Mediação Escolar

Resumo

Com o passar do tempo, a educação tornou-se uma ferramenta da cidadania e para a cidadania, uma vez que além de informar sobre os direitos políticos, sociais e civis, minimiza a desigualidade social, já que gera mobilidade social e um estado democrático de direito. Em virtude da percepção de que os métodos utilizados dentro dos espaços escolares tornaram-se infrutíferos, há necessidade de utilização de novos meios em resolução de conflitos escolares, dentre eles está a Mediação Escolar, que visa solucionar questões problemáticas de maneira pacífica e manter laços outrora rompidos. Para tal, o papel do professor, aliançado à política pública, é essencial para abertura e prosseguimento deste método.

Abstract

As time goes by, education has become a tool of citizenship and for citizenship, since besides informing about political, social and civil rights, reduces social inequality as it brings forth social mobility and a democratic state of law. Due to the perception that the methods used within school premises have become unsuccessful, there is a need to use new means of school conflict resolution, including School Mediation, which aims at solving problematic issues peacefully and maintain previously broken ties. To this end, the role of the teacher in alignment with public policy is essential for opening and continuing this method.

Keywords: School Mediation; Citizenship; Education; Communication.

Artigo

MEDIAÇÃO ESCOLAR

Resumo

Com o passar do tempo, a educação tornou-se uma ferramenta da cidadania e para a cidadania, uma vez que além de informar sobre os direitos políticos, sociais e civis, minimiza a desigualidade social, já que gera mobilidade social e um estado democrático de direito. Em virtude da percepção de que os métodos utilizados dentro dos espaços escolares tornaram-se infrutíferos, há necessidade de utilização de novos meios em resolução de conflitos escolares, dentre eles está a Mediação Escolar, que visa solucionar questões problemáticas de maneira pacífica e manter laços outrora rompidos. Para tal, o papel do professor, aliançado à política pública, é essencial para abertura e prosseguimento deste método.

Palavras-Chave: Mediação Escolar; Cidadania; Educação; Comunicação.

Abstract

As time goes by, education has become a tool of citizenship and for citizenship, since besides informing about political, social and civil rights, reduces social inequality as it brings forth social mobility and a democratic state of law. Due to the perception that the methods used within school premises have become unsuccessful, there is a need to use new means of school conflict resolution, including School Mediation, which aims at solving problematic issues peacefully and maintain previously broken ties. To this end, the role of the teacher in alignment with public policy is essential for opening and continuing this method.

Keywords: School Mediation; Citizenship; Education; Communication.

1 Introdução

Diante das galopantes mudanças tecnológicas, culturais, sociais, religiosas, econômicas, que o mundo tem sofrido, tornou-se necessário repensar as práticas utilizadas na resolução de conflitos dentro do ambiente escolar. Sabe-se que a população está estratificada em três setores[1], porém é no terceiro setor que estas mudanças têm sido mais incisivas. Haja vista, a grande incidência de casos nos tribunais respectivos a este setor.

Por conseguinte, urge pensar em um mecanismo facilitador para quem lida diretamente com conflitos educacionais, sendo a mediação este mecanismo proposto. Atualmente, a mediação é utilizada em diversos campos, como por exemplo: família, vizinhança, saúde, empresa, política, dentre outros. Assim, entende-se que, através deste mecanismo, janelas se abrirão para aprimorar a convivência pacífica na área educacional.

A maioria das pessoas pensa que a comunicação é estabelecida somente através da linguagem verbal e apenas pelo que é falado. Entretanto, há diversos estudos nessa área, que comprovam ser a linguagem não verbal responsável por 93% da comunicação, sendo que a linguagem corporal é responsável por 55%, a entonação da voz por 38%, e somente 7% pelo discurso propriamente dito. Nessa perspectiva, Martins & Picosque (2008) atestam que: “Na mediação, entre tantos, estamos atentos às falas, aos silêncios, às trocas de olhares, ao que é desvelado e velado, aos conceitos e repertórios que ditam os gostos, os modos de pensar, perceber e deixar-se ou não envolver pelo contato […] (p.67)”.

Na verdade, a mediação é um processo de resolução de conflitos inserido nos Tribunais de Justiça dos estados brasileiros, com grande fomento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mesmo sendo o mediador um terceiro imparcial neutro, também, é um facilitador, que conduz as partes à pacificação social.

Sabe-se que a mediação é pouco utilizada no Brasil. Todavia, há um vislumbre desta alteração, posto que consta no Código de Processo Civil (CPC – Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015), que entrou em vigor no ano de 2016. Acredita-se, então, que novas pesquisas serão realizadas para que esta modalidade seja aplicada de forma mais abrangente em solo nacional e, principalmente, dentro das escolas.

Convém ressaltar que o novo sempre é visto com relutância, mas pensa-se que gradativamente, nos três setores da sociedade, a mediação será vista como processo natural para resolução de discórdias. Segundo a Cartilha de Mediação (2013) publicada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rio de Janeiro:

A mediação é mais célere do que um processo adversarial; está resguardada pela confidencialidade; costuma ser bastante eficaz na resolução das questões, pois trata dos interesses e não das posições; representa menor custo financeiro e emocional, em relação ao Judiciário e à Arbitragem; possibilita o controle dos riscos; e tende a preservar ou, até mesmo, restaurar a relação afetiva, social e/ou negocial entre as partes (p.5).

Portanto, o presente artigo tem por finalidade precípua abordar a importância da mediação na preparação do professor, a fim de que tenha aporte teórico sólido para resolução de conflitos escolares.

Superado estes pontos iniciais para a aplicação da mediação, não como método alternativo, mas como veículo de pacificação social, destaca-se a figura do professor, visto ser extremamente importante para a implementação da mediação escolar sob olhar positivo. Para tal, este deve estar preparado, do ponto de vista tanto teórico quanto prático, já que promoverá o vínculo entre as partes conflitantes à mediação.

Com o fito de verificar a importância da Mediação Escolar no processo de resolução de conflitos escolares, pela figura do professor, e constatar a necessidade da utilização das técnicas da mediação, levaram-se em conta as seguintes questões investigativas:

– Qual a importância da capacitação/atualização dos professores em mediação para viabilizar o processo de pacificação social escolar?

– Até que ponto a aplicação da mediação facilita o professor na resolução de conflitos escolares?

Para dar suporte à problemática citada, foram utilizados os seguintes autores: Freire (2000), Prawda (2011) e Azevedo (2012). Além desses autores, para melhor fundamentação do estudo em foco, foram utilizados materiais de curso de mediação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

2 Mediação Escolar

Antes de tratar especificamente sobre mediação escolar, é de bom alvitre esclarecer que no Brasil esta expressão é utilizada para duas situações distintas, sendo a primeira para o programa de inclusão escolar, onde o professor assiste o aluno que possui alguma necessidade especial, como autismo, cegueira, surdez, problemas neurológicos, dentre outras. E, a segunda, que será utilizada neste artigo, para mediação de conflitos que ocorrem no âmbito escolar.

Na década de 1970, foram criados Centros de Mediação Comunitária nos Estados Unidos em virtude de elevados casos de crianças e jovens com desavenças em ambientes escolares. Portanto, elegeu-se um ramo específico dentro da mediação para estes casos, o que ocorreu na década seguinte. Em 1982, os Fóruns Comunitários da cidade de São Francisco, no estado da Califórnia, incentivaram a colaboração entre o sistema educacional e os Centros de Mediação Comunitária. Atualmente, a mediação escolar é utilizada em vários países do mundo, sendo a Argentina pioneira na América Latina, tendo a Cidade Autônoma de Buenos Aires a Lei nº 3.055, de 23 de abril de 2009, que regulamenta a mediação escolar na capital federal da nação.

