AVALIAÇÃO NEUTRA COMO INSTRUMENTO AUXILIAR NA MEDIAÇÃO

Resumo

A mediação de conflitos assume, a cada dia, um papel mais relevante na solução de conflitos de naturezas diversas, tendo especial destaque aqueles em que o componente emocional mostra-se preponderante, embora cresçam as iniciativas em conflitos nas áreas comercial e empresarial, locais em que podem surgir questões de cunho técnico que dificultam a evolução do diálogo. Tal cenário revela-se propício à Avaliação Neutra que, apesar de ainda incipiente no país, mostra-se como uma ferramenta eficaz para auxiliar na solução de conflitos, isso porque fornece às partes a opinião de um especialista sobre a questão debatida, garantindo segurança para equalizar as controvérsias de modo a respaldar uma solução consensual, defensável contra críticas posteriores, isso por estar chancelada pela autoridade e respeitabilidade de um avaliador neutro e independente.

Artigo

AVALIAÇÃO NEUTRA COMO INSTRUMENTO AUXILIAR NA MEDIAÇÃO

 

 Francisco Maia Neto1

RESUMO: A mediação de conflitos assume, a cada dia, um papel mais relevante na solução de conflitos de naturezas diversas, tendo especial destaque aqueles em que o componente emocional mostra-se preponderante, embora cresçam as iniciativas em conflitos nas áreas comercial e empresarial, locais em que podem surgir questões de cunho técnico que dificultam a evolução do diálogo. Tal cenário revela-se propício à Avaliação Neutra que, apesar de ainda incipiente no país, mostra-se como uma ferramenta eficaz para auxiliar na solução de conflitos, isso porque fornece às partes a opinião de um especialista sobre a questão debatida, garantindo segurança para equalizar as controvérsias de modo a respaldar uma solução consensual, defensável contra críticas posteriores, isso por estar chancelada pela autoridade e respeitabilidade de um avaliador neutro e independente.

 Palavras–chaves: Avaliação Neutra; Matéria Técnica; Mediação de Conflitos

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. A QUARTA ONDA DOS MESCs; 2. A MEDIAÇÃO COMO FORMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS; 2.1. A avaliação neutra; 2.2.

Elaboração de estudos técnicos em mediação de conflitos; 2.3. Situações práticas de ocorrência da Avaliação Neutra como instrumento auxiliar para solução de conflitos que envolvam questões técnicas; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS

 

INTRODUÇÃO

 O aumento crescente da judicialização dos conflitos vem sendo apontado como um dos grandes problemas que o país enfrenta, como bem apontou o empresário mineiro Rubens Menim, fundador da MRV Engenharia, ao receber o prêmio de Industrial do Ano de 2017:

[...] foram surgindo novos inimigos, que atrapalham demasiadamente a nossa possibilidade de crescimento e a nossa competitividade. Quais são eles? São três principais, sobre os quais nós temos de pensar com muita seriedade. O primeiro deles é a judicialização. O Brasil é, hoje, o país mais judicializado do mundo.2

Em análises diversas podemos apontar três motivos como causa para esta indesejável realidade: o primeiro deles seria a insegurança jurídica decorrente do excesso de leis, que fazem de nosso país o que possui um dos mais complexos sistemas legais do planeta; o segundo decorre da aplicação bem-sucedida do Código de Defesa do Consumidor, aliado à privatização de serviços e à concentração bancária e comercial, que favoreceu o acesso ao judiciário ao conferir especial proteção para o consumidor nas relações de consumo que, conjugado com o terceiro motivo, o aumento real do salário mínimo dos programas de transferência de renda.

Tais situações propiciaram a inserção no mercado de 32 milhões de consumidores entre 2003 e 2008, fator que aumentou significativamente o volume dos litígios. Ocorre que, paralelamente ao aumento da demanda, não obstante aos inúmeros esforços empreendidos nos últimos anos, tais como o aumento da estrutura dos tribunais – com a ampliação no número de juízes e desembargadores -, ou a evolução tecnológica implementada nestes órgãos, a capacidade estatal para solução de conflitos não foi capaz de absorver a crescente demanda, que se refletiu nas estatísticas divulgadas pelo anuário Justiça em Números, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)3.

