A COMPATIBILIZAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA COM A PRESERVAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE À LUZ DO CASO MEDITERRÂNEA X HEINEKEN

Resumo

A obrigação de contratar e a legalidade na recusa em contratar por parte do agente econômico que exerça posição de dominância em mercado relevante assume contorno complexo quando a parte contratada envolvida se trata de empresário em recuperação judicial. O objetivo do presente trabalho é demonstrar que devem ser verificados os pressupostos legais que escoram a obrigação de contratar, pois a ilicitude da negativa de contratar deve ser excluída se tais pressupostos não forem atendidos. O método utilizado foi o indutivo e a pesquisa bibliográfica se apoiou no exame do processo judicial instaurado pelo Grupo Mediterrânea em recuperação judicial em face da Heineken (sucessora da Brasil Kirin), que se presta a ilustrar a discussão ora proposta. A conclusão se fundamenta no pressuposto de que a recusa em contratar não pode configurar ilícito concorrencial quando não representar grave ofensa à função econômica e social do contrato e quando estiver fundada em razão legítima, eticamente valorada. A análise também pretende demonstrar que o microssistema da recuperação judicial não pode se sobrepor ao microssistema do direito concorrencial, pois haverá risco de que sejam causados danos graves e irreversíveis à ordem econômica e, consequentemente, à sociedade.

Artigo

A COMPATIBILIZAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA COM A PRESERVAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE À LUZ DO CASO MEDITERRÂNEA X HEINEKEN

Thalita Almeida[1]

RESUMO: A obrigação de contratar e a legalidade na recusa em contratar por parte do agente econômico que exerça posição de dominância em mercado relevante assume contorno complexo quando a parte contratada envolvida se trata de empresário em recuperação judicial. O objetivo do presente trabalho é demonstrar que devem ser verificados os pressupostos legais que escoram a obrigação de contratar, pois a ilicitude da negativa de contratar deve ser excluída se tais pressupostos não forem atendidos. O método utilizado foi o indutivo e a pesquisa bibliográfica se apoiou no exame do processo judicial instaurado pelo Grupo Mediterrânea em recuperação judicial em face da Heineken (sucessora da Brasil Kirin), que se presta a ilustrar a discussão ora proposta. A conclusão se fundamenta no pressuposto de que a recusa em contratar não pode configurar ilícito concorrencial quando não representar grave ofensa à função econômica e social do contrato e quando estiver fundada em razão legítima, eticamente valorada. A análise também pretende demonstrar que o microssistema da recuperação judicial não pode se sobrepor ao microssistema do direito concorrencial, pois haverá risco de que sejam causados danos graves e irreversíveis à ordem econômica e, consequentemente, à sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Defesa da concorrência. Lei n. 12.529/2011. Obrigação de contratar, interdependência econômica.  Lei nº 11.101/2005. Recuperação judicial.

  1. INTRODUÇÃO

A obrigação de contratar não é discussão recente em matéria de direito concorrencial. Ainda assim, encontra espaço para debate no cenário econômico brasileiro que suscita oportunidade/ocasiões em que essa obrigação deveria ser flexibilizada ou nos quais a recusa não configure ilícito concorrencial. Referida obrigação de contratar, se caracteriza quando determinado agente econômico exerce posição dominante em um mercado relevante.

A discussão tem relevância porque uma vez caracterizado ilícito concorrencial há crime contra a ordem econômica. Assim, a proposta é de debater a hipótese em que determinado agente econômico exerça poder de dominância em um mercado relevante, mas cuja recusa de contratar não deverá configurar ilícito concorrencial.

Como ilustração desse debate, será examinada a decisão judicial proferida nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada por Mediterrânea Distribuidora de Bebidas Ltda. – em recuperação judicial e outros (Grupo MediterrâneaouRecuperandasouDistribuidoras) em face da HNK BR Indústria de Bebidas Ltda. – sucessora da Brasil Kirin Indústria de Bebidas Ldta. (HeinekenouFabricanteouDistribuída). A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco tabelou os preços de determinados produtos da Heineken e determinou a manutenção do fornecimento desses produtos em favor da recuperanda, distribuidora, sob pena de multa diária de R$ 100 mil reais, que posteriormente foi majorada para R$ 200 mil reais.

O objetivo é determinar as condições sob as quais a recusa de contratar não deva configurar ilícito, ainda que a parte contratada esteja protegida pelo microssistema da recuperação judicial. O método utilizado foi o indutivo e a pesquisa bibliográfica se apoiou no estudo de caso paradigmático para estudo do tema.

