ADOÇÃO TARDIA E A ESCOLHA DE UM PERFIL IDEAL: UMA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE?

Resumo

O presente artigo aborda a atual cultura da adoção no Brasil, os mitos que constituem tal cultura, o perfil dos adotados e as expectativas dos adotantes. A Constituição da República de 1988 estabelece em seu artigo 227 que a criança é o foco central de todas as preocupações constitucionais, determinando, ao menos no plano deontológico, que seus direitos e interesses devem ser observados em primeiro lugar, antes de qualquer outro interesse ou preocupação. O maior problema, no entanto, é que a adoção de crianças maiores de dois anos é extremamente difícil no sistema de adoção no Brasil, trazendo a tona que, a idade do adotado é significamente buscada pelos postulantes, que estabelecem comumente o desejo pelos recém-nascidos, abre-se, portanto, uma discussão, se a preferência por recém-nascidos ou crianças com até dois anos de idade pelos adotantes, traçando-lhe assim um mito de perfil ideal de filho, configuraria uma afronta ao princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente por frustrar a chamada adoção tardia.

Artigo

ADOÇÃO TARDIA E A ESCOLHA DE UM PERFIL IDEAL: UMA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE?

  

Thais Christine Oliveira da Silva1

Resumo

 O presente artigo aborda a atual cultura da adoção no Brasil, os mitos que constituem tal cultura, o perfil dos adotados e as expectativas dos adotantes. A Constituição da República de 1988 estabelece em seu artigo 227 que a criança é o foco central de todas as preocupações constitucionais, determinando, ao menos no plano deontológico, que seus direitos e interesses devem ser observados em primeiro lugar, antes de qualquer outro interesse ou preocupação. O maior problema, no entanto, é que a adoção de  crianças maiores de dois anos é extremamente difícil no sistema de adoção no Brasil, trazendo a tona que, a idade do adotado é significamente buscada pelos postulantes, que estabelecem comumente o desejo pelos recém-nascidos, abre-se, portanto, uma discussão, se a preferência por recém-nascidos ou crianças com até dois anos de idade pelos adotantes, traçando-lhe assim um mito de perfil ideal de filho, configuraria uma afronta ao  princípio  da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente por frustrar a chamada adoção tardia.

Palavras-chave: Direito de Família; direito da criança e do adolescente; princípio da prioridade absoluta da criança e do adolescente; adoção tardia.

Introdução

 Trata-se de um tema que, apesar de sua importância infelizmente não tem tido tanto relevo nacional. A falta de políticas públicas e informação fizeram surgir graves problemas sociais envolvendo as adoções no Brasil, em especial as adoções tardias, devido ao fato de que o Estado até o presente momento ainda não conseguiu tutelar o tema com efetividade, havendo consequentemente um grande impasse entre a atual cultura da adoção no país e os principios de proteção as crianças e adolescentes.

Embora não seja um conceito formal, considera-se tardia segundo os doutrinadores a adoção de crianças com mais de dois anos de idade. No entanto, o que se observa, é que na atual cultura da adoção no Brasil preconiza-se a busca por bebês abaixo dessa idade enquanto que as outras crianças vão sendo deixadas de lado.

Neste passo, vem o presente trabalho abordar a dissonância entre a expectativa dos pretendentes e a realidade. A maioria dos casais ficam presos na ideia do que eles consideram a criança ideal e não aceitam a possibilidade da criança real, o que bate de frente com os princípios constitucionais de proteção aos menores em especial ao principio da prioridade absoluta da criança e do adolescente.

Assim, pretende-se analisar a real necessidade de reflexões e discussões que tenham como objetivo desmistificar a atual cultura da adoção no Brasil em restabelecimento ao principio da prioridade absoluta da criança e do adolescente.

Portanto, buscou-se reunir dados/informações com o propósito de responder ao seguinte problema de pesquisa: A escolha de um perfil ideal é uma afronta ao principio da prioridade absoluta da criança e do adolescente por frustar as adoções tardias?

