Uma análise crítica das vantagens e desvantagens de alguns Projetos de Lei que visam alterar a Lei n. 9.099/95 e um traçado das possíveis repercussões boas e ruins no dia-a-dia dos Juizados Cíveis do Rio de Janeiro.

Resumo

Abordarei, neste artigo, aspectos positivos e negativos da aprovação desses projetos na vida do Jurisdicionado Fluminense que acorre, amiúde, às dependências dos Juizados Cíveis. Alguns desses projetos vêm imbuídos de fins salutares, mas outros, nem tanto. Cada projeto será objeto de exame meticuloso, a fim de enaltecer o que for positivo e prevenir os incautos das suas consequências negativas. Isso, sempre, aos olhos desse que vos fala, é claro.

Artigo

Uma análise crítica das vantagens e desvantagens de alguns Projetos de Lei que visam alterar a Lei n. 9.099/95 e um traçado das possíveis repercussões boas e ruins no dia-a-dia dos Juizados Cíveis do Rio de Janeiro.

 

 

José Guilherme Souza Santos de Araújo Martins1

EMENTA

 Abordarei, neste artigo, aspectos positivos e negativos da aprovação desses projetos na vida do Jurisdicionado Fluminense que acorre, amiúde, às dependências dos Juizados Cíveis. Alguns desses projetos vêm imbuídos de fins salutares, mas outros, nem tanto. Cada projeto será objeto de exame meticuloso, a fim de enaltecer o que for positivo e prevenir os incautos das suas consequências negativas. Isso, sempre, aos olhos desse que vos fala, é claro.

INTRODUÇÃO

 A Lei n. 9.099/95 veio a lume prenhe de propósitos apostólicos, dentre os quais, o formalmente mais digno de nota, que é o de cumprir mandamento constitucional estribado no inciso I do artigo 98 da nossa Carta da República.

Além desse propósito, a Lei n. 9.099/95 escancarou as portas da Justiça para os mais pobres e, porque não dizer, para os mais injustiçados. A introdução dessa Lei no seio da Ordem Jurídica Nacional fez com que causas que nunca ingressariam na Justiça passassem a fazer parte de seu cotidiano, tais como descontos de quantias ínfimas em contas bancárias, defeitos em aparelhos celulares de preço baixo, enfim, pequenos prejuízos, que nem por isso deixam de espelhar uma situação de clara e de funesta injustiça.

No início, o processamento das pequenas causas não era tão rápido assim. O material humano, especialmente, não estava, em quantidade, a altura do real desejo da Lei que era o de imprimir celeridade aos atos processuais, através da sua desburocratização e desapego ás formas sacramentais que, por sua vez, no tocante a este último aspecto, a depender do caso e de como eram empregadas, emperravam o regular andamento dos processos, estendendo o seu fim às calendas gregas, o que, no fundo, não era o que se queria. Afinal, como dizia o maior dos advogados, Justiça tardia é injustiça às escancaras.

Nessa época, por mais incrível que possa parecer, o conteúdo das decisões de mérito proferidas no âmbito dos Juizados eram propaladas com louvor aos quatro cantos pela comunidade jurídica, pois espelhavam a justiça e satisfaziam a expectativa dos Jurisdicionados, já que, na grande maioria dos casos, havia exata correspondência entre a legislação posta e a sentença imposta. Essa fase era aquela de que todos sentem saudades, pois os danos morais, por exemplo, eram fixados com opulência pelos Juízes e, por conta disso, cumpriam seus dois objetivos principais que são o seu caráter preventivo e repressivo, já que, a um só tempo, puniam, severamente, o infrator da legislação e violador da dignidade alheia e desestimulavam o surgimento de novas práticas ilícitas e abusivas e a repetição das antigas, também, reputadas de ilícitas e abusivas por parte deste mesmo infrator ou de outros que, porventura, se encontrassem em idêntica posição na relação jurídica de direito material.

Contudo, como o acesso aos Juizados era muito fácil e barato, dispensando até o patrocínio do advogado nas causas em que o seu valor não ultrapassasse o limite de 20 salários mínimos nacionais, houve um aumento exagerado no número de demandas em trâmite no sistema de justiça realizado nas dependências dos Juizados. Isso foi tornando o procedimento sumariíssimo (com mais um “i” mesmo) dos Juizados mais lento, pois as audiências de conciliação e as de conciliação, instrução e julgamento, eram marcadas seis meses depois do protocolo da inicial no Poder Judiciário, as petições dos jurisdicionados demoravam meses para serem juntadas aos autos dos processos e, em consequência, demoravam, sobremodo, para serem despachados por sua Excelência.