Ledo engano pensar a escola como instituição isolada, pois nela ocorrem conflitos inerentes a todos os setores da sociedade. Na realidade, os membros da comunidade escolar possuem as mesmas dificuldades, pessoais e sociais, do restante da população, conforme menciona Prawda (2011): “[…] a violência está instalada em todos os setores da sociedade. ‘A escola não é uma ilha’ (p.9)”.

O conflito escolar pode envolver diversos atores sociais, como por exemplo: alunos, pais, professores, diretores, inspetores, porteiros, funcionários da limpeza, da cozinha, vizinhos, sindicatos, grêmio estudantil, Secretaria de Educação, Ministério da Educação, entre outros. Fazendo com que a resolução das desavenças se dê de maneira mais intrincada.

A escola é uma das organizações mais complexas da sociedade, onde interagem pessoas de diferentes níveis sociais, religiões, culturas, ideologias políticas, propiciando tensões e conflitos. Nesta perspectiva, a autora em epígrafe (ibidem) infere: “Nessa ordem de ideias sustentamos que com os novos modelos de comunicação e os recursos que nos proporciona a mediação, é possível diminuir o grau e a frequência de conflitos na escola e prevenir a violência escolar (p.12)”.

Outrossim, as regras de convivência devem ser estabelecidas através do diálogo da comunidade escolar, no sentido de organizar a utilização do espaço e facilitar o relacionamento entre todos, conforme ela preceitua (ibidem): “As normas orientam e limitam as condutas individuais, regulam as comuns e fazem previsíveis os comportamentos a partir das delimitações entre o permitido e o não permitido, para resguardar os direitos e deveres de todos seus membros (p.43)”.

A disciplina e o respeito às regras de convivência do espaço escolar devem ser observados, uma vez que contribuem para o processo de ensino-aprendizagem, papel fundamental da escola. De acordo com a autora (ibidem): “Na escola, a disciplina permite enquadrar a tarefa, delimita os limites, facilita o processo de ensino-aprendizagem, gera um clima de respeito e cuidado das pessoas e sustenta um contrato comun e singular para que cada um se comprometa a cumprir con sua função (p.48)”. Consequentemente, gera um espaço escolar mais acolhedor, pois, segundo Ceccon, Ceccon, Ednir, Velzen & Hautvast (2009): “[…] os mais agressivos, bagunceiros, anárquicos são os que têm o desejo mais forte de estar em um ambiente organizado e previsível (p.143)”.

Existem muitas formas de conflito nas escolas, como consequência natural da interação social, e em conformidade com Samel (2013): “São inteligentes as escolas que compreendem os conflitos como oportunidades de aprendizado coletivo (p.13)”.

Entretanto, se não há intervenção para solucionar o conflito inicial, este pode sofrer uma escalada e gerar, até mesmo, agressividade negativa e violência, como respectivamente enfatiza Prawda (2011): “[…] conduta impulsiva acompanhada do exercício abusivo do poder físico e/ou psíquico e sua consequência direta é um dano físico ou psíquico (agressão)” e “[…] máximo expoente da utilização da força física ou psíquica, isto é, a agressão destrutiva levada aos mais altos níveis (p.49)”.

Sobre manisfestações de violência, Ceccon et al. (2009) esclarecem que “[…] não podem ser toleradas e devem ser interrompidas (p.22)”, uma vez que são desgastantes e desestimulantes para o convívio escolar. De acordo com Pinsky & Pinsky (2012): “A violência pode ser física ou moral; frequentemente ambas as formas aparecem juntas. […] A violência moral corresponde a toda forma de desqualificação de uma pessoa por razões decorrentes de seu sexo, classe social e etnia (p.505)”.

Pesquisas recentes demonstram que existem alunos e professores que não se sentem seguros nas escolas e, quando não existe a sensação de segurança, tanto o ato de ensinar como o de aprender se tornam difíceis. E esta sensação de insegurança é gerada dentro das escolas por razões externas e internas de violência. Alguns tipos de violência são elencados por Ceccon et al. (2009), quais sejam:

  • Violência contra si próprio: depressão, baixa autoestima, imagem negativa de si mesmo, anorexia ou bulimia, automutilação, tendências suicidas;
  • Violência física, psicológica ou sexual contra outra pessoa;
  • Violência direta contra a escola: vandalismo, destruição ou roubo de coisas da escola, falta de responsabilidade na manutenção ou preservação do prédio escolar;
  • Violência indireta contra a escola: faltar, chegar com atraso, sair mais cedo;
  • Violência contra a comunidade em geral: vandalismo, comportamento criminoso fora da escola (p.39).

Observa-se que muitos casos citados não são considerados como ato de violência pela comunidade escolar. No entanto, tudo que interfere na engrenagem do ensino-aprendizagem, ainda que seja intencional, é considerado violência ao direito à educação; já que possui a responsabilidade de diminuir a desigualdade social. Então, quando um aluno chega atrasado, por exemplo, está prejudicando os colegas e o professor por interromper a aula, e ele próprio, que não receberá a explicação integral do respectivo conteúdo. Sobre faltas e atrasos recorrentes, a Cartilha jurídica para gestores escolares (2018) esclarece que:

Quando o aluno atingir a marca estabelecida nas regras da escola, os pais devem ser chamados para uma conversa, uma vez que isso interfere no rendimento do aluno e que um alto índice de ausências pode ocasionar a reprovação por faltas do aluno. […] O objetivo do afastamento da aula […] deve ser duplo: (I) não permitir que o aluno com constantes atrasos atrapalhe o andamento da aula pelo professor e atenção dos demais alunos e (II) dar ao aluno uma atividade diversa, focada no atraso, de caráter pedagógico, afastada da sala de aula – importante ressaltar que o aluno cumprirá outra atividade, afastado da classe dele, para que entenda que os reiterados atrasos prejudicam demais o projeto pedagógico (pp.30,33).

Por isso, uma simples atitude violenta influencia toda a comunidade. Assim, uma situação de violência na comunidade influencia o ambiente escolar, como o ocorrido no Complexo do Alemão, mencionado por Ceccon et al. (2009):

Denúncias […] informam que, devido ao conflito entre a polícia e os narcotraficantes, escolas e creches tiveram que fechar suas portas, o tempo que os alunos passam na escola diminuiu, profissionais da educação foram impedidos de trabalhar e a evasão escolar aumentou. A morte de quarenta pessoas, além de dezenas de feridos, criou um clima de forte emoção na comunidade. A favela do Complexo do Alemão tem 200 mil habitantes, com um IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – de 0,587, o mesmo dos países mais pobres da África. A área possui menos unidades de saúde e escolas do que outras favelas cariocas com a mesma densidade populacional (p.48).

Relatos como este na cidade do Rio de Janeiro são corriqueiros, tendo em vista que quase todos os dias há operações policiais em bairros específicos, ou em vários ao mesmo tempo. Em geral, estas operações começam no início da manhã e interferem na rotina dos estudantes, que preferem faltar às aulas a serem alvejados, atingidos por projéteis, ou confundidos com criminosos, e mortos. E quando as aulas acontecem, às vezes são interrompidas com tiros e os profissionais de educação têm de tomar medidas de segurança para resguardar suas vidas e a dos alunos. Existe, inclusive, uma cartilha ensinando quais devem ser estes procedimentos, como por exemplo: ficar longe de janelas, andar abaixado e, se possível, ficar nos corredores da escola, protegidos pelos muros.