A conclusão se fundamenta na premissa de que a recusa de contratar não pode ser caracterizada como um ilícito concorrencial quando a obrigação de contratar não atender à função econômica e social do contrato e estiver fundada em legítima razão (eticamente valorada) da recusa. Essa análise também quer demonstrar que o microssistema do direito concorrencial não pode ser colocado em detrimento do microssistema da recuperação judicial, sob pena de causar danos graves e irreversíveis à ordem econômica. E antes que se passe à discorrer sobre o poder de dominância e o ilícito concorrencial é interessante refletir sobre o conceito do termo de ordem econômica[2], por se tratar de um preceito frequentemente invocado como digno de proteção. Nas palavras de Eros Grau (2012, p.66):

A leitura do art. 170, que introduziu aquele Título VII, o deixará, entretanto – se tiver ele o cuidado de refletir a propósito do que lê –, no mínimo perplexo. Isso porque, neste art. 170 a expressão é usada não para conotar o sentido que supunha nele divisar (isto é, sentido normativo), mas sim para indicar o modo de ser da economia brasileira, a articulação do econômico, como fato, entre nós; (isto é, “ordem econômica” como conjunto das relações econômicas). Analisado, porém, como uma percuciência o texto, o leitor verificará que o art. 170 da Constituição, cujo enunciado é, inquestionavelmente, normativo, assim deverá ser lido: as relações econômicas – ou a atividade econômica – deverão ser (estar) fundadas na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, tendo por fim (fim delas, relações econômicas ou atividade econômica) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios […]

Os esclarecimentos tecidos pela doutrina de Eros Grau em relação ao conceito de ordem econômica encontram relevância na necessária reflexão sobre o sentido da referida expressão, de modo que se possa mensurar e efetivamente compreender quais bens se busca tutelar e proteger quando se levantam argumentos em torno da proclamada ordem econômica.

A seguir, serão endereçados os conceitos de poder de dominância e ilícito concorrencial para que se possa tratar do caso concreto eleito para ilustração da análise ora proposta.

 

  1. DIREITO DA CONCORRÊNCIA E PODER DE DOMINÂNCIA

 A palavra concorrência tem origem no latim concurrentia, de concurrere, “competir, disputar”[3] e significa “ato de concorrer”; “afluência”, “concurso de gente”, “aspiração de muitos à posse ou obtenção de alguma coisa”[4]. A compreensão do termo é relevante para dar respaldo à interpretação sistemática afeta ao direito concorrencial e ao seu modus operandi.

A concorrência é um dos princípios que regem a ordem econômica[5] e justamente por sua relevância ganhou uma lei própria e a proteção da norma constitucional. Com esse raciocínio, o § 4 do art. 173 da Constituição Federal[6] determina que legislação deverá reprimir o abuso do poder econômico cujo misuso esteja direcionado à dominação de mercados, com o aniquilamento da concorrência e o aumento de lucros promovido de forma arbitrária.

O direito da concorrência está intrinsicamente atrelado ao poder econômico que determinado agente econômico exerce no mercado. Não fosse assim, a defesa do direito da concorrência se dedicaria a pequenas disputas travadas por agentes econômicos de pouca ou nenhuma expressão e sem capacidade de causar dano concreto ao mercado e à ordem econômica.

Por isso, não é temerário afirmar que o poder econômico é elemento fundamental na constituição do direito concorrencial. A ideia central é de que agentes sem expressão econômica relevante no mercado não detêm potencial de restringir concorrência, pela simples ausência de poder. Nas palavras de Priscila Brolio Gonçalves:

[…] O poder econômico é pressuposto para a caracterização de ilícito concorrencial. Entendemos que empresas não detentoras de poder econômico não são capazes de dominar mercado e de eliminar a concorrência, em nenhuma hipótese. Ou seja, o art. 173, 4º, da Constituição Federal não limita o escopo do art. 170, apenas o esclarece, já que empresas sem poder econômico não possuem obrigações concorrenciais especiais à luz da Magna Carta e, ainda que possam violar outros princípios da ordem econômica, não têm capacidade para ferir a liberdade de concorrência. (2010, pags. 48-49)

Esclarecido o pressuposto sobre a necessidade de que o agente econômico efetivamente detenha poder para que seja capaz de praticar um ilícito concorrencial, é importante esclarecer o que significa, em termos práticos, exercer poder econômico.

No Brasil, o legislador estabeleceu como parâmetro de distinção o patamar de 20% de participação de mercado para que fique relativamente presumida a dominância no território nacional de determinado agente econômico, sendo que esse percentual deverá ser adequado conforme características do setor. Essa distinção é ratificada pelo §2º do art. 36[7] da Lei n. 12.529/2011.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde a prática de ilícito concorrencial pressupõe a existência de poder econômico, nos Estados Unidos e na Europa, não se faz essa distinção, uma vez que, nessas jurisdições, determinadas condutas são ilícitas mesmo que adotadas por agentes sem relevante participação no mercado, sendo coibidas e sancionadas por meio de dispositivos específicos da sua legislação vigente, respectivamente pelo Sherman Act e pelo Tratado de Roma. (GONÇALVES, 2010, p. 240).

Na legislação brasileira, é justamente porque determinado agente detém poder econômico que dele se exige obrigações que não necessariamente são impostas aos demais. Por esse motivo, a liberdade de um agente econômico com atuação relevante é mais restrita do que daquele que não ocupe essa posição.

