CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA NO PERÍODO DE PANDEMIA

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de orientar a advocacia no tocante às relações contratuais relacionadas ao seguro de vida no presente cenário mundial de pandemia de Covid-19, declarada pela organização mundial da saúde em 11 de março de 2020, tendo em vista que os contratos em questão excluem de suas coberturas os sinistros ocorridos em pandemias e epidemias.

Artigo

CONTRATOS DE SEGURO DE VIDA NO PERÍODO DE PANDEMIA

 

Vinicius Barata Rijo [1]

Daniel Rodrigues[2]

 

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de orientar a advocacia no tocante às relações contratuais relacionadas ao seguro de vida no presente cenário mundial de pandemia de Covid-19, declarada pela organização mundial da saúde em 11 de março de 2020, tendo em vista que os contratos em questão excluem de suas coberturas os sinistros ocorridos em pandemias e epidemias.

Palavras-chave: Contratos, Seguro de vida, Covid-19, Pandemia.

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019 foi descoberto na China e surgiu para o mundo uma doença provocada por um vírus (coronavírus SARS-CoV-2) que apresenta um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas (leves) a quadros respiratórios graves, que ficou conhecida como COVID-19.

Com o avanço da doença pelo mundo infectando mais de 1,6 milhão de pessoas, levando a óbito mais de cem mil pessoas e a consequente declaração de pandemia dada pela a Organização Mundial da Saúde – OMS em março de 2020, os seguros de vida e pessoal passou a ser uma preocupação para muitos segurados.

Isso porque, apesar de muitos consumidores não estarem plenamente atentos as cláusulas contratuais, a pandemia, epidemia e algumas outras doenças são excluídas de cobertura nesses contratos.

Nesse sentido, com o avanço da pandemia no Brasil, somado a falta de testes que leva a subnotificações (tanto público como privado) e o consequente aumento do número de ocorrências fatais decorrente da covid-19, surge uma enorme insegurança quando a cobertura nesses contratos.

Diante deste cenário de imprevisibilidade a busca por orientações acerca desta relação surgiu no sentido de proteger os segurados bem como o de trazer equilíbrio no contrato por parte das seguradoras, questões estas que devem ser respondidas a luz do direito.

  1. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AOS CONTRATOS DE SEGURO

Antes de adentrarmos ao mérito do debate, de forma introdutória e sintética é importante tecermos alguns comentários acerca dos princípios aplicáveis aos contratos de seguro, por serem estes a base da norma.

Por princípio, Celso Antônio Bandeira de Melo entende como sendo um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Pois bem, temos como princípios aplicáveis aos contratos de seguro o mutualismo, a solidariedade e a boa-fé, esta última extremamente importante e relevante para o tema.

Pelo princípio do mutualismo entendemos como sendo uma das características mais importantes do contrato de seguro, sendo tratado pelos autores, ora como elemento essencial do seguro, ora como um dos princípios que regem esses contratos.

O mutualismo baseia-se na concepção de que é mais fácil suportar coletivamente as consequências danosas dos riscos individuais do que deixar o indivíduo, só e isolado, exposto a essas consequências.[3]

Caracteriza-se, portanto, por uma comunidade submetida aos mesmos riscos, um agrupamento de pessoas expostas aos mesmos perigos, às mesmas probabilidades de dano, que decidem contribuir para a formação de um fundo capaz de fazer frente aos prejuízos sofridos pelo grupo.

O Professor Sergio Cavalieri bem define tal situação ao afirmar que o seguro, na realidade, é uma operação coletiva de poupança: de um lado estão inúmeras pessoas (solidarias), reunidas em um processo de mutualismo, todas poupando pequenas quantias; de outro lado está o segurador, administrando essa poupança, por sua conta e risco, e destinando-a àqueles que dela necessitem em razão de prejuízos concretizados.[4]

Pelo princípio da boa-fé, também prevista no CDC em seu artigo 4º, inciso III, entende-se como o máximo respeito e colaboração entre os contratantes, devendo estes agirem pautados na lealdade.

Além desses supracitados princípios, temos aqueles contidos no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a sua expressa aplicabilidade aos contratos de seguro nos termos do § 2º, do artigo 3º do CDC. Confira-se:

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

  • 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Acerca dos princípios contidos em nosso Código de Defesa do Consumidor, é de suma importância darmos destaque aos princípios da hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor, boa-fé, informação, transparência e da função social do contrato.

