A ABUSIVIDADE DA COBRANÇA DA TAXA DE EMISSÃO DE BOLETO E A OFENSA AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA DECISÃO PROFERIDA NO RECURSO ESPECIAL 1.439.314/RS

Resumo

O artigo busca analisar a abusividade das instituições financeiras pela cobrança da
taxa de emissão de boleto bancário diante do atual cenário jurisprudencial. O problema que
orientar a pesquisa pode ser sintetizado na seguinte pergunta: Em que medida o Recurso
Especial n. 1.439.314/RS contraria a proteção prevista no Código de Defesa do Consumidor?
Com base nos dados levantados a partir de um conjunto de pesquisas realizadas sobre o tema
na área do Direito, refletida a partir da bibliografia que dá sustentação ao presente estudo,
torna-se possível afirmar que a instituição judicial que deveria resguardar a lei
infraconstitucional e proteger ao consumidor acabou por fomentar atos arbitrários com a
consequente transferência de responsabilidade e um ônus exagerado aquele que busca pagar
suas obrigações. Os objetivos específicos do texto, que se refletem na sua estrutura em três
seções, são: a) Avaliar, os princípios inerentes ao Direito do Consumidor; b) Investigar o
conceito de consumidor e fornecedor com as respectivas obrigações. O método de pesquisa
empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o emprego de técnica de pesquisa
bibliográfica e documental.

Artigo

 

INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 estabeleceu
em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana junto com a prevalência dos
direitos humanos, na forma do artigo 4º, inciso II.

1 Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-
Unijuí. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes (2021). Graduado em
Direito pela Universidade Estácio de Sá (2018). Integrante do grupo de pesquisa em Direitos Humanos, Justiça
Social e Sustentabilidade- Unijuí. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil- Seccional Rio de Janeiro. Advogado

Na forma estabelecida pelo artigo 29, item “a” da Convenção Americana de Direitos
Humanos, veda-se o suprimento de quaisquer direitos, exercícios e liberdades reconhecidas
nesta ou limitá-los em maior medida do que nela prevista, ou seja, tem-se, expressamente,
proibido a profanação de quaisquer direitos humanos.
Tendo tais fundamentos sido observados na Carta Magna, que arrolou a proteção ao
consumidor no rol de direitos fundamentais, os quais estão previstos no artigo 5º, inciso
XXXII, bem como princípio geral da atividade econômica, na forma do artigo 170, inciso V,
daquela Carta.
Urge esclarecer, que apesar dos direitos fundamentais e direitos humanos serem,
ontologicamente, institutos não distintos, pode ser realizada sua diferenciação quanto à
utilização, pois direitos fundamentais são aqueles essenciais, haja vista encontrarem
fundamento último na dignidade humana, sendo positivados nas Constituições dos Estados,
enquanto os direitos humanos são aqueles positivados nos Tratados e Convenções de Direitos
Humanos, ou seja, na essência não se distinguem, todavia, as expressões devem ser utilizadas
de forma diversa, pois ocorre distinção sobre o plano de positivação.
Deve-se ter atenção, para o fato de ser atécnico atarantar os direitos fundamentais com
as garantias fundamentais, apesar de serem dotados da mesma hierarquia e imperatividade.
Nos dizeres de Luís Henrique Linhares Zouein, no Curso Intensivo de Direito Constitucional
da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro 2 , pode
distinguir-se da seguinte maneira:

a) Direitos fundamentais são os bens da vida reconhecidos e promovidos pela
Constituição ou pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, sendo, por
exemplo, direito à vida, à liberdade de locomoção entre outros;

b) Garantias Fundamentais são instrumentos/normas assecuratórias que buscam proteger,
promover ou reverter uma violação aos bens da vida protegidos pelos direitos;

c) Garantia Fundamental é um gênero que abarca diversas espécies, inclusive os
remédios constitucionais, sendo estas garantias de estruturas procedimentais de ações
judiciais: Habeas Corpus, Habeas Data, Mandado de Segurança, Ação Civil Pública,
Ação Popular e Mandado de Injunção;

d) As garantias, em sentido amplo ou institucional, são instituições que tem função
primordial de promoção da tutela dos direitos fundamentais, tais como: Ministério
Público e Defensoria Pública.

