ESPAÇO DE DISCUSSÃO 10: OBSERVATÓRIO DA MÍDIA, DIREITOS E POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO

  

Artigo


A REPRESENTAÇÃO JORNALÍSTICA DO CASO DO ROMPIMENTO DAS BARRAGENS DE MARIANA E A INVISIBILIDADE DO DANO SOCIAL CORPORATIVO[1]

THE JOURNALISTIC REPRESENTATION OF THE CASE OF THE BREAKDOWN OF THE DAMS OF MARIANA AND THE INVISIBILITY OF CORPORATE SOCIAL HARM

 

Alexandre Marques Silveira[2]

Marília de Nardin Budó[3]

 

 Resumo: O presente trabalho versa sobre a representação jornalística do caso do derramamento das barragens de Mariana – MG e da invisibilidade do dano social corporativo. O problema de pesquisa a ser desenvolvido é: de que forma o jornal Brasil de fato online e a revista Veja online representam o caso do derramamento das barragens de Mariana-MG. O marco teórico é a Criminologia Crítica, especificamente na perspectiva dos crimes dos poderosos, na abordagem do dano social. Foi escolhido um caso concreto para que se pudesse efetuar a análise, qual seja, o rompimento da barragem do Fundão próximo ao município de Mariana no estado de Minas Gerais. Foram selecionados dois veículos de informação e comunicação, um de caráter hegemônico, a revista Veja online, e outra de caráter contra hegemônico, o jornal Brasil de Fato. Limitou-se as notícias divulgadas no mês de acontecimento do fato, novembro de 2015. O trabalho é de tipo qualitativo, predominando o método indutivo. Concluindo que o jornal Brasil de Fato dedicou mais atenção ao que os movimentos sociais, vítimas e especialistas tinham a dizer sobre o ocorrido. Esse enfoque encaminhou o enquadramento para a responsabilização a Samarco e da BHP pelos danos causados.

Palavras-Chave: Criminologia crítica; Crime dos poderosos; Danos socais; Jornalismo; Representação do fato.

Abstract:  This paper deals with the journalistic representation of the case of the spill of the Mariana – MG dams and the invisibility of corporate social damage. The research problem to be developed is: how the Brazil online newspaper and the Veja online magazine represent the case of the spill of the Mariana-MG dams. The theoretical framework is Critical Criminology, specifically in the perspective of the crimes of the powerful, in the approach of social damage. A concrete case was chosen so that the analysis could be carried out, that is, the rupture of the Fundão dam near the municipality of Mariana in the state of Minas Gerais. Two information and communication vehicles were selected, one of hegemonic character, the magazine Veja online, and another of anti-hegemonic character, the newspaper Brasil de Fato. The news released in the month of the event, November 2015, was limited. The work is of a qualitative type, predominating the inductive method. Concluding that the newspaper Brasil de Fato paid more attention to what social movements, victims and experts had to say about what happened. This approach provided the framework for accountability to Samarco and BHP for the harm caused.

Keywords: Criminology Critical; Crime of the powerful; Social harm; Journalism; Representation of fact

1 INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, o avanço tecnológico alcançou um grande progresso entre os meios de comunicação e informação, os quais têm sido grandes responsáveis por formar opiniões e desenvolver o senso crítico nos indivíduos. Com o processo tecnológico os meios de comunicação viabilizam o acesso a informação quase que instantaneamente, sendo possível acessar informações de diversos lugares. As informações fornecidas pela mídia são importantes por possibilitarem numerosas interações simbólicas. Porém, cada vez mais elas são mediadas pelo mercado, acarretando no cumprimento de objetivos deste setor, mais do que a função de informar em atenção ao interesse público

Atualmente a mídia é parte central do exercício do controle social informal, especialmente no que diz respeito a seara penal. Zaffaroni observa que o discurso da criminologia midiática é o punitivista, seguindo uma política de Lei e Ordem. Esse discurso traz fundamentos repressivos e interventivos, com a tendência de criar estereótipos maniqueístas de bons e maus cidadãos, seguindo um mecanismo de etiquetamento de indivíduos marginalizados.

Quando se trata, porém, do cometimento de crimes por indivíduos poderosos, sobretudo quando se trata de grandes corporações nacionais ou transnacionais, com danos produzidos em larga escala e com a consequência de produzir vitimização em massa, a tendência da cobertura informativa por vezes se inverte, chegando a ser quase abolicionista. Esses danos massivos acabam caindo na cifra oculta, sendo totalmente invisibilizados. Esse enfoque, caminha para uma legitimação da atuação seletiva das agências do sistema penal.

Essa diferença de abordagem será analisada a partir de um enfoque que busca se distanciar do direito penal para compreender o objeto da criminologia. Em seu princípio, a criminologia estava ligada ao estudo dogmático penal, conceituando os indivíduos “delinquentes” como diferentes, e que deveriam ser clinicamente observados.

Após grandes discussões sobre o objeto de estudo da criminologia, que apesar de ainda não ter um consenso, tem como um de seus enfoques o estudo do dano social. A partir do estudo do dano social tornou-se mais fácil observar a crimes causados por Estados em associação com grandes corporações, fugindo do estereótipo. Nesse sentido, torna-se imprescindível uma análise sobre a representação midiática de casos que envolvam danos sociais ocasionados por corporações.

Para tanto, foi escolhido um caso concreto para que se pudesse efetuar a análise, qual seja, o rompimento da barragem do Fundão próximo ao município de Mariana no estado de Minas Gerais. Para isso, foram selecionados dois veículos de informação e comunicação, um de caráter hegemônico, a revista Veja online, e outra de caráter contra hegemônico, o jornal Brasil de Fato. A revista Veja online foi escolhida como campo de análise em razão de ser uma das revistas online de maior acesso no Brasil. Já o jornal Brasil de Fato online foi escolhido por estar ligado a diversos movimentos sociais do país. O problema de pesquisa a ser desenvolvido é: de que forma o jornal Brasil de fato online e a revista Veja online representam o caso do derramamento das barragens de Mariana-MG. Para este fim, limitou-se as notícias divulgadas no mês de acontecimento do fato, novembro de 2015. O trabalho apresenta uma pesquisa baseada na teoria fundamentada nos dados e de tipo qualitativo, predominando o método indutivo.

2 UM NOVO OBJETO DE ESTUDO NA CRIMINOLOGIA: O ESTUDO DA CRIMINALIDADE DE COLARINHO BRANCO E DO DANO SOCIAL

 Durante as décadas de 70 e 80, a criminologia foi submetida a uma série de questionamentos acerca de seu objeto de estudo, em seu princípio, essa disciplina esteve focada na análise do comportamento de delinquentes, das vítimas e também na elaboração das leis penais (BERNAL et al, 2014, p. 35-39). Além disso, “[…] era construída pela pretensa possibilidade de individualizar ‘sinais’ antropológicos da criminalidade e de observar os indivíduos assim ‘assinalados’” (BARATTA,2002, p. 29), conceituando os indivíduos “delinquentes” como diferentes, e que deveriam ser clinicamente observados.

Estudos da chamada nova criminologia ou criminologia radical, introduziram o enfoque macroestrutural, verificando as funções das instituições legais, das leis e do próprio Estado, tendo como base grandes estudiosos como Young e Walton (BUDÓ, 2013, p. 51).  Muitos outros temas foram pontuados a partir da ruptura do paradigma etiológico ao paradigma da reação social dentro do estudo da criminologia. Muito antes disso, na década de 40, o sociólogo Edwin Sutherland rompeu com a ideologia da legitimação da seletividade e desigualdade do sistema penal e da criminologia da época, comprovando que indivíduos de classes abastadas também cometiam crimes, os chamados crimes de colarinho branco (SUTHERLAND, 1940, p. 1-12).

  Friedrichs em sua explicação sobre os crimes de colarinho branco, verifica que a terminologia crime dos poderosos seria uma categoria específica dentro da categoria mais ampla de crimes de colarinho branco, sendo esta última utilizada em diversos casos, inclusive em casos em que os agentes não possuem grande poder aquisitivo, mas que mesmo assim cometem ilícito em virtude de serem subordinados de quem detém poder econômico (BUDÓ, 2015A, p. 257). De acordo com Edwin Sutherland, que deu início ao uso dessa terminologia, os crimes de colarinho branco são crimes cometidos por pessoas respeitáveis, e de alta posição e de grande status social de Estado, no exercício dos seus ofícios (SUTHERLAND, 1940, p. 1-12).

Já em seu clássico artigo White-collar ciminality, Sutherland (1940) mostrava, com apoio de dados extraídos das estatísticas de vários órgãos americanos competentes em matéria de economia e comércio, a impressionante proporção das infrações a normas gerais praticadas neste setor por pessoas colocadas em posição de alto prestigio social, bem como analisava as causas do fenômeno, sua ligação funcional com a estrutura social e os fatores que explicavam a sua impunidade (ANDRADE, 2015, p. 260)

Os crimes dos poderosos normalmente são aqueles que violam direitos, grupos sociais mais vulneráveis, como, por exemplo, os mais pobres, trabalhadores e o meio ambiente. Além disso, outro aspecto considerável a ser mencionado neste estudo, e que influencia diretamente nos objetivos deste trabalho “[…] é o caráter invisível à maior parte das pessoas, por serem raramente referidos e discutidos sob esse enfoque pelos meios de comunicação e mesmo nos mais diversos ambientes” (BUDÓ, 2015A, p. 258).