Este anuário, no ano de 2018, apontou um número próximo de oitenta milhões de ações em andamento e um índice de congestionamento de 67,00%, cujo custo para o estado brasileiro foi de 1,1% (um vírgula um por cento) do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a matéria publicada no jornal Valor Econômico mostra que os gastos das empresas com ações em 2015 foram da ordem de 2% (dois por cento) de suas receitas, valor superior a 124 bilhões de reais4.

Este quadro resulta, então, na notória morosidade para a solução de conflitos, de modo que especialistas defendem a necessidade de novos caminhos para enfrentar esta situação, sem se adentrar em suas causas. Neste cenário propício a mudanças, os denominados Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos (MESC) surgem como mais adequados,  ao propiciarem aos litigantes a possibilidade de uma decisão célere e técnica para a resolução dos conflitos, tendo em vista a possibilidade das partes elegerem especialistas para auxiliar ou decidir o conflito, o que aumenta o campo de atuação dos profissionais preparados para lidar

com estas situações, cujo conhecimento técnico e a experiência com a resolução de conflitos credenciam-nos para esta função.

1.       A QUARTA ONDA DOS MESCs5

 Esta difícil realidade levou os operadores do direito a debaterem e sugerirem ao longo dos últimos vinte anos diversas iniciativas que propiciassem a modernização do Poder Judiciário, incluindo a sua própria reforma, a criação de Centros de Conciliação e a implementação do processo eletrônico, dentre outras. Além disso, ano de 1996, surgiu a primeira iniciativa parlamentar de implementação dos Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos (MESC), com a publicação da Lei n° 9.307/96, que viabilizou a introdução da arbitragem comercial em nosso sistema jurídico.

A Lei de Arbitragem brasileira consagrou o instituto que estava começando a ser adotado no Brasil, estabelecendo significativas alterações para sua utilização, fruto de um esforço da sociedade civil. Ao mesmo tempo, conferiu ainda segurança jurídica à sua utilização em nosso meio jurídico e empresarial, assumindo uma posição de referência em nível mundial, colocando o Brasil em posição de destaque na utilização dessa forma eficiente de solução de conflitos.

Após este marco inicial, que foi o grande condutor para o crescimento do movimento de desjudicialização dos conflitos no país, surgiram iniciativas diversas, inclusive por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), grande incentivadora dos denominados meios alternativos ou adequados, culminando com a criação pelo Poder Judiciário, no ano de 2006, da Semana Nacional da Conciliação, representando um esforço para a autocomposição na solução de conflitos, organizada pelos próprios magistrados.

Na sequência desse esforço crescente foram criadas iniciativas parlamentares para a introdução da Mediação em nosso sistema jurídico. Desta forma, foram criadas duas comissões de especialistas encarregadas de elaborarem anteprojetos de lei no âmbito do Ministério da Justiça e do Senado Federal, e isso culminou com a sanção presidencial da Lei n° 13.140/15, no ano de 2015, denominada como Lei de Mediação. Estes marcos legais representaram momentos de afirmação dos MESC no país, denominados como ‘as três primeiras ondas’, ocorridas em intervalos próximos de dez anos, representando ações concretas para a desjudicialização dos conflitos por intermédio dos meios extrajudiciais,

apropriados ou alternativos, sendo este um movimento que prossegue com o aprimoramento e surgimento de novas iniciativas, das quais se destacam a Ouvidoria, a Adjudicação, o Comitê de Resolução de Disputas e a Avaliação Neutra.

1.       A MEDIAÇÃO COMO FORMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

 Os mecanismos de solução de conflitos podem ser divididos em dois grupos: os autocompositivos, com características cooperativas, e os heterocompositivos, com características decisórias. Figuram no primeiro grupo a negociação, cuja sistemática é direta entre as partes; a mediação e a conciliação, cujos processos são conduzidos por terceiros. No segundo grupo, aparecem a arbitragem,  cuja  natureza  é  voluntária, e a jurisdição estatal, de submissão compulsória.

