INCOMPATIBILIDADE DA TESE DA INDÚSTRIA DO DANO MORAL CONTRA EMPRESAS DE DEMANDAS REPETITIVAS EM VIOLAÇÃO AO DIREITO DO CONSUMIDOR E A FALACIOSA LITIGÂNCIA PREDATÓRIA.
Sumário:
Introdução:
- Relação de Consumo e as Demandas Judiciais: Tentativa de Solução pelas Vias Administrativas.
- Prestação Jurisdicional Efetiva Como Inibidora da Má Prestação de Serviço
- Banalização do Dano Moral ou Falta de Conscientização dos Fornecedores?
- A falaciosa litigância predatória.
Conclusão.
Referências.
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho irá enfrentar a discussão sobre a banalização do dano moral com a má prestação de serviços das empresas de demandas repetitivas, e por último questionará a dita litigância predatória.
Procura-se demonstrar que com o controle da inflação no Brasil, conseguido a partir do ano de 1990, verificou-se o aumento significativo do consumo, com a participação mais efetiva das camadas sociais menos favorecidas. O consumo teve ainda um maior incremento a partir do ano de 2003, com a facilitação do acesso ao crédito.
Outro fator importante, que incrementaram as vendas foi o surgimento do e-commerce, as compras virtuais, que trouxeram comodidade, mas também muitos problemas para o consumidor.
Desde então os fornecedores passaram a ter uma demanda, muito mais significativa; todavia não se estruturaram para esse novo momento, deixando de capacitar seus colaboradores e até mesmo sua infraestrutura.
Os consumidores vulneráveis, hipossuficientes tecnicamente ou economicamente, em sua essência, passaram ao consumo que até então não tinham experimentado.
Atendendo ao prescrito na CRFB/88, em seu inc. XXXII do art. 5, foi criada a lei 8078/90, nascia assim o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, código este que veio tutelar os direitos dos consumidores.
Com o advento do Código do Consumidor e a criação da lei 9099/90, garantido, com maior efetividade, o acesso dos menos favorecidos a justiça; o judiciário passou a receber um grande volume de demandas pautadas nas más prestações de serviço, principalmente dos maiores prestadores de serviço em massa como: telefonias, instituições financeiras, concessionárias de serviço público, etc.
O consumidor passou a se socorrer do Poder judiciário, exercendo sua cidadania, para fazer valer os seus direitos que a tanto tempo restou desrespeitado.
A referida análise é importante para refletir não só sobre as sentenças condenatórias em valores ínfimos, mas também analisar a má prestação dos serviços que acabam por assoberbar o Judiciário, e trazer a reflexão que não são as partes ou os advogados que assoberbam o judiciário.
O primeiro capítulo abordará o comportamento do consumidor a partir do ano de 1990, com o advento do Código de Defesa do Consumidor e da Lei nº 9.099/90, que passou a consumir em maior escala.
O segundo capítulo dará continuidade à abordagem da conduta do consumidor sob a égide do novo ordenamento jurídico, bem como também abordará a conduta dos fornecedores à luz do art.3º da Lei nº 8.078/90.
O terceiro capítulo analisa a reponsabilidade civil dos fornecedores, aonde se verifica, também, a viabilidade de compensação por dano moral quando da verificação de falhas na prestação dos serviços e qual seria o valor entendido como correto levando-se em conta os preceitos contidos no código consumerista e a realidade de cada caso concreto.
O quarto capítulo fará um enfrentamento do argumento que cada vez mais está se massificando na área do direito, a famigerada litigância predatória.
A presente pesquisa terá como base de apoio as demandas judiciais em massa com o advento do código consumerista em conjunto com a criação da lei nº 9.099/90 (juizados especiais cíveis e criminais).
Para abordar os assuntos constantes do presente artigo, será utilizado à pesquisa bibliográfica, aos sites de tribunais de justiça e superiores, bem como a sites especializados, tudo com o fito de dar suporte as razões da pesquisa em comento.
- A RELAÇÃO DE CONSUMO E AS DEMANDAS JUDICIAIS: TENTATIVA DE SOLUÇÃO PELAS VIAS ADMINISTRATIVAS.
O povo brasileiro conviveu por um grande período com o fenômeno da hiperinflação.