Normalmente, esses acontecimentos, no momento em que são descobertos, são justificados com diversos tipos de explicações, como, por exemplo: a negação literal – nada aconteceu -; a negação interpretativa – o que aconteceu é outra coisa –  a negação implícita – o acontecimento é justificado (COHEN, 1996, p. 517-543). Danos sociais massivos ocasionados por Estados e Mercados ocorridos em países marginalizados, são invisibilizados pelos meios de comunicação de massa e muitas vezes pelos próprios estudiosos (BERNAL et al, 2014, p. 35-39). Nesse caso, Zaffaroni explica que não existe uma falta de informação, mas sim, uma “indiferença moral” em relação aos fatos ocorridos em países marginais (ZAFFARONI, 2007, p. 19).

A abordagem dos meios de comunicação hegemônicos, possui a tendência ao entendimento da necessidade de uma macrocriminalização, e da utilização do direito penal de forma preventiva e seletiva: “a criminologia midiática joga com imagens, selecionando as que mostram os poucos estereótipos que delinquem e em seguida os que não cometeram crimes ou que só incorreram em infrações menores” (ZAFFAROI, 2012, p. 307). Porém, ações ou omissões que causam grandes danos sociais ficam invisíveis, como genocídios, privações a saúde, educação, justiça e exploração dos recursos naturais: “quando se trata a percepção do jornalismo como construção da realidade e como forma de conhecimento da realidade pelo público, deve-se notar o quanto a visão do mundo ao redor dos indivíduos certamente é influenciado pelo que é transmitido” (BUDÓ, 2006, p. 9).

Existem interesses entre Estados e Mercados não revelados, o que instiga a analisar os efeitos que estas ações ou omissões podem causar no mundo humano e não humano (BERNAL et al, 2014, p. 35-39). O estudo do dano social permite ir além da criminalidade de rua, possibilitando a denúncia de vitimizações massivas (BUDÓ, 2015A, p. 259). Com a expansão das sociedades capitalistas e industrializadas, grande foi o crescimento da concorrência econômica e territorial entre as nações, o que intensificou a disseminação da violência para com o planeta Terra e todos os seres do ecossistema (LATOUCHE, 2012, p. 45), em nome dos interesses econômicos dos Estados e dos Mercados.

O grande impasse em relação a esses danos sociais é a inoperância do sistema penal quando se trata de ações ou omissões de Estados e Mercados, bem como a invisibilidade desses danos em determinados meios de comunicação, ou, como já mencionado neste trabalho, são usadas justificativas que acabam subrepresentando o fato, ou até mesmo, desresponsabilizando a autoria dos fatos danosos. Nesse sentido, torna-se imprescindível uma análise sobre a representação midiática de casos que envolvam danos sociais ocasionados por corporações.

Para tanto, foi escolhido um caso concreto para que se pudesse efetuar a análise, qual seja, o rompimento da barragem do Fundão próximo ao município de Mariana no estado de Minas Gerais, que será abordado no próximo item desse trabalho. Foram selecionados dois veículos de informação e comunicação, um de caráter hegemônico, a revista Veja online, e outra de caráter contra hegemônico, o jornal Brasil de Fato. A revista Veja online foi escolhida como campo de análise em razão de ser uma das revistas online de maior acesso no Brasil. Já o jornal Brasil de Fato online foi escolhido por estar ligado a diversos movimentos sociais do país.  Para este fim, limitou-se as notícias divulgadas no mês de acontecimento do fato, novembro de 2015.

           

3 O ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO: ENTRE MÍDIA HEGEMÔNICA E CONTRA HEGEMÔNICA[4]

                No dia 5 de novembro de 2015, no distrito de Bento Rodrigues, próximo à cidade de Mariana, houve o rompimento da barragem do Fundão, a qual continha rejeitos de mineração. A barragem era controlada pela empresa Samarco Mineração, de acordo com informações apuradas pela Veja “[…] em apenas onze minutos, um tsunami de 62 milhões de metros cúbicos de lama aniquilou Bento Rodrigues”[5]. Os rejeitos da barragem de Fundão teriam passado por cima da barragem de Santarém, o que teria ocasionado um dano ainda maior, sendo considerada uma grande tragédia socioambiental[6].

            Os rejeitos da barragem também atingiram muitas casas do distrito de Bento Rodrigues, deixando muitos moradores desabrigados na região. Conforme informações dadas pela empresa Samarco, os rejeitos não continham componentes químicos que fossem danosos à saúde. Porém, conforme notícias apuradas pelo jornal Brasil de fato, o qual consultou o especialista em geotecnia e professor da UFRJ Mauricio Ehrlich, os rejeitos podem causar a infertilidade do solo, deixando as regiões atingidas inférteis e improdutivas[7].

Em relação à extensão dos danos a Veja apurou que:

A onda devastou outros sete distritos de Mariana e contaminou os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Moradores de cidades em Minas e no Espírito Santo tiveram a rotina afetada por interrupções no abastecimento de água. O destino final da lama deve ser o mar do Espírito Santo, onde o Rio Doce tem sua foz. O que causou a tragédia foi o rompimento de duas barragens no complexo de Alegria, da mineradora Samarco. As barragens continham rejeito, o resíduo não tóxico resultante da mineração de ferro[8].

             Segundo Marcio Zonta, integrante do Movimento dos Atingidos pela Mineração- MAM, “é impossível ser só areia, a mineração é um processo químico e os rejeitos são tóxicos. Não tem como dizer que é só areia, não existe isso. Há um processo minerador e usa diversas químicas”[9], sendo impossível de apurar os impactos a saúde das pessoas atingidas, tendo em vista que muitos dos efeitos podem aparecer em longo prazo.

            Em relação à toxicidade dos rejeitos, existe muita divergência entre os especialistas, uma vez que os rejeitos consistem em:

O rejeito consiste nas sobras do processo de mineração e beneficiamento do minério. Dada às pequenas concentrações de minério na rocha bruta, a exploração de uma jazida tende a gerar uma grande quantidade de rejeito, e sua disposição costuma onerar bastante o projeto. A natureza do rejeito pode variar bastante conforme o minério e o tipo de lavra, mas é bastante comum tratar-se de grandes depósitos de lama. Barragens de rejeito, como a que rompeu em Minas Gerais, são construídas justamente para a contenção e sedimentação desta lama. Dada à plasticidade e contínua descarga da lama, essas estruturas de contenção exigem constante monitoramento[10].

            Apesar de a mineradora Samarco alegar que não havia constatado anomalias na barragem, acredita-se que uma das grandes causas do rompimento tenha sido o processo de alteamento da barragem. Esse processo servia como mecanismo para aumentar a capacidade da barragem, e pode ter influenciado diretamente na ruptura[11]. Uma questão muito relevante abordada por uma pesquisa realizada pelo jornal Brasil de fato, e que também pode ter influenciado diretamente no rompimento da barragem, é de que existe uma grande dependência dos municípios e dos estados em relação a grandes empresas. Em vista disso, os pequenos municípios, como é o caso de Mariana, podem acabar flexibilizando as regulamentações de fiscalização para autorização de funcionamento das empresas mineradoras[12].

            E é neste ponto que os assuntos abordados no primeiro capítulo deste trabalho se fundem com esta parte da pesquisa, existem muitos interesses não revelados entre Estados e mercados. Diante de inúmeras crises econômicas mundiais, “os chamados mercados não só regulam cada vez mais a vida cotidiana das pessoas, mas também ditam as políticas de recortes sobre as bases de um Estado” (BERNAL et al, 2014, p. 65).

            Após o ocorrido, em notícia divulgada pela Veja, a “Vale disse nesta sexta-feira que lamenta profundamente o grave acidente ocorrido nas barragens de rejeitos nos municípios de Mariana e Ouro Preto, em Minas Gerais”[13]. O que fica evidente é que os danos causados por esta tragédia jamais serão resgatados, tendo em vista que até o momento em notícias atualizadas pela Veja, a tragédia deixou um total de 19 mortos, centenas de desabrigados e uma grande poluição no Rio Doce, o qual percorre vários municípios até chegar ao Espirito Santo[14].

4 SAMARCO, BHP E O ESTADO: ATORES DO CASO DO DERRAMAMENTO DE LAMA  

                       A partir do caso exposto, será feita uma pequena análise para verificar de que maneira a imprensa retratou a responsabilização ou a desresponsabilização pelo rompimento da barragem em Mariana, com base nas palavras mais usadas para representar o fato, sendo que foram escolhidas 8 notícias da Veja online e 8 notícias da página online do jornal Brasil de fato, todas divulgadas no mês de acontecimento do fato.

4.1 BRASIL DE FATO

 

            Em notícias divulgadas pelo jornal Brasil de fato, nota-se uma maior consulta a movimentos sociais, em especial, aqueles movimentos de atingidos por barragens, os quais direcionam a responsabilidade dos danos a Vale, Samarco e a BHP. Outro fator que ficou claro a partir da análise é o esforço do jornal em denunciar e demonstrar a responsabilização pelo fato. Essas conclusões serão expostas a seguir a partir das categorias criadas na análise.

4.1.1 Dando voz aos movimentos sociais e aos especialistas

 A maior parte das reportagens analisadas do jornal Brasil de fato preocupou-se em trazer algum especialista da área ambiental, vítimas ou algum membro dos movimentos de atingidos por barragens. Na edição especial no dia 15 de novembro o jornal fez uma cobertura sobre o caso de Mariana, onde trouxe entrevistas com diversas pessoas ligadas direta ou indiretamente com o caso: “essas mineradoras lucram muito e a gente vê que não estão investindo tanto em segurança dos seus empreendimentos”[15], disse Letícia Oliveira, do Movimento dos Atingidos por Barragens em entrevista.

