Entrevistada: Dra. Rita Cortez – Advogada trabalhista, 1ª vice-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Presidente da Comissão de Direito Sindical da Seccional do Rio de Janeiro, Presidente de Honra da ACAT (Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas).
PERGUNTAS:
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O que lhe incentivou a cursar Direito?
A minha participação, como estudante secundarista, na luta pelas liberdades democráticas. Naquela época vivíamos tempos muito difíceis. Nós, os estudantes, participávamos ativamente da luta contra a ditadura militar e pelo restabelecimento da democracia o que significava lutar em prol dos direitos humanos. Neste contexto, julguei ser adequada a opção pelo curso de direito. Já na faculdade, a simpatia pelos direitos sociais, notadamente dos trabalhadores, agregada a oportunidade de estagiar no sindicato dos trabalhadores em empresas gráficas fez com que eu enveredasse para o segmento trabalhista.
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Sua trajetória na advocacia é de muitas conquistas e vitórias, fale um pouco deste caminho, inclusive sobre a honra de receber a Comenda do Mérito Judiciário do TRT-RJ (Tribunal Regional do Trabalho).
As conquistas e as vitórias, para nós mulheres, são sempre muito batalhadas. Muito suor e até mesmo lágrimas. Apesar de ter iniciado a carreira num momento em que havia mais oportunidade no mercado de trabalho, para o exercício da advocacia, de forma geral, eu certamente enfrentei as mesmas dificuldades pelas quais passam todas as mulheres que se tornam profissionais do direito (advogadas, magistradas, procuradoras, membros do ministério público, e defensoras públicas).
A advocacia, particularmente, tem um perfil extremamente masculino. Não foi por acaso que a OAB-Rj, na gestão do Dr. Costa Neto, resolveu criar uma comissão que tratasse dos obstáculos impostos às advogadas no desenvolvimento de suas atividades profissionais: a OAB Mulher.
Precisávamos deste espaço para troca de ideias, trabalho e luta.
Por sua vez, ser respeitada como advogada trabalhista era enfrentar uma dupla discriminação: a de gênero e pelo fato de haver sérios preconceitos contra os advogados trabalhistas, principalmente, os que se dedicavam, naquela época, a atuar em sindicatos de trabalhadores, com fortes resquícios do intervencionismo do governo militar. O pensamento reinante era que o direito do trabalho era um direito menor, de segunda categoria, e por extensão a assistência jurídica sindical era totalmente desprezada.
Nós trabalhistas e advogados (as) sindicais ainda tentamos superar discriminações de toda a sorte.
Ser agraciada com a comenda do mérito judiciário do TRT-RJ foi uma grande honra para mim e para todos os que são indicados, pelo tribunal, a recebê-la. Creio que a comenda foi fruto não só de muitos anos dedicados ao direito do trabalho e à advocacia trabalhista, atuando com ética e seriedade, mas, notadamente, por ter me dedicado, concomitantemente ao exercício profissional, a representar os interesses e anseios da classe.
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A história de grandes mulheres nos mostra o quanto somos capazes de criar, evoluir, lutar, nos reinventar, e sermos quem queremos ser. E isso, não só no mundo do Direito, mas em todas as áreas. Quais são as mulheres que te inspiram?
As anônimas.
As mulheres silenciosamente guerreiras. As que apesar de não terem notoriedade acabam por matar vários leões dia a dia, no trabalho, na política, no lar e na família. As que não jogam a toalha no ringue e que não abandonam seus ideais. As que fazem da sua sofrida rotina uma esperança de obter a tão sonhada igualdade de oportunidades. Enfim, as que querem um mundo melhor, as que querem um país mais justo, mais fraterno, mais solidário, para si, para seus companheiros, para seus filhos e filhas.
Preciso dizer, aqui, que tão importante quanto receber a comenda do mérito judiciário do TRT da 1ª Região, foi receber a medalha Mirtes Campos conferida pela OAB Mulher desta Seccional, então presidida pela amiga advogada Daniela Gusmão e do não menos amigo, presidente da OAB/Rj, Felipe Santa Cruz.
Mirtes Campos, a primeira mulher advogada, sem dúvida alguma, é um símbolo da nossa luta e das mulheres que conseguiram alçar cargos máximos de representação em entidades da advocacia, como Moema Baptista, primeira mulher a presidir a ACAT e a ABRAT, e Maria Adélia Campelo, primeira advogada a presidir o Instituto dos Advogados Brasileiros.
Divido, portanto, este agraciamento com advogadas que tiveram o privilégio de presidir a OAB-Mulher, como a atual presidente, Marisa Gáudio, que tão bem tem conduzido às atividades desta comissão e as demais amigas que a ajudam a cumprir esta difícil missão de falar em igualdade de gênero na advocacia.
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Sobre ser mulher e fazer parte da Diretoria, e do Conselho Superior do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, sem dúvida a mais antiga, e uma das mais respeitadas instituições do Direito brasileiro, e como o próprio IAB propaga, “Na vanguarda do Direito desde 1843”, como tem sido essa experiência?
Sem dúvida alguma, ingressar e participar do IAB, como academia de direito, sendo, como afirma o presidente Técio Lins e Silva, a mais antiga casa de cultura e de ensino jurídico das Américas (completamos em setembro 174 anos de existência) é algo excepcional. Vice presidir o IAB é uma grande honra e uma enorme responsabilidade.