Esta diferenciação levou-nos a idealizar uma figura metafórica que denominamos Pirâmide da Solução de Conflitos. A indicação  no  singular dessa figura  decorre  do  fato de que todo conflito só se resolve de forma terminativa por um único mecanismo, embora o mesmo possa percorrer outros mecanismos durante o processo conflituoso, que tem em sua base a negociação, passando pela mediação, conciliação e arbitragem, findando no  topo  com o Poder Judiciário (Figura 1)6. Este sempre será o guardião da solução das controvérsias, além de ser o único que pode, coercitivamente, dar eficácia às decisões originárias dos demais métodos. Além disso, ao nos deslocarmos da base para o topo da pirâmide, à medida que se sucedem os diversos mecanismos, cresce a intervenção de terceiros, aumenta o formalismo, acirra-se a litigiosidade e o processo tende a se tornar mais duradouro.

Embora com diferentes metodologias, os MESC’s, em geral, têm uma série de características semelhantes a saber:

  • qualquer MESC é iniciado com o consentimento de todas as partes; de um modo geral, o consentimento é manifestado por escrito;
  • existem regras     claras     para     os    diferentes    procedimentos,     com     o    prévio conhecimento das partes;
  • as partes podem escolher o “seu” terceiro imparcial (árbitro, mediador, avaliador );
  • os terceiros imparciais estão familiarizados com o método no qual prestarão os seus serviços, pois foram treinados para isso;
  • os terceiros imparciais documentam a sua independência e imparcialidade;
  • os terceiros imparciais devem manter sigilo em relação às partes e seus conflitos;
  • os terceiros imparciais devem respeitar um código de ética;
  • as partes são, de antemão, cientificadas do custo aproximado envolvido na resolução do conflito;
  • os custos dos MESC’s não estão ligados a um resultado;
  • os prestadores de serviços e terceiros imparciais não participam voluntariamente de processos judiciais referentes ao serviço prestado nos MESC’s;
  • os prestadores de serviços de MESC’s não executam ou aplicam decisões por interesse próprio ou a pedido de qualquer das

Neste contexto, a Mediação (Figura 2)7 pode ser sintetizada por consistir em uma

negociação assistida, caracterizada pela não adversariedade, voluntariedade, imparcialidade, independência e sigilo, que envolve a intervenção solicitada e aceita de um terceiro.

As decisões permanecem sob a  responsabilidade dos envolvidos no conflito, ou seja,  o mecanismo ocorre por meio da participação de um especialista em comunicação e negociação, cuja função é facilitar a comunicação entre as pessoas  em  litígios  e  ajudá-las    a alcançar uma solução de benefício e satisfação mútuos.

  • A avaliação neutra

Entre estas alternativas de solução extrajudicial de conflitos, a Avaliação Neutra (neutral evaluation) é uma das modalidades que, embora ainda seja incipiente, tem ganhado espaço e conta com a simpatia dos litigantes. Originária da cultura norte-americana, esta modalidade é indicada para orientar as partes em uma solução consensual do conflito, preferencialmente antes da adoção de outro mecanismo de resolução de conflitos, quando as negociações chegam a um impasse, seja em razão da natureza técnica da matéria ou pela relutância das partes em não alterarem suas posições.

Para tanto, as partes elegem, em conjunto, um profissional, preferencialmente especialista da matéria em discussão que, após uma vistoria, análise dos documentos e a explanação das partes, emitirá um parecer técnico em que deverá explorar de forma objetiva e conclusiva as causas e responsabilidades sobre os principais pontos da controvérsia, sempre focado na forma de resolver a disputa e nos pontos convergentes da discussão.

Trata-se de um método simples e relativamente rápido e que, devido à autoridade e respeitabilidade do avaliador neutro e independente, confere segurança e respaldo às partes para a tomada de decisões, tornando-as defensáveis contra críticas posteriores.