Os entrevistados e as entrevistadas denunciam as responsabilidades em relação aos danos ocorridos com o derramamento da barragem, afirmam que o que houve não foi um simples “desastre” nem um simples deslocamento de terra, mas algo que envolve grandes corporações em associação com o Estado. O Coordenador da promotoria do Meio Ambiente Carlos Eduardo Ferreira Pinto, expõem em entrevista que:

Não é a atoa que se configura como resumo da tragédia a palavra de ordem “não foi acidente”. O desastre faz parte da lógica, amparada pela economia nas leis na estrutura de governo que se rende ao mercado, interessado somente em lucros. Lucros apropriados por muito poucos acionistas e empresários. O Estado por sua vez nega seu papel de agente público ao se posicionar ao lado desse modelo[16].

            Em relação as a disseminação dos danos o professor da UFRJ Mauricio Ehrlich apura que: “onde está, naquela região por muito tempo não vai nascer nada, não vai se plantar nada. O rejeito anda pode assorear a calha dos rios”[17], demonstrando o prejuízo ambiental que poderá se perpetuar na área afetada pelos rejeitos da mineradora. Outro fato importante a ser mencionado é que o jornal entrevistou a equipe médica que atuou durante os resgastes na eminência do fato. A equipe médica relatou que “as vítimas apresentavam muito enjoo, além de confusão mental. O cheiro do local onde ocorreu a tragédia era muito forte, de produtos químicos. Quem passou por lá saiu com ardência nos olhos e garganta”[18].

            A equipe do Brasil de Fato ainda consultou outras instituições importantes sobre o fato. Ao consultar os Bombeiros o Jornal apurou que: há um descontrole total da mineração no Brasil e todas as políticas de ritmos de extração, armazenamento de rejeitos e escoamento dos minérios são especialmente monitorados e feitos pela própria empresa”[19]. Na referida notícia o representante do corpo de bombeiros explica que quando são acionados esse tipo de catástrofe já ocorreu podendo pouco ser feito em relação aos danos. A MAM – Movimento dos atingidos pela mineração se posicionou em entrevista que “há experiência o suficiente para conter este tipo de acontecimento, então a opinião do MAM é que as empresas podem coibir este tipo de acontecimento e, ao não fazer isso, ela é a principal responsável pelos mortos e desaparecidos”[20].

            Percebe-se que o Brasil de fato traz em suas notícias uma abordagem militante, preocupando-se com os atores envolvidos no ocorrido, sobretudo com os movimentos sócias que trabalham diretamente com as causas que abrangidas pelo fato.

4.1.2 Denúncias: para que não ocorra novamente

             Um ponto que é bem visível nas notícias do jornal Brasil de Fato é o empenho do jornal em dar visibilidade as responsabilidades pelos danos ocorridos em Mariana. Na edição do dia 27 de novembro de 2015 o jornal trouxe o projeto de lei projeto de lei (PLS 654/2015), em análise o jornal apurou que projeto possibilitaria flexibilizações e concessões de licenciamentos ambientais que possibilitam grandes obras. Se encaixam nessas grandes obras rodovias, aeroportos e hidroelétricas: “é justamente para esses empreendimentos que se deve realizar um processo mais rigoroso”[21], diz Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), em entrevista.

            Outro fato interessante, é que o jornal Brasil de Fato trouxe em seu corpus reportagem sobre protesto em relação ao derramamento da barragem de fundão, denunciando que o ocorrido não foi um acidente:

Tudo dentro da normalidade, menos em frente ao prédio da transnacional Vale: corpos em lama estavam deitados sobre a calçada. Um grupo de ativistas e artistas em silêncio reclamava #naofoiacidente, em referência ao derrame de lama da mineradora Samarco, que já tem 6 mortos e 22 desaparecidos no distrito de Mariana (MG)[22].

            Em reportagem intitulada “Bento Rodrigues: uma história que se repete como tragédia”, o Brasil de Fato demonstra a importância da memória, trazendo na referida matéria outro caso de derramamento em Bento Rodrigues: “a tragédia de Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), não é a primeira causada pela atividade de extração mineral no Brasil. Infelizmente o histórico é antigo, remontando ao tempo colonial, há mais de 300 anos”[23]. Na mesma reportagem, o jornal denúncia que nos anos de 2014, 2006, 2007 e em 1987 outros acidentes com rejeitos de barragens já haviam ocorrido na mesma região, dando visibilidade para as irresponsabilidades socioambiental das empresas.

Em reportagem do dia 18 de novembro de 2015, o Brasil de Fato a partir de entrevistas com membros do MAB- Movimento dos Atingidos por Barragem, da visibilidade aos possíveis responsáveis trazendo notícia com o seguinte título: “vale e BHP são responsáveis pela tragédia, aponta integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens”[24].  Conforme informações apuradas pelo jornal Brasil de fato, juntamente como o Movimento dos Atingidos pela Mineração, o que aconteceu em Mariana não foi um acidente, tendo em vista que:

[…] a empresa faz a própria vistoria. Não há uma auditoria externa que possa dizer “é necessário isso e aquilo e o gasto será de tanto”. A empresa faz conforme a lucratividade dela não seja abalada. Então ela faz o próprio planejamento a partir do que pretende gastar. 50% (das ações) da Samarco é da Vale. A Vale mais uma vez é a grande responsável por este acontecimento. Isso é uma coisa que acontece no Brasil. Quem faz a licença ambiental dessas mineradoras? Elas contratam as empresas que fazem, ou seja, elas mesmas fazem para apresentar os laudos para a Secretaria de Meio Ambiente, Ibama, Instituto Chico Mendes, mas é um laudo próprio. A Vale para instalar qualquer projeto contrata as empresas que formularão os laudos, não há um contraponto[25].

Nota-se o empenho do jornal em demonstrar e denunciar os verdadeiros responsáveis pela “tragédia” a partir de matérias que dão voz aos movimentos sociais envolvidos ligados ao fato. Essa denúncia fica ainda mais evidente na reportagem em reportagem intitulada: “lobby de mineradoras está entre causas da tragédia em Mariana, dizem debatedores”. Allaoua Saadi professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entrevistado na referida reportagem afirma que a razão da fatalidade em Mariana tem relação com os lobbys, pois ainda há uma grande dependência dos municípios com as grandes empresas, existindo uma troca de favores e uma facilitação nas fiscalizações[26].

4.2 VEJA

             Na análise feita nas reportagens da Veja foi possível verificar que a revista se preocupou em dar voz as empresas envolvidas no ocorrido Samarco e Vale, possibilitando o esclarecimento dos fatos a partir de um outro ponto de vista. O outro ponto de vista que fica evidente nas notícias da Veja é de que o rompimento da barragem poderia ter sido causado por tremores que causaram deslocamento de terra. Essas conclusões serão expostas a partir das categorias a seguir.

4.2.1 Dando voz as empresas

 Diferente do jornal Brasil de Fato, a Veja online em uma de suas entrevistas trouxe o outro lado da história sobre o derramamento da barragem. Em matéria do dia 6 de novembro de 2015 a Veja deu voz os representantes da empresa Samarco. Germano Silva Lopes, gerente-geral de projetos e responsável pelo plano de ações de emergência da companhia explicou que momentos antes do ocorrido houve uma inspeção na barragem e nenhuma anomalia foi detectada: “sentimos um tremor, diferentes pessoas o sentiram perto das duas e pouco da tarde, então fomos imediatamente ao local fazer inspeções e constatamos que não apresentava nenhuma anomalia”[27].

 A Veja apurou que a barragem de fundão da Samarco tinha lama da sua acionista a Vale e em entrevista com os representantes da empresa o quais informaram que: “a relação entre ela e a Samarco era regida por contrato entre as duas empresas, que definia a Samarco como responsável pela gestão, controle e operação dessa deposição e disse que sua lama correspondia a menos de 5% do total depositado em Fundão”[28].  Em relação à falta de fiscalização das ações da Samarco, a Veja apurou que “a Vale, proprietária da mineração Samarco (responsável pelas barragens de contenção), não aceitou enquanto era tempo instalar no povoado sirenes de aviso. A empresa achou desnecessário”[29].

Em notícia intitulada “Vale diz lamentar profundamente rompimento de barragens em MG”[30], a Veja mais uma vez traz o ponto de vista de uma das empresas sobre os fatos derivados do derramamento da barragem. Em declaração Murilo Ferreira presidente da Vale disse que:

Gostaríamos de expressar nossa solidariedade a todos os atingidos por este lamentável acidente nas barragens de rejeitos da Samarco em Minas Gerais. Não mediremos esforços para prestar todo o apoio necessário à Samarco e às autoridades neste triste momento para os empregados, seus familiares e as comunidades vizinhas[31].

            Conforme análise, a Veja procurou demonstrar mais o ponto de vista das empresas do que das vítimas ou de movimentos sociais envolvidos no acontecimento. Nesse ponto a Veja se diferenciou do jornal Brasil de Fato, que em diversas notícias priorizou a visibilidades dos movimentos dos atingidos por barragens.

4.2.2 Uma possível culpa: os tremores

             Um ponto interessante nas notícias da Veja, e que também se diferencia das notícias do Brasil de Fato, são reportagens sobre os tremores que ocorreram no dia do derramamento da barragem. Os representantes da Samarco entrevistados pela Veja declaram que sentiram tremores minutos antes de do rompimento da barragem e que isso pode ter sido a causa do acontecimento do fato.

As causas do desastre foram associadas a uma perda de estabilidade na fundação de rejeitos, em um processo conhecido como liquefação. Os tremores não foram fator decisivo e sim uma liquefação que houve em razão do acúmulo de água na barragem[32].

            Conforme informações apuradas pela edição de 6 de novembro da Veja, os abalos terrestres foram sentidos duas horas antes do rompimento da barragem: “cerca de duas horas antes da tragédia, o observatório da UnB detectou tremores de magnitude 2,5 a 2,7 graus próximos a Bento Rodrigues”[33]. Porém, Carlos Eduardo Pinto promotor do Ministério Público de Minas Gerais os indícios foram de que: “os investigados sabiam dos riscos do rompimento e agiram de forma negligente”[34].