Sobre os princípios da hipossuficiência e vulnerabilidade, é importante destacar serem estes distintos, pois pelo primeiro entende-se como uma hipossuficiência técnica e de informação tendo como mecanismo de proteção o artigo 6º, inciso VIII da Lei nº 8.078/90.

Já a vulnerabilidade do consumidor está ligada a uma característica intrínseca à condição do consumidor, a fragilidade natural existente ante o abismo entre o fornecedor e o consumidor, sendo essa condição declarada no inciso I do artigo 4º do CDC.

Outro princípio de extrema relevância é o da informação, pois ele exige que o consumidor receba todas as informações inerentes ao contrato e ao produto, para que assim exista um consentimento informado. Ou seja, o contrato somente terá sua validade se, além de ter sido celebrado livremente, de acordo com a vontade das partes, as informações lá contidas e recebida pela parte hipossuficiente forem claras.

Nesse sentido, podemos citar como previsão legal ao princípio da informação o disposto nos artigos 4º, inciso VI e artigo 6º, inciso III, todos do CDC.

Sobre o princípio da transparência, este está diretamente ligado ao principio da boa-fé e tem sua previsão no caput do artigo 4º do CDC e nada mais é do que o dever das partes de agirem de forma transparente e leal.

Outro importante consiste na observância da função social do contrato. Por ele entende-se como um princípio que busca a manutenção do equilíbrio contratual, combatendo as chamadas cláusulas abusivas, inclusive com a mitigação ao pacta sunt servanda, tendo sua previsão legal disposta no artigo 51 do CDC.

Por fim, conforme anteriormente dito, é importante salientar que toda análise contratual objeto do tema passará obrigatoriamente pela observância dos mencionados princípios como condição de validade.

  1. EPIDEMIAS E PANDEMIAS COMO EXCLUDENTES DE COBERTURA

No ordenamento pátrio o contrato de seguro está disposto no artigo 757 do Código Civil de 2002 e definido pela ilustre professora Maria Helena Diniz[5] como sendo o contrato pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legitimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros previstos no contrato.

A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão regulador e fiscalizador dos seguros no Brasil, através da Circular nº 440/2012 que estabelece parâmetros obrigatórios para planos de seguro, formas de contratação, entre outras, traz em seu artigo 12, inciso I, alínea “d”, a previsão de exclusão de cobertura dos riscos causados por epidemia ou pandemia declarada por órgão competente. Vejamos:

“Art. 12º. As exclusões específicas relativas a cada cobertura deverão estar relacionadas logo após a descrição dos riscos cobertos em todos os documentos contratuais, inclusive nos bilhetes, apólices e certificados individuais, e estão limitadas a:

I – Nas coberturas classificadas como microsseguro de pessoas:

(…)

  1. d) epidemia ou pandemia declarada por órgão competente;”

As exclusões de cobertura no contrato objetivam limitar os riscos que podem ser assumidos pelas seguradoras para viabilizar sua contratação, futuras indenizações, bem como definir a extensão de suas responsabilidades, tendo em vista que os valores pagos pelas seguradoras provem de um fundo denominado fundo mutual, que é formado pelo pagamento dos prêmios de toda a base de segurados e gerido pela seguradora  em respeito do principio do mutualismo, conforme ensina o professora Maria Carolina Balestra[6] :

“O princípio do mutualismo nada mais é do que uma união de esforços entre as partes a fim de formar um fundo comum para a mitigação de riscos. Isto é, ao contrário do que grande parte dos consumidores acredita, as indenizações securitárias não são pagas pelos lucros das Companhias de Seguro e sim pelo fundo formado pelo pagamento dos prêmios de toda a base de segurados.

Por tais motivos, ignorar este princípio, determinando o pagamento aleatório de indenizações securitárias, sem a observância das cláusulas ali inseridas, fere toda a coletividade de segurados.”