No entanto, o parecer emitido não é vinculante e nem tem força adjudicatória.  Por  esta razão, sua finalidade precípua é orientar uma resolução consensual, o que exige interesse e maturidade negocial entre as partes na solução de conflitos. Todavia, não havendo entendimento entre as partes, o parecer técnico ainda pode ser aproveitado posteriormente como uma prova técnica bilateral, eventualmente substituindo a necessidade de uma perícia, caso a disputa seja levada à decisão judicial ou arbitral. Por se tratar de uma modalidade ainda embrionária, inexiste normatização quanto ao procedimento a ser adotado, o que exige o cuidado das partes na definição do escopo, das etapas e do prazo no momento da contratação do profissional, isso é feito com o intuito de garantir o contraditório e de afastar questionamentos posteriores. Nossa experiência com este método sugere que a proposta comercial do avaliador neutro seja apresentada após a definição do escopo da avaliação, que deve ser definida previamente pelas partes, em conjunto, por meio da proposição de quesitos que irão nortear as etapas da Avaliação Neutra.

Formalizada a contratação, cabe às partes enviar cópia de todos os documentos que entendam ser necessários para a análise do litígio. No entanto, não há de se falar em preclusão dessa etapa, sendo permitido ao avaliador neutro solicitar, a qualquer momento, a complementação com documentos que julgue pertinente. Após o recebimento dos documentos, o procedimento deve seguir com a apresentação individualizada das alegações pelas partes, com duração pré-estabelecida. Este contato propicia ao avaliador maior proximidade com a matéria debatida, permitindo a ele entender os ensejos de forma autêntica, além de alinhar as expectativas de cada uma das partes, favorecendo a elaboração de um parecer independente que efetivamente esclareça o imbróglio.

Na sequência, cabe ao avaliador neutro elaborar, dentro do prazo previamente acordado, o parecer preliminar opinando tecnicamente sobre a matéria em litígio, onde serão destacados elementos relevantes para formação de suas convicções.

Em função de eventuais erros, omissões ou contradições, a semelhança do que ocorre nas perícias, após apresentação do parecer provisório, cabe às partes apresentar eventuais comentários e solicitações de esclarecimentos que deverão ser respondidos pelo avaliador dentro do prazo acordado, quando será então emitido o parecer definitivo.

Cabe destacar que as solicitações de esclarecimentos devem ater-se a aclarar dúvidas surgidas quanto ao parecer técnico preliminar e devem, necessariamente, ser restritas ao conteúdo do trabalho apresentado, não devendo conter fatos novos sobre matérias não suscitadas anteriormente, para que não fuja do escopo previamente definido em conjunto pelas partes. Para evidenciar eventual revisão ao parecer preliminar em decorrência da pertinência dos esclarecimentos solicitados, o parecer definitivo deve conter os quesitos de esclarecimento, devidamente respondidos, indicando eventuais alterações realizadas no parecer.

Por fim, o parecer definitivo deverá ser acompanhado por mídia digital contendo a identificação estruturada de todos os documentos apresentados pelas partes, bem como a memória de cálculo dos estudos executados, planilhas e todas as demais informações úteis  não discriminadas possíveis de serem obtidas e de interesse ao estudo realizado.

  • Elaboração de estudos técnicos em mediação de conflitos

Um momento especial dedicado no processo de mediação, que pode levar até mesmo a um impasse, refere-se à ocorrência de uma divergência de caráter técnico, cujos elementos trazidos pelas partes mostram-se antagônicos e sua interpretação carece de um conhecimento especializado para dirimir as dúvidas e contradições expostas.

Isso ocorre, por exemplo, em um conflito que tenha cunho patrimonial, onde a controvérsia sobre valores assume o núcleo central das discussões, podendo referir-se a uma partilha de bens entre casais que se encontram em um processo de divórcio ou mesmo a uma questão de natureza contratual onde o núcleo da divergência seja o cálculo de valores devidos por um dos contratantes.