Desta feita, tem-se devidamente justificado a razão pelo qual o artigo 5º encontra-se
situado no Título II, que aborda os direitos e garantias fundamentais, sendo explicitada a
diferenciação sobre os significados de ambas as expressões.
Cabe menção da natureza da norma constitucional, prevista no inciso XXXII do retro
mencionado artigo, pois sua classificação é de eficácia limitada de princípio institutivo, que
segundo a classificação de José Afonso da Silva, que ordena a criação de um regulamento, o
qual não afronte direitos e limites impostos pelo poder constituinte originário, haja vista, que
ficou determinado preliminarmente à criação de determinada obrigação.
Logo, o constituinte originário deixou de forma clara a necessidade de criação de uma
norma, que conferisse proteção ao consumidor, sendo corroborado pela determinação do
artigo 48, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, no qual consta um prazo de
120 (cento e vinte) dias para elaboração do Código de Defesa do Consumidor – CDC, tendo
como início da contagem à promulgação da Constituição.
Diante desse contexto, em 11 de setembro de 1990, surgiu a Lei 8.078, que institui o
CDC, no qual o artigo 1º repetiu o constante da Carta Política e nos artigos 2º e 3º ficaram
estabelecido as definições sobre consumidor e fornecedor, sendo estes elementos essenciais
para a compreensão de todas as demais normas consumeristas.
1- PRINCIPIOLOGIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Para melhor compreensão do tema se faz imperioso a análise dos princípios
norteadores do Código de Defesa do Consumidor, sendo estes: vulnerabilidade,
hipossuficiência, intervenção estatal, boa-fé objetiva, informação, transparência, função social
do contrato, adequação, proteção às práticas abusivas, reparação integral, acesso à justiça.
Preliminarmente, é de vital importância que se compreenda o conceito de princípio
para o direito, sendo este a base da norma, a razão de seu existir, o norte a ser seguido pelo
ordenamento jurídico.
Tal posicionamento é sustentado por Mello (2004), que através de sua doutrina
estabelece que

O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência,
exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe
confere a tônica de lhe dá sentido harmônico.

Apesar da importância de todos os princípios, retro mencionados ao presente tópico,
serão analisados os princípios da vulnerabilidade, boa-fé e proteção às práticas abusivas.
1.1 – PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE
Tipicamente nas relações de consumo ocorre a clara e manifesta desproporção entre
fornecedor e consumidor, por tal razão surge este princípio, pois visa reequilibrar essa relação
jurídica, embora, possa ser criticado tal posicionamento de reequilíbrio, pois sequer houve
efetivamente o equilíbrio, tendo em vista a desproporção entre as partes.
Dessa forma, a explicação para a criação de todo um sistema de proteção ao
consumidor é a sua evidente vulnerabilidade em relação ao fornecedor, sendo uma
característica intrínseca à condição de consumidor, seja a vulnerabilidade técnica, jurídica,
política, biológica, social ou ambiental.
Assim, é possível afirmar que todo consumidor (destinatário final de produto ou
serviço – conforme definição do art. 2º, do CDC) é vulnerável, encontrando previsão legal
junto ao artigo 4º, inciso I, da Lei 8.078/90.
Sintetizando o exposto neste título, tem-se os ensinamentos de Antônio Herman V. e
Benjamin ao prefaciar o livro de Moraes (1999):

O princípio da vulnerabilidade representa a peça fundamental no mosaico jurídico
que denominamos Direito do Consumidor. É lícito até dizer que a vulnerabilidade é
o ponto de partida de toda a Teoria Geral dessa nova disciplina jurídica (…) A
compreensão do princípio, assim, é pressuposto para o correto conhecimento do
Direito do consumidor e para a aplicação da lei, de qualquer lei, que se ponha a
salvaguardar o consumidor.

1.2- PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

O princípio da boa-fé teve seu nascimento com o direito romano, pautado pela
equidade, norteando, atualmente, todas as relações jurídicas, constante nos mais importantes
sistemas legislativos ocidentais.
A doutrina busca conceituar o princípio da boa-fé, entretanto, diante da subjetividade
inerente a tarefa encontra alguns percalços, haja vista envolver elementos morais, ou seja,
intrínsecos à pessoa humana e inexistindo meios de prova direta.
Para superar tal dificuldade os doutrinadores passaram a analisar sob o prisma positivo
e negativo, naquele se revela no momento em que o indivíduo age na crença de que procedem
com lealdade, sinceridade e convicto da existência do próprio direito, enquanto neste a boa-fé
se resume na falta de consciência do agente, de que seu ato poderá acarretar prejuízos a
outrem, ou seja, a ausência de vontade de prejudicar, contrapondo-se, assim, à má-fé.
Sobre o tema Costa (2015) faz alusões diferentes da boa-fé objetiva: cânone
hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma
de limitação ao exercício de direitos subjetivos, então vejamos:

A boa-fé objetiva, por fim, implica na limitação de direitos subjetivos.
Evidentemente, a função de criação de deveres para uma das partes, ou para ambas,
pode ter, correlativamente, a função de limitação ou restrição de direitos, inclusive
de direitos formativos. Por essa razão é alargadíssimo esse campo funcional,
abrangendo, por exemplo, relações com a teoria do abuso do direito, com a exceptio
doli, a inalegabilidade de nulidades formais, a vedação a direitos por carência de seu
exercício em certo tempo para além das hipóteses conhecidas da prescrição e da
decadência etc. Nesse panorama privilegiarei, porém, a invocação de três hipóteses,
quais sejam a teoria do adimplemento substancial, em matéria de resolução de
contrato, a invocação de regra do tu quoque, em matéria de oposição da exceção de
contrato não cumprido, e o venire contra factum proprium, todas possíveis de ser
englobadas na ampla categoria da inadmissibilidade da adoção de condutas
contrárias à boa-fé.