            Além disso, em outra matéria o promotor também afirmou que: “mesmo que isso tenha influenciado, é algo que pode acontecer e a empresa teria de levar isso em consideração na construção da barragem”, argumentou o promotor”[35], nesse caso o promotor considerou as averiguações feitas pelo Observatório de Sismologia da Universidade de Brasília (UnB) que detectou que os abalos.

Nesse sentido, nota-se que as reportagens da Veja que direcionaram a responsabilidade a alguém, são aquelas em que se considerou a opinião dos investigadores da Policia Federal e Ministério Público. Nas demais reportagens realizadas pela Veja o conteúdo trata sobre os danos que o ocorrido causou, sem que haja uma visibilidade das responsabilidades.

4.3 TRAGÉDIA DESASTRE OU CRIME?

             Um fato que ficou evidente durante a análise foi a forma como os dois meios de comunicação se referiam ao ocorrido. Com base na análise dos dois meios de informação Veja e Brasil de Fato, percebeu-se que as palavras mais usadas para qualificar o fato foram desastre e tragédia conforme demonstrado na Tabela- 1. Porém, ambas as palavras demonstram uma ideia de desresponsabilização dos fatos ocorridos em Mariana.

Tabela – 1. Expressões utilizadas para qualificar o fato

 

Expressões utilizadas

 

Veja

 

Brasil de Fato

Desastre 13 vezes 1 vez
Tragédia 26 vezes 15 vezes
Crime 0 2 vezes

Elaboração com base na pesquisa no acervo online da Veja e do Jornal Brasil de fato.

            Etimologicamente a palavra desastre está ligada a uma posição desfavorável dos astros, o que ocasionaria uma influência negativa dos astros aos indivíduos e a palavra tragédia está ligada a um acontecimento horrível e devastador (BUDÓ, 2015B). Logo, nenhuma das palavras usadas atribui a responsabilidade a alguém ou a algo específico.

            O uso das terminologias desastre e tragédia pelos meios de informação invisibiliza danos sociais massivos como no caso do rompimento da barragem de Fundão. Ademais, conforme Barak, essas ilegalidades cometidas por grandes corporações, são invisibilizadas e neutralizadas em virtude de alianças, sendo que a maioria dos atores de elite capitalista, contribuem para que este sistema continue funcionando, tendo como um dos grandes efeitos a desmoralização e negação das vítimas e a desresponsabilização para com os atingidos (BARAK, 2015).

CONCLUSÃO

 Diante da busca desenfreada pelo lucro, os interesses políticos e econômicos acabam se sobrepondo a muitos valores humanos e de proteção para com o meio ambiente. Em vista disso, na contemporaneidade nos deparamos com grandes atrocidades, genocídios e uma verdadeira devastação da natureza em razão de interesses não declarados de Estados e Mercados.

Porém, os danos sociais ocasionados em razão desses interesses, são invisíveis a partir do estudo meramente dogmático penal, em vista disso é imprescindível que seja feita uma análise baseada nos danos sociais, para que se consiga avistar uma outra perspectiva, a qual foge da tendência expansionista do direito penal. Pois, os danos sociais ocasionados em razão de crimines dos poderosos ou crimes de colarinho branco, também são invisíveis com base no enfoque de muitos meios de comunicação e informação, já que na maioria das vezes estes meios, em especial a mídia hegemônica, tem um enfoque maior em crimes que seguem padrões seletivos, deixando de fora todos os crimes que não se enquadram nos seus padrões, ou seja, aqueles que têm como partes indivíduos de classe abastada, os quais exercem grande influência no mundo dos negócios.

Em vista disso, para que se consiga ter clareza dos fatos ocorridos na contemporaneidade é necessário que se tenha conhecimento de como e de que forma determinado fato é representado para que se possa desenvolver o mínimo de senso crítico sobre a veracidade dos acontecimentos. Uma análise a partir da ótica da criminologia crítica e do dano social auxilia no desprendimento do estudo meramente positivado.

Nesse sentido, este trabalho teve por objetivo demonstrar como e de que forma a mídia demonstrou a representação social do fato do derramamento da barragem de Fundão em Mariana e se ouve uma responsabilização ou uma desresponsabilização dos danos ocorridos. Para isso, foram selecionados dois veículos de informação e comunicação, um de caráter hegemônico, o qual seja a revista Veja online e outra de caráter contra hegemônico, o qual seja o jornal Brasil de fato, limitando-se as notícias divulgadas no mês de acontecimento do fato, novembro de 2015.

Concluindo que, embora os dois meios de comunicação tanto hegemônico, como contra hegemônico, tenham caracterizado o acontecimento como tragédia e desastre, percebesse que no caso das notícias divulgadas pelo jornal Brasil de fato (mídia contra hegemônica), ouve uma maior atenção ao que os movimentos sociais, vítimas e especialistas tenham a dizer sobre o ocorrido, dessa forma direcionando uma maior responsabilização dos danos ocorridos as empresas Vale e Samarco.

Nessa perspectiva, diante de tantos acontecimentos na sociedade e de interesses não declarados de Estado e de grandes corporações, é importante que se tenha uma maior atenção aos meios de comunicação e informação alternativos, pois estes possuem um maior senso crítico e imparcialidade diante dos acontecimentos. Também uma maior participação de movimentos sociais excluídos e marginalizados, os quais trazem uma perspectiva que foge do senso hegemônico e meramente jurídico-penal.

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Os reflexos das manifestações de junho de 2013 no Brasil: perdidos entre disputas semânticas[36]

 

The reflections of June 2013 demonstrations in Brazil: lost in semantic disputes

Lia Beatriz Teixeira Torraca[37]

Vinicius Azevedo[38]

Resumo: A proposta deste trabalho consiste na observação das disputas semânticas travadas nas mídias sociais a partir das manifestações de 2013 no Brasil. O objetivo é investigar como a inédita disputa pela construção da realidade entre a mídia tradicional e a mídia alternativa acabou relevada por uma disputa meramente semântica. O desenvolvimento da pesquisa se dá através de duas abordagens metodológicas. O método bibliográfico, utilizado como base conceitual, e o método empírico, empregado como suporte para a interpretação de dados. Parte-se da hipótese de que aquelas manifestações representaram a criação de um novo espaço de resistência: as mídias sociais. Esse novo espaço virtual parece ter tomado o lugar tradicional das ruas como palco de luta por direitos. Os resultados observados indicam que, a partir do período pós-eleitoral de 2014, ocorreu uma intensa polarização social, especialmente nas mídias digitais, quando as ruas já se encontravam esvaziadas. De alguma forma, acabamos perdidos entre disputas semânticas. Desperdiçamos um inovador espaço de resistência ao tentarmos traduzir aquilo que foi construído como crise. Sem perceber, consumimos nossas expectativas democráticas ao assimilarmos uma estética comum às mídias sociais. Faz-se necessário compreender as redes de um processo antropofágico que se mostra característico da sociedade contemporânea, como forma de proteger o que ainda resta de uma democracia.

Palavras-chave: movimento de protesto, mídias sociais, resistência, sociedade

 

Abstract: The propose of this work consists in the observation of the semantic disputes fought in the social medias from the 2013 demonstrations in Brazil.  The goal is investigate how this inedited dispute through the reality construction between the traditional media and the alternative media that ended up mitigated by a dispute merely semantic.  The development of the research is done through two methodological approaches.  The bibliographic method, used as conceptual basis, and the empirical method, employed as support for the data analysis.  Starting from the hypothesis that those demonstrations represented the creation of a new space of resistance:  the social media.  This new virtual space seems to have taken the traditional place of the streets as stage of fights for rights.  The aftermaths observed indicates that, from the 2014 post-electoral period, occurred one intense social polarization, especially on social media, when the streets were already empty.  Somehow, we ended up lost between semantic disputes.  We wasted an innovative space of resistance when we tried to translate what was constructed as a crisis.  Without perceive, we consumed our democratic expectations when we assimilated an aesthetic common of the social media.  It is necessary comprehend the network of an anthropophagical process characteristics of the contemporary society, as a way to protect what we still have of a democracy.

Keywords: protests movements, social media, resistance, society

Introdução

A proposta deste trabalho consiste na observação das disputas semânticas travadas nas mídias sociais a partir das manifestações de 2013 no Brasil. Parte-se da hipótese de que as mídias sociais, que emergiram como instrumento e território de resistência a partir dos movimentos de protesto que incendiaram as ruas brasileiras em 2013, perderam não só sua potência na disputa com a mídia tradicional pela construção da realidade, como também um espaço de resistência, de possibilidades democráticas.

A problematização discutida neste trabalho se divide em duas questões-problema. A primeira diz respeito ao modo de operacionalização da mídia diante das manifestações de junho de 2013, enquanto a segunda trata dos reflexos das disputas semânticas na realidade social brasileira.

Pressupõe-se que a hegemonia da mídia tradicional e de seu discurso antivandalismo que fizeram parte na primeira fase das manifestações de junho de 2013[39], passou a ser desafiada pelos midiativistas, que contraditaram as informações pasteurizadas pela grande mídia através de live-streaming do interior das manifestações para as mídias sociais, permitindo a construção de outra realidade. Acuados, os principais veículos de informação mudaram sua abordagem e passaram a apoiar as manifestações. A mudança no discurso, porém, teve um preço: a mídia tradicional conseguiu em certa medida resignificar a pauta dos protestos. A demanda por direitos relacionados ao transporte foi colocada em segundo plano na cobertura dos protestos, deslocando o foco para o combate à corrupção, quando a grande mídia transformou em espetáculo o julgamento da Ação Penal 470, pelo Supremo Tribunal Federal.