Outro tipo de violência escolar´é o assédio escolar, ou prática discriminatória, ou bullying, que segundo Ceccon et al. (2009) acontece “[…] quando um aluno, ou grupo de alunos, intimida outro(s) usando força física e/ou influência psicológica/mental (p.61)”. A mediação é de suma importância neste caso, como os autores prosseguem enfatizando (ibidem):

A pesquisa mostra que a implantação da mediação entre pares tem um efeito imediato sobre o sentimento de segurança na escola. O número de incidentes violentos e comportamentos agressivos cai bem rapidamente. A estratégia é bem-sucedida quando todos os participantes – gestores, professores, alunos, famílias – colaboram e respeitam os papéis uns dos outros (p.121).

Nesse sentido, a mediação escolar pode minimizar a resistência dos alunos à escolarização e ajudá-los a romper com seus medos. Como observam os mesmos (ibidem): “[…] diante de comportamentos ofensivos e impróprios, o foco é lidar com o conflito e reparar o dano causado às interações, não a descoberta do culpado e seu castigo (p.148)”. Para que não ocorra o que Perrenoud (1999) comenta:

Por fim, algumas crianças resistem à escolaridade porque receiam ou vivem dolosamente as relações com o professor ou certos colegas. Para algumas crianças pequenas, o simples fato de serem confrontadas com os outros é um suplício de vários anos. Outras têm a má sorte de cair em um grupo que lhes é hostil ou com um professor de que não gostam ou que lhes causa medo (p.140).

A mediação escolar também é utilizada em casos de alunos com necessidades especiais, em razão da facilitação da convivência através do diálogo, do respeito, e da escuta ativa. E, em casos de imigrantes, pois, além de terem de se adaptar à cultura, têm de se adaptar ao vernáculo, o que dificulta sua aprendizagem e interação, como observado por Jablkowski & González (2011): “Alguns alunos manifestavam claramente que lhes ‘chocava’ a forma de falar dos bolivianos e peruanos. Inclusive, isto chegou a provocar algumas sensações de tristeza e exclusão em seus colegas estrangeiros (p.163)”.

Para Ceccon et al. (2009) “[…] as crianças, os adolescentes e os jovens desenvolvem-se melhor em um ambiente escolar e comunitário livre de hostilidade, acolhedor, seguro e pacífico (p.61)”. Do contrário, todos sofrem, segundo Jablkowski & González (2011): “O alto grau de exposição a situações de violência deriva muitas vezes em situações que afetam a saúde dos docentes, o que repercute em seu rendimento, na qualidade do ensino e na aprendizagem dos alunos (p.27)”. Conforme demonstrado na Figura 1, em que o professor decide dar aula dentro de uma cápsula de metal por estar amedrontado em sala, e os alunos, por sua vez, observam a situação com perplexidade, visto não haver qualquer indício de violência aparente. E não há do que duvidar, que as situações de violência afetam negativamente o processo de ensino-aprendizagem.

Figura 1. Caricatura da Violência nas Escolas

Fonte: BÔAS, C. A. V. Violência nas Escolas. Jornal Correio Braziliense, Brasília, fev. 5, 2019.

Outro tipo de conflito que ocorre nas escolas atualmente é o gerado pelas redes sociais, principalmente pelo WhatsApp – ferramenta nova de comunicação. Por meio desse aplicativo, grupos de alunos, incluindo representantes de turma, se não tiverem regras claras de manuseio, podem fazer uso dessa ferramenta como forma de agressão. E de acordo com Samel (2013): “As redes sociais e as novas ferramentas midiáticas de comunicação estão presentes no cotidiano escolar, e falar de diálogo e respeito na escola passa também pelo diálogo e respeito nas redes sociais (p.24)”.

A autora em foco (ibidem) denuncia que: “Os conflitos e a violência demandam respostas urgentes, e o ambiente escolar costuma reagir a essas situações de maneira punitiva e excludente (p.107)”. Atitude corroborada pelo titular da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC) do Rio de Janeiro, Pedro Henrique Fernandes da Silva, no Segundo Programa de Aprimoramento em Mediação (II PAM) de 2019, organizado pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 15 de julho de 2019, com o tema “Mediação de Conflitos nas Escolas – Experiência da Argentina”:

[…] é muito duro ficar vendo cenas de violência dentro das nossas escolas e se sentindo impotente, de mãos atadas, sem ter tantas coisas a fazer. Eu há pouco mostrava […] uma cena de agressão de um aluno a uma professora nossa. É claro que não se pode generalizar essas ações, mas infelizmente acontece. E precisa estar preparado para lidar com essas situações, porque hoje a cultura que existe, quando acontece uma situação como essa, é de simplesmente quando a Justiça não entende que esse aluno não cometeu um ato infracional e precisa ser recluso, precisa tomar uma medida. O máximo que se faz com esse aluno é transferir de uma escola para outra, ou seja, na cultura dos nossos profissionais, […], é que o aluno vai apenas sair de uma escola para agredir profissional em outra. E precisa trabalhar isso para poder dar o suporte para esse menino, porque não pode virar as costas para esse aluno. Mas ao mesmo tempo, precisa fazer com que os nossos profissionais sejam respeitados e que todos entendam a importância que têm dentro de um processo escolar. Não podemos e não iremos continuar vendo essas cenas e simplesmente passando isso de uma forma impune. Não pode continuar aceitando, ou pior, naturalizando a agressão a um profissional de educação. Então, essa parceria com o Tribunal de Justiça com a mediação é muito importante, para que possa fazer uma ação preventiva. Mas ao mesmo tempo caminhar ao lado do Judiciário, para fundamentar essas ações, embasar essas ações, para que possa, ao lado do juiz, não continuar fazendo com que um ato infracional seja naturalizado e não continue fazendo com que os nossos profissionais sejam agredidos, desrespeitados, porque isso não se pode admitir em hipótese alguma. A Justiça vem dando uma contribuição enorme e essa parceria está sendo muito importante, para que a Secretaria de Educação reconheça os seus erros, identifique os seus erros, e possa trabalhar em cima deles.

Tal atitude demonstra que até o presente momento a SEEDUC/RJ tem punido e excluído o aluno que gera conflitos nas escolas; o que não tem surtido efeito. Por isso, a mediação escolar tem sido proposta como nova oportunidade de mudança dentro das escolas estaduais fluminenses. Monroe (2010) explica que é “[…] mais adequado criar um ambiente de diálogo. Organizar assembleias para discutir conflitos coletivos, providenciar a mediação de profissionais da escola para desentendimentos pessoais e reservar momentos de reflexão […] é uma possibilidade para prevenir futuras agressões (p.99)”.

A participação da família no processo ensino-aprendizagem é de suma importância, pois é a família que possui a função de educar suas crianças, seus adolescentes e jovens, como observado pela psicóloga Kamilla Stati Angelo: “Quando um aluno ameaça ou agride um professor, isso não condiz com o fracasso escolar, mas sim com o fracasso familiar. Pois é na família que se aprende a amar, a respeitar e fazer o bem a todos”. Fato enfatizado pelo secretário de Educação no II PAM de 2019:

Porque, infelizmente, a instituição família vem se acabando no passar dos dias e as famílias empurram para as escolas a responsabilidade de educar os seus filhos e esse distanciamento é muito preocupante e ruim, porque a escola ela precisa da família, a escola não vive só de professor e de direção. A escola para dar certo, ela precisa muito do desempenho pessoal do aluno, da escola e da família, esse tripé precisa estar alinhado, integrado para que a gente tenha uma chance, um sucesso, para que a gente possa ter um sucesso maior na formação desse aluno. Então o Cuidar[2] tem esse papel, de poder não só identificar um aluno que às vezes tenha necessidade de uma atenção diferenciada, mas para ajudar a escola nesse link também com a família, para trazer a família mais próxima, para que a gente possa com isso ter uma chance maior de sucesso em todo esse processo.