1.3 – PROTEÇÃO ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS
O objetivo principal do presente princípio é reprimir abusos em geral no mercado de
consumo, pois na maior parte das vezes os fornecedores culpam a economia, competitividade
do mercado, entre outras alegações das quais camuflam tais práticas levando o consumidor a
erro e, na maior parte das vezes acarretam prejuízos ao seu patrimônio.
Conforme os ensinamentos de Efing (2004) conceitua-se prática abusiva como:
“comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou
situação de inferioridade econômica ou técnica do consumidor.” Na mesma linha temos o
apontamento de Benjamin (2004): "É a desconformidade com os padrões mercadológicos de
boa conduta em relação ao consumidor”.

Assim, esta diante das práticas comerciais abusivas quando todas as condutas tendem
a ampliar a vulnerabilidade do consumidor.

II- CONSUMIDOR E FORNECEDOR UMA DIFERENCIAÇÃO NECESSÁRIA
O artigo 2º do CDC elenca o conceito de consumidor, enquanto que na doutrina será
conhecido como stricto senso ou standard, e através da reprodução ipsis litteris tem-se que:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Diante da leitura do conceito fornecido pela lei, cabe dedução em relação ao elemento
teleológico da relação de consumo, pois obriga que o produto ou serviço, ao ser utilizado pelo
consumidor, seja necessariamente utilizado de maneira definitiva para satisfação de sua
necessidade própria.
Ocorre que a norma não especificou e nem trouxe clareza necessária de entendimento,
do que efetivamente, seria o conceito aberto de destinação final de um serviço ou produto,
assim, obrigou a doutrina a se posicionar, apresentando duas teorias distintas, as quais fizeram
diferenciações, ou seja, deverá ser analisada a teoria finalista/subjetiva e a
maximalista/objetiva.
Ao dissertar sobre a teoria finalista, na qual a destinação final seria dar destino fático
(retirando o produto de circulação) ou destinando-o à economia, sendo esta compreendida
como não utilização do respectivo produto ou serviço como insumo na atividade produtiva,
visando auferir lucro.
Neste sentido SILVA (2008) explicita:

Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele
em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e
serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas
funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no
exercício de sua empresa ou profissão, isto é , ainda que venham a ser interligados,
acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual,
voltada ou não para o lucro (destinatário final fático)

A teoria finalista “alberga o entendimento de que se deve proceder in casu a uma
interpretação restrita do que se tem por consumidor, diminuindo sobremaneira a protetiva

incidência do Código, afeta, apenas, os casos de existência de um polo hipossuficiente,
inferior” ( JUNIOR, 2008).
A respectiva contraposição a esta teoria seria a maximalista, no qual entende que a
ratio legis trouxe ao ordenamento normas de regência de tudo que se refere a consumo, ou
seja, não servirá apenas para consumidores não profissionais, mas para todo o mercado.
Sobre o tema, podem-se citar as lições de Marques (2000) que em sua obra sustenta:
A definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível,
segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um
número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art.
2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não
fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final
seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o
consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a
fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado
que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado
quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que
adquire produtos alimentícios para sua família.

Por fim, quanto ao conceito de destinatário final, o Superior Tribunal de Justiça- STJ
criou a Teoria Finalista Mitigada ou Finalista Aprofundada, ao qual além de observar a
destinação do produto ou serviço adquirido, levará em consideração de igual maneira o porte
econômico do consumidor.
A ministra do STJ, Nancy Andrighi, descreve as características da teoria finalista
mitigada da seguinte maneira:

(…) a jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por
equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação
temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a
doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que,
em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço
pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor
alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das
relações de consumo, premissa expressamente fixada no art.4º, I, do CDC, que
legitima toda a proteção conferida ao consumidor. A doutrina tradicionalmente
aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de
conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica
(falta de conhecimento jurídico, contábil, econômico e de seus reflexos na relação de
consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo
psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor).
Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados
insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo
decisório de compra). A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de
vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade
aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação
interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas na
doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à
outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da
aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a
equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidor (…).

Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 1195642. Relatora:
Nancy Andrighi. Brasília. 25 de outubro de 2012

Ainda podemos encontrar no parágrafo único do artigo 2, bem como nos artigos 17 e
29 a presença dos consumidores equiparados, naquele seria a coletividade de pessoas, ainda
que indetermináveis que venha a sobrevir na relação de consumo, quanto a estes, tem-se,
respectivamente, o consumidor bystanders e o equiparado.
Os consumidores bystanders são todos aqueles que são vítimas do produto ou fato
defeituoso, sendo na prática aquele que não interveio diretamente na relação de consumo, mas
acabou tornando-se vítima, enquanto o consumidor equiparado do artigo 29, são pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas comerciais nas situações nele contidas. Assim,
mesmo não sendo consumidores stricto sensu, poderão fazer uso das normas especiais do
CDC, seus princípios, ética de responsabilidade social no mercado, sua ordem pública nova,
para combater praticas comerciais abusivas.
Insta salientar, que a legislação consumerista em seu artigo 3º, igualmente, elencou o
conceito de fornecedor de serviço, neste sentido se estabeleceu o seguinte:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O conceito fornecido no artigo 3º, através de uma análise e leitura criteriosa pode-se
vislumbrar a subdivisão em três grupos distintos de fornecedor, sendo eles:
a. Fornecedor real seria o fabricante, construtor ou produtor;
b. Fornecedor aparente não participa do processo de fabricação ou produção, mas em
virtude seu nome ou marca constar no produto, passa a ser entendido como formatador
deste, aplicando-se a teoria da aparência;
c. Fornecedor presumido seria o importador.

O fornecedor pode ser entendido como aquele que distribui os riscos da relação de
consumo, cabendo ao que Mendonça (2013) menciona como movimento – Law and
Economics – que teve seu início com Guido Calabresi e Ronald Coase, ajudando a
compreender as abordagens econômicas na elaboração de normas jurídicas.
Carnaúba (2013) doutrina no sentido que todo fornecedor tem custos com a produção
ou fornecimento, englobando custos de acidente e segurança que serão diluídos e repassados
ao preço final disponibilizado ao consumidor, não sendo vedado integralmente tal prática pelo

CDC, pois se assim fizesse estaria impedindo o comércio, todavia, aquele veio a delimitar até
que momento pode ser feito sem caracterizar um ilícito, uma prática abusiva levando ao
consumidor a ponto de desvantagem excessiva.
2.1 – CLÁUSULAS ABUSIVAS
O CDC na seção IV estabeleceu o que seriam as práticas abusivas no artigo 39 e seus
incisos, tendo o rol elencado caráter exemplificativo.
Tendo sob a perspectiva exata compreensão sobre o conceito aqui explicitado,
inicialmente tem por mandatório observar a relação com o abuso de direito. A constatação que
o titular de um direito poderia utilizar deste e para coibir levou o legislador a tipificar certas
ações como abusivas.
De acordo com a renomada doutrina de Nunes (2019), o conceito de abuso de direito
poderia se dar como: “o resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano
a outrem. Ou, em outras palavras, o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e
desviante do direito em seu exercício, por parte do titular”.
Ao denominar práticas abusivas fala-se em ações e/ou condutas que caso existam
naquela relação jurídica, fica demonstrada a ilicitude, ainda que não exista algum dano real.
Neste exato sentido comporta observação mais aprofundada a despeito dos artigos 39,
em seu inciso V combinado com 51, inciso IV, pois as empresas jurídicas na simples
interpretação desses artigos não poderiam repassar aos consumidores a denominada taxa de
emissão de boleto, pois estariam cobrando para emitir quitação da dívida, ainda que de forma
parcial, transferindo onerosamente obrigação a aquelas atribuídas na forma do artigo 319 do
Código Civil.
A abusividade na conduta denota-se, pois o custo deveria ser suportado pela
instituição bancária ou pessoa jurídica emitente do boleto bancário, na medida em que estas
são devidamente remuneradas pelos respectivos preços de produtos e/ou serviços previamente
desejados pelo consumidor, tendo por violado os princípios da boa-fé, transparência e
vulnerabilidade deste grupo.
Deve-se acrescer ainda que o Banco Central por meio de sua Resolução 3.693/2009,
que modificou o artigo 1º da Resolução 3.518/2007,vedou expressamente a cobrança de tarifa
de emissão de boleto de cobrança, carnês e assemelhados.
Veja-se, a tarifação da emissão desse tipo de cobrança seria remunerar o vendedor
tanto pelo objeto ou serviço ofertado, como pelo direito do devedor de pagar, haja vista que

somente seria disponibilizado tal opção de pagamento, se acrescido do valor em questão
somado ao valor efetivamente anuído por este.
Por tal fato, incide o artigo 51, inciso IV, que elucida que a exigência seria cláusula
abusiva, sendo nula de pleno direito, as obrigações consideradas iníquas, abusivas, que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou
equidade, desde que tais contratos sejam posteriores ao fim da vigência da Resolução CMN
2.303/96.
No mesmo sentido se manifestou o Superior Tribunal de Justiça – STJ, através do
Recurso Especial Nº 1.161.411 – RJ (2009/0197795-3), no qual a Ministra Nancy Andrighi,
assim, se manifestou em determinada parte de seu voto:

(…) por derradeiro e não menos importante, há de se consignar que a cobrança de
tarifa pelo pagamento de uma conta ou serviço mediante boleto bancário significa
cobrar para emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por ela não pode
nada solicitar, além de aceitar que o direito à quitação pode ser condicionado ao
pagamento de quantia em dinheiro. Isso porque o devedor tem, conforme dispõe o
art. 319 do CC/02 (art. 939 do CC/16), ‘direito a quitação regular, podendo reter o
pagamento, enquanto não lhe seja dada’. Dessarte, considerando-se que a expedição
de boleto de pagamento é ônus da instituição financeira, não se podendo o seu custo
ser transferido ao financiado, e que assim o fazendo, acarretará ‘dupla tarifação’ e,
por consequência, enriquecimento sem causa do banco, conclui-se que a cláusula
que estabelece a cobrança de tarifas de emissão de boleto bancário, incidente na
outorga do financiamento, é nula de pleno direito, por se configurar obrigação iníqua
e abusiva na medida em que coloca o consumidor em desvantagem exagerada,
proclamando, ainda, flagrante ofensa à boa-fé e à equidade contratual, conforme o
disposto no art. 51, IV, do CDC (…).

Por fim, a referida tarifa de igual forma é vedada a sua cobrança, por diversas leis
estaduais podendo citar a título de exemplificação as Leis 4.549/2005 do Estado do Rio de
Janeiro e 14.463/2011 do Estado de São Paulo, que são as duas maiores metrópoles do país.
Ocorre que o STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.439.314/RS –
RESP, em julgamento da Ação Civil Pública – ACP, ajuizada por órgão de defesa do
consumidor contra empresa do ramo imobiliário, objetivando a declaração de ilegalidade do
repasse da cobrança da tarifa de emissão de boleto para os condôminos e locatários, haja vista
não ter sido a única forma de pagamento disponibilizada, além de trazer cláusula expressa
informando que o locatário ou condômino podem usar outros meios para quitar as obrigações,
com instruções claras e adequadas sobre o pagamento com isenção da tarifa bancária.
A decisão merece ser criticada, todavia, inicialmente porque o caso tratava-se de
relações locatícias, que pelo princípio da especialidade deverá ser aplicado a Lei 8.245/91 e

não o Código de Defesa do Consumidor, conforme se denota da seguinte jurisprudência do
próprio STJ, conforme se colaciona abaixo:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO
DE LOCAÇÃO. COBRANÇA DE ALUGUÉIS. 1. MULTA CONTRATUAL.
INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
SÚMULA 83/STJ. 2. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. MORA EX RE.
PRECEDENTES. 3. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REDIMENSIONAMENTO
DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 4.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no
sentido de que 'não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de
locação regido pela Lei n. 8.245/1991, porquanto, além de fazerem parte de
microssistemas distintos do âmbito normativo do direito privado, as relações
jurídicas não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos
arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/1990' (AgRg no AREsp n. 101.712/RS, Relator o
Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 6/11/2015). (…) 4.
Agravo interno desprovido." (AgInt no AREsp 1.147.805/RS, Rel. Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 5/12/2017, DJe
19/12/2017). "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIADOR. CLÁUSULA EXPRESSA DE
RESPONSABILIDADE ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. REDUÇÃO DA
MULTA COM BASE NO CDC. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. (…)
3. Não se aplicam ao contrato de locação as normas do Código de Defesa do
Consumidor. Precedentes.
4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 508.335/SC,
Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/6/2015, DJe
3/8/2015).

Apesar do precedente da Corte Cidadã da inaplicabilidade do CDC nas relações
locatícias e da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, deixando a lei de ser o
único paradigma a ser seguido pelo julgador, conforme se defronta na análise do artigo 489,
§1º, inciso VI, que com a clareza solar dispõe da ausência de fundamentação de qualquer
decisão judicial, a qual deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento.
Vale menção que não apenas o artigo 489 elucida a nova forma de conferir maior
segurança jurídica e estabilidade à sociedade, como se observa a partir da leitura dos artigos
926 e 927 do CPC:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável,
íntegra e coerente.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em
matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º,
quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento
de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais
superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver
modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese
adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de
fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Os supramencionados artigos sofreram influência da doutrina de Dworkin (2014), que
pondera que o juiz deve ser fiel ao seu dever de integridade, colocando-se como um autor e,
ao mesmo tempo, como um crítico "de um romance em cadeia, escrito por diversos autores",
somado ao fato que o capítulo posterior necessariamente deverá guardar relação com o
anterior. De acordo com o aclamado professor de Harvard e de outras universidades em
Londres tem-se:

Podemos comparar o juiz que decide sobre o que é direito em alguma questão
judicial, não apenas com os cidadãos da comunidade hipotética que analisa a
cortesia que decidem o que essa tradição exige, mas com o crítico literário que
destrinça as várias dimensões de valor em uma peça ou um poema complexo.
Os juízes, porém, são igualmente autores e críticos.
[…]
Portanto, podemos encontrar uma comparação ainda mais fértil entre literatura e
direito ao criarmos um gênero literário artificial que podemos chamar de "romance
em cadeia".
Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada
romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo
capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por
diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira
possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a
complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade.
[…]
Em nosso exemplo, contudo, espera-se que os romancistas levem mais a sério suas
responsabilidades de continuidade; devem criar em conjunto, até onde for possível,
um só romance unificado que seja da melhor qualidade possível.
[…]
Deve tentar criar o melhor romance possível como se fosse obra de um único autor,
e não, como na verdade é o caso, como produto de muitas mãos diferentes. Isso
exige uma avaliação geral de sua parte”.

Diante da importância que passou a dar aos precedentes, o voto Relator do presente
recurso Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e que possibilitou a abertura de precedente
desfavorável ao consumidor quanto ao tema, ainda que tenha justificado seu voto nos
seguintes fundamentos:

(…) Relativamente a quem deve suportar o custo desse serviço, esta Corte Superior
já se manifestou no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não veda a

estipulação contratual que impõe ao consumidor o pagamento das despesas de
cobrança. Apenas determina que esse direito seja uma via de mão dupla, permitindo
que o consumidor também seja ressarcido por eventuais despesas de cobrança
dirigida contra o fornecedor.
(…) Ressalta-se, ademais, que não há um único documento nos autos capaz de
comprovar que a autora deixou de informar os seus clientes sobre a possibilidade de
quitação de seus débitos com isenção da tarifa bancária, sendo certo que incumbe ao
autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito. O pagamento por
meio de boleto bancário, no caso, constitui uma facilidade colocada à disposição do
locatário, que pode ou não optar por essa via, como bem ressaltado no seguinte
trecho da contestação apresentada pela ora recorrente: "(…) A tarifa cobrada dos
locatários é uma opção destes. Tal cobrança não prejudica, ao contrário, em
determinada situação facilita a vida do cliente, dando-lhe meio mais confortável e
facilitado de pagar seus alugueis. (…) O prestador do serviço, como é o caso da ré,
oferece oportunidade de pagamento de forma mais fácil, a um módico custo,
cabendo ao cliente, por comodidade e por opção, pagar tal custo, podendo optar por
efetuar o pagamento de outra forma, também disponibilizada pela imobiliária, livre
de tal taxa. No âmbito do mercado imobiliário, não se cobra a 'tarifa doc' como
necessária despesa de cobrança – como ocorre com o caso dos financiamentos
bancários, onde há imposição, mas para oferecer ao locatário a possibilidade de
pagar o seu aluguel onde bem entender, ou melhor, onde lhe for mais conveniente e,
circunstancialmente, menos dispendioso. O cliente da ré tem e sempre teve ao seu
dispor a possibilidade de pagar no caixa da imobiliária, e em determinadas agências
bancárias e casas lotéricas, sem qualquer despesa a título de 'tarifa doc'. Que fique
claro: No caso em discussão, não há imposicão da cobrança sem outra alternativa ao
devedor, visto que, na unanimidade dos casos, a denominada 'tarifa doc' só é
cobrada quando o cliente, efetivamente, e por comodismo pessoal, se vale do
beneficio ofertado. O cliente tem à sua disposição, e de modo expresso
explicitamente no 'doc' que recebe (ver docs.21 e seguintes) a possibilidade de
efetuar o pagamento, sem qualquer custo, em locais conveniados com a ré, ou se
assim o desejar, no próprio caixa da imobiliária, o que sempre lhes foi possibilitado,
como é do conhecimento de todos que estão ligados aos serviços prestados pela
imobiliária, menos, pelo visto, da instituição autora!" (e-STJ fl. 39). Não se antevê,
portanto, nenhuma prática ilegal ou abusiva que justifique o juízo de procedência da
presente demanda coletiva.”