Para se ter uma noção do tamanho dos números astronômicos, de julho de 1964 a julho de 1994, a inflação acumulada pelo IGP-DI, foi de 1.302.442.989.947.180,00%.
Para fazer cessar o processo de hiperinflação a equipe econômica do governo da época, no ano de 1994 cujo Presidente era Itamar Franco, lançou o famoso Plano Real, e junto com o mesmo veio a nova moeda, o Real.
A partir do controle da inflação e a implantação da nova moeda, aconteceu um aumento significativo no consumo de bens e serviços.
Até os anos de 1990 o consumidor não tinha nenhum instrumento efetivo para fazer valer o seu direito, enquanto consumidor.
Para reclamar os seus direitos os consumidores tinham, até então, que se socorrer do Código Civil Brasileiro de 1916, vigente à época.
Com a necessidade de se tutelar os direitos dos consumidores, o constituinte de 1988, resolveu dar amparo constitucional aos mesmos, garantindo na carta maior no título II, dos direitos e garantias fundamentais, em seu Art., 5º, XXXII, não parando por aí; no art. 48 dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias após a promulgação da Constituição, elaborasse o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, em 11 de setembro de 1990, surgia a Lei 8.078/90, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, tendo ocorrido sua publicação no DOU – Diário Oficial da União – em 12 de setembro de 1990.
O mencionado código passou a ser a arma dos consumidores contra os fornecedores de produtos e serviços, que até então tinham a supremacia sobre os consumidores.
Antes da criação do mencionado código, prevalecia a autonomia das vontades, ou seja, uma vez celebrado um contrato entre as partes, o que estava prescrito no mesmo, era tido como uma verdade absoluta, era à aplicação do pacta sunt servanda.
A importância da criação do código consumerista, há muito se fazia necessário com o objetivo de tutelar o direito do consumidor. Nesse sentido, Grinover e Benjamin assim prescreveram: não é difícil explicar tão grande dimensão para um fenômeno jurídico totalmente desconhecido no século passado e em boa parte deste. O Homem do século XX vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo (mass consumption Society ou Konsumgesellschaft), caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça. São esses aspectos que marcaram o nascimento e desenvolvimento do Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma […].
Mesmo com o advento do código consumerista, os consumidores tinham dificuldades em fazer valer os seus direitos, pois não tinham facilitado o seu acesso à justiça, ou seja, foi lhe dado o instrumento de combate à desigualdade, mas ainda lhe faltava o meio de como exercer essa tão poderosa arma.
Foi com o advento da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que criou a lei dos Juizados Cíveis e Criminais que os consumidores, principalmente àqueles de menor poder aquisitivo, passaram a ter acesso mais democrático a justiça para reclamar pelas más prestações de serviços e das qualidades dos produtos que lhe eram oferecidos e vendidos.
Aqui, há que se explicar que antes do advento da lei acima mencionada, não estavam os consumidores proibidos de ingressar com ações no Judiciário, todavia devido aos elevados valores das custas processuais, e de um filtro, nada razoável, para àqueles que dependiam da gratuidade de justiça, acabavam os consumidores menos afortunados tolhidos de exercerem o seu sagrado direito de reclamarem à justiça.
Em seu art.3º, inciso I, a Lei nº 9.099/95, consagrou o acesso à justiça, sem cobrança de custas processuais, em primeira instância, estimulando, assim, o exercício de cidadania, fazendo com que os consumidores passassem a reclamar os seus direitos.
Aqui, faz-se necessário informar que consumidor é conforme o art. 2º da Lei nº 8.078/90:toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, e que fornecedor é à luz do art. 3º, da Lei 8078/90: toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
O consumidor ao adquirir um produto ou contratar um serviço, cria a legítima expectativa que os mesmos servirão aos fins que se destinam.
A partir do momento que há uma quebra dessa legítima expectativa, nasce, em tese, o direito daquele consumidor, que se vê lesado, pleitear sua reparação, quer no aspecto material, moral ou os dois concomitantemente, em virtude do dano causado que ensejará a responsabilidade civil. Lembrando que o dano é o pressuposto da responsabilidade civil.
Os fornecedores de bens e serviços parecem ainda não terem se adequado a nova ordem jurídica, pois apesar dos mais de 30 anos do Código Consumerista, os mesmos continuam recalcitrante em prestar um mau serviço, daí o volume de ações.