O TJ/RJ, então, no afã de tentar minorar os problemas, resolveu, tardiamente, efetivar no âmbito de sua jurisdição a função dos Juízes Leigos, que passaram a funcionar no âmbito dos Juizados e, após a sua institucionalização, imprimiram maior celeridade ao andamento dos processos, as audiências iniciais passaram a ser realizadas por eles e a decisão, logo após.

Em menos de três meses, o processo recebia uma sentença, isso se não houvesse acordo, quando, nesse caso, o processo durava menos de três meses. Uma beleza no que toca  à celeridade. Mesmo se houvesse a interposição de recurso inominado, o seu processamento era, e nisso continua sendo, muito célere.

No entanto, como houve uma procura muito acentuada, até demais, de jurisdicionados e advogados, alguns pouco escrupulosos, pelos Juizados, por conta de sua presteza e qualidade inegáveis na prestação de Justiça, os Juízes passaram a adotar, em seu seio, um vezo, que alcunham de jurisprudência defensiva, a fim de diminuir a litigiosidade exacerbada que essa nova Justiça produziu no sentimento popular.

Essa jurisprudência defensiva tratou de mexer, sobretudo, na fixação dos danos morais, colocando-os em patamar abaixo do razoável, o que, ao invés de compensar a vítima, passou a compensar o delinquente, encorajando-o a continuar na sua pratica ilícita e de total desconsideração à pessoa da vítima e à sua dignidade, fomentando novas e antigas condutas flagrantemente contrárias à legislação, especialmente ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, tornando-o, em sua eficácia, tabula rasa.

É preciso perceber que a celeridade e, sobretudo, a praticidade vêm sendo, hoje, as características mais visíveis e incontestáveis dos Juizados, haja vista que entre o protocolo da inicial e as audiências, principalmente, no Foro Central, medeia um lapso temporal exíguo de praticamente um mês ou no máximo um mês e meio. Tal se deve justamente à existência dos Juízes Leigos, não por questão de competência, mas de adequada e proporcional quantidade de um bom material humano.

Dentro desse contexto, serão analisados os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, sendo que alguns já até foram convertidos em lei e outros estão prestes a sê-lo. São, ao todo, oito projetos, sem prejuízo de haver algum outro que não foi encontrado, que serão analisados neste trabalho, embora deva haver muitos outros projetos repetidos que estão, na medida do possível, apensados uns aos outros, levando-se, em conta, para tanto, a cronologia.

Esses projetos serão analisados separadamente um a um e, ao final, haverá uma conclusão geral para fechar o artigo em que farei um apanhado de todos os projetos.

PROJETO DE LEI DE AUTORIA DO SR. ELI CORRÊA FILHO DE 2015

  

Esse projeto tem por fim único alterar o parágrafo primeiro do artigo 42 da Lei n.9.099/95, dando-lhe, como soa o óbvio, nova redação.

O mencionado dispositivo, em vigência, tem a seguinte redação: “O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.”

 

O projeto, reconhecendo a procedência da opinião/sugestão de alguns juristas de escol, propõe outra redação ao dispositivo vazada nos seguintes e judiciosos termos: “O preparo será comprovado no ato de interposição do recurso e, sendo insuficiente, acarretará deserção se, intimado, o recorrente não complementar em cinco dias.”

 

Foram, sem dúvida, acolhidas as lições do preclaro Prof. Alexandre Freitas Câmara no sentido da redação acima, que o próprio, em seu livro, havia sugerido aos doutos e aos legisladores de então.

Os enunciados 11.3 do Aviso 23/2008 do TJ/RJ e 80 do FONAJE, também, não ajudam muito e fortalecem uma interpretação que dificulta o acesso à Justiça, pois eles ratificam a redação perversa do vigente parágrafo primeiro do artigo 42 da Lei n 9.099/95, segundo a qual, se faltar um centavo no valor das custas, o recurso sequer será conhecido pela Turma Recursal, isto é, não passa pelo Juízo de Admissibilidade e já receberá obstrução via decisão monocrática do Juiz/Relator.

Então, essa mudança é importante para sanar uma patente injustiça que era praticada frequentemente no âmbito dos Juizados e não havia meios de debelá-la desse sistema de justiça. O projeto em debate é salutar e deve ser aprovado o quanto antes pelas duas casas legislativas, indo, sem solução de continuidade, à sanção do Presidente da República.