A escolha do tema justifica-se pelo incessante número de crianças institucionalizadas que  estão  ―envelhecendo‖  em  abrigos  sem  ter o  amparo  de  uma  família  tendo  em  vista  a incapacidade do Estado tutelar os direito dessas crianças de forma prioritária, permitindo que os postulantes trassem um perfil ideal de filho, enxergando o tema adoção como uma alternativa, carregando o tema de dilemas e questionamentos morais e éticos que devem ser pensados e discutidos.

Foi utilizada como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfico-documental com vistas a estudar a atual cultura das adoções no Brasil, baseando-se na doutrina e em publicações científicas da área do direito das crianças e do adolescente, adoção tardia bem como direito de família.

O artigo estrutura-se em cinco capítulos, apresentando-se primeiramente no que consiste o princípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente. Em seguida é abordada os mitos que constituem a atual cultura da adoção no Brasil em especial a adoção tardia.

Logo após, o estudo de caso baseia-se na análise de quais as principais diferenças entre o perfil desejado pelos pais adotantes e as crianças disponíveis para serem adotadas. Por fim, irá definir se a escolha de um perfil ideal feriria o princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente bem como se haveria meios do Estado tutelar os interesses do adotante fora da idade ideal em restabelecimento ao princípio da isonomia, como objetivo de responder o problema apresentado acima.

1. DO PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 Inaugurada na Constituição Federal de 1988 o principio da prioridade absoluta da criança e do adolescente, significa dizer que a criança é o foco central de todas as preocupações constitucionais, determinando, ao menos no plano deontológico, que seus direitos e interesses devem ser observados em primeiro lugar, antes de qualquer outro interesse ou preocupação do estado brasileiro, digna de receber proteção integral e de ter garantido seu melhor interesse.

Por princípio da absoluta prioridade, entende Liberati2 que crianças e adolescentes

―deverão  estar  em  primeiro  lugar  na  escala  da  preocupação  dos  governantes;  devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes […]‖

O termo ―absoluta‖, presente somente no artigo 227 da Constituição Federal, confere uma necessidade de aplicação invariável e incondicionada desta norma em todos os casos que envolvam crianças. Tal artigo enumera que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, ou seja, são sujeitos das prioridades nacionais.

Contudo o que se nota hoje na sociedade brasileira, é a insuficiência de uma atuação eficaz para alcançar os objetivos almejados pela Constituição. A ausência de políticas públicas direcionadas à satisfazer o que ela determinou como prioridade nacional, vem acarretando uma série de problemas sociais envolvendo menores.

A exemplo temos a questão da adoção no Brasil, a morosidade dos processos e o perfil buscado pelos postulantes vem afrontando diretamente tal princípio, uma vez que a criança  fica  em  uma  ―fila  de  espera‖  por  anos  não  tendo  suas  necessidades  mais  básicas supridas.

Tais crianças em sua grande maioria maiores de dois anos sofrem com essa espera, pois  crescem  com  a  esperança  de  que  alguém  virá  ―salva-las‖.  É  angustiante  saber  que alguém sonhe durante anos ter o amor de uma família que talvez nunca venha a ter.

Percebeu-se então, que devido as problemáticas que envolvem os processos de adoção no Brasil, nasceu o que hoje é conhecido como adoção tardia, conforme veremos a seguir.

2 . DA  ADOÇÃO TARDIA

 Considera-se tardia a adoção de crianças que tenham uma percepção maior de si, do outro e do mundo. Segundo a psicóloga Marlizete Vargas3:

a adoção é considerada tardia quando a criança tiver mais de dois anos. Tais crianças ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por circunstancias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas ou foram retiradas dos pais pelo poder judiciário que os julgou incapazes de mantê-las em  seu  pátrio  poder,  ou,  ainda,  foram  ―esquecidas‖  pelo  Estado  desde  muito pequenas em ―orfanatos‖.

Julga-se maior a criança que já consegue se particularizar distinguindo-se das outras, isto é, a criança que não é mais um neonato, que possui uma devida autonomia do adulto para a realização de suas necessidades básicas. Muitos autores julgam a faixa etária entre dois e três anos como uma fronteira entre a adoção precoce e a adoção tardia.

Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem cerca de 46 mil crianças e adolescentes vivendo em acolhimentos institucionais. Deste número, por volta de 5 mil estão aptas a serem adotadas.

Aproximadamente 36 mil pessoas estão cadastradas e interessadas em adotar uma criança ou adolescente. São aproximadamente 7 pessoas para cada criança e mesmo assim, elas não são adotadas e continuam a permanecer nas instituições. A pergunta que se faz é: Porque essa conta não fecha?

O grande problema que cerca a adoção hoje no Brail esta relacionado ao perfil da criança almejada. Mais da metade (56%) dos candidatos querem crianças de no máximo até três anos de idade, porém apenas 3% das crianças estão nessa faixa etária.

Além disso, 71% dessas crianças possuem irmãos e apenas 30% dos pretendentes se disponibilizam para adotar grupos de irmãos.

O principal receio dos pretendentes é a história pregressa das crianças, o medo do passado, das vivências que já as acompanham, e o receio de não saber lidar com elas, criou- se o mito que um bebê adotado é mais facilmente ―moldado‖ em comparação a uma criança maior.

A inserção e o acompanhamento de uma criança considerada mais velha em uma família que a proteja e possibilite as condições afetivas e materiais básicos para o seu desenvolvimento fazem parte das prioridades nacionais, no entanto o que se observa é que há falhas na efetivação desse direito, e um dos motivos é o mito que acompanha a atual cultura da adoção no pais, que entenderemos melhor adiante.

2.1      OS MITOS QUE CONSTITUEM A ATUAL CULTURA DA ADOÇAO TARDIA NO BRASIL

Infelizmente a adoção ainda é tabu na sociedade brasileira. Existe uma cultura da adoção no Brasil que coloca privilégios aos filhos biológicos ou naturais fazendo com que recaiam sobre o filho adotivo alguns preconceitos mitos e medos fazendo com que esse tema seja tratado com muito receio pelas famílias.

O fato é que essa cultura foi construída pelo processo histórico, cultural e social do nosso país. No Brasil já foi feita uma diferenciação muito significativa entre o filho natural e o filho adotado, que era tratado como filho não legitimo, onde outrora não tinha ao menos o direito de herdar o patrimônio da família adotiva, privilégio este apenas do filho natural. Essas diferenciações foram disseminando na sociedade estigmas que até os dias de hoje se manifestam e é potencializada pela falta de informação e politicas públicas.

Um dos mitos mais disseminados hoje na sociedade é de que o filho adotado em idade menos tenra, significa problema de personalidade, na medida em que acredita- se que essa criança terá dificuldade no processo de adaptação à família adotiva, pelo fato de não estar provido dos laços sanguíneos, e trazer consigo as marcas de um eventual abandono, falta de cuidado, memórias ruins e bagagens que influenciariam na sua adaptação, neste sentido Marlizete Vargas4:

No  caso  de  crianças  mais  velhas,  é  acrescido  o  medo  da  ―sombra  do passado‖, ou seja, de que a criança nunca mais se recuperará das experiências que teve antes da adoção, não importando o quanto de cuidado e amor que elas recebam e que a educação das mesmas sempre ficará prejudicada.

Fato é, que tal crença não se justifica, sobretudo em termos de pesquisas, pois temos vários exemplos de adoções tardias bem sucedidas, podendo-se dizer que em muitos casos filhos biológicos apresentam problemas de desenvolvimento nas mesma proporções dos filhos adotivos.

É necessário entender que a adoção não significa necessariamente uma questão primordial na definição no conjunto da personalidade da criança, existem muitos outros fatores que participam desse processo de desenvolvimento. O equilíbrio nas relações intrafamiliares, a capacidade dos pais adotantes dirigirem a essa criança especial atenção, afeto e cuidado são determinantes para o bom desenvolvimento psicossocial do adotado.

Neste sentido preceitua Camargo5:

―família atua através de um processo educativo, o entrejogo, isto é, o ensino de noções relacionadas ao cuidado de si – aspecto físico, ao desenvolvimento das habilidades voltadas à integração com os demais membros da família e, num contexto mais amplo, com a sociedade, e instrumentaliza o indivíduo para a atividade produtiva, além de conferir- lhe, com herança, as normas culturais – valores – de seu contexto social.‖

Outro grande mito é que as famílias que optam pela adoção procuram crianças de fisionomia parecidas com as suas, ou seja, uma família branca provavelmente espera adotar uma criança branca, ou uma família negra espera adotar uma criança negra, afim de que ela se pareça consigo formando assim um retrato de família ideal, muitas vezes até pretendendo.