Nessas ocasiões não existe outra forma de buscar uma melhor definição do problema senão a realização de um estudo técnico por meio da Avaliação Neutra, realizado por profissional especialista na matéria que irá opinar, sendo que alguns cuidados devem ser observados para que este caminho mostre-se o mais frutífero possível, sendo eles:

þþ Exata definição da matéria técnica: torna-se fundamental a estrita definição da controvérsia técnica que enseja a busca de um instrumento auxiliar ao processo mediacional, cujo escopo deverá ser apresentado ao especialista que irá examinar a questão, cuja construção caberá às partes, por meio da interseção do mediador;

þþ Metodologia a ser adotada: com a definição da matéria, a escolha da metodologia ou dos métodos a serem observados pelo especialista é uma consequência natural desta etapa; Escolha do profissional: aqui poderão ser adotadas as mesmas técnicas utilizadas para escolha de peritos em processos arbitrais, cuja definição obrigatoriamente terá caráter consensual, quando não puder ser de forma direta, sugere a adoção de escolhas com a participação recíproca, por meio de listas com critérios objetivos para indicação dos nomes, lembrando-se sempre dos requisitos de independência e imparcialidade, inerentes ao desempenho da função.

þþ Indicação de consultores pelas partes: esta é uma etapa que pode ser suprimida pela vontade das partes, mas se mostra recomendável para que o especialista escolhido tenha um canal de comunicação com conhecimento técnico sobre a matéria;

þþ Uso das conclusões da Avaliação Neutra: esta é uma questão fundamental para evitar futuros impasses decorrentes da interpretação do estudo técnico após sua conclusão, devendo ficar clara a sua isenção no processo de mediação.

þþ Definição das responsabilidades sobre os custos: embora se recomenda que as despesas decorrentes da contratação deste especialista sejam rateadas igualmente entre as partes. Poderá também ser adotado um outro formato, decorrente de uma deliberação intermediada pelo mediador, diante de circunstâncias específicas que ocorram no processo.

Importante lembrar que os pontos listados anteriormente devem ser construídos de forma consensual, com a participação ativa dos envolvidos, cujas definições deverão ser detalhadamente descritas em um termo próprio. Evitando-se assim eventuais futuras divergências quanto aos critérios utilizados na Avaliação Neutra no momento de auxiliar a mediação.

Nos casos onde se verifica uma maior complexidade na matéria técnica, objeto da controvérsia, recomenda-se que esta Avaliação Neutra seja elaborada por uma equipe de especialistas, que deverão trabalhar em conjunto, como observa SOUZA (2014, p.140), citando Scott T. McCreary (1989, p. 379):

a elaboração de um texto único atende bem às recomendações de aprimoramento na forma pela qual informações científicas são utilizadas em processos decisórios. Um texto único pode ser um ponto focal para a coleta de informações úteis, e pode ser um documento que registra áreas de concordância entre os especialistas, bem como os fundamentos para discordâncias e incertezas.

  • Situações práticas de ocorrência da Avaliação Neutra como instrumento auxiliar para solução de conflitos que envolvam questões técnicas

 Lista-se a seguir algumas situações práticas que envolvem algum tipo de controvérsia com conotação técnica ou especializada, em que se recomenda a Avaliação Neutra, com a participação de um terceiro, neutro e imparcial, alheio ao processo de mediação, para atuar de

forma auxiliar de modo a trazer elementos que fundamentem os caminhos para equalização da controvérsia.

*  Conflitos de natureza familiar (conjugal e sucessões):

 É usual que atritos em relações familiares sejam marcados pelo predomínio da emoção em detrimento da razão, sobretudo quando se discute o fim de um casamento de modo que um dos pontos que surge como estopim e nascedouro de conflitos de natureza unicamente emotiva está na questão patrimonial não resolvida, surgindo daí um campo propício para a aplicação da Avaliação Neutra, na busca de uma solução justa e equânime entre os cônjuges.

