AINDA SOBRE O (ODIOSO) BLOQUEIO DE BENS SEM ORDEM JUDICIAL

Resumo

O artigo versa sobre a Lei 13.606/18, onde autoriza que a União efetue o bloqueio de bens de seus devedores, sem a necessidade de obter a ordem judicial.

Neste sentido, faz um comparativo sob a ótica de tal medida para a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) que defende sua legalidade por, em suma, se tratar do meio mais conveniente para que seja afastado o risco de fraude à execução do crédito tributário inscrito na dívida ativa. E, em contrapartida, àqueles que alegam a inconstitucionalidade da norma, por ser violadora do devido processo legal, bem como, do exercício do contraditório e da ampla defesa.

Artigo

AINDA SOBRE O (ODIOSO) BLOQUEIO DE BENS SEM ORDEM JUDICIAL

GILBERTO COSTA FILHO

(Sócio de Gomes de Mattos Advogados Associados)

Resumo:

            O artigo versa sobre a Lei 13.606/18, onde autoriza que a União efetue o bloqueio de bens de seus devedores, sem a necessidade de obter a ordem judicial.

            Neste sentido, faz um comparativo sob a ótica de tal medida para a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) que defende sua legalidade por, em suma, se tratar do meio mais conveniente para que seja afastado o risco de fraude à execução do crédito tributário inscrito na dívida ativa. E, em contrapartida, àqueles que alegam a inconstitucionalidade da norma, por ser violadora do devido processo legal, bem como, do exercício do contraditório e da ampla defesa.

Palavras chave: Bloqueio de bens. Lei 13.606/18. Crédito tributário.

Conforme sufragado pelo famoso ditado popular: não há nada tão ruim que não possa piorar!  E, de fato, a piora no ambiente jurídico, sobretudo no tocante à proteção das garantias e direitos individuais, deu-se recentemente, com a publicação da Lei nº 13.606/18, que, a pretexto de autorizar o parcelamento do Funrural e outras questões atinentes a este tema propriamente, trouxe em seu bojo, quase que por engano ou de maneira despercebida, uma escamoteada e sorrateira permissão para a União efetuar o bloqueio de bens de seus devedores, sem a necessidade de obter – para tanto – a (sempre indispensável) ordem judicial (!).

Dessa maneira, a teor do art. 25 desta lei, basta que a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), ao identificar determinado bem pertencente ao seu devedor, o notifique para a realização do pagamento do débito tributário já inscrito em dívida ativa, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de, não o fazendo, tornar aquele bem indisponível.

Como não poderia deixar de ser, muito embora essa norma ainda dependa de regulamentação para a sua implementação, várias vozes já se levantaram contra tal procedimento, denominado de “averbação pré-executória” pela PGFN, que defende a sua legalidade ao argumento, em suma, de se tratar do meio apropriado para se afastar o risco de fraude à execução do crédito tributário inscrito na dívida ativa.

Por outro lado, as alegações contrárias a tal medida giram em torno de sua patente inconstitucionalidade, porquanto violadora do devido processo legal e, por conseguinte, do exercício ao contraditório e a ampla defesa, isso sem se falar na sua notória característica de sanção política, tantas vezes já reprimida pela Suprema Corte, a exemplo dos julgados que culminaram com a edição, dentre outros, dos verbetes nº 70, 323 e 547, que, objetivamente, vedam a apreensão de bens por parte do Estado quando esta se dá com o objetivo de obrigar ou forçar o contribuinte a pagar tributos ou quitar débitos.

O que mais salta aos olhos, no entanto, é que dita inconstitucionalidade, neste caso em particular, parece ter contaminado essa norma até mesmo antes do seu nascimento, se considerado como tal a sua publicação.

Melhor explicando, em atendimento ao disposto no Parágrafo Único do art. 59 da Carta Magna, que prevê que a lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, foi editada a LC nº 95 no longínquo ano de 1988, que, nesse exato sentido, estabeleceu em seu artigo 7º que “o primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação”, observados, em especial, os princípios de que, excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto e não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão, como se infere dos incisos I e II deste dispositivo legal.