A pauta da corrupção, reintroduzida pela mídia tradicional, se tornou o epicentro das discussões semânticas no cenário político pós-junho de 2013. Os desvios de recursos referentes à Copa do Mundo (2014) e às Olimpíadas (2016), o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff (2017) e a condenação do ex-Presidente Lula (2018), por exemplo, desembocam sempre no mesmo tema: corrupção. É neste momento que se forja o que parte do povo convencionou chamar como golpe, e outros acreditaram ser a vitória contra a corrupção, ainda que outros indícios e fatos indiquem que se vivencia um momento de um sistema corrompido.

Este trabalho faz uso de duas abordagens metodológicas principais: a bibliográfica e a empírica. O método bibliográfico será empregado para a reconstrução teórica do tema, e serve como base conceitual para leitura e interpretação dos dados extraídos do material empírico. O método empírico é utilizado para levantamento e tratamento de dados referentes ao perfil de participantes, locais, datas, pauta de reivindicações, e formas de veiculação de notícias e reportagens pela mídia, capazes de fundamentar respostas para a problematização da pesquisa.

Para a consecução de seu propósito, este trabalho se divide em quatro tópicos: o primeiro contextualiza o tema e relembra, brevemente, o que foram os atos ocorridos em junho de 2013 no Brasil. O segundo tópico trata da atuação do midiativismo e de sua afirmação no interior daqueles protestos. O terceiro, por sua vez, aborda algumas disputas semânticas da atualidade, consideradas como reflexos das manifestações de junho de 2013. E o último observa e analisa as mídias sociais como projeção da antropofagia democrática.

 

1. As manifestações de junho de 2013 no Brasil

Se o povo brasileiro parecia apaziguado e inserido numa espécie de “milagre econômico”, refletindo os índices econômico-sociais que indicavam uma realidade distante de colapsar[40], as manifestações de 2013 fizeram emergir outra realidade, na qual um aumento de vinte centavos nas tarifas de transporte público passou a fazer diferença e levou para as ruas uma série de insatisfações que não estavam estampadas nos jornais e nem faziam parte das pautas dos telejornais.

Os protestos que levaram milhares de brasileiros às ruas contra o aumento de vinte centavos na passagem de transporte expuseram inúmeras insatisfações[41], resumidas na frase “muito além dos vinte centavos”, intensificadas no grito “queremos escolas e hospitais padrão FIFA”, e posteriormente, resignificada pela grande mídia numa cruzada contra a corrupção.

As manifestações de junho produziram críticas generalizadas ao sistema (política, educação, direito, economia), em uma mistura de percepção de ameaça de exclusão de direitos com participação por solidariedade (AZEVEDO, 2017, p.54). Os primeiros atos públicos relacionados ao direito de transporte se transformaram em manifestações com interesses que reivindicavam uma grande variedade de temas, como reforma política, fim da repressão policial, fim da inflação, melhor qualidade nos serviços públicos, não-aprovação de projetos como a “cura gay” e a PEC 37 no Congresso Nacional. [42]

A contenção social pela polícia, comum às favelas, invadiu o asfalto democrático naquele emblemático ano, possibilitando questionar se aquela situação poderia ser descrita como um estado de exceção, tal como retratado por Agamben (2004). Essa questão revela quão dividida estava a sociedade, a ponto de não se perceber que a exceção jamais deixara os territórios de pobreza, enclaves característicos da segregação contemporânea dos centros urbanos mundo afora (NIGHTINGALE, 2012; FLORIDA, 2017). Assistiu-se, naquele contexto, desde o resgate de leis dos “anos de chumbo”, à aprovação de decretos e decisões judiciais que restringem e criminalizam os movimentos sociais, até condenações emblemáticas, o que sugere que a democracia brasileira tem cor determinada e classe social preferida.

As imagens que marcaram o ano de 2013 na história do Brasil levantam dúvidas sobre o próprio processo de redemocratização, e suscitam reflexões sobre a herança deixada pela ditadura civil-militar, que sequestrou a sociedade entre autos de resistência, tortura, prisões e condenações arbitrárias, desaparecimentos, “caçadas” cinematográficas, ações “pacificadoras” garantidas sob a legitimidade do monopólio da violência. Imagens que são a projeção de uma democracia encurralada (TORRACA, 2016), seja pela violência ou pela relação paradoxal com o ambiente democrático. Uma democracia delimitada pelas distorções e esgarçamentos provocados pela tensão entre ações e reações; um fenômeno que, no Rio de Janeiro, por exemplo, é nitidamente identificado por uma cidade dividida entre o asfalto democrático e o estado de exceção imposto ao morro, conforme os interesses de uma oligarquia que controla os destinos da cidade.

A complexa polifonia nas demandas daquelas manifestações já indicava a possibilidade de se desperdiçar a energia que eclodira das ruas. Apesar da inegável oxigenação da democracia naquele ano de 2013, muito se perdeu entre as múltiplas demandas e comportamentos antidemocráticos, mas principalmente pelo esvaziamento das ruas. Os aspectos antidemocráticos que emergiram durante as manifestações de 2013, tanto por parte do Estado quanto dos manifestantes, tangenciam o próprio paradoxo democrático, que também é verificável nas mídias sociais, seja como reflexo do espaço físico ou como parte de uma estética própria do ambiente virtual. Nem mesmo o surgimento de novas formas de insurgência, ou a disputa que se estabeleceu entre a mídia tradicional e a mídia alternativa, foi capaz de evitar o enredamento nas teias de uma crise midiaticamente construída.

2. Midiativismo: a nova resistência

 Ao assumir um protagonismo que revolucionou tanto a resistência quanto a própria comunicação, a atuação do midiativismo pode ser considerada como o maior legado daquele junho de 2013. Sua capacidade em disputar com a grande mídia brasileira a construção da realidade é um aspecto relevante para contabilizar esta nova forma de resistência como revitalização da democracia, especialmente por ser inconteste os prejuízos para uma sociedade em ter uma mídia tão concentrada quanto a brasileira.[43]

Foi o midiativismo responsável por abalar a hegemonia da grande mídia brasileira e abrir espaço para uma nova forma de construção da opinião pública. Tornou-se possível não só assistir imagens que contraditavam as notícias dos telejornais, mas iniciar a busca por novas informações, com acesso a novas narrativas e a construção de novos discursos.[44]

Nessa perspectiva, os midiativistas agiam no interior dos protestos e, por meio de celulares, eram responsáveis por possibilitar a construção de um novo discurso sobre as manifestações, de uma outra realidade. A violência da polícia passou a ser transmitida online pelos próprios participantes, e ensejou maior adesão aos protestos. Devido ao contínuo compartilhamento em rede, as manifestações passaram a ganhar maior visibilidade no cenário nacional e internacional.

A comunicação via mídias sociais teve importância fundamental para o êxito das manifestações, pois permitiu convocações e descrições do próprio movimento em tempo real (via postagens compartilhadas), atingindo um número antes improvável de receptores em espaço de tempo quase que instantâneo. O uso das ferramentas tecnológicas e da interconexão possibilitou o processamento e compartilhamento de informações quase que automaticamente, muito rapidamente e em grande escala quantitativa(CASTELLS, 2013, p.54). As jornadas de junho trouxeram, portanto, elementos novos, como a produção em rede, a inteligência colaborativa e a circulação rápida e intensa dos conteúdos digitais para as ruas (AZEVEDO, 2017, p.44).

Durante o embate entre midiativistas e grande mídia, a opinião pública se viu projetada numa espécie de espelho distorcido da realidade, entre a informação compactada pela grande mídia e as imagens transmitidas ao vivo pela mídia alternativa. A primeira iniciativa da mídia tradicional durante os protestos foi transformá-los em um espetáculo a ser consumido, difundindo o discurso antivandalismo, o que foi decisivo para legitimar as (re)ações violentas do Estado contra os manifestantes. Esta parceria entre Estado e grande mídia é uma prática normalizada, como salienta Charaudeau (2012).

Ao transmitir as manifestações em tempo real, a ação dos midiativistas ganhou espaço entre os usuários das mídias sociais, aproximando o usuário do próprio movimento de protesto, o que trouxe um caráter novo e desconcertante para a mídia tradicional, notoriamente afastada de sua audiência e distanciada dos fatos, insistindo em captar do alto de seus helicópteros a grande maioria das imagens transmitidas.

Foi através das imagens transmitidas online pelos midiativistas que o discurso da mídia tradicional foi contraditado, e, como nos dizeres de Luhmann (2005, p. 76) “não há nada semelhante a uma contradição da imagem contra imagem”. A divulgação dessas imagens trouxe uma percepção da realidade sem filtros que desencadeou emoções, identificação e mobilização social, gerando um poder que foi para as ruas como tradução da soberania popular. Assim iniciava uma inédita disputa pela construção da realidade entre a midiativistas e a mídia tradicional. O midiativismo foi capaz de absorver qualquer pessoa que tivesse uma câmera e estivesse disposta a transmitir os fatos. A contribuição do olhar interno dos movimentos através dos midiativistas obrigou a imprensa estabelecida a rever seus posicionamentos e articular uma nova forma de resgatar sua credibilidade e audiência.