Tem-se por inegável que o voto proferido pelo Ministro se deu em forma de relação
locatícia, apesar de ter aplicado o CDC sob a justificativa de que os locatários e condôminos,
ao pagarem os aluguéis e as despesas condominiais, seriam equiparados a consumidores,
como vítimas do evento de consumo, na forma do art. 17 do CDC.
Com efeito, a análise do ementário do presente recurso causa dúvidas atualmente
quanto ao atual entendimento do STJ sobre o tema conforme se extrai abaixo:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
SERVIÇOS PRESTADOS POR IMOBILIÁRIA. CUSTOS DE COBRANÇA.
BOLETO BANCÁRIO. REPASSE. POSSIBILIDADE. ART. 51, XII, DO CDC.
RECIPROCIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e
3/STJ). 2. Ação coletiva ajuizada contra empresa do ramo imobiliário visando ao
reconhecimento da ilegalidade do repasse da tarifa de emissão de boleto bancário
aos condôminos e locatários em contratos de locação de imóveis celebrados com a
intermediação da ré. 3. O Código de Defesa do Consumidor não veda a estipulação
contratual que impõe ao consumidor o pagamento das despesas de cobrança. Apenas
determina que esse direito seja uma via de mão dupla, permitindo que o consumidor

também seja ressarcido por eventuais despesas de cobrança dirigida contra o
fornecedor (art. 51, XII, do CDC). 4. Hipótese em que o boleto bancário não se
constitui na única forma de pagamento colocada à disposição do consumidor, que
pode se valer de outros meios de adimplemento das obrigações decorrentes dos
contratos de locação celebrados com a empresa demandada, inclusive com
instruções claras e adequadas sobre a possibilidade de pagamento com isenção da
tarifa bancária. 5. Ausência de prática ilegal ou abusiva que justifique o juízo de
procedência da demanda coletiva. 6. Recurso especial provido.

De todo modo, por todo o explicitado acima com a adoção do sistema de precedentes
por meio do Novo Código de Processo Civil, tem-se notícias de empresas utilizando-se do
precedente firmado pelo Ministro Villas Boas, em conjunto com a Lei de Liberdade
Econômica para cobrar dos consumidores a taxa de emissão de boleto, apesar de fornecerem
outros meios de pagamento, os quais constam juros de alta porcentagem, excetuado o
pagamento à vista, se o devedor – consumidor escolher aquele método de pagamento, o qual
encontra-se disciplinado pela Circular Bacen nº 3.598/2012, que prevê as seguintes espécies:
I – boleto de cobrança: utilizado para a cobrança e o pagamento de dívidas
decorrentes de obrigações de qualquer natureza;
II – boleto de proposta: utilizado para possibilitar o pagamento decorrente da
eventual aceitação de uma oferta de produtos e serviços, de uma proposta de
contrato civil ou de um convite para associação (Inciso II com a redação dada pela
Circular Bacen nº 3.656, de 2/4/2013).

Diante disso, o devedor – consumidor encontra-se desamparado de fato, pois a não ser
que possua dinheiro para pagamento à vista, o que muitas vezes a maioria não possui, tendo
que se sujeitar a um sistema injusto, ilícito e ilegal, amparado por esta decisão teratológica.
A Lei 13.455/2017, oriunda da Medida Provisória 764/16, regulamentou a
diferenciação de preço dos bens e serviços ofertados ao público em função do prazo ou
instrumento utilizado para pagamento, sendo exatamente isso que dispõe o artigo 1º da
referida norma legal.
Pela leitura simplificada da normativa cabível e da presunção de que a taxa de emissão
de boleto seria lícita, pela estrita possibilidade de diferenciação acerca dos valores cobrados
sobre determinado produto ou serviço, no entanto, esta presunção não merece prosperar sob a
análise que de a referida lei padece de vício de constitucionalidade.
Preambular menção de que as leis têm presunção de constitucionalidade, tendo como
fundamento a segurança jurídica e o princípio democrático.
O controle de constitucionalidade para ser realizado deverá respeitar 4 (quatro)
pressupostos essenciais, quais sejam:

I. Existência de constituição escrita e marcada pela rigidez;
II. Reconhecimento que a Constituição Federal – CF é norma superior (supremacia
constitucional) e pressuposto de validade de todos os demais e pressuposto de
validade para todas as demais normas;
III. Estipulação de uma relação de parâmetro, isto é, feitura de uma avaliação de
compatibilidade entre a norma superior (Constituição) e o restante do ordenamento
jurídico, conferindo primazia sempre a uma norma fundamental (superior);
IV. Estabelecimento de consequência jurídica ante a violação da parametricidade,
como exemplo o reconhecimento da inexistência, da nulidade ou anulabilidade do
ato inferior compatível com a Constituição.