Deve-se acrescentar que, como as despesas do Recurso Inominado costumam ser elevadas, pois englobam, em seu montante, os custos iniciais de primeiro grau e mais os custos recursais, o seu não conhecimento traz, certamente, um grande prejuízo financeiro ao jurisdicionado, que não vê o processamento do seu recurso e nem a devolução do que pagou.

PROJETO DE LEI N. 1060 DE 2015 DE AUTORIA DO SR. TENENTE LÚCIO

 

 Esse projeto visa facilitar o lado das Empresas que geralmente estão no polo passivo  de um Juizado Especial Cível. Pretende-se acrescentar um parágrafo primeiro ao artigo 20 da Lei n. 9.099/95 o seguinte texto: “(…) nos casos de audiências em outro estado ou município, não é considerado revel a parte demandada que não comparecer à sessão de conciliação, se apresentar até a hora da sessão, a devida contestação nos termos do artigo 31 desta Lei.”

 

Ora, por uma questão de conveniência do demandado, o legislador quer livrá-lo da necessidade de comparecimento pessoal na Audiência, quando o seu comparecimento é de fundamental importância para a aproximação das partes, em litígio, devidamente mediada pelo Conciliador, Juiz Leigo ou Juiz Togado na tentativa de ser alinhavado um acordo.

Como Juiz Leigo, nas inúmeras Audiências de Instrução que tive a honra de presidir, representando o Estado, propus vários acordos em nome da Justiça e, não raras vezes, as partes aquiesciam e celebravam o acordo como advindo de proposta do Juízo. Esse expediente não será mais possível nos casos em que as audiências forem realizadas em outros Estados ou Municípios em que o demandado não tenha domicilio.

Na justificação do aludido projeto, que se critica nessa oportunidade, o seu autor deixa explícito o objetivo de beneficiar os demandados, que, geralmente, são as empresas, conforme segue: “O objetivo principal da inclusão do parágrafo 1º no artigo 20 da Lei 9.099/95 é evitar ônus desnecessário ao demandado, nos casos em que o Requerido não objetivar entrar em acordo, ou quando a peça contestatória vier formulada de pedido contraposto.”

 A parte final dessa justificativa é, ainda, mais confusa, pois fala em pedido contraposto e corelaciona a sua existência como mote suficiente para a não realização da audiência ou a sua realização sem a necessidade da presença pessoal do réu. Uma corelação sem nexo com o acréscimo que se quer introduzir no parágrafo primeiro do artigo 20.

Quanto à primeira justificativa estribada na ideia de que não há necessidade de comparecimento na audiência face à prévia indisposição do réu na feitura de acordo, o Legislador tira com uma mão o que deu com a outra e, na mesma toada, ofende a constituição.

Isso porque há uma mentalidade perpassada por toda a legislação processual de que um acordo é melhor que uma decisão judicial impositiva, já que a principal missão do Poder Judiciário é espargir paz social na sociedade em que atua e sobre a qual exerce sua jurisdição.

Existe, no mesmo sentido, ofensa ao inciso I do artigo 98 da Constituição Federal de 1988, porque esse dispositivo, quando fala que o sistema dos juizados possui a função de conciliar as partes, o que se quer é, evidentemente, trazê-las pessoalmente perante o Estado/Juiz para a tentativa de aproximá-las e, como se diz, ficarem tête-à-tête e possibilitar, assim, um acordo.

Ressalto que uma eventual decretação da revelia não significa dizer que o julgamento dos pedidos será de procedência, pois, a teor do vigente artigo 20 da Lei n. 9.099/95, não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.

 A parte final do aludido artigo destrói um dos argumentos da justificativa para a aprovação do projeto ora em análise, já que, atualmente, o não comparecimento do demandado em alguma das audiências previamente designadas pelo Juízo não importa, de forma automática, em julgamento favorável ao demandante. Ademais, em doutrina assente, corre entendimento de que, mesmo não comparecendo em audiência, o demandado pode juntar sua defesa, a fim de mitigar os efeitos da revelia.2

Então, diante do regramento e dos entendimentos que existem hoje, cabe ao demandado calcular a relação custo/benefício do seu comparecimento ou não à audiência previamente designada, a fim de decidir o que é melhor para si. Tais fatores devem ser sopesados pela própria demandada. Esse tipo de avaliação é feita por todos aqueles que batem ás portas da Justiça e por todos aqueles que são convidados a nela ingressar, pois são ônus tanto por quem procura a Justiça quanto por quem deve explicações em Juízo. Circunstância natural da vida de quem se encontra sobre um território e sob o jugo de um Governo Soberano. Uma vez partes do processo, em conclusão direta, o destino de ambas as partes estará aos cuidados do Estado/Juiz, que decidirá em última e definitiva instância.