Neste sentido Orseli6 acrescenta o seguinte:

Oportunizar a escolha do adotando por suas características biológicas, permite também o surgimento de um perfil idealizado, no qual o pretendente apoia suas expectativas de realização pessoal e de busca pela felicidade.

Permitir a seleção do adotando de acordo com os desejos do pretendente faz surgir ainda, a segregação de crianças e adolescentes. De um lado o adotando que se enquadra nas expectativas do adotante terá oportunidade de ser inserido em família substituta e crescerá acalentado por esse núcleo. De outro, o adotando não preferido, o qual, lamentavelmente, por não atender às expectativas do adotante, crescerá sem o amparo de uma família.

É necessário entender que tais crianças não são produtos oferecidos em mercado, e que quanto mais exigente é a família que vai adotar mais difícil é o processo de adoção,  pois as crianças disponíveis a adoção não correspondem a esses traços fisionômicos.

2.2. O PERFIL DESEJADO PELOS PAIS ADOTANTES E AS CRIANÇAS DISPONÍVEIS PARA SEREM ADOTADAS

Quando se fala no perfil desejado pelos postulantes, estamos diante de um grande desafio existente no sistema de adoção no Brasil. Conforme análise dos dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), administrados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) existem hoje cerca de

5.500 crianças em condições de serem adotadas e quase 30 mil famílias na lista de espera do CNA. O Brasil tem 44 mil crianças e adolescentes atualmente vivendo em abrigos, segundo o CNCA — em fevereiro do ano passado, eram 37 mil. A pergunta que se faz é: Porque a conta não fecha se há tantas pessoas dispostas a formar uma família, e o número de crianças de adolescentes inscritas no cadastro não para de crescer?

Segundo o próprio CNJ, a resposta pode estar na distância que existe entre o perfil da maioria das crianças do cadastro e o perfil de filho idealizado pelos que aguardam na fila da adoção. ―Nacionalmente, verifica-se que o perfil das crianças e adolescentes cadastrados no CNA é destoante quando comparado ao perfil das crianças pretendidas, fato que reveste a questão como de grande complexidade‖, admite o CNJ no documento Encontros e Desencontros da Adoção no Brasil: uma análise do Cadastro Nacional de Adoção, de outubro de 2012.

O grande vilão é o perfil traçado pelos pretendentes à adoção. De acordo com o CNA, 68,27% das crianças prontas para adoção são negras ou pardas, entretanto 21,47% dos pretendentes só aceitam adotar crianças brancas.

Outro fator que costuma ser sério obstáculo à saída de crianças e adolescentes das instituições de acolhimento, de acordo com as estatísticas do CNJ, é a baixa disposição dos pretendentes (17,51%) para adotar mais de uma criança ao mesmo tempo, ou para receber irmãos (18,98%). Entre os aptos à adoção do CNA, 76,87% possuem irmãos e a metade desses tem irmãos também à espera de uma família na listagem nacional. Como os juizados de Infância e Adolescência dificilmente decidem pela separação de irmãos que foram destituídos das famílias biológicas, as chances de um par (ou número maior) de irmãos acharem um novo lar é muito pequena.

Todavia a maior barreira encontrada é o fato de que apenas um em cada quatro pretendentes (25,63%) admite adotar crianças com quatro anos ou mais, enquanto apenas 4,1% dos que estão no cadastro do CNJ à espera de uma família têm menos de 4 anos. Por isso, cada dia que passam nos abrigos afasta as crianças ainda mais da chance de encontrar um novo lar. Tanto que é inferior a 1% o índice de pessoas prontas a adotar adolescentes (acima de 11 anos), que por sua vez respondem por dois terços do total de cadastrados pelo CNJ.