Nesse sentido, a atuação e as práticas adotadas pelo agente econômico com poder de dominância no mercado devem atender a uma função social que traz certa limitação na liberdade de contratar. (GONÇALVES, 2010, p. 70)

A obrigação de contratar e a vedação à recusa de contratar são limitadores concretos dessa liberdade e da esfera de livre atuação do agente econômico. Nesse sentido, a recusa de contratar por parte de determinado agente econômico configura ilícito concorrencial.

2.1 Ilícito concorrencial

 

Para se falar de ilícito concorrencial, há que se cumprir pressupostos objetivos. O primeiro pressuposto é identificar se referido agente econômico exerce, de fato, posição de dominância e, depois disso, verificar se a prática de determinado ato está incorrendo em abuso.

Esse abuso é caracterizado por meio de análise “minuciosa e criteriosa” – expressões criticadas por Priscila Brolio Gonçalves – conforme consta da Resolução nº 20/99 (GONÇALVES, 2010, p. 67) que deve orientar o estudo dos processos em matéria concorrencial. Essa análise deverá responder a três questões subjetivas, assim como sugerido pela autora:

Tal como bem sintetizado por Calixto SALOMÃO FILHO, citando P. AREEDA, “a regra da razão é hoje composta por três testes: em primeiro lugar é preciso determinar qual o prejuízo para os consumidores causado pela restrição. Em segundo lugar é preciso verificar qual o objetivo que está sendo perseguido através do ato e se esse objetivo apresenta ‘redeeming virtues’ capazes de justificar a restrição. Finalmente, deve-se verificar se não existe nenhuma maneira alternativa, menos lesiva à concorrência, de atingir tais objetivos”. (GONÇALVES, 2010, p. 67-68)

 Veja que a análise da prática de abusividade passa por critérios subjetivos (ético-valorativos) e por isso precisam ser ponderados à luz da proporcionalidade, justamente por se estar tratando de intervenção a direito fundamental. Esse cuidado é reforçado por Priscila Brolio Gonçalves (2010, p. 67) que sustenta ser necessário invocar a proporcionalidade como recurso necessário e anterior de eventual ato limitador da liberdade de iniciativa e concorrência.

Interessante questão levantada pela discussão da obrigatoriedade de contratar é a ideia de que o agente econômico será livre para recusar a contratação com base no princípio da livre iniciativa. Tal raciocínio sinaliza desconhecimento primário acerca dos valores que permeiam a ordem econômica:

Trata-se, como se vê, de uma liberdade propriamente dita, e não de um direito subjetivo a determinada prestação de outrem, como afirma Fábio Konder Comparato, arrimado na doutrina francesa. Liberdade de iniciativa econômica é liberdade de acesso ao mercado, independentemente de qualquer ingerência estatal. Cada agente econômico é livre para empreender suas atividades produtivas, escolhendo-as e desenvolvendo-as livremente, sem a interferência do Estado. Todavia não se trata de uma liberdade de caráter absoluto, mas de uma liberdade regulamentada, ou seja, liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, que somente é legítima enquanto exercida no interesse da justiça social. Há, portanto, uma parcela da atividade econômica que é reservada preferencialmente aos particulares, na qual podem atuar livremente, limitados, porém, aos ditames da justiça social, estabelecidos em lei. É nesse contexto que a Constituição Federal erige, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV), bem como da ordem econômica (art. 170, caput), o valor social da livre iniciativa. (BRUNA, 2001, p. 133-134)

Com esse esclarecimento, é necessário registrar que os argumentos levantados nesse trabalho sobre a recusa de contratar serão sempre orientados pela percepção de que a adoção de práticas restritivas por parte de determinado agente econômico podem ser nocivas para a ordem econômica. De outro lado, precisa ser verificado o cenário fático e a proporcionalidade que respalde eventual recusa antes que se considere esse um ilícito concorrencial.

Verificada a posição de dominância do agente econômico com atos que caracterizem abuso dessa posição, deve-se examinar em seguida os requisitos específicos da obrigação de contratar ou, dito de outra forma, da ilicitude da recusa de contratar. Utilizando como fonte diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Banco Mundial, a professora Patrícia Sampaio comenta os critérios que poderiam ser utilizados para verificar a licitude de uma recusa de contratação:

As diretrizes elaboradas conjuntamente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo Banco Mundial como modelo para implantação de políticas de defesa da concorrência oferecem três critérios para se analisar a licitude de uma recusa de contratação, quais sejam: (i) o poder de mercado do agente que se recusa a contratar; (ii) a existência de racionalidade para a recusa; (iii) o dano à concorrência vislumbrado em decorrência da prática analisada. (Banco Mundial e OCDE). No mesmo sentido, as diretrizes formuladas pelo Banco Mundial e pela OCDE prevêm ser legítima a recusa quando o demandante da contratação atue de má-fé ou realize um pedido anormal, que pode ser entendido como aquele que se afasta dos usos e costumes do comércio. [Grifos nossos] (SAMPAIO, 2009, p. 114)

 Essa reflexão é relevante, pois o agente econômico não pode se tornar refém do próprio poder que exerce sobre o mercado. Assim, é razoável que se estabeleçam critérios objetivos e valorativos capazes de liberar o agente da obrigação, autorizando a recusa, sem que tal providência seja considerada prática anticompetitiva e discriminatória.