O consumidor que, por anos, via-se adormecido por não ter uma legislação que não lhe dava guarida contra as práticas abusivas, acordou com ânsia de fazer valer os seus direitos e por exigir respeito, e agora com um poderoso instrumento a sua disposição: o Código de Defesa e de Proteção do Consumidor.
O consumidor antes de ajuizar uma ação, em sua grande maioria, já passou por uma verdadeira via crucis, tentando solucionar o problema administrativamente. Quem nunca ficou por longos minutos, quiçá, até mais de hora à espera de uma solução de através do call center daquela empresa, que quando lhe queria como cliente, só faltou lhe carregar no colo?
A regra das demandas ajuizadas, em se tratando de relação de consumo, é que as mesmas cheguem ao Judiciário com sua peça inicial carregadas de protocolos e reclamações, que muitas das vezes sequer foram apreciadas; pois não é raro o consumidor ficar na linha aguardando e a ligação cair, estar no chat on-line e a conversa ser interrompida, e por aí vai.
A perda do tempo livre é mais um desrespeito que os fornecedores de produtos e serviços impõem aos consumidores, pois o tempo gasto em tentar resolver o problema causado pela desídia dos mesmos, poderia estar sendo usufruído de uma outra maneira: uma conversa em família, um filme ou até mesmo a entrega ao ócio.
O Poder Judiciário já está se mostrando sensível ao argumento da Perda do tempo Livre, não sendo raras as decisões que levaram em consideração a perda do tempo livre para penalizar empresas desidiosas nesse aspecto.
Verifica-se que mesmo após os 34 anos de criação do Código de defesa do Consumidor, os fornecedores ainda continuam relutantes em tratar o consumidor com a dignidade que os mesmos merecem, não fazendo muito esforço para resolver os problemas pelas vias administrativas, achando mais vantajoso o caminho da judicialização.
- PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EFETIVA COMO INIBIDORA DA MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
Como já dito no capítulo anterior, com o advento da Lei 8.078/90, que criou o Código de Defesa do Consumidor, bem como a criação da lei 9099/95, que criou o Juizados Especiais Cíveis e Criminais, os consumidores passaram a ter instrumentos mais eficazes para o exercício de sua cidadania.
Com as criações das leis acima mencionadas, buscou o legislador aproximar o cidadão do Poder Judiciário, pois antes dos diplomas legais citados era quase uma utopia um cidadão, de baixa renda e com pouco esclarecimento, ter acesso à justiça para pleitear algum direito seu que fosse lesionado.
O consumidor dos anos 90 em diante, passaram a ter uma miríade de oportunidades de compras ao seu dispor, tudo facilitado pelas compras em parcelas, bem como pelas compras através da internet.
Com o aumento do consumo, os problemas não tardaram em aparecer: prazos de entregas não cumpridos, publicidades enganosas, etc.
A título de informação, peguemos um fato que nos anos 2000 assoberbou o judiciário fluminense: a empresa OI de telefonia, lançou no mercado um produto denominado OI VELOX, que consistia no fornecimento de internet banda larga. Pois bem, os prepostos da mencionada telefonia entravam em contato com os potenciais clientes e ofereciam o serviço. Todavia, para algumas localidades, principalmente bairros da zona norte e baixada fluminense, os prepostos informavam que em virtude da linha do potencial cliente ser antiga, a mesma não possuía viabilidade técnica para disponibilização de tal produto e, assim sendo, o potencial cliente deveria abrir mão de sua linha antiga e adquirir uma nova que viabilizasse a prestação do mencionado serviço de internet. O cliente, no afã de adquirir o serviço, não hesitava, de abrir mão de sua linha antiga para adquirir a nova. A partir desse momento, começava a via crucis do cliente, pois aquele preposto que vendia o produto não era o mesmo que implantava o serviço oferecido, ou seja, ele era apenas o comercial da empresa. Assim, quando o potencial cliente solicitava a implantação da internet denominada OI VELOX, recebia, desta vez de outro setor da empresa, a informação que a área onde o mesmo residia não era coberta por tal serviço por falta de viabilidade técnica; ou seja, a empresa sabia que não tinha como implantar o sistema e, mesmo assim, o oferecia, e muitas das vezes ainda cobravam pelo serviço que não disponibilizava.