A primeira reação da mídia tradicional foi imediata transformando manifestantes em vândalos, alçando-os ao posto dos novos “inimigos” do povo. Porém, apenas uma parte deste povo estava conectada[45] às mídias sociais, ainda que tenha provocado um backlash jamais experimentado pela nossa grande mídia, acomodada em sua hegemonia. Uma audiência garantida por grande parte dos desconectados e por aqueles acostumados à narrativa que sempre traduziu o real e produziu aquilo que a maioria absorveu como realidade. Este resgate da audiência perdida foi alcançado pela tradução do julgamento da ação penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal. Foi naquele momento que a grande mídia conseguiu reintroduzir o discurso anticorrupção, já que o discurso antivandalismo perdera seu sentido diante das imagens e informações veiculadas pela mídia alternativa.

Foi através da espetacularização daquele julgamento que a grande mídia resgatou sua “credibilidade” e fez do discurso anticorrupção o fundamento de uma crise. [46] À mídia tradicional foi permitido não só o resgate de audiência, mas o monopólio da própria construção da realidade, que se reflete nos destinos de uma sociedade. Entretanto, outros aspectos contribuíram para o status quo ante da grande mídia, como o esvaziamento das ruas e a migração dos manifestantes para as mídias sociais.

Contudo, o que parecia ser a emancipação do telespectador, no sentido de Rancièrie (2014), se transformou em um abismo construído midiaticamente. O telespectador passou a assumir uma posição de juiz, ou a de reproduzir discursos construídos pela mídia hegemônica, que passou a produzir conteúdo específico paras as mídias sociais ou adequá-lo à estética virtual, cooptando aqueles usuários que pareciam emancipados. Se parecia que se havia compreendido que a produção imagética da realidade não é a representação do mundo como ele é, conforme alertara Luhmann (2005; p. 76), a polarização pós-2013 mostrou que ainda se está distante do amadurecimento democrático que representa a emancipação do espectador.

Transformar a realidade em verdade pasteurizada é o que a mídia hegemônica sempre se encarregou de fazer com os fatos, dos quais se apropria e capitaliza na forma de poder. Um poder que por décadas foi capaz de hipnotizar um país inteiro, provocando comoção e controle, seja através da teledramaturgia, seja por intermédio do monopólio da notícia, conduzindo a sociedade conforme os seus interesses privados, contrariando a função precípua dessa concessão de serviço público. O midiativismo foi pensado como resistência a esses aspectos negativos de uma mídia altamente concentrada.

A rejeição à grande mídia durante as manifestações de 2013 contabiliza, além das dificuldades do processo de redemocratização brasileira e da construção de sua memória, uma disputa polifônica de verdades que precisaria estabelecer um vínculo com o futuro, como preconiza o Raffaele De Giorgi (DE GIORGI apud TORRACA, 2016, p. 59).

3. Lost in translation: perdidos entre disputas semânticas

 Há, na língua inglesa, uma expressão utilizada quando se perde o sentido original de uma palavra ao tentar traduzi-la: lost in translation. Uma expressão que em muito define a atualidade, afinal, após as manifestações de junho no Brasil, muito se perdeu entre diversas disputas semânticas travadas diariamente, principalmente nas mídias sociais. O lócus das ocupações se alterou. As ruas foram abandonadas em favor da ocupação das mídias sociais. As disputas travadas nas ruas se deslocaram para disputas meramente semânticas, compartilhadas nas mídias sociais.

A primeiras dessas disputas girou em torno da motivação daquela convulsão social que tomou as ruas a partir de junho de 2013: seriam apenas os vinte centavos ou era algo mais do que aquele aumento nas tarifas de transporte público? A truculência policial contra os manifestantes seria responsável pela invasão das ruas por vândalos e pacíficos? Seria legítimo recorrer à violência, seja manifestante ou policial? Se estaria sob a égide de um estado de exceção (AGAMBEN, 2004) ou seriam aqueles os primeiros sinais de uma agonizante democracia? O que se pretendia denunciar? O que se pretendia defender? Naquele momento de intensos questionamentos foi possível intuir que a potência daquelas disputas poderia ser desperdiçada.

Aquelas manifestações ainda ganhariam novas vozes contra os megaeventos e em torno de revisitadas discussões religiosas, começando naquele ano com a Copa das Confederações de Futebol e a Jornada da Juventude.

A polifonia das ruas acabou se transformando em disputas meramente semânticas travadas nas mídias sociais, o que contribuiu para desviar o foco daquilo que poderia trazer respostas e afastar da polarização com a qual se conviveria a partir dali: a disputa entre as mídias tradicional e alternativa pelo poder na construção da realidade.

Em 2014, por exemplo, as disputas passaram pela discussão em torno da Copa do Mundo, com questionamentos sobre os gastos com os preparativos para recepcionar o megaevento e a escolha de implementação de políticas capazes de gerar mais exclusão, como o Projeto de Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro, e a própria gentrificação gerada pelos projetos de reurbanização. Naquele ano, os manifestantes que esbravejaram contra a Copa acabaram vencidos pelo ufanismo popular e pelo recrudescimento da força persecutória do Estado. O espetáculo dos megaeventos acabou ofuscando a potência dos movimentos de protesto. Este parece ter sido o ponto de partida para a desmobilização social, ou para uma espécie de mobilização agendada, ora os “verde-amarelo”, ora os “vermelhos”, fazendo recrudescer, ato após ato, a polarização social. Não se percebia que se estava, pouco a pouco, transferindo massivamente os protestos para o espaço virtual, intensificando a disputa semântica e a polarização social.

Antes que se passasse a discutir a ameaça de um golpe, o retorno – ainda mais potente – do discurso antivandalismo veio à tona, quando em fevereiro de 2014, o cinegrafista da Band, Santiago Ilídio Andrade, foi morto em razão de um rojão que atingiu sua cabeça quando registrava o confronto entre manifestantes e policiais durante o protesto contra o aumento da passagem de ônibus, no centro do Rio de Janeiro, provocando uma das mais intensas polarizações das mídias sociais após as manifestações de 2013 (TORRACA, 2016, p. 98). O Black Bloc projetava, então, a figura do inimigo da sociedade!

Nos dois anos seguintes, as disputas foram travadas em torno das Olimpíadas de 2016, e a capitalização nas urnas sobre a repercussão dos jogos, que poderiam ter papel fundamental na definição os novos ocupantes do poder. Também parecia passar despercebido o papel da grande mídia nestas disputas, que desde a midiatização durante o julgamento da Ação Penal 470 resgatou o discurso anticorrupção e fez dessa narrativa o fundamento para a produção de verdades a partir de fatos editados, especialmente em relação à Operação Lava-Jato, se apropriando das traduções em torno da persecução penal e calibrando a indignação de parte da população. Uma indignação foi potencializada catarticamente nas mídias sociais. Naquele momento a grande mídia já havia se acoplado às mídias sociais, passando a produzir ou reproduzir seus conteúdos para os nômades virtuais (DELEUZE, GUATTARI,1995, 1997).

No período seguinte às eleições, muito se perdeu na busca pela tradução da realidade; as divisões se recrudesceram e a polarização se intensificou, graças à dinâmica das mídias sociais. Passou-se a disputar a semântica de golpe e da violência, colocando em xeque o significado do conceito de democracia, especialmente quando formos surpreendidos com uma intervenção federal – ou seria militar?

Voltaram à tona reflexões sobre o racismo, a discriminação, a aporofobia[47] e tantos outros aspectos que permeiam o cotidiano e que sempre foram escamoteados entre as relações sociais, o que acabou exacerbando as divisões, cuja segregação não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, como também não é o retrocesso em razão da onda conservadora que assombra a atualidade, que se revela no “esquecer e repetir” aludido por Raffaele De Giorgi (1998).

A polarização e as disputas semânticas seriam fenômenos exclusivamente brasileiros? As programações algorítmicas seriam as únicas responsáveis pela polarização nas mídias sociais? O caso da Cambridge Analytica demonstra que não e nos permite refletir sobre a relação dos usuários e as mídias sociais, as implicações deste modelo de negócio e seus protocolos. Projeções daquilo que Torraca acredita ser um fenômeno que nomeou antropofagia democrática (TORRACA, 2016; p. 181-197).[48]

4. As mídias sociais como projeção da antropofagia democrática

 As mídias sociais fazem parte das promessas de uma nova era inaugurada pela internet, como relembra James Curran (2012). Nesse contexto, as mídias sociais seriam o espaço catártico e imaginariamente redentor da miséria e da exclusão sociais, como aponta Muniz Sodré (2008, p. 81). Um espaço de construção de discursos, que seguem a estética do próprio discurso das mídias, que se fundamenta no presente de atualidade, segundo Charaudeau (2006, p. 134), numa complexa “negociação fundamental entre o eu e o outro, assim como na experiência vivida todos os dias na mídia”, como observa Deuze (2010, p.143). Apesar das vantagens deste território ao alcance dos dedos, são vários os aspectos que provocam dúvidas sobre este novo real.

Um fenômeno global foi despertado através da investigação dos jornais The Observer e The Guardian, que contou com a contribuição de dois whistleblowers, responsáveis pela configuração das ferramentas de análise de dados desenvolvidas pela empresa Cambridge Analytica. Durante um ano, os jornalistas analisaram documentos e depoimentos de testemunhas, buscando desembaraçar a complexa rede de informações em torno das eleições estadunidense e britânica (Brexit). Os documentos que fazem parte da investigação[49] revelaram como a empresa de análise de dados, Cambridge Analytica, utilizou os dados[50] dos usuários do Facebook durante campanhas políticas. AE como Cambridge Analytica está conectada ao AggregateIQ, agência digital usada pelo comitê oficial de campanha do “Vote Leave” durante o Brexit. Essas operações e protocolos são ainda pouco transparentes.