PROJETO DE LEI DE AUTORIA DO DEPUTADO ELI CORRÊA FILHO

 O projeto descrito acima já foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, tendo sido convertido em lei. Trata-se da Lei n. 13.728, de 31 de Outubro de 2018, que acrescentou o artigo 12/A na Lei n. 9.099/95, pondo fim, de uma vez por todas, à divergência que existia na resposta à pergunta no sentido de ser possível e viável ou não a aplicação do artigo 219 do NCPC no âmbito dos Juizados, uma vez que a sua própria lei de regência não dá qualquer tratamento à matéria concernente a prazo.

O grande Professor Felippe Borring Rocha,3 em sua preciosa monografia sobre Juizados, sobre a aplicação do artigo 219 do NCPC nos Juizados, ensina o seguinte: “Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que os prazos processuais nos Juizados Especiais devem ser contados em dias úteis (art. 219 do CPC/15). De fato, a medida, ainda que possa prolongar a tramitação dos processos, representa uma iniciativa que visa acabar com uma distorção. Uma vez que os prazos sejam contados computando todos os dias incidentes em seu intervalo, tem-se como pressuposto que todos os envolvidos no processo trabalham de maneira ininterrupta, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Isso, obviamente, não é ou, ao menos, não deveria ser uma verdade, uma vez que tais dias foram criados para descanso e têm proteção constitucional (art. 7º, XV, da CF). Por outro lado, a contagem em dias úteis também promove a isonomia entre as partes, que têm assegurado o mesmo número de dias úteis em seus prazos, independentemente do dia em que tenha ocorrido a intimação.”

 

Data maxima venia, não vejo assim. Sem dúvida alguma, a aplicação do artigo 219 do Novo CPC, que manda realizar a contagem dos prazos processuais somente em dias úteis, vai causar uma demora em um procedimento que se desenvolve bem. Não há violação ao princípio da igualdade, porque o procedimento comum do CPC/2015 veio com um viés de melhorar a qualidade da prestação jurisdicional e dos debates judiciários, mesmo que  o tramite demore mais para chegar ao fim. Nos Juizados, não. O critério, nos Juizados, conforme o artigo 2º da Lei n. 9.099/95, é colocar a celeridade em primeiríssimo lugar e, em segundo, se e quando for o caso, mirar na qualidade das decisões judiciais, não o contrário.

PROJETO DE LEI N. 7483 DE 2017 DA SRA. TEREZA CRISTINA

  

Esse projeto visa acrescentar dois parágrafos ao artigo 18 da Lei n. 9.099/95 e o artigo 4º-A, também, á Lei n. 9.099/95, a fim de que, respectivamente, o demandado fique autorizado a endereçar petição ao Juízo em que corre demanda contra si antes da audiência se for caso de continência ou conexão no prazo de cinco dias e ainda pretende inserir o instituto do incidente de demandas repetitivas no sistema dos Juizados.

Ora, essas inserções acima apontadas podem, sim, prejudicar o andamento de um processo no âmbito dos Juizados que prima pela celeridade, simplicidade e informalidade, dentre outros critérios, conforme artigo 2º da Lei n 9.099/95.

Com essas alterações, há um perigo de que o andamento dos processos nos Juizados sofra em termos de solução de continuidade, fazendo com que haja prejuízo no critério, especialmente, da celeridade, o que hoje é a tônica nesse festejado sistema de justiça.

A justificativa desse projeto é bem casuística, pois se baseia num caso em que Juízes e Desembargadores do Estado do Paraná teriam sido ofendidos e, por conta disso, ingressaram com várias demandas nos Juizados espalhados por todo o Estado contra os colaboradores do jornal Gazeta do Povo, buscando ressarcimento pelas supostas ofensas morais realizadas pelos últimos contra os primeiros.

Tais alterações podem acabar com a única característica boa e que vem funcionando nos Juizados que é a celeridade. Há, sim, esse perito e que pode decorrer de mero capricho do legislador para atender casos específicos e que dificilmente ocorrem como o descrito no âmago da justificativa acima aludida.

A justificativa fala de “assédio judicial” supostamente cometido contra os jornalistas pelos operadores de justiça, mas responder judicialmente é um incomodo inerente ao Estado Democrático de Direito e os ônus que daí decorra são os naturais de quem é chamado a prestar contas á Justiça. Todos os cidadãos estão sujeitos a serem chamados a darem as suas versões por atos que praticaram. Ademais, os ditos Jornalistas podem alegar abuso no exercício do direito de ação com fundamento no artigo 187 do Código Civil, assim como podem, em preliminar de contestação ou até antes por meio do protocolo de simples petição.