Infelizmente, verificamos que casos como o acima mencionado passaram a ser regra em descaso para com o consumidor.
Os desrespeitos acabam por ser encorajados, ainda que tacitamente, pela postura do Poder Judiciário frente ao problema apresentado.
Em que que pese a nomenclatura da Lei nº 8.078/90 ser autoexplicativa, em seu art. 1º– Código de Defesa do Consumidor – nos parece que o nosso sistema de justiça não consegue enxergar a vulnerabilidade do consumidor e tampouco promover sua defesa. Além do artigo já mencionado, resta incontroverso a intenção do legislador em colocar o consumidor em situação de vulnerabilidade, quando da leitura do art. 4º, inc, I, do CDC.
Com aumento de ajuizamentos de ação, o Poder Judiciário parece não ter se preparado para essa nova ordem jurídica, pois verifica-se, cada vez mais, o não acolhimento do pleito de compensação por danos morais, ou quando do acolhimento este se dá em valores ínfimos, muito longe do caráter punitivo pedagógico, mesmo quando a má prestação do serviço ou fornecimento do produto é latente, de uma clareza lunar.
Para rechaçar o pleito de dano moral, muita das vezes o magistrado acaba por acolher as teses defensivas – dos empresários – de mero aborrecimento, bem como o clichê: “banalização do dano moral” ou “não houve violação do direito da personalidade”. Em sua maioria, os consumidores só querem que os fornecedores os respeitem como tal.
O que se verifica nas reclamações que chegam a judicialização é que o consumidor, antes de se socorrer ao judiciário, já tentou resolver o problema pelas vias administrativas. Tanto que é regra as iniciais serem acompanhadas de vários protocolos de reclamação, seja via telefone, via SAC ou por qualquer outro meio.
O judiciário, muitas das vezes para frear as justas demandas dos consumidores, acabam por adotar jurisprudências defensivas de ordem processual e material, o que é ilegal e injusto, e acabam por desencorajar os consumidores de exercerem sua cidadania, pois passam a acreditar que não vale a pena socorrer-se do judiciário, pois ali não encontrarão abrigo.
Ao encampar o clichê do mero aborrecimento, o judiciário encoraja os fornecedores a continuarem prestando um mau serviço, pois os mesmos terão certeza de que não serão punidos, ou serão de maneira ineficaz.
Ao se verificar, de maneira incontroversa, que houve uma falha na prestação do serviço, o judiciário não pode ser complacente com os fornecedores, sob pena de chancelar tais condutas.
Aqui há que se dizer que não existe a indústria do dano moral, mas sim a do mero aborrecimento, mascarada sob o argumento de “não violação do direito da personalidade”, que infelizmente está tendo muito acolhimento, principalmente no judiciário fluminense, e com recorrência em sede de Juizados Especiais Cíveis, onde está o grande volume de demandas dos consumidores. E com esse entendimento quando o dano não é julgado improcedente é estipulado em quantias ínfimas. Sobre o assunto o desembargador Alcides da Fonseca Neto, titular da 20ºª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, já afirmava há 7 anos atrás que “as grandes empresas se aproveitam das fixações de valores baixos de dano moral e estão ganhando muito dinheiro com isso”.
As condenações, quando as demandas são procedentes, devem observar não apenas o valor do produto ou da prestação do serviço em si, mas também a capacidade econômica do ofensor, bem como a sua recalcitrância em ser demandado em juízo.
As empresas contumazes em lesarem os consumidores, parecem ter adotado a seguinte estratégia: caso eu tenha que me adequar para prestar um serviço ou oferecer um produto de qualidade gastarei 10 X, com as demandas judiciais que são procedentes estou gastando 2 X, logo, vou continuar lesando pois é mais vantajoso.
Para elucidar o acima narrado trazemos o gráfico abaixo, para reflexão.
Ao nos depararmos com os números acima podemos ter a impressão de que os consumidores adoram demandar. Porém se compararmos os números apresentados com a população do Rio de Janeiro, que, de acordo com a última estimativa do IBGE, no ano de 2024 contava com 6.729.894, constataremos que os números de demandas ainda são muito pífios.