Priscila Brolio Gonçalves (2010, p. 242) também apresenta uma lista de possíveis recusas legítimas de contratar que não podem ser desconsideradas no momento de analisar a prática que gera efeitos anticompetitivos, mas cuja motivação esvazia a noção de abuso:

Pela ótica exclusivamente privada, a racionalidade de recusa de contratar abrange diversas justificativas, entre as quais  destacamos a inadimplência e outras desavenças comerciais, a limitação da capacidade produtiva ou o comprometimento da produção, a incompatibilidade e outras justificativas de caráter técnico ou logístico, a padronização e a segurança de produtos e serviços (v.g., normas que impeçam a comercialização de determinados produtos ou que os tornem menos competitivos), o controle de atividades profissionais (como nos exemplos envolvendo advogados e atletas […]), alterações de estratégia empresarial e políticas de distribuição e comercialização (v.g. sistemas de distribuição exclusiva ou seletiva). [Grifos nossos]

As hipóteses aventadas pela autora demonstram que nem toda recusa de contratar pode sofrer a pecha de prática restritiva desarrazoada, sendo necessário, antes disso, perquirir as razões do comportamento adotado pelo agente econômico e desde que essas razões estejam respaldadas nos fatos e atendam aos critérios de proporcionalidade.

  1. A OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAR: CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO, AS MODALIDADES DE RECUSA, RESTRIÇÃO VERTICAL

Como se deve depreender dos princípios que norteiam a ordem econômica, a obrigação de contratar tem origem na necessidade que se tem de limitar a liberdade de atuação de determinados agentes econômicos que detenham poder de dominância no mercado, sob a ameaça de se eliminar a concorrência. Comentando a obrigação imposta a determinados agentes econômicos, a professora Patricia Sampaio (2009, p. 115) soma à discussão com as seguintes colocações:

[…] uma decisão envolvendo o tema da recusa de contratar quase sempre tem por pano de fundo o sopesamento entre combater práticas anticompetitivas e promover o princípio da liberdade de empreender. De acordo com Herbet Hovenkamp, a obrigação de contratar deve ser entendida com uma exceção, pois, em regra, o direito à recusa propicia a formação de um ambiente favorável à concorrência, através do desenvolvimento de inovações tecnológicas (como na hipótese das patentes de invenção). Assim, o legislador e o juiz devem ser cautelosos ao obrigarem empresas a contratar, pois podem estar prejudicando – ao invés de estimulando – a concorrência.

Os prejuízos suscitados pela autora são relevantes justamente pelo alerta que se faz no sentido de que enxergar a obrigação de contratar como uma imposição que satisfaça à concorrência e produza eficiência, pode, na contramão desse objetivo, impor prejuízos a ela. Não se pode ignorar, também, a possibilidade de que eventual recusa elimine não a concorrência, mas a possibilidade de subsistir do próprio contratante que necessitar de eventual matéria-prima fornecida pelo agente econômico dominante.

As recusas de contratar podem ser verticais ou horizontais de acordo com a Resolução nº 20, de 9 de junho de 1999 (p. 2-3) do CADE que faz essa distinção com os seguintes esclarecimentos:

As práticas restritivas horizontais consistem na tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado, seja estabelecendo acordos entre concorrentes no mesmo mercado relevante com respeito a preços ou outras condições, seja praticando preços predatórios. Em ambos os casos visa, de imediato ou no futuro, em conjunto ou individualmente, o aumento de poder de mercado ou a criação de condições necessárias para exercê-lo com maior facilidade. […]As práticas restritivas verticais são restrições impostas por produtores/ofertantes de bens ou serviços em determinado mercado (“de origem”) sobre mercados relacionados verticalmente – a “montante” ou a “jusante” – ao longo da cadeia produtiva (mercado “alvo”).

A título de exemplo, podem ser citados como práticas restritivas horizontais “os cartéis, os bicotes e os preços predatório” e como práticas restritivas verticais “a fixação de preços de revenda, os acordos de exclusividade e a recusa de negociação” (GONÇALVES, 2010, p. 95).

A identificação de práticas horizontais ou verticais são úteis apenas para tipificação das condutas, mas é importante lembrar que no cenário nacional, o primeiro elemento a ser verificado é o efetivo poder de dominância exercido pelo agente econômico. Isto é, não havendo dominância, não há que se falar em ilícito concorrencial.