Além disso, não podemos deixar de abordar a força previsão contratual (pacta sunt servanda) que, somado a obediência aos princípios consumeristas, reforçam ainda mais a validade da cláusula excludente. Vejamos posicionamento do STJ nos autos do Agravo em Recurso Especial nº 1.619.470:

“EMENTA – APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE COBRANÇA – SEGURO DE VIDA EM GRUPO – LAUDO PERICIAL QUE ATESTA INVALIDEZ PARCIAL E PERMANENTE – ENFERMIDADE DECORRENTE DE ESFORÇO REPETITIVO – RISCOS EXCLUÍDOS DO CONTRATO – VALIDADE DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS – SENTENÇA REFORMADA – RECURSOS PROVIDOS. O contrato de seguro em questão previu de forma expressa a exclusão da cobertura de lesões decorrentes de esforços repetitivos ou microtraumas que não se enquadram no conceito de “acidente pessoal”, de forma que tal restrição não implica em violação ao dever de informação, justamente porque a apólice não deixou margem quanto aos riscos cobertos e excluídos pelo contrato, tanto que foram redigidos em negrito e de forma destacada.”

Portanto, conforme se depreende da análise das normas pertinentes, a exclusão de cobertura em caso de epidemia e pandemia são perfeitamente aceitas, desde que observadas as normas e os princípios legais.

  1. INICIO DA PANDEMIA – PRIMEIRAS TRATATIVAS

O marco inicial da pandemia da covid-19 teve origem na china na cidade de Wuhan, no final de 2019 e não demorou para tomar conta do mundo.

Conforme dito, o diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou em 11 de março de 2020 que a organização elevou o estado da contaminação à pandemia de Covid-19 e, já nesta data o vírus afligia fortemente a Europa em países como Itália, França e Espanha.

O covid-19 não tem um tratamento farmacológico próprio e eficaz ainda comprovado, e a sua letalidade, mesmo baixa em relação a outras doenças virais, se mostrou alta em parcela da população acima dos 60 anos e pessoas com doenças pré-existentes, fazendo com que diversas nações iniciassem o isolamento social de toda a população, o que levou o mercado financeiro a uma crise sem precedentes, afetando todas as camadas da economia tanto a produtiva quanto a de serviços.

Logo as primeiras mortes de segurados começaram a acontecer, e mesmo com a cláusula de exclusão expressa em contrato, diversas seguradoras no âmbito mundial, por liberalidade, entenderam pelo pagamento sem restrições das indenizações decorrente da morte por covid-19.

Com a chegada da covid-19 no Brasil, diversas seguradoras se alinharam com esta tratativa, garantindo o pagamento das indenizações independente da cláusula de exclusão, no Brasil mais de 80% do setor já segue este alinhamento[7], cabe destacar a liberalidade das seguradoras em aderir esta política, porém, vários setores da sociedade acompanham com preocupação o cenário de enfrentamento ao covid-19 no Brasil.

  1. O CENARIO DE IMPREVISIBILIDADE NO BRASIL FRENTE AO COMBATE A PANDEMIA

A pandemia do covid-19 trouxe diversos desafios à comunidade internacional, não só pelo fato de ser uma doença viral com uma forma de contagio agressivamente rápida, mas também pelo fato de desafiar o modelo de sistema de saúde existente em cada país.

Quando o vírus afeta um paciente de risco (acima de 60 anos/comorbidades) a escalada de risco da doença e muito rápida, fazendo com que este paciente necessite de cuidados médicos de natureza intensiva para preservar a sua vida, este cenário impôs ao mundo uma corrida sem precedentes na compra de insumos médicos vitais para a manutenção de seus sistemas de saúde.

Outro grande desafio foi a escassez de insumos médicos, visto que a maior produtora mundial destes insumos foi o primeiro país a ser atingido, parando a produção destes insumos, fazendo com que o resto do mundo buscasse em outros mercados ou ate alternativas internas para suprir esta demanda.

A organização mundial indicou como diretriz primordial ao enfretamento da pandemia a realização de testes para o covid-19, posto que a implementação destes testes em massa indicaria um diagnóstico mais confiável sobre o comportamento do contagio, fazendo com que as políticas a serem adotadas fossem mais eficientes.

No Brasil, o inicio do enfrentamento a pandemia indicava um cenário otimista, observado que, por mais problemático que seja, possuímos um sistema de saúde publico e universal, algo inexistente em muitos países.

 Porém, ao se deparar com os primeiros problemas relacionados a dificuldade de compra de insumos médicos este cenário otimista começou a dar espaço a descrença, se somando a isso uma crise política em um momento totalmente inoportuno.