Dentre os diversos problemas presentes nas escolas está o do transtorno de ansiedade. A participação do tripé, aluno, escola, família, é fundamental para o tratamento de alunos com este tipo de transtorno. Inclusive, ao ser entrevistada por Almeida (2017), a professora Cristiane Guedes fez o seguinte pronunciamento:

Aos gestores e aos professores cabe a sensibilidade no trato com a criança acometida pelo sintoma da ansiedade. Ela geralmente tem um comportamento diferente das demais. Cabe o entendimento de que o transtorno de ansiedade não é semelhante ao medo que geralmente acomete a criança em situações adaptativas. […] É necessário compreender que a criança acometida por qualquer transtorno está em sofrimento. É preciso o entendimento de que o transtorno de ansiedade não é como o qualificado na sociedade, uma “bobagem” ou algo “passageiro”. Ele provoca angústia, medo e consequentemente o afastamento da criança em relação aos outros. […] A atitude de acolhimento e aconselhamento aos pais é de fundamental importância, pois também eles entram em sofrimento (p.26).

Sobre depressão, o jornal Mundo Português (2018a) relatou que 26% de estudantes adolescentes portugueses apresentam sintomas de depressão, com incidência maior nas meninas. Estas informações foram obtidas através de estudo realizado pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, no ano letivo de 2017/2018, com seis mil e cem alunos do 7.º ao 12.º ano. O coordenador do estudo, José Carlos Santos, revelou que seiscentos alunos, quase 10%, possuem um risco mais elevado de autolesão, incluindo, o suicídio. Ressaltando que no ano letivo 2016/2017 ocorreram três suicídios e nenhum em 2017/2018.

Em 7 de abril de 2011, sucedeu o Massacre de Realengo na Escola Municipal Tasso da Silveira, terceiro massacre brasileiro em escolas, primeiro ocorrido no estado do Rio de Janeiro. Este massacre matou o maior número de pessoas, doze no total, além do atirador, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, que sofria assédio escolar, como registrou em sua nota de suicídio: “Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo, e todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria, sem se importar com meus sentimentos (MASSACRE DE REALENGO, 2019)”. O que foi ratificado por um ex-colega:

Certa vez no colégio pegaram Wellington de cabeça para baixo, botaram dentro da privada e deram descarga. Algumas pessoas instigavam as meninas: ‘Vai lá, mexe com ele’. Ou até o incentivo delas mesmo: ‘Vamos brincar com ele, vamos sacanear’. As meninas passavam a mão nele (…). Esses maus-tratos aconteceram em 2001. Naquele ano, em 11 de setembro, o maior ataque terrorista de todos os tempos virou obsessão para Wellington (MASSACRE DE REALENGO, ibidem).

Em 13 de março de 2019, aconteceu o oitavo ataque em escola brasileira, desta vez na cidade de Suzano, interior do estado de São Paulo, onde dez pessoas faleceram, incluindo os dois assassinos Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro, que eram ex-alunos da Escola Estadual Professor Raul Brasil e também haviam sofrido assédio escolar.

Dentre os dois ataques citados, o que obteve maior repercussão nas comunidades escolares cariocas foi o ataque em Suzano, já que em 2011 não havia a utilização de aplicativos instantâneos de mensagens em celulares, que foram amplamente utilizados por pessoas maldosas e, até mesmo como forma de brincadeira, onde afirmavam para os colegas não irem às aulas, pois outros ataques nas escolas haviam sido planejados.

Indubitavelmente, a situação de assédio escolar é comum em várias partes do mundo, e em particular no Chile foi decidido pela Suprema Corte de Justiça, que a Corporación Educacional Bosques del Maule indenizasse o estudante em aproximadamente sessenta e seis mil reais, conforme atesta fragmento abaixo, de acordo com Mercojur (2019):

As provas foram suficientes para estabelecer que o filho da requerente sofreu abuso psicológico, habitual e físico de seus colegas de classe, episódios que ocorreram enquanto as crianças – ambos agressores e agredidos – estavam sob a responsabilidade do acusado, causando à vítima sérias alterações de seu desenvolvimento.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação Anísio Teixeira (INEP) realizou uma pesquisa em 2006 com um milhão e quinhentos mil adolescentes de 15 a 17 anos, para saber o motivo de não terem ido à escola no ano anterior, 2005. O estudo revelou que 40% dos entrevistados responderam que não iam à escola simplesmente por não quererem, 17,11% por terem incompatibilidade de horário ou por estarem trabalhando ou procurando emprego, e somente 5,09% por estarem doentes ou terem necessidades especiais. Apesar de a educação ser universal e obrigatória, a maioria dos entrevistados neste estudo afirmou ter oportunidade de estudar, mas optou em não fazê-lo, por vários motivos.

Em Portugal, quase 30% dos adolescentes não gostam da escola, de acordo com o publicado pelo jornal Mundo Português (2018b), numa presquisa realizada em 2018 pela Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) em colaboração com a Organização Mundial de Saúde em quarenta e quatro países. Na nação lusitana, o estudo foi realizado com seis mil, novecentos e noventa e sete alunos do 6.º, 8.º e 10.º ano, com média de idade de 13,73 anos, sendo a maioria meninas (51,7%). Os alunos adolescentes informaram que na escola, as piores coisas são: a merenda (58,3%) e as aulas (35,3%), e o mais razoável foi o recreio/intervalo (8,3%). Os alunos sugeriram a modificação no preparo da merenda (57,2%) e mais variedade no cardápio (44,2%). A maioria dos estudantes se sentia segura na escola (80,3%), se avaliou com pouco ou nenhum sucesso acadêmico (51,8%), só faltavam por estarem doentes, ou por algum imprevisto (85,6%), e que pretendiam ingressar na faculdade (54,8%). Eles relataram as seguintes dificuldades na escola: quantidade elevada de matéria (87,2%), matéria chata (84,9%), matéria difícil (82%), avaliação estressante (77%) e mais da metade apontou a pressão dos pais para obtenção de boas notas. Tal estudo esclareceu que os alunos portugueses não gostavam do ambiente escolar, mas isso não foi o motivo da evasão escolar ou do não ingresso na faculdade.

Em outro contexto, no segundo semestre de 2011, Samel (2013) descreveu uma pesquisa compreendendo cinquenta escolas municipais cariocas com setecentos e cinquenta e nove alunos e trezentos educadores, funcionários e diretores. A assertiva em foco foi: “Os alunos se tratam com respeito”. Dos alunos abordados, 68,5% discordaram, apenas 7% concordaram plenamente, 62% afirmaram respeitar os professores, e 48,9% relataram ser difícil prestar atenção às aulas por conta de problemas ocorridos extramuros. Em contrapartida, somente 20% dos professores declararam ser respeitados, 61,2% frustrados e não reconhecidos pelo seu trabalho. Tal pesquisa demonstrou falta de respeito entre os alunos em si e discrepância do real sentido da palavra respeito no relacionamento entre o corpo discente e docente. A minoria dos professores se sentia respeitada, muito embora a maioria dos alunos afirmasse respeitar seu professor. Há que se salientar a importância do papel integrador da escola, pois a valorização do professor melhora o desempenho desse profissional.

Além de todos os conflitos internos e externos mencionados, ainda existe a luta por melhores condições de salário e trabalho pelos profissionais de educação, que muitas vezes culminam em longas greves, como ocorreu nas escolas municipais cariocas em 2013. Na opinião de Cruz (2014), a Secretaria Municipal de Educação “[…] atribuiu a taxa de aprovação de alunos à greve dos professores do ano passado e ressaltou que, mesmo com a greve de quase três meses […], o Rio manteve os resultados alcançados em 2011 (p.4)”.