A partir do escândalo da Cambridge Analytica, que levou o criador e CEO[51] do Facebook a prestar mais de 8 horas de depoimento frente ao Congresso Nacional estadunidense, passou-se a refletir um modelo de negócio inédito, criado por Mark Zuckerberg. Um modelo de prestação de serviço que reflete a sociedade do espetáculo, da vigilância e do consumo. Despertou-se para o que Julian Assange (2013) sempre alertara, nossos dados são as commodities de maior valor no mercado contemporâneo, e as mídias sociais são espaços potenciais de vigilância, bem como denunciou Edward Snowden.[52] Se antes se tinha certeza da vigilância do Estado, agora se conhece a vigilância organizada privadamente, a serviço de empresas que mostram como é possível influenciar processos eleitorais e capturar o modelo democrático contemporâneo. Percebe-se, daí, o próprio grau de vulnerabilidade pessoal e, em última instância, das democracias.

Por mais assustador que possam parecer essas revelações, não é algo que se possa dizer novo, nem muito menos surpreendente. Trata-se do aperfeiçoamento de técnica comunicativa (marketing) que associa tecnologia e psicologia, com o intuito de atingir objetivos eleitorais daquele que contratou os serviços de empresas como a Cambridge Analytica. O que há de novo é a adequação dessas técnicas ao ambiente virtual e a extensão da exposição do eleitor/usuário à estética da ciberguerra (ASSANGE, 2013). O questionamento mais relevante é sobre o grau desta influência em nosso comportamento, nossas escolhas. Fica, outrossim, a pergunta se o Facebook seria o maior Publisher, a instrumentalização da biopolítica ou apenas a mais potente plataforma de conexão?

Mas qual seria nossa participação nesta engrenagem? Teríamos alguma responsabilidade neste processo? É difícil afirmar qual seria nossa responsabilidade, afinal nem mesmo se conseguiu definir as responsabilidades do Facebook e da Cambridge Analytica e de suas parceiras. Porém, no que diz respeito à nossa participação, é possível observar que as questões da privacidade em ambientes virtuais refletem o próprio conflito entre público e privado, como também, a maneira de nos relacionarmos com as tecnologias que invadiram nosso cotidiano, como também nosso relacionamento com os outros e conosco.

A potencialização da vigilância é reflexo da forma como se lida com a questão da privacidade, como se escolhe tornar público nossos registros privados, porém não é algo que possa excluir a confiança sobre a guarda dos dados privados depositada às empresas de mídias sociais, muito menos a imposição sobre a transparência dos protocolos dos serviços prestados pelas empresas de conexão social.

Se as mídias sociais representam um espaço de compartilhamento de informação, de resistência e de múltiplas possibilidades democráticas, há também aspectos que nos levam a questionar esses espaços como territórios de democracia.

Estamos diante de um novo real. O real das fake news, da pós-verdade, da pró-verdade, da ciberguerra, da inteligência artificial; projeções do que Torraca chama de antropofagia democrática (2016). Um real que foi assimilado pela humanidade e devorado algoritmicamente. A programação algorítmica é reflexo da maneira como você se comporta neste universo, ativando configurações que acabam se refletindo em polarizações.

A antropofagia democrática é um fenômeno que está intrinsecamente relacionado com a sociedade do espetáculo. Uma sociedade enredada pela estética das mídias sociais. As relações nas mídias sociais são relações de consumo. Consumimos desde produtos, conceitos e tendências, até a imagem do outro. Neste processo acabamos autoconsumido nossa imagem, como reflexos opacos de imagens projetadas e assimiladas. É este comportamento que possibilita sejamos “calibrados algoritmicamente”. A roupa que vestimos, o que pensamos, em quem votamos, acaba se transformando em reflexo de como nossa mente foi ativada nestes espaços. Na verdade, o que os programadores de ferramentas criadas por empresas como a Cambridge Analytica fazem é justamente analisar os dados e o comportamento do usuário e organizar a programação a partir da observação dessas tendências. Não são apenas os algoritmos a consumirem as expectativas democráticas, mas nós mesmos as autoconsumimos.

Conclusão

Por um lado, é possível concluir que determinadas decisões políticas de fato provocaram a indignação popular. A mídia tradicional, entretanto, se aproveitou da narrativa das ruas, deixando para trás hostilidades históricas para inserir, naquelas indignações, a pauta anticorrupção.

Enquanto caudilhos políticos permanecerem no poder, práticas antidemocráticas se perpetuarão e maior será a importância da participação política da sociedade para romper esta dinâmica colapsada, como alerta Vladimir Safatle: “estamos vivendo um vazio político muito forte, um esgotamento de um ciclo político sem a perspectiva de um outro ciclo alternativo”.[53]

Os manifestantes que deixaram as ruas acabaram migrando para as mídias sociais, passando a meros usuários que detêm informação e emitem suas opiniões. Acabamos perdidos naquilo que se transformou em uma busca pela tradução da realidade, passando a uma disputa meramente semântica, responsável por reduzir possibilidades democráticas e por dar sustentação à crise que ora se assiste. Desperdiçou-se a energia dos movimentos de protesto que marcaram nossa história.

É possível afirmar que uma oportunidade de amadurecimento democrático foi desperdiçada quando a mídia tradicional conseguiu resgatar sua hegemonia na construção da realidade. Porém, foi nossa opção transladarmo-nos para as mídias sociais, numa cômoda digitalização das nossas demandas. Pior, continuamos reproduzindo os discursos da grande mídia, compartilhando suas matérias, restando poucos produtores alternativos de mídia. Acabamos perdidos entre disputas semânticas, potencializando a polarização social, um fenômeno que pode ser melhor visualizado nas mídias sociais, provocando-nos o questionamento sobre o papel dos algoritmos como intensificadores dessas disputas e polarização.

Enquanto grande parte dos brasileiros permanecer informada por intermédio de uma grande mídia altamente concentrada, ainda detentora do monopólio da construção da realidade, reduzidas continuarão nossas possibilidades democráticas, apesar da considerável mudança do espectador na sua relação com a mídia a partir daquele junho de 2013. Enquanto não modificarmos nossa maneira de nos relacionarmos com e nas mídias sociais, continuaremos suscetíveis a manipulações, transferindo a responsabilidade sobre nosso destino e de nossa democracia.

 

Referências bibliográficas

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SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2008.

TORRACA, Lia Beatriz Teixeira. Democracia Encurralada: os reflexos das manifestações de 2013 no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

JUNHO – O MÊS QUE ABALOU O BRASIL. Direção de João Wainer. Brasil: 02 Play 2014.


NOTAS:

[1]Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão: ED-10 Observatório da mídia, direitos e políticas de comunicação do 7º Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 27 a 30 de abril de 2018.

[2]Mestrando em Direito da Faculdade Meridional de Passo Fundo – IMED, com bolsa na modalidade Taxa PROSUP/CAPES. Especialista em Direito Penal pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Membro do grupo de pesquisa Poder, Controle e Dano Social, coordenado pela Profª Drª Marília De Nardin Budó.

[3]Doutora em direito pela UFPR. Mestre em direito pela UFSC. Graduada em direito e jornalismo pela UFSM. Professora do curso de direito da UFSM. Coordenadora do grupo de pesquisa Poder, Controle e Dano Social o Social.

[4]Como forma de facilitar a identificação das reportagens citadas na análise deste trabalho, optamos por apresentar as referências em nota de rodapé. As demais referências que não fazem parte do corpus da análise serão referenciadas em autor-data.

[5]TRAGÉDIA de Mariana para que não se repita. Veja, 20 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/complemento/brasil/para-que-nao-se-repita/>. Acesso em: 05 jan. 2018.

[6]VALE e BHP são responsáveis pela tragédia, aponta integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens. Brasil de fato, 18 nov. 2015. Disponível em:  < https://www.brasildefato.com.br/node/33488/> . Acesso em: 05 jan. 2018.

[7]MARIANA corre risco de se tornar uma cidade com solo infértil, diz pesquisador. Brasil de fato, 09 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33397/>. Acesso em: 05 jan. 2018.

[8]TRAGÉDIA de Mariana para que não se repita. Veja, 20 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/complemento/brasil/para-que-nao-se-repita/>. Acesso em: 05 jan. 2018.

[9]ROMPIMENTO de barragens da Samarco “não é um acidente”, diz membro do MAM. Brasil de Fato, 06 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33383/>. Acesso em: 06 de jan. 2018.

[10]MP quer fechar mina cuja barragem se rompeu em Minas Gerais. Veja, 06 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/mp-quer-fechar-mina-cuja-barragem-se-rompeu-em-minas-gerais/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[11]MP quer fechar mina cuja barragem se rompeu em Minas Gerais. Veja, 06 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/mp-quer-fechar-mina-cuja-barragem-se-rompeu-em-minas-gerais/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[12]LOBBY de mineradoras está entre causas da tragédia em Mariana, dizem debatedores. Brasil de fato, 26, nov. 2015. Disponível em:< e https://www.brasildefato.com.br/node/33551/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[13]VALE diz ‘lamentar profundamente’ rompimento de barragens em MG. Veja, 6 nov .2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/economia/vale-diz-lamentar-profundamente-rompimento-de-barragens-em-mg/> Acesso em: 07 jan. 2018.

[14]PF indicia Vale, Samarco e 8 pessoas por tragédia em Mariana. Veja, 9 jun 2016. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/pf-indicia-vale-samarco-e-8-pessoas-por-tragedia-em-mariana/>. Acesso em: 08 jan. 2018.

[15]BRASIL de Fato MG lança edição especial com a cobertura da tragédia em Mariana. Brasil de Fato, 13 nov. 2015. Disponível em:< https://www.brasildefato.com.br/node/33436/>. Acesso em: 07 jan. 2018.

[16]BRASIL de Fato MG lança edição especial com a cobertura da tragédia em Mariana. Brasil de Fato, 13 nov. 2015. Disponível em:< https://www.brasildefato.com.br/node/33436/>. Acesso em: 07 jan. 2018.