Uma das razões que podem estar inibindo os consumidores de pleitear os seus direitos junto ao judiciário, são as condenações em valores irrisórios, provavelmente com o objetivo de desestimular a ida ao Judiciário. Assim, o consumidor pensa duas vezes em perder seu tempo, seu dia de trabalho, para comparecer a uma audiência, no juizado especial, que dura 5 minutos, quando muito, e sair frustrado da mesma em virtude da resposta pouco efetiva do judiciário.
Em que pese o Brasil não adotar o sistema dos chamados punitive damages, o julgador quando diante de casos onde se verifique que houve uma falha do fornecedor, sendo o mesmo contumaz em falhas contra os consumidores, deve levar esses fatores em consideração quando da quantificação do valor do dano moral.
Assim, se o agente ofensor é uma daquelas empresas, que costumam, com frequência, “visitar” o judiciário, muitas das vezes pelas mesmas falhas, deve o magistrado elevar o valor da compensação com o fito de desestimular que tal prática continue.
Apesar das críticas de autores que não admitem a inserção do caráter punitivo na compensação por dano moral, o professor Sérgio Cavalieri afirma que “a indenização punitiva do dano moral surge como reflexo na mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos bem definidos: a prevenção (através da dissuasão) e a punição (no sentido da redistribuição).”
Como já mencionado alhures, o consumidor não é um contendor contumaz, o que ocorre é que o mesmo muita das vezes tem sua privacidade violada, suas horas produtivas retiradas e com isso tem sua dignidade maculada, pelas atitudes desidiosas dos fornecedores.
O judiciário não vem dando à devida atenção ao abuso cometido pelos fornecedores em relação ao tempo que os mesmos subtraem do consumidor, é a chamada teoria da perda do tempo livre ou do desvio produtivo do consumidor.
Quem nunca ficou por minutos intermináveis tentando cancelar um plano de telefonia ou mesmo solicitando uma explicação sobre uma cobrança que entende ser indevida? Quem nunca passou pela via crucis de ser passado de um atendente para outro e ter que repetir tudo aquilo que já havia mencionado ao primeiro atendente? E quando o consumidor pensa que está quase finalizando, eis que, misteriosamente, a ligação é interrompida, aí começa tudo de novo com nova ligação, nome, CPF, nome do pai, mãe, etc.
A teoria acima mencionada considera que o tempo que o consumidor utilizou tentando resolver um problema por ele não causado é merecedor de ressarcimento.
Ao subtrair o tempo livre dos consumidores os fornecedores acabam por violar o direito dos mesmos, incidindo, assim, preceito insculpido no artigo 186, do Código Civil Brasileiro de 2002, bem como aquele contido no art. 5º, inciso X, da Constituição de 1988, pois ambos os diplomas deixam claro que há o dever de indenizar ainda que o dano seja de cunho exclusivamente moral.
Apesar do artigo 5º inciso X da CRFB/88, utilizar a palavra indenizar, deve-se evitar tal expressão quando se referir à dano Moral. O correto é utilizar a expressão compensação, pois o dano moral, por ter cunho extrapatrimonial, não é propriamente indenizável. A palavra “indenizar” que provém do latim, in dene, significa devolver a coisa ao estado anterior, o que é impossível no caso do dano moral.
Outro ponto que os julgadores não dão a merecida atenção é a caracterização do dano moral in re ipsa.
O judiciário tem que entender que a vulnerabilidade do consumidor, o coloca em posição de extrema desvantagem frente os fortes grupos econômicos. É por isso, que com já dito anteriormente, o legislador em boa hora criou a Lei nº 8.078/90, porém para que a mesma tenha cada vez mais efetividade faz-se necessário sentenças, também, mais efetivas, que tenha em seu comando força capaz de persuadir os maus empresários em continuar confrontando os preceitos consumeristas.
O sistema processual possui instrumentos capazes de persuadir os consumidores aventureiros, que, muitas das vezes, são capitaneados por advogados também aventureiros, que os convidam a embarcar em uma aventura jurídica. Para esses personagens contamos com o instituto da litigância de má fé, previsto no Código de Processo Civil, em seus artigos 80 e 81 que preveem sanções para aqueles que faltarem com a lealdade processual.
- BANALIZAÇÃO DO DANO MORAL OU FALTA DE CONSCIENTIZAÇÃO DOS FORNECEDORES?