A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) (2009) em parceria com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira realizou uma pesquisa sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar em quinhentas e uma escolas nos vinte e seis estados da federação, além do Distrito Federal, com quinze mil e oitenta e sete estudantes, mil e quatro professores de Português e Matemática, quinhentos e um diretores, mil e cinco profissionais de educação, mil e dois pais, mães e responsáveis, totalizando dezoito mil, quinhentos e noventa e nove entrevistados. E percebeu que 96,5% têm preconceito com portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% geracional, 87,5% socioeconômico, 87,3% de orientação sexual e 75,9% territorial. A intensidade da atitude preconceituosa, numa escala de 0 a 100, em relação a gênero é de 38,2%, geracional é de 37,9%, necessidades especiais 32,4%, orientação sexual 26,1%, socioeconômica 25,1%, étnico-racial 22,9% e territorial é de 20,6%.

Já no que se refere ao ranking de preconceito por ator escolar, a pesquisa FIPE (2009) demonstrou que há unanimidade entre alunos, corpo técnico, funcionários, pais e mães quanto ao maior preconceito, o territorial. Em relação ao grau de conhecimento de assédio escolar, 10,5% afirmaram que os alunos eram vítimas, 5,3% os professores e 4,9% os funcionários. Dentre os quais os alunos eram vítimas, 19% relacionaram ao fato de serem negros, 18,2% pobres, 17,4% homossexuais, 10,9% mulheres, 10,4% moradores de periferia ou favela, 9% idosos, 8% portadores de necessidades especiais físicas, 7,8% portadores de necessidades especiais mentais, 7,4% moradores de área rural, 3,9% índios e 3,5% ciganos. Quando os professores eram vítimas, 8,9% relacionaram ao fato de serem idosos, 8,1% homossexuais, 8% mulheres, 7,2% negros, 6,6% pobres, 3,9% moradores de periferia ou favela, 3,9% portadores de necessidades especiais físicas, 3,4% moradores de área rural, 3,1% portadores de necessidades especiais mentais, 2,6% índios e 2,5% ciganos. Quando os funcionários eram vítimas, 7,9% relacionaram ao fato de serem pobres, 7,6% idosos, 7,5% negros, 6,8% mulheres, 5,2% homossexuais, 4,3% moradores da periferia ou favela, 3,6% moradores de área rural, 3,5% portadores de necessidades especiais físicas, 3,1% portadores de necessidades especiais mentais, 2,5% índios e 2,3% ciganos.

Em relação à abrangência da distância social, a pesquisa realizada pela FIPE (2009) revelou que 98,9% preferiam manter distância de portadores de necessidades especiais mentais, 98,5% de homossexuais, 97,3% de ciganos, 96,2% de portadores de necessidades especiais físicas, 95,3% de índios, 94,9% de pobres, 94,6% de moradores de periferia ou favela, 91,1% de moradores de área rural e 90,9% de negros. Sendo a intensidade da distância social, numa escala de 0 a 100, de 72% com homossexuais, 70,9% com portadores de necessidades especiais mentais, 70,4% com ciganos, 61,8% com portadores de necessidades especiais físicas, 61,6% com índios, 61,4% com moradores da periferia ou favela, 60,8% com pobres, 56,4% com moradores de área rural e 55% com negros. Houve unanimidade entre alunos, corpo técnico, funcionários, pais e mães no ranking de distância em relação aos grupos sociais por ator escolar, quanto ao menor preconceito, em relação aos negros.

Esta pesquisa demonstrou a porcentagem elevada de preconceito, discriminação e nível de distância social existente no Brasil, onde vários grupos sofrem preconceito. Porém o mais divulgado pela mídia, em relação aos negros, foi o menor dentre todos analisados. Isso demonstra a atual situação da sociedade brasileira refletindo no interior das escolas e influenciando negativamente no processo de ensino-aprendizagem.

Sobre a intolerância nas escolas, o presidente da Comissão OAB Vai à escola, João Paulo do Prado Campos, revelou à Tribuna do Advogado (2017) que: “Tenho conversado com alunos de diversas escolas, e os jovens estão cada vez mais intolerantes, por incrível que pareça. Esse é um tema importante, que é pouco debatido ainda nesses espaços (p.37)”. O autoconhecimento do ser humano perpassa pelo conhecimento do outro, sendo assim, estes valores negativos devem ser desestimulados, como pensam Silva Junior, Maranhão & Pamplona Filho (2014):

O delineamento de uma identidade implica em conhecer o Eu, que significa reconhecer o Outro necessariamente diferente, não hierarquicamente melhor ou pior, não um objeto de indiferença, exploração, ódio ou violência. Mesmo que o Outro seja diferente, ele é semelhante por ser humano, pois é na humanidade que se assemelham uns aos outros (p.346).

No mesmo diapasão está Freire (2000, pp.94,95):

Que excelência é essa que pouco ou quase nada luta contra as discriminações de sexo, de classe, de raça, como se negar o diferente, humilhá-lo, ofendê-lo, menosprezá-lo, explorá-lo fosse um direito dos indivíduos ou das classes, ou das raças ou de um sexo em posição de poder sobre o outro.

Relativamente à questão da implementação da mediação com intuito de solucionar estes e outros conflitos escolares, a professora Gabriela Irina Jablkowski, no II PAM 2019, salientou:

Então, meu primeiro compromisso em Buenos Aires e em todos os lugares que vou falar de mediação escolar, é que para poder falar de mediação escolar, o último que temos que fazer é falar de mediação escolar. Porque começar a falar de mediação escolar, é começar a falar desde o método e não desde a base sociofilosófica, política, donde o método tem que fazer sentido. O método sem filosofia não tem sentido e as coisas que não têm sentido são perigosas. Digo isso porque escutei por muito tempo, de muitos contextos distintos, falar de mediação escolar desde uma perspectiva que longe está para mim de ser mediação escolar. Estão pondo a mediação como uma ferramenta, como um método para redisciplinar a comunidade escolar. Nesse sentido, a mediação se torna parte de um sistema, que ao menos eu quero mudar. Então, para chegar longe, tem que ir lento, tem que ir pausado, saltar etapas. E umas das etapas que temos que saltar é realmente discutir a fundo que tipo de escola, que tipo de educação, que conteúdos corriculares necessitam nossas escolas hoje. Se não construímos consenso em torno disso, qualquer projeto de mediação vai ser azarento e me parece perigoso por algo que tanto queremos nas mãos do azar.

A mediação escolar, como espécie, possui algumas características da mediação como gênero, quais sejam: voluntariedade, cooperação, autocomposição, confidencialidade, prospectividade e flexibilidade. A primeira característica refere-se aos mediandos, visto que não podem ser obrigados a participar da mediação. A segunda refere-se aos mediandos entre si, pois trabalham juntos com a finalidade de resolver a situação. A terceira refere-se ao protagonismo dos mediandos, já que são eles que resolverão a questão e não um terceiro, alheio ao conflito. A quarta refere-se a todos os participantes, com o intuito de não aumentar o nível da questão. A quinta refere-se ao fato de que as relações escolares são continuadas e se prolongam por anos; por isso, deve-se ter olhar prospectivo na resolução da desavença. A última característica refere-se à forma que a mediação é realizada, podendo os mediandos estabelecer suas próprias regras, uma vez que são protagonistas (PRAWDA, 2011).