E, como recurso necessário à discussão ora proposta, é importante conceituar os contratos de distribuição[8] com cláusula de exclusividade, porque neles se verifica – intrinsicamente – instrumentos que podem facilitar práticas anticompetitivas seja para criar barreiras de entrada para novas marcas, seja porque geram forte dependência econômica do distribuidor em relação ao fabricante/fornecedor. Patrícia Sampaio (2009, p. 234) sumariza:

Os acordos de distribuição exclusiva são aqueles pelos quais um distribuidor concorda em distribuir produto de apenas um fornecedor, sendo uma das suas formas mais usuais o direito de distribuição exclusiva em determinado território (como bairro, cidade ou região de um país).

Levando em consideração a complexidade que envolve um contrato de distribuição, interessa o escólia da professora Paula Forgioni (2008, p.53-54), por meio do qual se fixa a noção de contrato de distribuição levando em consideração seus aspectos contratual e concorrencial por compreender o contrato de distribuição também como um acordo vertical.

O contrato de distribuição, por corporificar acordo entre o produtor e o(s) distribuidor(es), é um tipo de acordo vertical, assim como a franquia, a comissão mercantil, o contrato estimatório e a representação comercial. […] essa visão implica certo baralhamento de institutos provenientes de diversas áreas do direito. O conceito de acordo vertical está intrinsecamente ligado ao direito antitruste e mesmo à organização industrial; já o contrato de distribuição encontra suas sementes no direito dos contratos empresariais. A caracterização dos acordos verticais gravita, portanto, em torno dos efeitos que produzem sobre o mercado; a do contrato de distribuição, do relacionamento jurídico das partes, dos seus direitos e obrigações. Em outras palavras, para o direito concorrencial (e, principalmente, para a Lei Antitruste brasileira), pouco importa que um contrato seja definido como de distribuição ou de representação comercial. O que realmente é levado em conta são os resultados concorrenciais gerados, o impacto sobre o mercado. Por sua vez, será o direito contratual privado que nos dará elementos para caracterizar o contrato de distribuição em si. Os acordos verticais e os contratos da distribuição identificam-se na medida em que podemos visualizar um centro comum das suas funções econômicas: o escoamento da produção pelo sistema de vendas indiretas. Repita-se, contudo, que, sob o prisma do direito concorrencial, a ênfase recai sobre as restrições verticais (aposições contratuais que normalmente impactam o mercado), enquanto, no direito contratual, o ponto cardeal é o tipo de negócio adotado para escoamento da produção que dará forma às relações jurídicas (e econômicas) que se estabelecerão entre as partes. [Grifos no original]

O recorte é relevante porque reflete de forma clara a complexidade que emerge desse tipo de avença. Para além disso, é possível verificar que entre um fabricante e seu distribuidor exclusivo cria-se uma relação de interdependência econômica que reforça a obrigação de contratar para o agente econômico que exerça posição de dominância no mercado. Nesse cenário, a sobrevivência do distribuidor depende quase que umbilicalmente do fabricante.

Ciente dessas relações de profunda interdependência econômica, o legislador criou obstáculos ao encerramento abrupto dessa relação, impondo ao agente econômico a obrigação de contratar.

Com esse raciocínio, pode-se afirmar que a obrigatoriedade de contratar tem como objetivo específico a preservação da atividade empreendida, atendendo ao preceito da essencialidade do bem que é economicamente relevante no mercado. Soma esse grau de paternalidade do ordenamento jurídico brasileiro, o microssistema da recuperação judicial cuja aplicação tem sido, fundamentalmente, amparada no art. 47[9] da Lei n. 11.101/2005, sob o apelo da manutenção da atividade econômica geradora de empregos e riquezas.

A título de ilustração será examinado o caso Grupo Mediterrânea X Heineken que se reveste das necessárias características para o debate proposto.

  1. A COMPATIBILIZAÇÃO DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA COM A PRESERVAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE À LUZ DO CASO GRUPO MEDITERRÂNEA X HEINEKEN

Pode-se mencionar como leadind case da ora discussão proposta, o litígio travado entre o Grupo Mediterrânea e a Heineken.

Essa disputa teve seu ponto alto em junho do ano de 2017, quando foram tabelados os preços a serem praticados pela fabricante pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, no Agravo de Instrumento nº 0004149-64.2017.8.17.9000[10], julgado em 19/12/2017, sob a relatoria do Desembargador Stênio José de Souza Neiva Coelho. A pretensão da referida decisão teria sido de cumprir o markup prometido pela fabricante por meio de e-mails, correspondências e manual circulado pela distribuída.

O caso é adequado para exame, porque cumpre todos os requisitos necessários para a discussão: o agente econômico envolvido, Heineken, exercia – naquela ocasião – posição de dominância no mercado de bebidas da região nordeste e mantinha com o Grupo Mediterrânea contratos de distribuição com cláusula de exclusividade, o que tornava a relação da última com a primeira de umbilical dependência econômica. Antes que se faça o exame do caso, é relevante tratar do histórico que envolve a quizília travada entre as respectivas sociedades empresas.

O Grupo Mediterrânea foi constituído no ano de 1989, tendo como objeto social original a distribuição de bebidas no mercado atacadista da região nordeste. Na qualidade de distribuidoras, as Recuperandas assumiram obrigações contratuais que previam a realização da logística necessária ao armazenamento, distribuição e revenda de bebidas do Grupo Schincariol – que foi sucedido pela Brasil Kirin e, na sequência, adquirido pela Heineken.

