95/2016 para a infraestrutura.

Contudo, é apenas   um dos fatores macroeconômicos que podem fomentar o investimento privado em infraestrutura, há outros e o caminho para o Brasil reduzir a sua dependência estatal ainda é longo.

 

Referências bibliográficas

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Notas de Rodapé:

[1] Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Bacharel e especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes e em Direito da Infraestrutura pela ESA/OAB-RJ. Advogado.

[2] MARICHAL, Carlos.  Nova História das Grandes Crises Financeiras: uma perspectiva global, 1873-2008. Trad: Eduardo Lessa Peixoto de Azevedo, Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. p. 262

[3] As denominadas políticas anticíclicas são as inciativas dos governos destinadas a amenizar ou estabilizar os ciclos econômicos de crescimento e depressão. No caso do Brasil, após a crise internacional de 2008 a intervenção governamental se deu, com base na teoria econômica de John Maynard Keynes de que “ O Governo poderia interferir, quando a popança superasse o investimento, tomar emprestado o excesso de popança e gastar o dinheiro em obras socialmente úteis, que não alimentassem a capacidade da economia nem diminuísse as oportunidades de investimento” HUNT, E.K e LAUTZENHEUISER, Mark. História do Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. 3ª Ed. Trad; André Arruda Villela. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

[4] Cf. BRASIL. Presidência da República-Subchefia de Assuntos Parlamentares da Casa Civil EMI 00083 MF MPOG. Exposição de Motivos da PEC 241/2016. Brasília, 15 jun 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/EMI/2016/83.htm.

[5] Idem.

[6] VILLAR EZCURRA, J.L. Las Tarifas em la Explotación de Infraestructuras Públicas. In SADDY, Andre e MARTÍNEZ, Aurilivi Linares (Coord.). Direito das Infraestruturas: um estudo dos distintos mercados regulados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 131.

[7] Ibidem. p. 132.

[8] Confederação Nacional da Indústria. O financiamento do investimento em infraestrutura no Brasil: uma agenda para sua expansão sustentada / Confederação Nacional da Indústria. – Brasília: CNI, 2016, p.11. Disponível em: http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2016/07/18/11404/1807EstudoFinanciamentodoInvestimentoemInfraestrutura.pdf. Acesso em 9.12.2018.

[9] Fonte: BRASIL. Ministério da Fazenda. SEPRAC-Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência. Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas (E demais instrumentos da Lei 12.431/2012) 59ª Ed. Brasília: SEPRAC, outubro de 2018. Disponível em: file:///C:/Users/afrazao/Downloads/SEAE-MF-Boletim%20Deb%C3%AAntures-LEI%2012.431%20-%20Out%202018.pdf. Acesso em 12.12.2018.

[10] Tradução Livre de: The question is commonly thought of as one in which A inflicts harm on B and what has to be decided is: how should we restrain A? But this is wrong. We are dealing with a problem of a reciprocal nature. To avoid the harm to B would inflict harm on A. The real question that has to be decided is: should A be allowed to harm B or should B be allowed to harm A? The problem is to avoid the more serious harm. COASE, R. H.  The problem of social cost. The Journal of Law and Economics v. III. Oct. 1960. Chicago: The Universuity of Chicago Press, 1960.

[11] RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Regulação Jurídica, Racionalidade Econômica e Saneamento Básico. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 87.

[12] MARTINEZ. Ana Paula. Análise de custo-benefício na adoção de políticas públicas e desafios impostos ao seu formulador. RDA-Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 251, p. 29-59, mai. 2009.  Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/7527. Acesso em: 11 Dez. 2018.

[13] MARTINEZ. Ana Paula. Ob. Cit.. Acesso em: 11 Dez. 2018.

[14] BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política 11ª Ed Trad.: Carmen C, Varriale et al. Brasília: Editora UNB, 1998. p. 1284

[15] POSNER, Richard A. A Economia da Justiça.Trad.: Evandro Ferreira e Silva, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 59.

[16] RAGAZZO. Ob cit.p. 91.

[17] Ibidem. p. 92.

[18] Sobre o ciclo das política públicas v.. HOWLETT, Michael; RAMESH, M; PERL, Anthony. Política Pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p 103 e ss.

[19] FONTE, Felipe de Melo. Políticas Públicas e Direitos Fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de políticas públicas no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Saraiva. 2013.p.48.

[20] BRASIL. Presidência da República-Subchefia de Assuntos Parlamentares da Casa Civil EMI 00083 MF MPOG. Exposição de Motivos da PEC 241/2016. Brasília, 15 jun 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/EMI/2016/83.htm.

[21] No jargão de negócios projetos brownfield são aqueles em que as instalações já existem e o projeto se destina a melhorá-la ou a ampliação desta instalação. O contrário de projeto brownfield é projeto greenfield, em que a instalação é construída “do zero”, em uma analogia com um campo que ainda não foi semeado. Como é intuitivo os projetos brownfield possuem um risco menor para o financiador do que aqueles greenfield, tanto por parte de seu investimento já estar amortizado quanto por já ter uma taxa de retorno estabelecida.