Não há, portanto, necessidade alguma da alteração legislativa para tanto, pois o demandado, na esteira da legislação em vigor, pode muito bem endereçar petição e tentar despachá-la com o juiz na tentativa de que o processo seja extinto antes da ocorrência da audiência inicial de conciliação ou de instrução e julgamento.

Já o incidente, este é pior, pois extremamente burocrático e criado para o novo CPC, que preza, não pela celeridade, porém pela qualidade das decisões judiciais, algo que, atualmente, é impensável na seara dos Juizados em que as decisões judiciais cada vez mais desprezam o bom direito e focam na singeleza dos argumentos.

Deve ser ressaltado, também, que esse incidente de resolução de demandas repetitivas deve ser arguido em defesa, para o fim de que o Juiz do Juizado possa extinguir o feito por conta de sua incompetência pelo fato de se tratar de causa complexa. Essa decisão já pode ser proferida em sede de Juizado com base na legislação atual, sem precisar de qualquer instituto novo trazido e afeto ao processo civil comum de 2015.

Com todos esses argumentos, procura-se demonstrar o desacerto e a total impertinência desse projeto para os Juizados em funcionamento hodiernamente no território nacional e que, como jaz, abrilhanta a ritualística célere que dele muito se espera.

PROJETO DE LEI N. 9669 DE 2018 DO SR. ARNALDO FARIA DE SÁ

 

Esse projeto visa alterar vários dispositivos da Lei n. 9.099/95 e adicionar outros tantos. Com se infere da sua justificação, as mudanças, que partiram de preocupações trazidas pela Associação dos Advogados de São Paulo, vão acontecer nas formas de intimação e de contagem dos prazos na apresentação da defesa, bem como a exclusão dos artigos 24, 25 e 26 da aludida Lei que versa sobre o instituto da arbitragem e, por último, algumas alterações do artigo 27, caput e parágrafo primeiro, que disciplina a dinâmica da AIJ (Audiência de Instrução e Julgamento) em sede de Juizados Especiais Cíveis.

Adiante, também, pretende incluir incisos no artigo 42 da Lei n. 9.099/95, a fim de que seja garantido o direito á complementação de preparo ao recorrente de boa-fé, seguindo, no particular, a mesma linha adotada pelo novo CPC, mas que já era a adotada pelo antigo CPC.

Na justificação, torna-se exposta a intenção desse projeto que é a de dar um tratamento unitário e adequado aos dois sistemas jurídicos existentes na área cível, que são o comum, disciplinado pelo NCPC, e o sumariíssimo tratado pela Lei n. 9.099/95, fazendo com que se crie um ordenamento jurídico único.

Em verdade, concessa maxima venia, esse objetivo de unificação, se alcançado, deverá ser considerado inconstitucional, pois descaracterizará a própria razão de ser de cada um desse sistema de justiça e, no mais, acabará fazendo com que o Juizado para de funcionar naquilo que ele conseguiu ser bom que é na celeridade e simplicidade no desenrolar do seu rito.

Aqui, vale fazer menção a dois estudiosos do processo que são os Professores Mauro Cappelletti e Bryant Garth4, que, no famoso livro intitulado de acesso à justiça, escrito por ambos, esses autores pontuaram, através do projeto de Florença, os problemas, nos países mais importantes do mundo, que impediam ou dificultavam o acesso igualitário ao sistema de justiça e um resultado individual e socialmente justo após esse acesso.

Tais autores descobriram que os problemas eram os seguintes: custos processuais elevados (inclui-se o custo na demora do processo); possibilidade das partes (dificuldade de litigar de algumas pessoas); e, por último, ausência de tutela dos direitos difusos. A fim de solucioná-los, esses grandes professores excogitaram a necessidade de garantir uma justiça gratuita, criar uma tutela que bem defendesse os direitos difusos e promover alterações no direito material que criasse um rito mais adequado à concretização de determinados direitos e que, em paralelo, tornasse seus custos menores que seus benefícios.