Isto posto, é fácil compreender porque há uma fila de crianças e adolescentes negros e  acima  da  idade  ―ideal‖  crescendo  em  instituições  de  abrigos  em  todo  o  país,  pois  é  o resultado de todos os critérios inflexíveis impostos pelos pretendentes e aceito pelas normas reguladoras da adoção.

Esses são sempre as maiores vítimas, colocados numa situação de instabilidade, de fragilidade emocional, de falta de perspectiva, sendo impossibilitados de viverem com suas famílias na fase em que mais necessitam. A institucionalização seria uma forma de protegê- los temporariamente até que fossem encaminhados a família substituta ou para a própria família de origem após a sua reestruturação. Contudo, devido as deficientes políticas públicas direcionadas as famílias brasileiras, que disponibilizam assistência, proteção e recursos insuficientes para a manutenção básica dos seus membros, juntamente com os critérios seletivos e rigorosos dos postulantes em relação ao perfil do adotado, esses contribuem direta e indiretamente para a permanência das crianças e adolescentes nos abrigos.

A adoção não pode ser vista como uma alternativa de segunda linha só porque o casal não conseguiu ter filhos biológicos de nenhuma forma. É importante desejar plenamente a adoção, se preparar e reduzir as expectativas e exigências. Muitas vezes, os pais esperam naquela criança a solução de todos os seus problemas, inclusive entre o casal. Filho, adotivo ou não, não resolve nenhum problema.

3.                A ESCOLHA DE UM PERFIL IDEAL: UMA AFRONTA AO PRINCIPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE?

 Infelizmente, dados estatísticos, conforme vimos acima confirmam que quanto mais tardia a idade da criança, maior a dificuldade para a sua adoção. Quase sempre quem deseja adotar procura bebês saudáveis, que tenham características físicas semelhantes às suas.

Referente ao perfil, Vargas7 esclarece que as crianças mais velhas, as negras, as pertencentes a um grupo de irmãos, os portadores de deficiência e as com problema de saúde não recebem tratamento igualitário dos adotantes tendo em vista que na maioria das vezes tais crianças encontram-se inseridas no contexto da modalidade de adoção tardia.

De uma forma geral, as pessoas têm medo de adotar crianças com idade maior que  06 meses devido à educação; tem medo de adotar crianças de cor diferente da sua pele por

―preconceito  dos  outros‖;  tem  medo  de  adotar  crianças  com  problema  de  saúde  pela incapacidade de lidar com situação e pelas despesas altas que teriam; tem medo de adotar uma criança que viveu muito tempo no orfanato pelos ―vícios‖ que traria consigo; medo que os pais biológicos possam requerer a criança de volta; medo de adotar uma criança sem saber  as  origens  dos  pais  biológicos,  pois  a  ―marginalidade‖  dos  pais  seria  transmitida geneticamente; pensam que a criança adotada, cedo ou tarde, traz problemas, pensam na adoção como um último recurso para quem não consegue ter filho biológico.

O fato é que tal situação bate de frente com o principio da prioridade da criança pois o que se vê nessa situação e a satisfação de vontade dos adotantes em detrimento aos direitos das crianças. Segundo o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que além de ser fundado nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, é fundada também no Melhor Interesse da Criança e o da Igualdade, o Estado não pode fechar os olhos para tal situação.

Diante desta problemática, Segundo Vargas8, no momento em que a sociedade nega  a criança o direito de inserir-se num contexto familiar, está provendo uma interferência determinante em seu processo de constituição e, consequentemente em seu modo de ser e estar no mundo.

Portanto o principio da prioridade absoluta garante a todas as crianças desde a concepção, o direito de se viver dignamente, nas esferas morais, corpóreas e psíquicas. Quando não damos a essas crianças a atenção devida, quando munidos de preconceitos a segregamos pela idade, raça, e condição, tiramos delas a prioridade que lhes são de direito.

Têm-se que a proteção integral é direito fundamental, que positivado não se concretiza isoladamente, necessitando, no entanto, de total efetividade por parte do poder público e da sociedade. De nada adianta ter um conjunto de normas em defesa dos abandonados sem ao menos um mínimo esforço para que se materializem.