Substituir o presidente Técio na representação do IAB, por seu prestígio e liderança, não é fácil. No entanto, estamos desenvolvendo um mandato com profundas mudanças. Imprimimos dinamismo à administração e conseguimos angariar a atenção do mundo jurídico brasileiro, para as nossas abalizadas opiniões técnicas, através da produção de pareceres sobre os mais diferentes temas de relevância e de interesse nacional.
Isto só seria possível conjugando os esforços de todos da diretoria e estamos irmanados com os projetos traçados desde que assumimos a gestão nos dois últimos biênios. O nosso trabalho coletivo dá vida ao instituto. Posso dizer que estou orgulhosa de fazer parte deste trabalho, até porque conseguimos firmar o IAB como uma instituição respeitada nacionalmente, dando continuidade à rica trajetória histórica da “casa de Montezuma”, por aqueles que nos antecederam.
Eu realmente tenho enorme satisfação de acompanhar, nas nossas sessões plenárias, o ingresso de vários jovens advogados, extremamente qualificados, reconhecidos no âmbito da sua atuação profissional, como sócios efetivos, além dos sócios honorários (juristas não inscritos na OAB).
Acredito que nossas expectativas foram e estão sendo plenamente satisfeitas e não há melhor sensação que a do dever cumprido.
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O movimento “Mais Mulheres da OAB”, que teve origem na Carta de Maceió em maio de 2015, durante a I Conferência da Mulher Advogada, reforçou a união das advogadas brasileiras em torno de uma Ordem que represente, cada vez mais, os anseios da mulher advogada, através de uma composição mais feminina em suas diretorias e conselhos. Qual sua opinião sobre esse movimento?
Significa que estamos avançando. Estamos crescendo e progredindo com muita maturidade e disposição, para coroar de êxito um movimento reivindicatório antigo da advocacia feminina. Não há qualquer justificativa para que não tenhamos uma representação proporcional ao número de advogadas (e hoje somos a maioria) inscritas nas respectivas Seccionais. A Carta de Maceió é um hino a ser entoado pelas advogadas que procuram resgatar a importância do papel das mulheres na profissão e na política corporativa.
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O que é para você ser mulher e advogada?
Um desafio.
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Como é a experiência de comandar um Escritório?
Tal qual no IAB, procuramos encaminhar o nosso trabalho no escritório dividindo as tarefas jurídicas oriundas das demandas dos nossos clientes. É um trabalho de equipe na qual sou apenas uma peça na engrenagem interna.
Procuro repassar a experiência vivida, bem como os valores que cultuei ao longo da minha vida profissional, tanto na gestão, como na condução das atividades contenciosas ou de assessoria jurídica da Cortez e Advogados Associados – AJS.
O caminho é espinhoso. Julgo que, atualmente, o nosso escritório lida com os mesmos problemas e dificuldades pelas quais a advocacia atravessa num momento de enorme turbulência institucional e econômica. Posso dizer, contudo, que a sensibilidade feminina no trato de determinados assuntos é um diferencial.
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Muito se criticou a Reforma Trabalhista, pelo retrocesso aos direitos trabalhistas do cidadão brasileiro que ela representa. Por outro lado, há quem a defenda como um avanço nas relações trabalhistas entre patrões e empregados. Como você enxerga a reforma? E com relação às empregadas mulheres, tivemos algum avanço?
Nenhum avanço. Ao contrário! As novas normas marcam um retrocesso trabalhista sem precedentes, para todos os trabalhadores. Hoje apelidamos a Lei, com vigência marcada para novembro de 2017, como “Deforma Trabalhista”. Especificamente quanto às mulheres, não há como obter uma leitura progressista, atingidas que fomos por dispositivos legais que negligenciam a nossa saúde e as nossas condições especiais de trabalho. A Lei, por exemplo, passa a admitir a possibilidade de a gestante trabalhar em ambientes insalubres, quando antes era imperiosamente proibido. Lamentavelmente teremos que enfrentar a novel legislação trabalhista à luz das convenções internacionais da OIT, bem como defender de forma intransigente os direitos sociais fundamentais assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais na Constituição Federal de 88.
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Com base no número de inscrições junto à OAB, sabe-se que, em breve, o número de advogadas deve ultrapassar o número de advogados em atividade no Brasil. Apesar disso, ainda é possível identificar o chamado “teto de vidro” no dia-a-dia das profissionais, que as impedem de alcançar cargos mais altos em suas carreiras. Para as mulheres advogadas avançarem e conseguirem garantir seus direitos dentro desse espaço eminentemente masculino, que ainda é a advocacia, qual seria o seu conselho?
A base, para enfrentarmos esta situação, está na organização e na disposição de luta. É ter a consciência de que a união e a solidariedade, que ainda nos falta em vários setores, são alavancas fundamentais para o sucesso as legítimas e justas empreitadas da advocacia feminina.
Precisamos derrubar estigmas e combater os preconceitos de gênero. Precisamos ser mais solidárias, sempre! Debater, planejar metas e atuar em conjunto, através dos movimentos sociais e das organizações da classe, no meu entendimento, é o melhor remédio.
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Dentre as conquistas recentes da advocacia feminina estão a declaração do ano de 2016, como o “Ano da Mulher Advogada”, o “Plano de Valorização da Mulher Advogada”, as duas edições da “Conferência Nacional da Mulher Advogada” e este ano a nossa “I Conferência Estadual da Mulher Advogada”. Como você avalia essas conquistas, e na sua opinião, quais próximos passos devemos dar?