Assim, nesse diapasão, centrando-se mais nesse último aspecto, foram criados os Juizados Especiais, para que se fizesse um rito todo próprio e adequado á busca de direitos menos complexo e de valor não tão alto, o que se conseguiu com a Lei n. 9.099/95, conforme se verifica hoje na prática, isto é, uma grande e opulenta procura da população pelos Juizados Cíveis, tornando o sonho do acesso à justiça uma realidade. Lesões mínimas ao patrimônio e à personalidade ensejam a propositura das mais variadas ações nas dependências dos Juizados, pois as pessoas perceberam que estão diante de uma Justiça que, sem sombra de dúvidas, fala a sua língua e se apresenta de portas abertas, que poderão ser fechadas por esses projetos.

Esse rito, hoje em dia, é bem rápido, pois alguém protocola uma ação nos Juizados e, em menos de um mês, já é marcada a data da primeira audiência, que, na grande maioria das vezes, é a única. No final dessa mesma audiência, o Juiz marca a data da leitura da respectiva sentença, que, com frequência, ocorrerá daqui a um mês ou dois meses no máximo. Com isso, mesmo se houver recurso, temos um processo que demora meses, bem menos que em um ano da propositura até o transito em julgado e satisfação da execução.

As propostas de supressão dos artigos que cuidam do instituto da arbitragem e os acréscimos feitos no artigo 42 da Lei n. 9.099/95 são, ambos, salutares, pois, realmente, o tratamento do primeiro tema é inútil, pois nunca acontece em sede de Juizados, e a total falta de tratamento do segundo tema tem prejudicado os Recorrentes que não veem a análise meritória de seus recursos por uma diferença de um centavo no consequente preparo, motivo pelo qual são declarados desertos já no Juízo de Admissibilidade.

O resto, no entanto, não é, no mínimo, recomendável e tem um censurável propósito, na visão deste articulista, que é o de beneficiar as famosas empresas que costumam figurar com bastante frequência no polo passivo da maioria das demandas em tramite nos Juizados.

A última proposta que diz respeito á unificação da forma de contagem dos prazos em dias úteis perdeu o objeto, pois o Congresso Nacional editou a Lei n. 13.728, de 31 de Outubro de 2018, que acrescentou o artigo 12/A na Lei n. 9.099/95, para o fim de que, em seu âmbito, os prazos fossem contados da mesma forma como o são no processo cível, o que é um erro, levando-se, em conta, a proposta desses diferentes sistemas de prestação de justiça, pois, enquanto o processo comum enfatiza a qualidade das decisões, os Juizados se preocupam, e muito, com a velocidade do rito, mesmo que com desvelada perda da qualidade das decisões.5

A crítica ao projeto reside, também, no seguinte trecho de sua justificação: Autoriza-se o juízo a não marcar audiência inaugural de conciliação – o que pode se justificar, por exemplo, se se tratar de contencioso de massa, em que o demandado não tenha formulado qualquer proposta em processos anteriores. Afasta-se a revelia quando apresentada defesa, e facilita-se a representação do demandado pessoa jurídica quando, dispensando-se a presença do preposto se presente advogado com poderes para transigir.

Isso porque o verdadeiro mote da Lei n. 9.099/95, além da simplificação, desapego à forma e celeridade, é a oralidade (ver seu artigo 2º), que, na esteira da lição preciosa de Alexandre Câmara6, desdobra-se em cinco postulados fundamentais: prevalência da palavra falada sobre a escrita (esse é óbvio, pois decorre da própria noção de oralidade); concentração dos autos processuais em audiência; imediatidade entre o juiz e a fonte da prova oral; identidade física do juiz; e irrecorribilidade das decisões interlocutórias em separado.

Para que esses postulados sejam cumpridos é preciso que se respeite e preserve a realização das audiências como vem acontecendo no âmbito dos Juizados, pois, em tais audiências, na grande maioria das vezes, há uma evidente concentração dos atos processuais (oferecimento de contestação, debates orais, colheita de prova oral – depoimento pessoal das partes e testemunhas/informantes, assim como a juntada de documento em que, diferentemente do procedimento comum, é o momento adotado pela lei para tanto – ver artigo 33 da Lei n. 9.099/95), além de haver uma concreta prevalência da palavra falada sobre a escrita, assim como a imediatidade entre o juiz e as fontes das provas orais, independentemente de testemunha, pois o depoimento pessoal também é meio típico  de prova7 cuja produção consagra a oralidade ao lado da testemunhal. Em acréscimo, a AIJ torna possível a realização do princípio da identidade física do Juiz, que só tem sentido, quando houve um Juiz que colheu a prova oral diretamente.

Assim, sob todos os ângulos em que se analise a questão, o projeto, se convertido em lei, violará o critério/princípio da oralidade, que é assegurado pelo artigo 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988, quando estabelece, com clarividência, que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas recursais de juízes de primeiro grau.