O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, como já mencionado, fez 34 anos de existência. Porém, o que se percebe ao longo dessa caminhada é uma certa relutância por grande parte dos fornecedores em entender que o consumidor é a parte vulnerável na relação de consumo, muita das vezes com a chancela.
A Lei nº 8.078/90 que instituiu o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, nasceu com o princípio básico de tutela dos consumidores, ante à falta de uma legislação mais eficaz nesse sentido.
Este novo ramo do direito – o direito do consumidor- é uma atividade nova até mesmo para os operadores do direito. Tal ramo só fora introduzido nos currículos das faculdades de direito, após o advento da Constituição Federal de 1988.
Em que pese o direito do consumidor ser, ainda, novo em termos de história do direito, já há tempo o suficiente para que os fornecedores tivessem assimilado alguns dos princípios norteadores da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor-: princípio do protecionismo do consumidor (art. 1º), princípio da vulnerabilidade (art. 4º, inc. I), princípio da hipossuficiência (art. 6º, inc. VIII), princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, inc. III), princípio da transparência/confiança ( art. 4º caput, e 6º, inc. III), princípio da função social do contrato, princípio da equivalência negocial (art. 6º, inc. II) e princípio da reparação integral dos danos (art. 6º, inc. VI).
Dentre os princípios acima mencionados, destacamos o da boa-fé objetiva, por entendermos ser ele a célula máter. O professor Flávio Tartuce, assim prescreve sobre tal princípio:
A boa-fé objetiva tem relação direta com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são deveres inerentes a qualquer negócio, sem a necessidade de previsão no instrumento. Entre eles merecem destaque, o dever de cuidado, o dever de respeito, o dever de lealdade, o dever de probidade, o dever de informar, o dever de transparência, o dever de agir honestamente, e com razoabilidade.
Na relação de consumo, com muito mais razão, a boa-fé objetiva deve ser respeitada em sua maior amplitude, em virtude da vulnerabilidade do consumidor. Assim, em atenção ao mencionado princípio; caso ocorra uma falha que lese o consumidor, surge, imediatamente, para o fornecedor a obrigação de corrigir esta falha, porém o que ocorre, na maioria das vezes, é o fornecedor quedar-se inerte, deixando o consumidor à própria sorte, com a mensagem subliminar: reclame na justiça.
Não são raras as vezes em que o fornecedor poderia ter trocado um produto defeituoso, ou reexecutado uma prestação de serviço mal executada, sem que fosse preciso judicializar, todavia não é o que ocorre.
Diante da realidade acima exposta, o consumidor, após percorrer uma verdadeira via crucis, tentando solucionar o problema administrativamente, não vê outra solução a não ser socorrer-se do judiciário para ter o seu direito respeitado e sua cidadania assegurada.
Infelizmente, o que se verifica no judiciário, principalmente em sede dos juizados especiais cíveis, é o acolhimento da tese de banalização do dano moral, mascarada hodiernamente sob o argumento: de não ter havido violação aos direitos da personalidade. Assim, os fornecedores deixam de ser penalizados, ou sendo de forma bastante irrisória.
Há que se registrar de maneira exaustiva a obrigação de se reparar o dano, pois a partir do surgimento do mesmo nasce o dever de indenizar, e tal dever não se restringe apenas ao dano material, mas também àquele dano extrapatrimonial que não é mensurável apenas pecuniariamente, e que em vários casos têm uma repercussão maior que o próprio bem material. É o chamado dano moral, dano este que atinge a dignidade da pessoa humana, em qualquer dos seus substratos; quer seja: da igualdade, integridade psicofísica, liberdade ou o dever de solidariedade.
O dano moral possui, também, duas vertentes, já reconhecidas pela jurisprudência do STJ que devem ser observadas quando de sua verificação, são elas de cunho punitivo e pedagógico. O caráter punitivo e pedagógico tem por objetivo inibir que os fornecedores voltem a lesar os consumidores de maneira reiterada.
O professor Sérgio Cavalieri afirma que “a indenização do dano moral surge como reflexo da mudança de paradigma da responsabilidade civil e atende a dois objetivos bem definidos: a prevenção (através da dissuasão) e a punição (no sentido da redistribuição).”