Podemos ressaltar também o que dispõe o artigo 3º da Lei 8.069/90, popularmente conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dispõe que a criança e o adolescente gozaram de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-se lhes, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

São questões culturais como esta que a sociedade precisa repensar e discutir, o pensamento de que ―já que eu vou escolher eu quero assim‖ é um  processo de escolha que mercantiliza a adoção sendo proibido pela lei constitucional. Precisamos entender que uma criança com mais de sete anos pode sim amar a sua nova família,  pois ela tem a ideia de  que aquela família é um presente. Em contrapartida a família que acolhe recebe de presente uma pessoa com uma história, muitas vezes traumática, mais também cheia de coragem, força, e desejo de dar certo.

Ao considerarmos que a atual cultura da adoção moderna tem o escopo de aproximar a criança ao máximo a fisionomia dos adotantes, temos que quando desta, a escolha das características físicas e mentais são idealizadas e impossíveis de se alcançar no atual cenário brasileiro e não deveria ter apoio da legislação. Assim, Orseli9acrescenta que:

com o    genitor que não detém sua guarda. São Paulo:Revista de Direito de Família, nº 63, dez./jan. 2011, p.5.

Além de atentar contra a dignidade humana do adotando, a possibilidade de selecionar suas características físicas implica a segunda causa de demora no trâmite da adoção. Consequência que se reflete drasticamente na vida da criança e do adolescente, porquanto os obriga a permanecer muito tempo, ou até mesmo toda sua menoridade, dentro de uma instituição. Crescem sob os cuidados impessoais de uma equipe profissional e sem conhecer aquilo que a Constituição Federal assegura no artigo 227, o direito à convivência familiar.

Não faltam fundamentos legais para que o Estado possa adotar medidas para  a inibição da escolha de um perfil ideal de filho nas ações de adoção. Atenta-se que em toda a legislação que regulamenta as medidas de proteção à criança e ao adolescente o Estado detém obrigação legal de intervenção para a garantia dos direitos inerentes aos menores senão o que teremos é uma afronta direta ao principio da prioridade absoluta.

4.         DA INTERVENÇÃO DO ESTADO A FIM DE RESTABELECER O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

 Outro direito constitucional garantido as mesmas é o Princípio da Igualdade, elencado no artigo 5º caput da Constituição Federal, que assegura serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Com a intenção de abranger a todos os cidadãos, o princípio da igualdade precisa ser aplicado nas relações entre adotados e adotandos, é direito da criança não sofrer constrangimentos, pois possui total proteção contra e qualquer restrição que a coloque em desigualdade as demais crianças ou qualquer cidadão brasileiro.

Segundo WEBER10:

as crianças em acolhimento institucional, por estarem afastadas do convívio familiar por um período muito mais longo do que seria o recomendado, ou muitas vezes, por nem mesmo saber o que é convívio familiar, são protótipos dos resultados devastadores da ausência de uma vinculação afetiva estável e constante e dos prejuízos causados por um ambiente empobrecido e opressivo ao desenvolvimento infantil

O Estado deve priorizar a convivência familiar dessas crianças através de políticas públicas que subsidiem o planejamento da instituição familiar, acesso a métodos inserção, informações sobre os principais cuidados que os adotantes devem ter na escolha da criança ou adolescente afim de que se facilite a convivência da mesma em família e o seu bem-estar.

É importante que todos saibam através da iniciativa do Estado, que a idade, a cor a história da criança não pode ser fator determinante para o seu não acolhimento, ninguém tem o direito de orfanizar a criança ou adolescente pelo fato dele ser o que a vida fez dele.

O ECA dispõe em seu artigo 98 que as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados. Assim, conforme o artigo 101 em qualquer hipótese de violação, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras medidas o acesso ao cadastro o Ministério Público, o Conselho Tutelar, o órgão gestor da Assistência Social e os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, aos quais incumbe deliberar sobre a implementação de políticas públicas que permitam reduzir o número de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e abreviar o período de permanência em programa de acolhimento.

Desta forma, o amor e a solidariedade deve ser ponto relevante na adoção e a escolha do perfil ideal de filho deve ser repudiada no ordenamento jurídico brasileiro tendo como defensor o Estado e consequentemente toda sociedade.