 Daí se percebe que o critério/princípio da oralidade não informa e conforma o procedimento dos Juizados por acaso, mas decorre de expressa previsão constitucional.

Ratifica-se, portanto, que, à conta de tudo o que foi dito, a conversão desse projeto em lei, dispensando, em vários casos, a realização da audiência, acabará por tornar esse procedimento um procedimento inteiramente escrito, invertendo a lógica do sistema dos Juizados Cíveis e fazendo tabula raza a oralidade encartada no texto da Constituição de 1988.

Um exemplo de nítida violação ao princípio da oralidade se encontra na proposta da nova redação ao artigo 20 e seu parágrafo único, assim transcrito: Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, para a qual tenha sido intimado para prestar depoimento pessoal, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se tiver sido previamente protocolada pelo demandado defesa escrita. Parágrafo Único: A seu critério, o juiz poderá dispensar a realização de audiência de conciliação, determinando a citação do demandado para a apresentação de defesa escrita no prazo de 15 dias.

 Esse trecho do projeto prova muito a subversão do princípio da oralidade, colocando em lugar de destaque a forma escrita e dando a esta proeminência, quando a Constituição da República de 1988 dispôs, em seu artigo 98, inciso I, justamente o inverso, isto é, o referido comando constitucional realçou a oralidade como estrela de primeira grandeza e não a menos brilhosa da constelação.

Outra aberração jurídica que colide com a oralidade e com a ideia de justiça consensual é a alteração proposta para o art. 9º, parágrafo quarto, e 30 da Lei n. 9.099/95. Isso porque tais alterações e acréscimos, propostos, vão, sem dúvida alguma, prejudicar a engrenagem dos Juizados, comprometendo com a sua celeridade, que atualmente é merecedora de elogios, e embaralhando o seu rito, sobrepondo-se, ainda, a palavra escrita sobre a falada, tornando letra morta o já tantas vezes citado preceito constitucional esculpido, em letras firmes e claras, no inciso I do artigo 98 da CRFB/88.

Ora bolas, ao dispensar a presença de preposto na audiência e ao facultar a interposição de contestação escrita antes de sua ocorrência, para o fim de dispensar o réu de seu comparecimento, o legislador está dificultando a obtenção de acordo, quando o constituinte, ao contrário, criou os Juizados para que neles fossem produzidos acordos a granel e, para tanto, criou um procedimento bem concentrado, oral e que aproximassem as partes e o Juiz. Esses projetos, além pôr termo à oralidade, promove a separação das partes.

Ademais, enfatizo, também, que, se esse projeto de lei for aprovado, a função de juízes leigos, que tem previsão constitucional, será drasticamente reduzida, assim como a profissão dos advogados que comparecem nas audiências no âmbito dos Juizados, pois, muitos, fatalmente, perderão o seus respectivos empregos, aumentando, por consequência, a legião, hoje já grande, de pessoas com diploma de terceiro grau desempregados.

As pessoas precisam do seu trabalho e sem trabalho não têm dinheiro e sem dinheiro não têm dignidade, o que só faz aumentar a desigualdade social em patente violação à nossa Carta Política. Francamente, nos pontos trazidos à baila, o projeto poderá desfigurar todo o sistema de juizados que funciona bem, embora mereça alguns ajustes, especialmente no que toca ao conteúdo das suas decisões cheias de jurisprudência defensiva.

Aloco, aqui, também, neste balaio, os projetos de lei n. 10.979 de 2018 e o 1.606 de 2019, ambos, em tramitação na câmara dos deputados, mas que devem, até, serem apensados, pois versam sobre alterações desnecessárias no rito dos Juizados e envoltas dos mesmos pecados apontados acima e por isso são mencionados nesta passagem.

PROJETO DE LEI DO SENADO N. 227 DE 2018

 Esse projeto é um dos piores, pois ele viola o princípio constitucional da vedação ao retrocesso, uma vez que propõe a inclusão de um parágrafo segundo no artigo 54 da Lei n. 9.099/95 com a seguinte e draconiana redação: Sendo necessário o cumprimento de atos judiciais por oficial de justiça, deverá a parte interessada antecipar o valor necessário ao custeio da diligência, salvo se for beneficiária da gratuidade de justiça, na forma do disposto no art. 98 da Lei nª 13.105, de 16 de março de 2015.