Essa relação mantida entre o Grupo Mediterrânea e a antiga Brasil Kirin (sucedida pela Heineken) já perdurava cerca de 15 anos. Inegável, portanto, que a relação mantida entre as partes signatárias daquela avença era de longa duração e caracterizava interdependência econômica.

No caso sob exame, o contrato de distribuição previa que o Grupo Mediterrânea distribuísse, com exclusividade, uma série de produtos da fabricante, ficando resguardado em favor da fabricante o direito de promover vendas diretas na área de atuação exclusiva da distribuidora, Grupo Mediterrânea. Eis a transcrição cláusula em questão:

[…] Mesmo com a exclusividade de território do revendedor fica reservado o direito do Grupo Schincariol de efetuar vendas diretamente no território ora concedido, em qualquer tempo, para os clientes e nas condições fixadas a critério do Grupo Schincariol, sem qualquer direito do revendedor a qualquer remuneração, seja a título de margem de lucro, comissões, indenização por perdas e danos ou outro título qualquer, por conta de tais vendas diretas. Fica assim, o Grupo Schincariol especialmente autorizado a efetuar vendas diretamente, dentre outros clientes, a supermercados, atacadistas, e órgãos do Governo, seja qual for a entidade privada, pública ou autárquica adquirente dos produtos. (Cláusula padrão dos contratos de distribuição do Grupo Schincariol e Grupo Mediterrânea)

Em outras palavras, o Grupo Mediterrânea acusava a fabricante de ter alterado sua política negocial o que teria sido evidenciado por anúncios que fez circular na mídia, por meio dos quais se verificou que a fabricante circulou notícias no sentido de que estaria (i) revendo as estratégias de venda; (ii)  de que intencionava reduzir custos corporativos e renegociar contratos; (iii) de que buscou o uso mais eficiente das despesas com vendas para melhorar a rentabilidade; e (iv) de que desenvolveu projetos de valor compartilhado com os microdistribuidores.

Essa impressão por parte do Grupo Mediterrânea teria sido confirmada pela adoção – por parte da fabricante – de diversas medidas para reverter o seu desempenho, sendo uma delas a tomada de áreas de relevância – como capitais e grandes centros – nas quais passou a promover a distribuição direta das suas bebidas. Ao passo que assumiu a distribuição direta de algumas áreas, alegam as Recuperandas que a fabricante passou a arrochar os distribuidores de maior volume, como seria o seu caso.

É nesse cenário que a Recuperanda faz denúncias contra a fabricante, com a qual mantinha relação umbilical de sobrevivência. Essas denúncias se prestaram a sustentar que a fabricante teria adotado práticas abusivas e predatórias, tais como: a) interrupção injustificada de fornecimento de produtos às recuperandas; b) retenção de bonificações contratuais que seriam devidas c) restrição quanto ao crédito rotativo; d) retenções de pagamentos indevidos; e) tentativa de encerrar os contratos das revendas; f) aumentos abusivos e desproporcionais na tabela de preços praticados com as recuperandas.

Como decorrência dessas práticas consideradas abusivas, as Recuperandas alegam que restaram comprometidas as premissas do primeiro Plano de Recuperação Judicial apresentado nos autos do seu pedido de recuperação judicial, dada a redução do faturamento bruto anual, gerando necessidade de redefinição, pelo Grupo Mediterrânea, das estratégias de condução do processo de reestruturação do passivo e de reorganização da sua atividade. Essa redefinição teria importado na necessidade de modificar o Plano de Recuperação Judicial e obter decisões judiciais que determinassem a manutenção dos contratos das áreas das revendas e regulação dos preços.

A distribuidora sustenta, ainda, que com o ajuizamento do processo recuperacional[11], a fabricante teria intensificado as práticas danosas, agindo em abuso do seu poder econômico, em especial com a implementação de centros de distribuição direta e/ou transferência dos contratos a novos players em condições mais favoráveis a ela (distribuída).

De outro lado, as recuperandas sustentam que a manutenção da sua atividade é essencial e necessária porque gera cerca de 700 empregos diretos e já somou faturamento de cerca de R$ 1,675 bilhão (R$ 335 milhões /ano). O Grupo Mediterrânea credita sua dificuldade à crise econômica vivenciada naquela ocasião, o que teria sido agravado pelas práticas tidas por abusivas por parte da fabricante.[12]

A seguir, serão melhor detalhadas outras complexidades verificadas nesse caso concreto.

4.1 Outras complexidades do caso concreto

A disputa travada entre distribuidora, Recuperandas, e fabricante provocou o ajuizamento de diversas ações judiciais objetivando solucionar as mais diversas disputas como:  ressarcimento de danos, pagamento de bonificações, manutenção forçada de contratos findos e de obrigação de fazer e não fazer com objetivo de estabelecer preços de produtos e inibir práticas supostamente anticompetitivas.