O Brasil é um dos países que menos testam no mundo para a covid-19[8], esta falta de testes impacta diretamente na subnotificação, ou seja, o numero de casos registrados oficialmente não condizem com a realidade, a falta de testagem não afeta somente no numero de infectados, mas também no numero de óbitos, ou seja, declarações de óbito contendo causa da morte diversa da real.

Uma pesquisa realizada pela CNN[9] aponta que Dados do Portal da Transparência dos Cartórios mostram que os Cartórios de Registro Civil brasileiros anotaram um aumento de 1.012% nos números de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) desde o registro do primeiro óbito do novo coronavírus no Brasil em março do corrente ano.

De acordo com o Centro de Operações de Saúde, houve, também, um aumento expressivo de registros do número de internações por síndrome respiratória aguda. No total existem 70.060 casos confirmados (síndrome respiratória aguda), desse montante, 18,8% testaram positivo para a COVID-19 e têm mais de 27 mil casos em investigação.

Dado este cenário de imprevisibilidade em relação ao impacto real da pandemia no Brasil nos questionamos: As seguradoras, neste primeiro momento, levaram em consideração o real impacto da covid-19 nos contratos de seguro de vida?

Isso porque, não é demais lembrar que o contrato de seguro exclui a cobertura de doenças declaradas como pandemia e epidemia e não os casos de suspeita.

4.1 – IMPACTO DA SUBNOTIFICAÇÃO

Como observamos nos dados expostos em relação a subnotificação, as mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) aumentaram expressivamente e, consequentemente, os pedidos de indenizações.

Conforme já manifestado, as seguradoras têm dado ao caso tratamento mais humanizado, dando, digamos, uma interpretação e aplicação mais de acordo com a função social do contrato, mas existe grande dúvida do quanto essas mortes podem impactar severamente nos estudos sobre o equilíbrio financeiro do fundo mutual.

Em entrevista recente ao site Valor Econômico[10], Rafael Barreto, executivo-chefe financeiro da MAG SEGUROS (nova denominação da Mongeral Aegon) afirmou que a “companhia entendeu que estes valores poderiam ser absorvidos sem comprometer a saúde financeira da seguradora”. De acordo com o CFO, a empresa realizou estudos com base nas idades reais da carteira de clientes e obteve projeções mais aderentes à realidade da companhia. Nos vários cenários de pagamentos de benefícios para as coberturas de morte e invalidez permanente, a Mag se mostrou resiliente.

Nesta análise a maioria das seguradoras, por liberalidade, entenderam que os impactos da pandemia nos seus respectivos fundo mutual não será suficiente para comprometer seu equilíbrio financeiro.

 Saliente-se que cabe a seguradora zelar pela saúde do fundo mutual baseado em previsões solidas, sendo, portanto, responsáveis pelas decisões adotadas, neste sentido aponta os ensinamentos da professora Angélica L. Carlini[11]:

“A parcela do prêmio destinada ao fundo mutual é a que deve ser mais rigidamente administrada pelo segurador porque é ela que garante o interesse legítimo do segurado, relativo a bem ou a pessoa, por risco predeterminado. Cabe ao segurador administrar de forma transparente e responsável os fundos mutuais sob sua responsabilidade, para que não faltem recursos para o pagamento de indenização ou de capital segurado, sempre que o segurado apresentar um sinistro decorrente de risco predeterminado coberto pelo contrato.

O segurador pode e deve aplicar os recursos do fundo mutual para que não sejam atacados pela inflação, tanto quanto deve realizar testes sistemáticos fundamentados em cálculos atuariais e estatísticos para aferir se os valores existentes no fundo continuam sendo suficientes para a garantia que a lei determina. Se os fundos estiverem abaixo da linha demarcada tecnicamente pelos cálculos atuariais e estatísticos há risco de faltarem recursos para o pagamento de indenizações ou capital segurado; se, no entanto, os fundos estiverem muito acima da linha demarcada há risco de que os valores de prêmio estejam muito altos e, consequentemente, o segurador estará pouco eficiente na concorrência do mercado praticando preços que o tornam menos convidativo à contratação por segurados.”