Outro clichê que verificamos de maneira recorrente em sentenças é o mero aborrecimento, utilizado, muitas das vezes, de maneira equivocada ou sem analisar o caso em concreto.
O mero aborrecimento por tratar-se de um conceito jurídico indeterminado acaba por ficar em um limbo sob a discricionariedade do julgador. Em virtude do alto número de demandas relativas ao consumo, o magistrado, em vários casos, acaba por encampar a tese dos fornecedores: do mero dissabor. O consumidor não pode ser penalizado pelas falhas cometidas pelos fornecedores, seria uma completa inversão de valores, afinal o código é de proteção do consumidor.
Para àqueles que acusam os consumidores de assoberbar o Judiciário com demandas frívolas e/ou temerárias, respondemos que o ordenamento jurídico brasileiro possui instrumentos capazes de repelir tais ações.
A Lei nº 13.105, que instituiu o novo Código de Processo Civil, em seu art. 80, elenca as situações consideradas litigância de má-fé, e em seu art. 81 as sanções aplicadas àqueles que a cometerem.
Logo não há que se penalizar os consumidores que legitimamente se socorrem ao Poder judiciário para ver seus direitos garantidos, equiparando-os aos aventureiros jurídicos, pois para estes têm-se o instrumento para inibi-los e puni-los.
Os números das demandas em face dos grandes fornecedores, como já demonstrado no capítulo 2 do presente artigo, demonstram que os mesmos ainda não se conscientizaram que as relações contratuais devem ser pautadas na boa-fé objetiva. Enquanto tal conscientização não se efetivar caberá ao judiciário dar respostas firmes em suas sentenças, sob pena da banalização das sentenças inócuas, chancelando assim a perpetuação da má conduta dos fornecedores.
- . A FALACIOSA LITIGÂNCIA PREDATÓRIA
A litigância predatória, termo que recentemente ganhou destaque, é frequentemente usado para descrever um suposto abuso do direito de litigar, com ênfase em ações massificadas, principalmente no contexto das relações de consumo. A alegação é de que certos advogados estariam ingressando com um volume excessivo de ações em busca de vantagens financeiras, sem considerar a real necessidade do cliente. No entanto, este argumento, ao ser generalizado, serve mais para enfraquecer a advocacia e a proteção dos direitos dos consumidores do que para combater eventuais desvios de conduta de advogados/escritórios de advocacia.
Tal pecha que querem colar nos advogados, só serve para que os maus fornecedores se alinhem cada vez mais com o chamado dano eficiente. Enquanto tentarem rotular os advogados com falácias, e o judiciário não quiser tornar o dano eficiente em ineficiente com compensações a título de dano moral descentes, com o escopo de moralizar as relações de consumo, os consumidores continuaram sofrendo suas mazelas.
Há que se ressaltar que a advocacia é um direito constitucional, garantido a todos os cidadãos e essencial para o exercício da justiça. Estigmatizar advogados sob a alegação de litigância predatória cria um ambiente hostil ao exercício legítimo da profissão, desestimulando a busca pela justiça. Em vez de proteger o jurisdicionado, esse discurso tende a limitar o acesso à justiça, colocando o ônus nos advogados.
A solução para possíveis excessos não está em restringir o acesso à justiça, mas sim em adotar práticas e regulamentações que promovam uma atuação equilibrada de todos os envolvidos no processo judicial. Medidas como o aprimoramento dos mecanismos de mediação e conciliação, somadas à fiscalização efetiva de práticas empresariais, são estratégias muito mais eficazes do que rotular advogados como predatórios. O direito ao acesso à justiça é pilar do estado democrático e deve ser protegido, pois representa a garantia dos direitos de todos os cidadãos.
Ao tentar chancelar o que se está rotulando de litigância predatória, na realidade, está se atacando um dos fundamentos do estado democrático de direito: o acesso à justiça. Essa generalização tende a impactar níveis, não apenas os advogados que atuam de forma diligente, mas também a própria imagem do Judiciário, que passa a ser vista como restritiva e pouco acessível. A litigância em massa, nas relações de consumo, geralmente decorre de práticas lesivas por parte das empresas, e a multiplicidade de ações reflete a inadequação por parte do judiciário em dar uma resposta efetiva, punindo de forma eficaz as empresas recalcitrantes.