Desta forma, cabe ao mediador escolar expor as características específicas da mediação logo na abertura e ao longo dos encontros, para que as partes as utilizem na própria mediação e em circunstâncias futuras. Sendo estas características, portanto, consideradas como recurso pedagógico para formação dos alunos, que constituem a base da sociedade, conforme preconiza a autora em destaque (ibidem): “Elas se constituen assim em um recurso didático-pedagógico para os docentes que, ademais, retransmitem a seus alunos os conhecimentos teórico-práticos acerca de mediação escolar (p.58)”.

A mediação escolar é de extrema relevância para a sociedade, uma vez que os conflitos ocorridos nas escolas são de responsabilidade de todos, já que a pessoa que interage na escola, interage com a família, com a comunidade, por ser um cidadão. Por isso, a dor gerada pelo conflito deve ser utilizada como mola propulsora para mudança, segundo assevera Samel (2013):

Descobri que, […] quem machucou dói tanto quanto quem saiu machucado. E o “tanto” dessa dor não é uma questão quantitativa, de quem sentiu mais ou menos. Quando digo que dói “tanto quanto” no outro, é porque a dor faz parte de ambos os mundos. A dor precisa se tornar uma ponte, comunicar entre os mundos nos quais traçou seu caminho. Aprendi que é nesse momento de conexão que podemos construir algo diferente e novo (p.87).

A relação comunidade-escola não é uma via de mão única, se uma comunidade violenta influencia negativamente uma escola, uma escola em harmonia emana harmonia para a comunidade. Logo, como informa Prawda (2011):

As ferramentas que a mediação possui favorecem o desenvolvimento de uma comunicação eficaz entre os diferentes atores da comunidade escolar, auxiliam para produzir mudanças de conduta eficientes que persistem no decorrer do tempo e previnem os conflitos que geram violência. A mediação escolar garante a diminuição no tempo e na frequência de conflitos na escola, abordando-os de maneira eficaz, e a incorporação de novos modelos de comunicação (p.63).

Estas ferramentas, aprendidas e incorporadas, serão utilizadas para melhoria das relações humanas dentro e fora do espaço escolar. Ressaltando que tanto a mediação como gênero, quanto à mediação escolar, como espécie, não podem ser inflexíveis, tendo em vista que cada escola possui sua particularidade. De acordo com Samel (2013): “O perfil único de cada escola faz lembrar constantemente de que não se pode aplicar sempre a mesma fórmula de ação (p.16)”. Fato também mencionado pela professora Gabriela Irina Jablkowski no II PAM 2019:

Então, nosso desafio é ver como recorremos em cada escola que é única, suas próprias complexidades, seus próprios desafios. E aqui tem outro tema que não posso pensar na escola, no singular, que é algo que também se escuta muito em educação, porque são as escolas, cada uma com sua própria realidade. Então, quando eu escuto que temos que trabalhar para a escola, me pergunto para qual. Porque uma escola não é a mesma que outra. Nem sequer são iguais duas escolas próximas. Então, a lógica da complexidade na educação nos ingressa o uso do plural para nomearmos.

Por conseguinte, o papel das escolas é essencial para a pacificação social, de acordo com Samel (2013):

A escola é um espaço privilegiado para se aprender a conviver e estabelecer vínculos. […] Mudando os paradigmas que orientam a forma de lidar com conflitos, a escola pode se transformar, gradativamente, em um ambiente mais seguro, que evita a exclusão dos diferentes e respeita os processos individuais e coletivos característicos do seu cotidiano (p.116).

Segundo a Assessoria de Imprensa (2019), no dia 29 de abril de 2019, o primeiro Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), voltado para infância, juventude e idoso, foi inaugurado pela juíza Glória Heloiza Lima da Silva, titular da 2.ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, que destacou a importância da criação do centro de mediação, principalmente para jovens que sofrem diariamente com problemas familiares e violência urbana. Esta juíza está coordenando o Projeto de Mediação Escolar no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e, no II PAM 2019, a mesma relatou a motivação para tal engajamento, que teve início num movimento de ocupação de escolas:

Eu sou juíza há alguns anos e, em 2016, enfrentei dentro do estado do Rio de Janeiro o caso das ocupações das unidades escolares. Essa ocupação, por alguns manifestantes, tinha como centro a necessidade de uma reforma no processo educacional. Portanto, a gente identificou, enquanto juiz, que a pretensão da reforma era efetivamente legítima em função de algumas mazelas dentro de um todo educacional. Mas a forma como vinha se manifestando o pedido dessa modificação é que não era legítima, porque estava pautada na violência. A partir dessa primeira ocupação, numa escola na Ilha do Governador, muitas outras escolas passaram a ser ocupadas. Em todo o estado do Rio de Janeiro tinha pelo menos uma ou duas escolas em suas cidades ocupadas por jovens e adolescentes. Então, como juíza da infância, procurei a melhor técnica de convencimento, em primeiro lugar, para o cumprimento da decisão judicial, porque falamos em ocupação, na realidade o movimento foi denominado ocupação escolar. Mas traduzi como verdadeiro esbulho, na medida em que o espaço escolar, a escola estava sendo ocupada de forma violenta, impedindo o acesso de outros, que estavam simplesmente numa posição passiva e aceitavam a forma que a educação vinha se desenvolvendo. Então, na verdade, a ocupação no meu sentir era traduzida como verdadeiro esbulho. Mas como sensibilizar jovens, crianças em relação à noção de cumprir espontaneamente uma decisão judicial? Muito embora saibamos que as reintegrações de posse, quando não são aceitas pelos esbulhadores geram determinado conflito, mas na seara cível estávamos falando de conflitantes adultos. Mas […] era uma situação inovadora, específica. A minha missão enquanto magistrada da infância era, justamente, a missão de educar também, educar aquela criança, aquele adolescente, que em primeiro lugar devia cumprir uma ordem judicial, que é lei entre as partes. Então, por conta da vulnerabilidade dessas crianças, pessoas em desenvolvimento, resolvi me utilizar da conversa, do diálogo com os manifestantes e promover um grande encontro de ideias, grande encontro com todos os atores que seriam responsáveis pelo resultado positivo, que seria não só a desocupação do prédio público, mas sobretudo a modificação na seara escolar. Portanto, a utilização dessa técnica de comunicação não violenta, essa técnica da mediação, produziu a melhor resposta, que foi de um cumprimento da decisão judicial, que extrapolou, melhor, foi além daquele processo, daquela ação civil pública. Foi além, porque conseguimos a modificação que eles estavam efetivamente reclamando, no que diz respeito à melhora da merenda escolar, a questão do Riocard, os professores mais capacitados, enfim, conseguimos com todos os atores encontrar, juntos, uma melhor solução. E a partir daí o Tribunal de Justiça, juntamente com a Secretaria de Educação, promoveu esse acordo de cooperação na implementação da mediação escolar e capacitação dos professores.

O relato comprova que há aprendizado e melhoria a partir de um conflito, que fomentou, inclusive, o interesse na implementação do projeto de mediação escolar do Tribunal de Justiça em parceria com a Secretaria de Educação.

A expansão da mediação escolar é um processo lento, mas capaz de gerar frutos significativos em longo prazo, logo, deve ser incentivada, consoante atestam Jablkowski & González (2011): “[…] há de ter muita perseverança, a equipe tem que ser forte, tolerante com as primeiras frustações, porque os frutos não se veem em um dia, as pessoas começam a dar conta que as coisas mudaram depois de um tempo. […] Depois começam a aparecer os frutos (p.180)”.