De forma análoga, nos assuntos relacionados ao Direito das Sucessões, o relacionamento familiar, muitas vezes, fica abalado em decorrência de uma divisão de bens, momento em que alguns dos herdeiros sentem-se injustiçados. Ainda que isso ocorra de maneira equivocada, tal situação mostra a relevância da Avaliação Neutra na formatação de um estudo imparcial e respaldado em parâmetros técnicos, que forneça elementos capazes de permitir um processo de mediação em que os envolvidos sintam-se confortáveis em promover uma partilha, onde os herdeiros sintam-se seguros da divisão justa dos bens, sem que ocorram desequilíbrios patrimoniais para quaisquer dos lados envolvidos.

 *  Conflitos de natureza empresarial:

 Neste caso, estamos referindo-nos aos conflitos que envolvam as relações de natureza corporativa, que podem compreender uma gama variada de questões referentes ao ambiente empresarial e suas diversas redes de relacionamento, tanto internas quanto externas, uma vez que a técnica aqui sugerida mostraria-se aplicável todas as vezes que a controvérsia envolvesse algum tipo de especialidade ou área de conhecimento que necessitasse da intervenção de um terceiro com conhecimento.

Uma questão, entretanto, mostra-se mais relevante a título de exemplo, pela sua oportuna possibilidade de ser solucionada pelo uso da mediação, que é a possível retirada de um sócio de uma sociedade. Tal fato, em muitos casos, resulta em uma divergência que extrapola a seara pessoal, que é o valor que o sócio retirante deverá receber. Tal situação demandará uma detalhada apuração de haveres, com a participação de profissionais qualificados para desempenhar esta função, em que a Avaliação Neutra se mostra como instrumento extremamente eficaz para a quantificação dos haveres.

*  Conflitos de natureza comercial:

 Neste caso, estamos tratando da ocorrência de possíveis conflitos que envolvam relações continuadas, originárias na maioria das vezes do descumprimento de cláusulas contratuais, o que pode compreender uma questão que extrapola os vínculos de amizade e até mesmo de relações afetivas, adentrando no escopo e no objeto contratual, cujas obrigações decorrem, muitas vezes, de complexos procedimentos afetos a uma determina área do conhecimento, fazendo com que o entendimento exija a intervenção de um profissional qualificado para dirimir as dúvidas decorrentes de seu cumprimento. A aplicação deste exemplo é variada e pode ser aplicada desde contratos de fornecimento a contratos de obras quando, por exemplo, deve-se investigar, eventualmente, se houve desequilíbrio ou se algum valor adicional ocorreu devido a este fato.

 *  Conflitos de natureza ambiental

 Esta é uma situação nova e que ainda demanda um maior aprofundamento no plano legal e mesmo operacional, mas que já conta com algumas experiências que têm mostrado que a mediação pode ser um sistema adequado para agilizar e resolver os conflitos nesta área. É notório que é através do diálogo entre os envolvidos que se abrirá um novo caminho para a melhoria da relação existente, e isso possibilitará a prevenção de futuras disputas. Desta forma, torna-se, praticamente impossível, pela própria essência da controvérsia, não haver necessidade da intervenção de alguém com conhecimento técnico para instrumentalizar as discussões.

 *  Conflitos no âmbito administrativo

 Neste caso já existe previsão tanto no Código de Processo Civil (art. 174) quanto       na Lei de Mediação (art. 32) para a utilização de métodos autocompositivos, que devem ser feitos pelas câmaras de mediação e de conciliação para os entes públicos. Isso trará, inclusive, uma mudança comportamental nos agentes públicos e na estrutura da Administração Pública, o que chamará a atenção para uma importante inovação legal, com a entrada em vigor da Lei 13.867/19, que permite o uso de mediação ou arbitragem para definir os valores de indenização nas desapropriações por utilidade pública. Tal fato exigirá a participação de um profissional habilitado para apresentar os cálculos dos valores dos bens objeto desta controvérsia.