É dever do Estado sim intervir, mas é meu dever e de toda sociedade não permitir que as adoções no Brasil somente assegurem os direitos das crianças dentro do perfil ideal, pois permitir isso é ferir o principio da isonomia, devendo todos nós fiscalizar as leis e criar programas de preparação dos pretendentes afim de que sejam assegurados os direitos fundamentais.

 5.           COMO FAZER CAIR AS BARREIRAS DA ADOÇÃO TARDIA?

  O processo de Adoção tem-se provado muito complexo no Brasil apesar das modificações que sofreu ao longo do tempo. Isso acaba por desmotivar os adotantes que possuem o desejo de formar uma família e igualmente e de forma excessiva a estrutura das crianças  e  adolescentes  sujeitados  a  aguardar  em  uma  ―fila  de  espera‖  dos  cadastros  de adoção, que em circunstâncias nenhuma parece diminuir.

A primeira medida a ser tomada pelo poder público é o da informação, visto que, como visto anteriormente, a falta de preparação e diálogo cumulados com a falta de uma cultura mais desenvolvida da adoção tardia gera preconceitos, que atrapalham o processo como um todo, sobre isso dispõe Vargas11:

Observa-se uma certa ênfase na dificuldade de adotados pelo maior volume de publicações, em relação a outros enfoques do tema. Vários estudos focalizam problemas com adotivos, como dificuldade de aprendizagem, sociopatias, distúrbios psicomotores e psiquiátricos.[…] A pesquisa que focalize o caráter preventivo da adoção é ainda inexpressiva nos países latino-americanos. Penso que outros fatores, além da questão do preconceito e da falta de uma cultura mais desenvolvida da adoção, concorram para esta carência[…] O pouco espaço oferecido pela  Instituições legais, para que os sujeitos e os processos de adoção sejam estudados num setting diverso do consultório, quando então já se tornaram pacientes, são alguns  exemplos da complexidade da situação, de tabus que ultrapassam a fronteira do tema da adoção.

Ou seja, é de suma importância programas governamentais de preparação e educação social como um todo. O Estado precisa urgentemente fomentar o  desenvolvimento da adoção tardia no Brasil, bem como conscientizar a sociedade estimulando o conhecimento de novos conceitos que visem garantir a convivência familiar para todas as crianças e adolescentes em situação de abandono, para que seja possível proporcionar à universalização do acesso a adoção.

Algumas medidas adotadas no Brasil têm dado grandes resultados, são medidas que se incentivas pelo Estado e publicizadas na sociedade gerariam bons resultados.

O primeiro e mais antigo é o Programa de Acolhimento Familiar elencado na Lei da Adoção. Nesse programa as famílias acolhedoras não se comprometem a assumir a criança como filho. São, na verdade, parceiras do sistema de atendimento e auxiliam na preparação para o retorno à família biológica ou para a adoção.

O período de acolhimento é de seis meses, durante os quais a família recebe uma ajuda de custo de um salário mínimo por mês. Cada família abriga um jovem por vez, exceto quando se tratar de irmãos.

Além do acolhimento familiar, os programas de apadrinhamento afetivo iniciados nas Varas da infância e da juventude dos Estados também são uma forma de trazer um pouco mais cuidado a essas crianças.

O apadrinhamento afetivo, que consiste basicamente em dar carinho, podendo, por exemplo, ficar com o afilhado em um período de férias escolares; o material, onde se assume algumas obrigações financeiras, custeando, por exemplo, a educação; o familiar, que envolve todo o núcleo familiar do padrinho/madrinha; o prestador de serviços, o qual será prestado serviços gratuitos, em conformidade com sua área de formação profissional.

Contudo o método que merece maior destaque é o prazo máximo de dois anos para permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional. Nessa medida havendo casos que excedam o prazo, a situação deve ser justificada pelo juiz. De acordo com a pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social, o Brasil tem conseguido respeitar o prazo de dois anos para acolhimento.

Publicizando e aprimorando essas medidas bem como criando outras, é possivel o Estado conceder melhores condições de vida as crianças e adolescentes presas em orfanatos, amenizando o sofrimento dessas crianças abandonadas e a luz da própria sorte.