 

É um retrocesso, porque os Juizados sempre funcionaram muito bem com a isenção das custas no primeiro grau e, com isso, conquistou a sociedade a tal ponto que acabou quase que inviabilizado tamanha era a litigiosidade contida que aflorou depois da sua criação e início de funcionamento, fazendo com que as pessoas, pobres e analfabetas, acessassem os Juizados na busca de seus Direitos violados por terceiros ou por outrem. Caso os oficiais de justiça tenham de gastar valores monetários próprios para cumprirem suas diligências externas, caberá ao TJ ao qual estão vinculados a arcar com tais custos, é simples. Não se pode, é, transferir para o já lesado autor o dispêndio de tal quantia financeira.

CONCLUSÃO

 O Direito de um país lida com sistemas diversos e diferentes de justiça. No Brasil, existem variegados sistemas de justiça, porém o único que fala a linguagem do povo e que, portanto, é o seu maior conhecido é o sistema que vige nos juizados especiais cíveis. Esse é conhecido pelo povão, pela massa, que a ele pede ajuda quando se vê encrencado com, por exemplo, alguma operadora, seja de plano de saúde, de telefonia etc.

No sistema dos Juizados, a preocupação do constituinte foi a de facilitar acordos, quando exige que todos devam comparecer a todas as audiências realizadas em seu processo, e a de imprimir oralidade e, por via de consequência, celeridade/simplicidade ao rito que se desenvolve nessa seara. Não é só isso. Querem acabar com a tônica dos Juizados, para atender a interesses escusos das grandes empresas.

Decerto, o único aspecto que ainda funciona nos Juizados é o rito, que vem sendo constantemente acelerado. O maior problema dos Juizados não é de forma, mas de conteúdo, ou seja, são as decisões de mero aborrecimento que subvertem a axiologia constitucional pondo a dignidade da pessoa humana atrás do patrimônio, pois, enquanto se indeniza a pequena violação ao segundo aspecto, não se compensa diminuta, mas existente, lesão à dignidade, já que reconhece a existência de aborrecimento, mas o intitula de mero, num patente preconceito e falta de respeito á pessoa humana levada à cabo por grande parcela do Poder Judiciário.

Assim, conclui-se o presente trabalho, fazendo uma análise positiva e negativa de alguns projetos que estão tramitando, atualmente, no Parlamento Brasileiro, e, paralelamente a isso, conferindo, também, uma visão panorâmica e condensada desses projetos, a fim de submetê-los, em bloco, ao crivo crítico e elogioso dos doutos, o que igualmente faço com minhas colocações aqui despendidas de quem atuou nos Juizados de dentro e por fora do balcão, mas que, tanto num lugar como noutro, nunca deixou de lado a Lei e a Justiça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 Câmara, Alexandre Freitas, Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública: uma abordagem crítica, 6º edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

Cappelletti, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988.

Chini, Alexandre. Juizados Especiais Cíveis e Criminais/ Alexandre Chini, Alexandre Flexa, Ana Paula Couto, Felippe Borring Rocha, Marco Couto, Salvador: Editora Juspodivm, 2018.

Negrão, Theotonio, Novo Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 47ª edição, atualizada e reformulada, editora Saraiva, 2016.

Oberg, Eduardo, Os Juizados Especiais Cíveis e a Lei nº 9.099/95, Doutrina e Jurisprudência do STF, STJ e dos JUIZADOS CÍVEIS, 2ª edição, revista, atualizada e ampliada, editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2009.

Rocha, Felippe Borring, Manual dos juizados especiais cíveis estaduais: teoria e prática, 8ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo, editora Atlas, 2016.

Notas:

1 Sócio do Escritório Nobre&Martins Advogados Associados. Graduado pela Faculdade de Direito da USU. Pós-graduado pela EMERJ/RJ. Ex – Juiz Leigo do TJ/RJ. Membro da Comissão dos Juizados Especiais Cíveis da OAB/RJ. Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RJ.

2 Por todos, veja-se Alexandre Freitas Câmara, Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública: uma abordagem crítica, 6º Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

3 Ver em Manual dos Juizados Especiais Cíveis estaduais: teoria e prática, 8 edição, Rev., Atual. e Ampl., São Paulo, Atlas, 2016.

4 Essas ideias foram extraídas da seguinte obra: Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988.

5 Veja o teor da exposição de motivos do CPC/2015 de autoria da comissão de juristas que participaram de sua elaboração.

6 Ver a obra intitulada de Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública, uma abordagem crítica, 6ª edição, editora Lumen juris, Rio de Janeiro, 2010.

7 Considerando o depoimento pessoal como meio de prova, ver, por todos, Alexandre Freitas Câmara, em sua obra já citada, p. 101.