Pois bem, sem prejuízo de outros princípios que, a toda evidência, também restaram violados, é certo que legislador (intencionalmente ou não, é irrelevante) deixou de observar os ditames contidos na referida lei complementar e, principalmente, no citado art. 7º, incisos I e II, na medida em que, mesmo fazendo constar no art. 1º da Lei 13.606/18 que esta se prestaria à instituição do “Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) na Secretaria da Receita Federal e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”, houve por bem aproveitar essa espécie de “carona legislativa”, para incutir em seu texto o malsinado artigo 25, que, como visto, trata, única exclusivamente, da chamada “averbação pré-executória”, ou seja, da nova modalidade de bloqueio de bens que prescinde de ordem judicial.

Com efeito, levando-se em consideração que, a teor da LC nº 95, a lei ordinária só deve conter um único objeto e âmbito de aplicação, não podendo, por sua vez, tratar de matéria estranha àquela especificada em seu artigo primeiro ou que com o objeto lá mencionado não se vincule, seja por afinidade, pertinência ou conexão, como sustentar que um dispositivo que trata, especificamente, do aludido bloqueio de bens, possa ser admitido no meio de outros trinta e nove, que, em obediência, justamente, ao artigo 1º da Lei 13.606/18, tratam, única e exclusivamente, do Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) e das matérias que – aí sim – lhe são vinculadas por afinidade, pertinência ou conexão?!!

Realmente impossível, posto que não existe qualquer vinculação (seja por afinidade, pertinência ou conexão) entre as normas que se referem ao Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) e a tal averbação pré-executória.

Por essa razão, em especial, isto é, pela absoluta ausência de vinculação entre o instituto do bloqueio de bens e a matéria veiculada pela Lei 13.606/18, é que se disse lá atrás que a norma inserta em seu artigo 25 já nasce eivada de inconstitucionalidade, pelo menos sob o seu aspecto formal, dado o desrespeito ao processo legislativo constitucional, ou melhor, à própria LC nº 95 (art.º 7º).

Nessa linha de raciocínio, Alexandre de Moraes, hoje Ministro do STF, ao comentar o mencionado artigo 59 da Constituição Federal (in Atlas, 8ª edição, página 1020), já advertia que “o respeito ao devido processo legislativo na elaboração das espécies normativas é um dogma corolário à observância do princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente, uma vez que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada pelo Poder Competente, segundo as normas de processo legislativo constitucional”.

A bem da verdade, mesmo que, hipoteticamente, o art. 25 da Lei 13.606/18 restringisse a medida de bloqueio em comento às questões atinentes ao Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) ou agrárias de um modo geral, a sua inconstitucionalidade manter-se-ia hígida diante da violação ao devido processo legal, do seu caráter de sanção política e etc., o que torna a vida ou as atividades do contribuinte, já tão combalido por bloqueios excessivos, realizados sem a devida fundamentação legal e que tais, ainda mais caótica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil.       Brasília, DF. Disponível em:           <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso             em: 23 out. 2018.

BRASIL, Lei Complementar nº 95 de 26 de Fevereiro de 1988. Dispõe sobre a elaboração,        a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo          único do          art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil.            Brasília,DF. 27 fev. 1998, P.

1. Disponível em:             <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp95.htm>. Acesso em: 23 out. 2018.

 BRASIL. Lei nº 13.606 de 9 de Janeiro de 2018. Institui o Programa de Regularização             Tributária Rural (PRR) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-           Geral   da Fazenda Nacional. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil.       Brasília, DF. Seção 1 de 10 jan. 2018. Disponível em:             <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13606.htm>. Acesso em:       23 out. 2018.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 323. É inadmissível a apreensão de       mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Disponível em:             <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=323.NUME.%20NA     O%20S.FLSV.&base=baseSumulas> . Acesso em: 23 out. 2018.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 70. É inadmissível a interdição de        estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Disponível em:             <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=70.NUME.%20NA       %20S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 23 out. 2018.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 547. Não é lícito à autoridade proibir que o     contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e     exerça suas atividades profissionais. Disponível em:           <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=547.NUME.%20NA            O%20S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 23 out. 2018.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação     Constitucional. 8ª Ed. Atualizada até a EC nº 67/10- São Paulo: Atlas, 2011.

Palavras Chaves

Bloqueio de bens. Lei 13.606/18. Crédito tributário.