[17]MARIANA corre risco de se tornar uma cidade com solo infértil, diz pesquisador. Brasil de fato, 09 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33397/>. Acesso em: 05 jan. 2018.

[18]VALE e BHP são responsáveis pela tragédia, aponta integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens. Brasil de fato, 18 nov. 2015 < https://www.brasildefato.com.br/node/33488/> . Acesso em: 05 jan. 2018.

[19]ROMPIMENTO de barragens da Samarco “não é um acidente”, diz membro do MAM. Brasil de Fato, 06 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33383/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[20]ROMPIMENTO de barragens da Samarco “não é um acidente”, diz membro do MAM. Brasil de Fato, 06 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33383/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[21]APESAR da tragédia em Mariana, senadores querem facilitar licenciamento ambiental de grandes obras. Brasil de fato, 27 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33576/>. Acesso em: 07 jan. 2018.

[22]ATO no Rio denuncia responsabilidade da Vale em Mariana (MG). Brasil de Fato, 11 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33415/>. Acesso em: 08 jan. 2018.

[23]BENTO Rodrigues: uma história que se repete como tragédia. Brasil de Fato, 10 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33413/>. Acesso em: 05 jan. 2018.

[24]VALE e BHP são responsáveis pela tragédia, aponta integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens. Brasil de fato, 18 nov. 2015 < https://www.brasildefato.com.br/node/33488/>. Acesso em: 05 jan. 2018.

[25]ROMPIMENTO de barragens da Samarco “não é um acidente”, diz membro do MAM. Brasil de Fato, 06 nov. 2015. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/node/33383/>. Acesso em: 06 de jan. 2017.

[26]LOBBY de mineradoras está entre causas da tragédia em Mariana, dizem debatedores. Brasil de fato, 26, nov. 2015. Disponível em:< https://www.brasildefato.com.br/node/33551/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[27]MP quer fechar mina cuja barragem se rompeu em Minas Gerais. Veja, 06 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/mp-quer-fechar-mina-cuja-barragem-se-rompeu-em-minas-gerais/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[28]TRAGÉDIA em Mariana: barragem de Fundão tinha lama da Vale. Veja, 24 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/tragedia-em-mariana-barragem-de-fundao-tinha-lama-da-vale/>. Acesso em: 05 jan. 2018.

[29]REYNALDO Rocha: o mar de lama fez de Mariana um Brasil em miniatura, Veja, 06 nov. 2015. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/reynaldo-rocha-o-mar-de-lama-fez-de-mariana-um-brasil-em-miniatura/>. Acesso em: 07 jan. 2017.

[30]VALE diz ‘lamentar profundamente’ rompimento de barragens em MG. Veja, 6 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/economia/vale-diz-lamentar-profundamente-rompimento-de-barragens-em-mg/>. Acesso em: 07 jan. 2018.

[31]VALE diz ‘lamentar profundamente’ rompimento de barragens em MG. Veja, 6 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/economia/vale-diz-lamentar-profundamente-rompimento-de-barragens-em-mg/>. Acesso em: 07 jan. 2018.

[32]PF indicia Vale, Samarco e 8 pessoas por tragédia em Mariana. Veja, 9 jun 2016. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/pf-indicia-vale-samarco-e-8-pessoas-por-tragedia-em-mariana/>. Acesso em: 08 jan. 2018.

[33]MP quer fechar mina cuja barragem se rompeu em Minas Gerais. Veja, 06 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/mp-quer-fechar-mina-cuja-barragem-se-rompeu-em-minas-gerais/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[34]PF indicia Vale, Samarco e 8 pessoas por tragédia em Mariana. Veja, 9 jun 2016. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/pf-indicia-vale-samarco-e-8-pessoas-por-tragedia-em-mariana/>. Acesso em: 08 jan. 2018.

[35]MP quer fechar mina cuja barragem se rompeu em Minas Gerais. Veja, 06 nov. 2015. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/brasil/mp-quer-fechar-mina-cuja-barragem-se-rompeu-em-minas-gerais/>. Acesso em: 06 jan. 2018.

[36]Trabalho apresentado ao Espaço de Discussão 10 – Observatório da mídia, direitos e políticas de comunicação, do 7º Seminário Direitos, Pesquisa e Movimentos Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 27 a 30 de abril de 2018.

[37] Mestre e doutoranda em Direito pelo PPGD-UFRJ, com ênfase em Direitos Humanos, Sociedade e Arte. Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito e Cinema – UFRJ, como também da Rede Latino-americana de Pesquisa em Teorias dos Sistemas, Direito e Política e da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano. Autora do Livro “Democracia Encurralada: os reflexos das manifestações de 2013 no Rio de Janeiro”. Coordenadora de Mídias do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ.

[38] Mestre e doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP. É membro do Research Comittee “Social Movements, Collective Action and Social Change”, da Associação Internacional de Sociologia.

[39]As manifestações de junho de 2013 podem ser divididas, hipoteticamente, em duas fases distintas. A primeira corresponde ao período do início do mês até o ato realizado no dia 13. Os protestos, nessa fase, se concentraram em manifestações menores (com menos de 20 mil pessoas) e se restringiram ao combate ao aumento da tarifa. Nesse período, a mídia, de modo geral, se posicionava contra os protestos, que foram qualificados como atos de vandalismo. A segunda fase abrange desde o protesto do dia 17 até o arquivamento do PDC da “cura gay”, realizado no dia 02 de julho. Com maior expressividade e reivindicações difusas, a segunda fase das manifestações contou com maior apoio da mídia.

[40]O número de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema no Brasil caiu 64% entre 2001 e 2013, passando de 13,6% para 4,9% da população, segundo dados do Banco Mundial. Além disso, de acordo com o IBGE, o desemprego caiu de 12,3% em 2003 para 5,4% em 2013. Ainda, dados do INEP demonstram que as matrículas em cursos superiores cresceram de 3.887.022 em 2003 para 5.923.838 em 2012, o que corresponde a um aumento de mais de 52% no período. Acesso em 15 jan. 2017.

[41]A extensão territorial desse movimento só havia sido registrada em alguns poucos momentos da história do país até 2013: nos anos de 1960, em greves e paralisações pré-Golpe Militar de 1964 e 1968; em 1984, no Movimento Diretas Já e em 1992, no pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Estima-se que, no total, cerca de doze milhões de pessoas saíram às ruas para protestar, em todos os Estados do Brasil.

[42]Castells (2013) aponta que a multiplicidade de reivindicações não é característica exclusiva do movimento brasileiro, mas um fenômeno mundial observado em movimentos sociais de rede.

[43]A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras, em parceria com a ONG Intervozes e financiada pelo Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, desenvolveu pesquisa na qual relatou a preocupante situação da concentração da mídia brasileira.

[44]Contudo, passou-se igualmente a assistir a criação de influenciadores digitais, a disseminação de notícias falsas e outros fenômenos característicos das mídias digitais, como será exposto adiante.

[45]Segundo o IBGE, são 116 milhões de brasileiros online, um aumento em relação aos dados apurados na pesquisa anterior, que apontava 102,1 milhões de brasileiros conectados à internet, ou seja, 57,5% da população do Brasil. Interessante notar que o aumento de brasileiros que tem celular diminuiu, em 2015 a pesquisa apurou 78,3%.

[46]GLOBO. Cobertura ao vivo do julgamento do mensalão. Acesso em 17 abr. 2018.

[47] Termo cunhado pela filósofa espanhola, termo que passou a ser reconhecido na Espanha como tipo penal (CORTINA, 2017, p. 36 – capítulo 1).

[48]No próximo item, esses dois questionamentos serão abordados. Ambos fizeram parte da exposição da primeira autora durante o I Congresso de Humanidades Digitais, no Rio de Janeiro, no dia 11 de abril de 2018, no eixo Participação, democracia e ciberativismo, no qual se apresentou o trabalho intitulado “A projeção da antropofagia democrática: uma reflexão sobre as mídias sociais como espaços de democracia no Brasil”.

[49]Vale ressaltar que a investigação jornalística foi precedida pela investigação promovida por um conselho especial que observa a relação entre a Rússia e Donald Trump durante a campanha eleitoral de 2016, que supostamente teria contado com a influência dos russos, e possivelmente de Putin; como também por dois inquéritos instaurados pelo Reino Unido, no qual uma Comissão Eleitoral investiga o possível papel da empresa Cambridge Analytca no referendum, e no Gabinete do Comissário de Informação, que investiga o uso de dados analíticos para fins políticos. Informações disponíveis na página do The Guardian, acessada em 19/03/2018.

[50]Há uma grande disputa entre os protagonistas deste escândalo em relação ao objeto destas análises, qual seja, dados pessoais. É neste sentido que se percebe a extensão da ignorância em relação aos protocolos da prestação de serviços das empresas de mídias sociais. Não se sabe o destino dos dados, nem a extensão da garantia de privacidade. Várias discussões e dúvidas são diariamente suscitadas após as revelações da Cambridge Analytica Papers.

[51]Sigla que, em inglês, significa Chief Executive Officer, ou seja, Diretor Executivo. Porém é um Diretor que concentra o poder administrativo da empresa, hierarquicamente superior aos demais funcionários e que é responsável por toda a estrutura da empresa e todas as decisões. Ele representa a empresa, sua imagem e conceito.

[52]O ex-funcionário da NSA chegou a declarar que o Facebook seria uma empresa de vigilância renomeada como rede social. Informações disponíveis na página do Washington Examiner, acessada em 10/04/2018.

[53]Junho – o mês que abalou o Brasil. Documentário dirigido por João Wainer, Brasil, 2014.