Isto posto, podemos observar que, independente do direcionamento inicial das seguradoras, muito influenciado pelo alinhamento mundial nas tratativas relacionadas a pandemia, nada impede que as seguradoras revejam seu posicionamento, neste sentido influenciados pelo cenário de imprevisibilidade instaurado no Brasil indicando seu fundamento no princípio do mutualismo.

5 – PATAMAR ATUAL

Observando o cenário atual em relação aos contratos de seguro de vida, podemos depreender que as maiorias das seguradoras estão realizando o pagamento das indenizações em detrimento a cláusula de exclusão expressa, porém não podemos afirmar que o cenário de imprevisibilidade no Brasil ofereça uma base sólida para o devido cálculo dos riscos para o fundo mutuário, abrindo brechas para que as seguradoras revejam seu posicionamento, criando um cenário de insegurança para diversos segurados.

Prevendo este cenário, o Poder Legislativo através da atuação do Senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou o Projeto de Lei (PL) 890/2020[12] que inclui na cobertura de seguros de vida óbitos decorrentes de epidemias ou pandemias. A proposta acrescenta, ainda, item ao Código Civil (Lei 10.406, de 2002) determinando que o segurador não pode recusar pagamento do seguro, ainda que na apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado decorrer de infecção por epidemias ou pandemia.

No entanto, enquanto a proposta vem sendo discutida, os segurados devem entrar em contato com suas respectivas seguradoras, por escrito, e indagarem sobre o posicionamento adotado referente a cobertura e a relativização da cláusula de exclusão para se certificar que sua seguradora integra este movimento.

Além disso é importante que seguradora e segurado, busquem sempre uma correta apuração da causa que levou ao óbito ou incapacidade, inclusive com a exigência de realização de exame que constate objetivamente se a pessoa estava ou não infectada com a covid-19, pois caso não exista tal comprovação, jamais poderá a seguradora rejeitar um benefício.

Mais que isso, o correto diagnóstico quanto a causa mortis, ajuda a diminuir as subnotificações, bem como traz aos familiares a segurança acerca da possibilidade de estar ou não está infectado e, consequentemente, mudar algum hábito de forma evitar a disseminação do vírus.

Pois bem, caso o segurado não seja indenizado pela ocorrência do sinistro nestas condições (imprecisão sobre a causa da morte), deve-se verificar a hipótese da falta de informações claras sobre as cláusulas excludentes do seguro no momento de sua contratação, pois a simples suspeita, sem a previsão contratual, não poderá fundamentar a negativa.

O descumprimento do correto dever de informar já foi objeto de análise pelos Tribunais, conforme podemos observar desse julgado paulista:

“TJSP; Apelação Cível 0065464-59.2009.8.26.0000; Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 3ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 30/10/2013; Data de Registro: Seguro de vida e acidentes pessoais – (…) Não havendo prova de que ao consumidor foi dada informação clara e adequada a respeito do produto que estava adquirindo, bem como pelo fato de não constar, tanto no cartão proposta como nas condições do seguro, a exclusão da garantia por morte natural, incumbe à seguradora o dever de indenizar- Recurso provido.”

Por fim, cumpre salientar que a maioria das seguradoras em relação aos contratos novos, estão estipulando período de carência de 45 a 90 dias para as indenizações de sinistros relacionados ao diagnóstico de coronavírus, fato este que deve ser observado pelo contratante.

6 – CONCLUSÃO

A pandemia mudou o mundo e suas relações, nos contratos de seguro de vida podemos observar que a cláusulas de exclusão de cobertura por epidemias e pandemias declaradas por órgão competente estão sendo mitigadas por grande parte do mercado de seguros, porém, o cenário de imprevisibilidade inaugurado pela pandemia em todo mundo, especialmente no Brasil, coloca em risco o equilíbrio das decisões adotadas pelas seguradoras, revelando um terreno incerto sobre a continuidade deste alinhamento.

A advocacia tem papel fundamental neste cenário pandêmico, tal qual seja a proteção do direito e o pronto acompanhamento de todos os impactos que estas novas relações podem resultar.

7 – REFÊRENCIAS

– DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p 441

– BALESTRA, Maria Carolina. Princípio do mutualismo no contrato de seguro e seu impacto no direito do consumidor. Goiânia, 18 jul. 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/306696/principio-do-mutualismo-no-contrato-de-seguro-e-seu-impacto-no-direito-do-consumidor. Acesso em: 17 maio 2020.