Quanto à forma de inconstitucionalidade ao presente caso ocorre pela ação do Estado,
em decorrência de um atuar positivo, o qual editou norma violadora a CF, seja do ponto de
vista formal ou material.
O vício de inconstitucionalidade material refere-se ao conteúdo da lei ou norma. A
inconstitucionalidade ocorre devido à matéria tratada contrariar os princípios ou violar os
direitos e garantias fundamentais assegurados em nossa Constituição Federal.
Nas palavras de Barroso (2006)

A inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo,
substantiva entre a lei ou o ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no
confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma
categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou
com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a
participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º,
caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle
material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de
normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas.
Segundo, o entendimento referendado por Barroso ao confrontar o preceito
constitucional de prever a proteção ao direito do consumidor como garantia fundamental e
princípio da ordem econômica, se faz totalmente incompatível uma lei editada que permita a
violação a tal preceito.
Insta salientar que viola a isonomia entre os consumidores, tendo em vista não serem
todos os possuidores de dinheiro em espécie para realizar suas compras, sendo amplamente
assegurado pela Magna Carta a igualdade, conforme denota-se da leitura do artigo 5º, caput.
Nesse sentido, o parcelamento, permitido pelos cartões de crédito, é muitas vezes essencial

para que indivíduos possam ter acesso a determinados bens e serviços, contribuindo para a
preservação da sua dignidade.
Ademais, o precedente instaurado no RESP nº 1.439.314/RS e a Lei 13.455/17 coloca
o consumidor em situação de extrema vulnerabilidade perante os fornecedores, os quais
forçam os consumidores a pagarem mais, visando o acréscimo patrimônio para respectivas
pessoas jurídicas, bem como aos sócios da empresa.

CONCLUSÕES FINAIS
Diante das explanações, reflexões elencadas no presente estudo, mas também da
análise legal e jurisprudencial nota-se, patentemente, que o tema precisará de muito estudo e
discussões, a fim de que se alcance, efetivamente, a proteção do consumidor em face da
imposição da cobrança de taxa de emissão de boleto.
A principiologia do CDC não deixa dúvidas, que o consumidor é o elo mais fraco da
relação de consumo, necessitando de especial proteção diante da sua vulnerabilidade.
Quando a Lei 13.455/17 possibilitou a cobrança de valores distintos, que dependerá do
modo e tempo de pagamento, acabou por possibilitar que fornecedores estabeleçam os
métodos de pagamento mais favoráveis a eles, seja à vista ou parcelado no cartão de crédito,
bem como pelo boleto bancário, os quais irão se beneficiar das taxas, juros e da taxa sucessiva
de emissão de boleto.
O STJ como garantidor da Lei Federal, que por meio do voto do Ministro Relator
Villas Boas, o qual exarou o entendimento de que o CDC não veda a estipulação contratual,
logo, impõe ao consumidor o pagamento das despesas de cobrança, assim, condenando de
morte os princípios da isonomia e vulnerabilidade, previstos constitucionalmente presente
neste Códex.
A Lei 8078/90 tem-se por irretorquível que as condutas tipificadas como práticas
abusivas (art. 39) e cláusulas abusivas (art. 51) possuem rol meramente exemplificativo,
cabendo análise caso a caso.
O entendimento previamente mencionado desconsidera o fato de que todas as
cláusulas deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, veja-se, a partir
do momento que se interpreta uma cláusula, na qual se possibilite a cobrança de emissão de
boleto bancário está se transferindo ao consumidor – devedor mais uma obrigação, que por
lógica pertence ao fornecedor – credor, pois aquele, paga custo adicional para cumprir a

quitação, sendo dever deste, haja vista ser uma interpretação realizada como analogias in
malam partem.
Por fim, demonstra-se mais a ilegalidade pelo fato do sistema jurídico brasileiro
estabelecer como odiosa a condição do enriquecimento sem causa, o que foi amparado pela
Corte da Cidadania e a Lei 13.455/17, portanto, mitigada a proteção do elo mais fraco da
relação, ou seja, o consumidor.
Rousseau (1999) afirmou o seguinte: “A propriedade privada introduz a desigualdade
entre os homens, a diferença entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo,
até a predominância do mais forte. O homem é corrompido pelo poder e esmagado pela
violência”.
Por outro lado, Nietzsche (2007) entendia que a desigualdade dos direitos é a primeira
condição para que haja direitos.
De tal forma que ao correlacionar as citações em relação à realidade jurídica brasileiro,
como também ao presente caso concreto, o qual se buscou analisar o fato, que estabeleceu a
desigualdade de um registro histórico, no mínimo, desde a Idade Antiga, embora venha
perpassado pelos séculos da humanidade, por causa disso, o que se busca pelas Leis são
extração ou extinção da violação ao direito consumerista ou minoração seus efeitos, enfim, a
aceitação da diferenciação do preço e da cobrança da taxa de emissão de boleto, bem como a
chancela do Legislativo e Judiciário, os quais perpetuam este nefando comportamento
burguês.

Referências
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Palavras Chaves

Consumidor, Taxa de Emissão de Boleto,Práticas Abusivas.