CONCLUSÃO

  Com o exposto, percebeu-se que a lei constitucional através do principio da prioridade absoluta da criança e do adolescente, colocou os mesmos como sujeitos de prioridades nacionais e que ela é o foco central de todas as preocupações nacionais. Porém,  o que se notou também é que existe uma insuficiência na atuação do Estado alcançar os objetivos almejados pela Constituição. A ausência de políticas públicas direcionadas a satisfazer o que ela determinou como prioridade nacional, vem acarretando uma série de problemas sociais envolvendo menores.

Tal omissão estatal gera graves problemas, com destaque a adoção tardia, que é a adoção das crianças e adolescentes maiores de dois anos. Entende-se que o grande problema que cerca a adoção hoje no Brasil esta relacionado ao perfil da criança almejada.

A importância da presente pesquisa se dá, na medida em que verificou-se que quando os pretendentes traçam um perfil ideal de filho, ferem de forma direta o principio da prioridade absoluta da criança e do adolescente, pois quando se escolhe uma criança por medo do seu passado, pela cor, raça, e idade estamos mercantilizando as mesmas e as tratando indignamente.

Dada à importância do assunto, torna-se necessário o desenvolvimento de formas de agilizar a construção de uma nova cultura da adoção, que venham incentivar as adoções tardias. Não esquecendo que é nosso dever como profissionais do direito discutir ainda mais o tema, e mobilizando a sociedade em prol da proteção das crianças e do adolescente, onde o melhor interesse da criança seja respeitado e assegurado por todos os brasileiros.

É necessário, portanto, que o Estado, bem como os operadores de direito, realizem trabalhos de divulgação nos espaços acadêmicos como nas Universidades, através de palestras, ações sociais, programas de acolhimento, destacando sempre a importância da adoção como garantia do direito à convivência familiar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 BRASIL. Código Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 08/06/2011.

CAMARGO, Mário Lázaro. Adoção Tardia: mitos, medos e expectativas. São Paulo: Edusc, 2006, p.64.

CNA – Cadastro Nacional de Adoção. Consulta pública. Disponível em < www.cnj.jus.br> Acesso em 25/02/2017

Constituição Federal de 1988. Disponível em : www.planalto.gov.br . Acesso em: 25/02/2017

.Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em 25/02/2017.

Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Nova Lei de Adoção e as alterações do ECA.

Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil…/. Acesso em: 25/02/2017.

LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: IBPS. 1991. p.21.

ORSELLI, Helena de Azeredo. Reflexões acerca do direito fundamental do filho à convivência com o genitor que não detém sua guarda. São Paulo:Revista de Direito de Família, nº 63, dez./jan. 2011.

VARGAS, M. M. Adoção tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

WEBER, Lídia. Adote com Carinho, Curitiba, Juruá Editora, 2009.

Realidade brasileira sobre adoção . Disponivel em< www.senado.gov.br> Acesso em 25/02/2017

NOTAS DE RODAPÉ:

1 Advogada

2 LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: IBPS. 1991. p.21.

3 VARGAS, M. M. Adoção tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p.35.

4 VARGAS, M. M. Adoção tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p.30.

5 CAMARGO, Mário Lázaro. Adoção Tardia: mitos, medos e expectativas. São Paulo: Edusc,  2006,   p.64.

6 ORSELLI, Helena de Azeredo. Reflexões acerca do direito fundamental do filho à convivência com o genitor que não detém sua guarda. São Paulo:Revista de Direito de Família, nº 63, dez./jan. 2011, p.4.

7 VARGAS, M. M. Adoção tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p.28.

9 ORSELLI, Helena de Azeredo. Reflexões acerca do direito fundamental do filho à convivência8 VARGAS, M. M. Adoção tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

10 WEBER, Lídia. Adote com Carinho, Curitiba, Juruá Editora, 2009, p.64.

11 VARGAS, M. M. Adoção tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p.32.

Palavras Chaves

Direito de Família; direito da criança e do adolescente; princípio da prioridade absoluta da criança e do adolescente; adoção tardia.