*  Conflitos na área imobiliária e da construção

 Esta talvez seja uma área que a imensa maioria dos conflitos exija a participação de um profissional especializado, uma vez que as áreas envolvidas guardam entre si uma característica da especialização. Sendo que a existência de uma controvérsia dificilmente não passará pelo crivo de um profissional com conhecimento específico do assunto em questão, como onde se discute assuntos de natureza condominial, ligados à compra e venda de  imóveis, contratos de incorporação imobiliária, relação entre adquirentes e incorporador e ainda as questões consequenciais das obras e dos contratos a elas realizados.

CONCLUSÃO

 Por tudo o que foi exposto, verifica-se a importância da mediação como uma forma eficaz de solução de conflitos, capaz de estabelecer caminhos para o consenso e extensão do litígio. Entretanto, em determinadas circunstâncias, a existência de um elemento objetivo, que requer conhecimento técnico ou especializado, pode levar a um impasse e impedir a continuidade do processo, momento em que se faz necessária a utilização da ferramenta auxiliar aqui exposta, por meio do profissional que conduzirá a Avaliação Neutra, um terceiro igualmente imparcial, que deverá apresentar um parecer que oriente na equalização destas questões tangíveis e contribuir para a solução definitiva do conflito.

REFERÊNCIAS

 BAETA. Zínia. Gastos de empresas com ações chegam a R$ 124 bi. Jornal Valor Econômico, Caderno Valor: Legislação & Tributos. São Paulo. 2016.

BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; NETO, Francisco Maia. Diferentes formas de se lidar com uma controvérsia. Manual de mediação de conflitos para advogados: escrito por advogados, 4. ed. Brasília, 2014, p. 26, 28.

INSTITUTO BRASILEIRO DE AVALIAÇÕES E PERÍCIAS DE ENGENHARIA DE MINAS GERAIS. Avaliação Neutra: nova forma de resolução de conflitos. Revista Técnica, Belo Horizonte, ed. 4, 2018, p. 18-19.

NETO, Francisco Maia. A quarta onda dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos. InTemas de Mediação e Arbitragem II. 1. ed. São Paulo: LEX , 2018.

PODER JUDICIÁRIO (Brasília). Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números. 2019, Brasília,            2019.                             Disponível       em:                            https://www.cnj.jus.br/wp- content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso em: 4 mar. 2020.

SOUZA, Luciane Moessa de. Resolução consensual de conflitos coletivos envolvendo políticas públicas. Igor Lima Goettenauer de Oliveira, (org.). 1. ed. Brasília, DF: Fundação Universidade de Brasília/FUB, 2014. 268 p.

Notas:

1 Graduado em Engenharia Civil e Direito pela UFMG; Pós-graduado em Engenharia Econômica pela Fundação Dom Cabral, onde é professor convidado; Autor de livros sobre avaliação, perícia, mediação, arbitragem, construção e mercado imobiliário; Integrante das Comissões de Juristas do Senado Federal e do Ministério da Justiça para elaboração da Lei de Mediação e reforma da Lei de Arbitragem (2013); Diretor do IBDiC e do IBRADIM; Coordenador do curso de pós-graduação em Advocacia Imobiliária da ESA-OAB/MG (2020).

2 Notas feitas pelo autor na ocasião do recebimento do prêmio Industrial, em 2017, pelo empresário mineiro Rubens Menin.

3 PODER JUDICIÁRIO (Brasília). Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp- content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso em: 4 mar. 2020.

4 BAETA. Zínia. Gastos de empresas com ações chegam a R$ 124 bi. Jornal Valor Econômico, Caderno Valor: Legislação & Tributos. São Paulo. 2016.

5 MESCs (Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos).

6 Fonte: Manual de mediação de conflitos para advogados: escrito por advogados. 2014. p. 26.

7 Fonte: Manual de mediação de conflitos para advogados: escrito por advogados. 2014. p. 28.

Palavras Chaves

Avaliação Neutra; Matéria Técnica; Mediação de Conflitos