Por isso, é necessária a execução do programa através de política pública, como mencionado pela professora Gabriella Irina Jablkowski no II PAM 2019:

E creio que o único caminho que tem a mediação escolar, de poder enraizar em uma comunidade é por uma política pública. Uma política pública é uma condição necessária da mediação escolar e também um risco. Digo que para mim é uma condição necessária, porque é função do Estado pensar que tipo de escolas, que tipo de educação necessita nesse momento. Se não pensamos em nível de política pública, que tipo de educação necessitamos, a mediação somente vai ser uma técnica e a mediação tem que ser mais do que uma técnica. Antes de começar a falar de mediação, temos que começar a falar sobre o que entendemos por educação, o que entendemos por infância, o que entendemos por adolescência, o que entendemos por ser professor e que tipos de escolas estamos necessitando e para quê, se não fazemos essas perguntas, falar de mediação, é só falar de uma técnica. E a mim as técnicas sem base filosófica me parecem perigosas, porque a mediação sem filosofia, a mediação sem planteio de política pública é uma arma e uma arma pode servir tanto para construir como para destruir. […] Me parece que o amado tem que estar nas mãos das políticas públicas, que nos protegem a todos, e que nos fazem construir sentidos sociais mais profundos.

Em última análise, tratou-se a mediação escolar de diversos ângulos. Mas não há como desconsiderar a figura do terceiro facilitador, que é a do professor mediador, ator de extrema relevância para tal instituto.

2.1 Mediador

Segundo Amora (2009), mediador significa: “Aquele que intervém; árbitro, medianeiro (p.453)”. É o terceiro que fica no meio dos conflitantes, atuando de maneira imparcial, amigável, sem interferir ou sugerir possibilidades para o termo de acordo. Facilita o diálogo entre eles, orientando sobre as questões, visando à transformação do litígio, mas se abstendo de qualquer valoração ou avaliação.

Ao identificar o bom andamento do feito, através de técnicas, o mediador contribui para que as partes saiam do conflito, e prossigam para o futuro com o intuito de obter a pacificação social. Estimula as partes a reconstruírem os vínculos emocionais rompidos, para que seja estabelecida uma relação harmoniosa de convivência. Dessa forma, deve conduzir à transformação do conflito, sem anular as tensões, pois existem, são reais, logo precisam ser trabalhadas, nunca abstraídas. Se os conflitos não forem valorados, não haverá resolução, e uma vez não trabalhados, virão à tona na primeira oportunidade.

Na perspectiva de Azevedo (2012), ao conduzir encontros de mediação o mediador deve:

  • aplicar diferentes técnicas autocompositivas de acordo com a necessidade de cada disputa;
  • escutar a exposição de uma pessoa com atenção, utilizando de determinadas técnicas de escuta ativa (ou escuta dinâmica) […];
  • inspirar respeito e confiança no processo;
  • administrar situações em que os ânimos estejam acirrados;
  • estimular as partes a desenvolverem soluções criativas que permitam a compatibilização dos interesses aparentemente contrapostos;
  • examinar os fatos sob uma nova ótica para afastar perspectivas judicantes ou substituí-las por perspectivas conciliatórias;
  • motivar todos os envolvidos para que prospectivamente resolvam as questões sem atribuição de culpa;
  • estimular o desenvolvimento de condições que permitam a reformulação das questões diante de eventuais impasses;
  • abordar com imparcialidades […] todas e quaisquer questões que estejam influenciando a relação (social) das partes (pp.73,74).

Em se tratando do professor-mediador, este deve saber escutar, pois desta maneira conhecerá melhor os interesses e as necessidades das partes envolvidas no conflito, conforme menciona Prawda (2011):

Os sinais que formam o símbolo chinês que representa a palavra “escutar” são quatro: o ouvido, os olhos, a atenção e o coração. Para a cultura chinesa escutar não é somente por em funcionamento o aparelho auditivo. É perceber o que o outro diz, ver como o diz, atender as razões do que diz e compreender com que intenções o diz. Escutar com o ouvido me permitirá captar todas as palavras que me dizem. Escutar com os olhos me permitirá decifrar a linguagem corporal. […] Escutar com atenção me permitirá compreender o problema. Escutar com o coração me permitirá compreender a quem me traz o problema e é parte dele (pp.70,71).

Conforme discriminado acima, há habilidades que muitos professores ainda não possuem. Por isso, é mister que aquele que deseja desenvolver a prática da mediação escolar deva buscar atualização contínua. O cerne da questão é que tais habilidades sejam incorporadas às suas características, tornando-os cada vez mais capazes. Desta forma, quando estiverem nos encontros, farão uso das mesmas com naturalidade, gerando confiança a todos os presentes, como afirma a autora em foco (ibidem): “Em um mundo globalizado e em uma escola multicultural, um professor necessariamente deve capacitar-se para responder de acordo com o contexto atual (p.17)”. Em que pese isso, os professores já são considerados como mediadores empíricos, que segundo a mesma (ibidem) são:

[…] aqueles membros da comunidade escolar que quando as circunstâncias o requerem tratam de resolver os problemas que acontecem, entretanto carecem de formação específica para o papel. Geralmente realizam esta tarefa diretores, professores, integrantes de gabinete, aluno líder ou pai. Em alguns casos se remetem ao programa de convivência escolar. O mediador empírico atua por intuição, por sua experiência pessoal mo relacionamento humano e por seus conhecimentos gerais, mas não conhece as técnicas apropriadas para esta tarefa. O resultado do trabalho destes mediadores é aleatório. Ao carecer de formação, as possibilidades de errar aumentam (p.27).

Um exemplo de mediador empírico bem-sucedido é o do professor Diego Mahfouz Faria Lima, diretor da Escola Municipal Darcy Ribeiro, localizada em São José do Rio Preto, interior do estado de São Paulo. Ele ganhou o prêmio de educador do ano de 2018 e concorreu ao Global Teacher Prize (Prêmio Professor Global) 2018, utilizando o diálogo como ferramenta para transformar uma comunidade escolar, que foi relatado por Almeida & Günter (2018):

[…] Diego foi nomeado para o prêmio por reestruturar o colégio que era conhecido como um dos piores do estado, com altos índices de violência e tráfico de drogas. Na descrição dos indicadores anunciados no site oficial (globalteacherprize.org), Diego é citado como um profissional que transformou a escola com um trabalho desenvolvido ao lado de estudantes, pais, professores, funcionários e membros da comunidade. Ele é também citado como alguém que persuadiu empresas e escolas locais a doar materiais para restaurar o edifício da instituição com apoio de parentes, colaboradores e estudantes. Diego conta que, ao assumir o comando da escola, era comum ver adolescentes de 13 anos portando armas de fogo. “Houve alguns episódios na escola em que eu chorei bastante”, lembra o professor. “As salas de aula, além de incendiadas, eram todas pichadas. No meu primeiro dia de trabalho, me jogaram água e também viraram os tambores de lixo em mim”. Diante da situação complicada, Diego afirma que sua atitude foi dizer que confiava nos estudantes e que queria ouvi-los. A partir desse momento, começou a reestruturação que resultou na sua indicação para o prêmio (pp.39,40).

A iniciativa do professor logrou êxito por ser figura de referência para a comunidade escolar, inclusive para o alunado. Segundo define Prawda (2011): “[…] figura de referência é a que os alunos reconhecem em seus professores, pela confiança que neles depositam quando os buscam como orientadores na resolução de seus conflitos (p.5)”. E, portanto são os mais indicados para solucionar conflitos, conforme ela declara (ibidem): “Os estudos exploratórios realizados na Argentina mostram que, para atuar na resolução de conflitos na escola, os docentes são os mais solicitados pelos alunos (p.37)”.