– FOLHA informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). [S. l.], 16 maio 2020. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso em: 16 maio 2020

-. BRASIL é um dos países que menos realiza testes para covid-19, abaixo de Cuba e Chile. [S. l.], 24 abr. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52383539. Acesso em: 16 maio 2020.

– MORTES por doenças respiratórias aumentam mais de 1.000% durante a pandemia. [S. l.], 28 abr. 2020. Disponível em:            https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/04/28/mortes-por-doencas-respiratorias-aumentam-mais-de-1000-durante-a-pandemia. Acesso em: 17 maio 2020.

– SEGURADORAS recebem pedido de indenização da Covid-19. [S. l.], 1 maio 2020. Disponível em: https://jrs.digital/2020/04/02/seguradoras-recebem-pedido-de-indenizacao-da-covid-19/. Acesso em: 16 maio 2020.

– CARLINI, Angélica L. Pandemia de coronavírus e contratos de seguro – Algumas reflexões preliminares. [S. l.], 9 abr. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/324161/pandemia-de-coronavirus-e-contratos-de-seguro-algumas-reflexoes-preliminares. Acesso em: 16 maio 2020.

– AGÊNCIA SENADO. Projeto inclui morte causada por epidemia na cobertura de seguros de vida Fonte: Agência Senado. [S. l.], 27 mar. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/projeto-inclui-morte-causada-por-epidemia-na-cobertura-de-seguros-de-vida. Acesso em: 16 maio 2020.

Notas de Rodapé:

[1] Advogado, Sócio do Escritório Dourado & Barata Sociedade de Advogados, Vice-Presidente da Comissão de Processo Civil da OAB/RJ – Barra da Tijuca, Mentor no Projeto de Mentoria da OAB/RJ, [email protected]

[2] Advogado, Mentorado do Projeto de Mentoria da OAB/RJ, pós-graduando em processo civil pela UCAM, [email protected]

[3] Gustavo Tepedino; Heloísa Helena Barboza; Maria Celina Bodin de Moraes. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. Vol. II, pág. 563

[4] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2012. Pág. 464

[5] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003

[6] BALESTRA, Maria Carolina. Princípio do mutualismo no contrato de seguro e seu impacto no direito do consumidor. Goiânia, 18 jul. 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/306696/principio-do-mutualismo-no-contrato-de-seguro-e-seu-impacto-no-direito-do-consumidor. Acesso em: 17 maio 2020.

[7] FAMILIARES recebem seguro apesar de o contrato não cobrir pandemia. [S. l.], 1 maio 2020. Disponível em: https://noticias.r7.com/economia/economize/familiares-recebem-seguro-apesar-de-o-contrato-nao-cobrir-pandemia-01052020. Acesso em: 16 maio 2020.

[8] BRASIL é um dos países que menos realiza testes para covid-19, abaixo de Cuba e Chile. [S. l.], 24 abr. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52383539. Acesso em: 16 maio 2020.

[9] MORTES por doenças respiratórias aumentam mais de 1.000% durante a pandemia. [S. l.], 28 abr. 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/04/28/mortes-por-doencas-respiratorias-aumentam-mais-de-1000-durante-a-pandemia. Acesso em: 17 maio 2020.

[10] SEGURADORAS recebem pedido de indenização da Covid-19. [S. l.], 1 maio 2020. Disponível em: https://jrs.digital/2020/04/02/seguradoras-recebem-pedido-de-indenizacao-da-covid-19/. Acesso em: 16 maio 2020.

[11] CARLINI, Angélica L. Pandemia de coronavírus e contratos de seguro – Algumas reflexões preliminares. [S. l.], 9 abr. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/324161/pandemia-de-coronavirus-e-contratos-de-seguro-algumas-reflexoes-preliminares. Acesso em: 16 maio 2020.

[12] AGÊNCIA SENADO. Projeto inclui morte causada por epidemia na cobertura de seguros de vida Fonte: Agência Senado. [S. l.], 27 mar. 2020. Disponível em:  https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/projeto-inclui-morte-causada-por-epidemia-na-cobertura-de-seguros-de-vida. Acesso em: 16 maio 2020.

Palavras Chaves

Contratos, Seguro de vida, Covid-19, Pandemia.