Por isso, em vez de criticar o volume de ações, o foco deveria estar em políticas de aprimoramento na prestação dos serviços, de modo a prevenir o conflito judicial.
Para uma solução eficaz, é preciso que o Judiciário, o Legislativo e as empresas trabalhem juntos para fortalecer o sistema de justiça, garantindo um ambiente no qual o consumidor se sinta seguro ao reivindicar seus direitos. A criação de regulamentações específicas para prevenir abusos processuais pode ser útil, mas é essencial que tais normas respeitem o direito fundamental de acesso à justiça e valorizem a atuação da advocacia, evitando um retrocesso que atinja o jurisdicionado.
Portanto, rechaçar o argumento de litigância predatória de forma ampla é defender o papel da advocacia e o direito do consumidor de buscar amparo judicial. A estigmatização do processo judicial na defesa de direitos apenas desprotege o cidadão, criando um cenário em que empresas se sentem menos pressionadas a cumprir suas obrigações. A justiça reside na garantia de que todo cidadão, independentemente de seu poder econômico, possa ver seus direitos resguardados e respeitados.
Nunca é demais lembrar, que para os causídicos faltosos com a ética e que tenham desvio de conduta, o tribunal competente para julgá-los é o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-TED.
Também deve ser salientado que a legislação processual tem instrumentos para coibir aqueles que quere fazer a judicialização a qualquer custo. O código de processo civil, possui instrumentos para penalizar aquele que use o processo judicial em desacordo com os seus princípios. Basta verificar o prescrito nos artigos: Art. 77, 80, 81, dentre outros.
Fechando o tema, a falaciosa expressão LITIGÂNCIA PREDATÓRIA, é mais uma barreira a ser transposta pela advocacia em prol do jurisdicionado, o que não é uma novidade, pois obstáculos desta natureza nos assolam na barra dos tribunais diuturnamente. Temos que lidar com a indústria do dano moral, o mero aborrecimento (que apesar de não haver mais súmula ainda serve de argumento), os valores risíveis do dano moral, sob o argumento de não poder ser um enriquecimento sem causa, que tal pedido não cabe dano moral por não violar o direito da personalidade, e por aí vai.
As mazelas acima apresentadas que o advogado tem de enfrentar em prol do jurisdicionado é enorme e cansativa, sobretudo quando se tem a chancela do judiciário que emitem notas técnicas para validar tal absurdo, como no caso da falaciosa litigância predatória.
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CONSIDERAÕES FINAIS
O presente artigo abordou os aspectos da relação de consumo a partir da democratização do crédito, fato que teve início na década de 1990 com enfoque nas demandas judiciais tendo como fundamento o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Os consumidores por serem vulneráveis na relação de consumo necessitam diuturnamente da vigilância de todos, para que não haja nenhum retrocesso em seus direitos conquistados. O código consumerista, aliado à Lei 9099/95 (Juizados Especiais), é um forte instrumento de cidadania, pois conjugando os dois diplomas, o consumidor fica fortalecido.
O aumento das demandas judiciais, principalmente em face dos grandes fornecedores como: prestadores de serviço de massa, instituições financeiras, lojas de departamento, dentre outros, não podem ser interpretadas como uma banalização. É neste ponto que se faz crucial a conduta do Poder Judiciário quando da análise das demandas, não podendo chancelar o clichê: banalização do dano moral.
As condenações, uma vez verificado que houve dano para com o consumidor, devem ser exemplares, não só com o fito de compensar o lesado, mas também de modo a inibir que tais práticas voltem a se repetir. A partir do momento que os fornecedores passarem a perceber que a resposta do Poder Judiciário está sendo mais efetiva, espera-se que os mesmos serão mais atenciosos e menos desidiosos em suas atividades fim.
A falácia da litigância predatória terá de ser combatida com toda força, pois não podemos nunca nos esquecermos da célebre frase dita por Joseph Goebbels: “Uma mentira dita mil vezes torna–se verdade“.
E não se diga que uma sentença com maior efetividade poderia estimular um consumidor aventureiro jurídico, pois para estes o nosso ordenamento jurídico possui remédios: litigância de má fé, multas e os atos atentatórios a dignidade da justiça.
REFERÊNCIAS:
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