O mesmo raciocínio em relação à implementação da mediação escolar possuem Jablkowski & González (2011): “Não é nenhuma novidade afirmar que os docentes são atores chaves para o êxito de qualquier processo educacional (p.49)”. Logo, o professor deve possuir um perfil mais abrangente, segundo os mesmos (ibidem):

O novo perfil docente requer incluir dinâmicas de atualização permanente tanto para o domínio de conteúdos e saberes, como para intervir com solidez em contextos cada vez mais complexos. Falamos de desenvolver capacidades para tomar iniciativas, decisões e responsabilidades; compromissos com processos de pesquisa e de avaliação permanente; desenvolvimento de competências para a conquista de comunicações efetivas; desenvolvimento de habilidades de negociação, de abordagem positiva dos conflitos e de trabalho em equipe (p.50).

No mesmo diapasão está Vitorino (2019):

“Temos um modelo educacional marcado pelo modelo das escolas no início do século 20, com um desenho completamente diferente. As crianças recebiam as informações na escola, e, hoje, recebem milhares de informações fora da escola. Se você tem uma educação que não prioriza a interpretação, a reflexão, não é à toa que tenha uma campanha presidencial feita com Fake News. As crianças recebem essa montanha de informações, do YouTube, WhatsApp… E quando chegam na escola, ela ainda é analógica. Os professores escrevem no quadro e as crianças copiam. É um livro em texto, ainda monodimensional, sendo que as crianças enxergam tudo de forma multidimensional. O professor foi formado para trabalhar dessa maneira tradicional, arcaica, obsoleta. Muitas vezes ele sente que tem que mudar, mas não tem a formação para mudar”, explica Pilar. Ainda para Mozart, é necessária uma atuação mais adequada das universidades na formação dos professores. Para ele, os cursos são extremamente teóricos e pouco práticos, o que contribui para que os profissionais estejam pouco conectados com a escola. “Se a universidade não melhorar sua formação, não vamos ter uma qualidade na base para atingirmos a meta do ensino superior. Enquanto o mundo está se preparando para a revolução 4.0, nossos professores estão lidando com problemas do século 19, do século 20. O professor tem que ser um tutor, indutor de qualidade, que promova o trabalho em equipe, ele tem que ser formado em educação integral, coisa que as universidades não fazem”.

O papel do professor foi ampliado ao longo do tempo, não podendo o profissional permanecer estagnado e se atendo, somente, ao conteúdo específico da matéria que leciona, como Ceccon et al. (2009) ratificam:

O ato de educar não está apenas nos livros, nos quadros, nos conteúdos e nas matérias. Está presente na forma de dialogar com o aluno, no modo de reconhecer o desafio de um pai em ajudar seu filho a aprender uma equação Matemática, na maneira como se encara um erro ou uma indisciplina, no esforço do professor de buscar estratégias diferentes para estimular 42 adolescentes a aprender Português, na possibilidade de compreender uma explosão de raiva de um diretor (p.183).

Ainda existe a questão social, onde o professor é peça primordial no combate à desigualdade, assim deve estar sempre aprendendo com o intuito de auxiliar outros, de acordo com Freire & Shor (1986):

Os professores, cujo sonho é a transformação da sociedade, têm de ter nas mãos um processo permanente de formação, e não esperar do establishement a formação profissional. Quanto mais um educador tem consciência dessas coisas, mais aprende da prática, e então descobre que é possível trazer para dentro da sala de aula […] momentos de prática social (p.62).

A criação de política pública para colocar em ação a mediação escolar, com intenção de facilitar a resolução de conflitos, não resulta a imediata aplicação deste projeto nas escolas, pois depende, em grande parte, do envolvimento dos professores, visto que não se pode impor a utilização da mediação, por ser processo voluntário em sua essência. Como corroboram Ceccon et al. (2009): “As ideias da direção ou da Secretaria de Educação geralmente são ótimas e muito bem-intencionadas, mas não funcionarão se os professores não se apropriarem delas, discutindo e enriquecendo tais ideias a partir de sua própria experiência e seus conhecimentos (p.83)”.

Em princípio, dada a prematuridade do projeto de mediação escolar no Brasil, em particular no estado do Rio de Janeiro, percebe-se que não há como cogitar a possibilidade de alunos serem mediadores. Portanto, os professores são os mais indicados para esse papel, visto constituírem a segunda maior classe dentro das escolas, pela frequência no ambiente escolar e pela facilidade comunicacional de lidar com adultos, ou mesmo com crianças, jovens e adolescentes.

3 Considerações Finais

A mediação agregada à cidadania torna-se imprescindível para que a parte tenha atendimento justo e humanizado. Neste sentido, Geaquinto (2008) ratifica que a cidadania: “[…] é a mola mestra do desenvolvimento da pessoa humana, como agente realizador de transformações históricas, na busca do aprimoramento das instituições políticas e sociais e do resgate dos ideais de igualdade […] (p.15)”.

Portanto, salientou-se a importância da “mediação cidadã” para garantir o direito social à educação, haja vista que a mediação humaniza a solução de conflitos nas escolas, começando desde o acolhimento às partes, perpassando pelos encontros, onde há valorização das falas, por meio da escuta ativa, gerando a pacificação social. Todo esse conjunto propicia o amadurecimento dos atores, para que se tornem protagonistas diante de situações conflituosas.

Em última análise, sugere-se que em ambiente escolar os encontros sejam conduzidos pelo professor capacitado em mediação escolar, conhecendo as técnicas que facilitam a comunicação, visto ser ferramenta essencial de integração, desenvolvimento e instrução desde os tempos mais remotos, auxiliando na melhor solução de conflitos escolares.

Após estudar a Mediação Escolar, observou-se que além de garantir os direitos humanos e o exercício efetivo da cidadania, diminui a distribuição de novas demandas judiciais, visto que a maioria dos conflitos escolares pode ser solucionada dentro das próprias unidades escolares. Por isso, espera-se que este método seja mais incentivado pelo Conselho Nacional de Justiça, Tribunais de Justiça e Secretarias de Educação através de políticas públicas. Entretanto, entende-se que novas vertentes podem ser vislumbradas e estudadas, tais como: instituição de espaço para mediação dentro das escolas, abertura de cargo dentro das Secretarias de Educação para professores-mediadores, inclusão de matéria sobre Mediação Escolar nas faculdades de formação de professores de todo o país, entendimento ratificado por Capucho (2012):

Essa maneira passa a ser função das universidades brasileiras, principalmente as públicas, uma política que institua temáticas de caráter interdisciplinar nos cursos ofertados, buscando conciliar teoria e prática na articulação com os demais agentes sociais de defesa dos direitos humanos, com a intenção de formar profissionais capazes de agir para além do conteúdo de área específica e em prol de uma sociedade mais justa (p.74).

Acredita-se, então, que novas pesquisas devem ser realizadas para que esta modalidade seja aplicada com mais propriedade, em todo território nacional.

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[1] A sociedade brasileira está organizada juridicamente em três setores conforme o estabelecido na Constituição da República Federativa Brasileira. O Primeiro Setor (Público) abrange as instituições públicas das três esferas governamentais, quais sejam: Municipal, Estadual e Federal. O Segundo Setor (Privado) inclui as empresas em geral, nos segmentos: Indústria, Comércio e Serviços. O Terceiro Setor está inserido no setor social, que é composto por instituições organizadas pela sociedade civil na busca de seus direitos ou de suas necessidades (MOREIRA, 2015).

[2] Projeto criado em 17 de abril de 2019, para reforçar a segurança dos colégios estaduais do Rio de Janeiro. Profissionais do projeto serão habilitados, dentre outras formações, em mediação de conflitos escolares.

Palavras Chaves

Mediação Escolar; Cidadania; Educação; Comunicação.