A Recuperanda alega, ainda, que, em outubro do ano de 2016, a fornecedora teria aumentado abusivamente a tabela de preços praticados para aquisição dos produtos. Foi nesse contexto que o Grupo Mediterrânea distribuiu, por dependência ao pedido de recuperação judicial (processo n. 0001598-70.2015.8.17.2990), a ação de obrigação de fazer e não fazer autuada sob o n. 0001213-54.2017.8.17.2990, ambas em trâmite perante o juízo da 4ª vara cível da Comarca de Olinda/PE.

Com a pretensão de inibir práticas tidas por abusivas, o pleito das Recuperandas nessa ação se deu no sentido de que a fabricante se abstivesse (obrigação de não fazer) de adotar práticas que importassem em: (i) tratamento discriminatório dirigido às recuperandas por meio da fixação diferenciada de preços ou condições de comercialização; (iii) recusa de fornecimento de produtos, dentro das condições normais do contrato e das práticas comerciais ordinárias, (iv) ações que dificultassem ou culminassem no rompimento da continuidade e/ou o desenvolvimento das relações comerciais (contratos de revenda, etc.) firmados entre as partes; (v) realizar vendas diretas às empresas do segmento ASD (Auto Serviço Direto) espacialmente localizadas nas áreas de exclusividade em que atuavam as recuperandas e, sucessivamente, que a Heineken adotasse obrigação positiva (obrigação de fazer) em favor das recuperandas para (vi) adotar a mesma política de preços praticada em favor do segmento ASD.

Esse pleito se respaldou no argumento de que as recuperandas teriam sido alvo de uma série de práticas abusivas que caracterizam infrações à ordem econômica, quais sejam: (i) não pagamento de bonificação; (ii) retenção de pagamentos indevidos; (iii) suspensão imotivada do fornecimento de produtos; (iv) política discriminatória de preços; (v) rescisão imotivada de contratos de revenda; (vi) venda direta ao segmento ASD (Auto Serviço Direto), dentro da área de atuação e exclusividade das recuperandas e por preço inferior ao de aquisição da distribuidora; (vii) desrespeito ao markup estabelecido para o negócio firmado entre as partes.

Em relação ao pedido liminar constante da ação de obrigação de fazer e não fazer, autuada sob o nº 0001213-54.2017.8.17.2990, o juízo da 4ª vara cível de Olinda/PE definiu que não concederia tutela jurisdicional que pudesse importar em um “cheque em branco” para que as recuperandas pudessem remediar todos os percalços enfrentados com a sua distribuída. Nesse sentido, fez consignar o magistrado:

[…] Nesse contexto, entendo de todo desarrazoada a pretensão do Grupo Mediterrânea de obter uma liminar genérica, um cheque em branco, uma espécie de salvo-conduto que sirva como panaceia para remediar todas as dificuldades que a Brasil Kirin possa lhe apresentar. Não há como deferir a pretensão das recuperandas, de que a demandada seja compelida, liminarmente, e de modo geral, a se abster de “praticar atos de abuso do poder econômico, a exemplo dos citados na petição inicial, que importem em: (I) criar dificuldades ao funcionamento ou ao desenvolvimento do Autor; (II) na discriminação do Autor por meio de fixação diferenciada de preços ou condições de comercialização; (III) recusa no fornecimento de produtos, dentro das condições normais aos usos e costumes comerciais; e (IV) dificultar ou romper a continuidade e/ou o desenvolvimento das relações comerciais (contratos comerciais, etc.) mantidos entre as partes”. […] (grifos nossos)

Os pedidos da Recuperanda restaram indeferidos sob o fundamento de que não foi devidamente comprovado os índices atualizados de markup, bem como ser genérico o pedido para obstar a prática de abuso de direito e, finalmente, porque o juízo da 4ª vara cível de Olinda/PE não vislumbrou nulidade na cláusula contratual que permitisse a venda direta pela fabricante, no território de exclusividade das distribuidoras, uma vez que essa disposição vigora por mais de 10 (dez) anos nos contratos firmados entre as partes sem nunca ter sido questionada pelo Grupo Mediterrânea.

Contra essa decisão, a recuperanda interpôs recurso de agravo de instrumento. O acórdão que julgou o agravo, de relatoria do Desembargador Stênio Neiva Coêlho, reformou a decisão de primeiro grau proferindo em sua substituição novo comando judicial, por meio do qual chegou a tabelar os preços a serem praticados pela fabricante:

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento e, desta forma determino que a agravada, assegure para as agravantes o markup mínimo de 27,5% (vinte e sete vírgula cinco por cento) para os produtos retornáveis e 17,5% (dezessete vírgula cinco por cento) para os produtos descartáveis, tendo por base o menor preço que pratica no seu PDA-Jaboatão (ponto de distribuição avançado da fabricante), relativamente aos respectivos produtos, tudo conforme requerido naquele capítulo do recurso. Para assegurar efetividade ao presente comando e considerando a controvérsia acerca do preço anteriormente fixado, relativamente a quatro produtos, buscando garantir o equilíbrio financeiro e a competitividade, com fulcro no artigo 139, IV, do CPC, entendo por fixar, provisoriamente, os seguintes preços: Cerveja schin 1 litro pacote 12u – R$ 12,73 / Cerveja schin 600 ml pacote 24u – R$ 41,17 / Cerveja schin 479 ml pacote 12 u – R$ 4,06 / Refrigerante schin viva 2 litros pacote 6u – R$ 3,78, conforme se observa da petição ID 3257227 a incidirem sobre os novos pedidos formulados, após a intimação da agravada, mantendo inalterados os demais valores, até que a questão do preço de referência para aplicação do markup venha a ser dirimida na instrução processual na origem. Diante da controvérsia instaurada e da resistência da agravada em trazer os elementos necessários ao completo exame da questão, entendo por determinar para que se proceda com o exame pericial e a exibição de documentos, se valendo o expert das informações fiscais e contábeis do ponto de distribuição de Jaboatão da fabricante, COM O OBJETIVO DE SE IDENTIFICAR O MENOR PREÇO FINAL DAS MERCADORIAS NO PDA/JABOATÃO (ponto próprio de distribuição da fabricante), incluindo os descontos e bonificações de quaisquer naturezas, para em seguida se aplicar o markup assegurado neste recurso, em favor das agravantes, devendo os trabalhos se darem sob a presidência do Juízo da 4ª Cível de Olinda/PE, na forma dos arts. 396, 464 e disposições correlatas do CPC2015.

A decisão mostrou-se surpreendente do ponto de vista negocial, revelando alto grau de ativismo judicial, porque privilegiou o pleito da Recuperanda, sem determinar que um perito contábil especializado indicasse qual seria a prática adequada de preços para a solução da quizília apresentada nos autos, antes que se promovesse o propalado tabelamento.

Nesse caso, o pleito da recuperanda se escora no argumento de que a fabricante estaria promovendo a venda direta de seus produtos, aproveitando-se da liberdade contratual que lhe é assegurada por expressa disposição contratual, a preços muito inferiores daqueles praticados para ela (distribuidora). Tal prática estaria prejudicando sobremaneira as recuperandas, porque a fabricante estaria atuando justamente nas áreas onde as distribuidoras do Grupo Mediterrânea revendia os produtos da distribuída com exclusividade.

Para o Grupo Mediterrânea, as ações da fabricante configuram abuso de poder econômico, nos termos do art. 36, §3º[13] da Lei nº 12.529/11 e política discriminatória, concretizada pela adoção de práticas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais, que contrariam a função social do contrato (art. 421 do Código Civil) e boa-fé (art. 422 do Código Civil), assim como artigo 47 da Lei nº 11.101/2005.

Para o desembargador relator e prolator da decisão que tabelou os preços a serem praticados pela fabricante, houve forte resistência por parte da distribuída em obedecer ao comando judicial e assegurar, efetivamente, o markup estabelecido pelas partes.

O relator também teria constatado que a fabricante majorou os preços dos produtos praticados para as distribuidoras e verificou por meio de DANFEs (documento auxiliar da nota fiscal eletrônica) que a fabricante estaria concedendo aos demais clientes produtos em bonificação, reduzindo o custo efetivo de aquisição para terceiros.

Pelo que se verifica do contexto da referida decisão, o tabelamento imposto pelo desembargador ocorreu depois que sua primeira decisão foi descumprida. Originalmente, a intenção do tribunal teria sido assegurar o markup de 27,5% para os produtos retornáveis e 17,5% para os produtos descartáveis com a equiparação dos preços de venda praticados para os PDAs. Porém, segundo relatam as Recuperandas, a fabricante teria criado uma burla a esse sistema, preferindo aumentar o preço dos produtos vendidos ASD de modo que a equiparação determinada na primeira decisão, com objetivo de alcançar o markup acordado entre as partes, teria se tornado inócua. Diante desse quadro, a decisão proferida pelo desembargador parece ter materializado medida desesperada para contornar qualquer estratégia criativa por parte da fabricante para descumprir o comando judicial. Essa constatação contribui para que se compreenda que a decisão judicial não parece ter traduzido tabelamento irresponsável e unilateral por parte do Poder Judiciário, mas um remédio necessário à burla que se tentou operar ao comando judicial original.

Como efeito anômalo dessa decisão, a fabricante denuncia que o preço fixado pelo acórdão proporcionou às recuperandas um markup de (i) 568% para a cerveja Schin de 473ml; (ii) de 198% para cerveja Schin 1L; e (iii) de 183% para o refrigerante de 2L.

A fabricante alega, ainda, que o acórdão que tabelou o preço dos seus produtos representa verdadeiro saqueamento autorizado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diz-se isso, porque a própria decisão reconhece a necessidade de se promover perícia com o fim de apurar efetiva existência do alegado “abuso de poder econômico”, mas mesmo assim seguiu com a imposição de tabelamento de preços estabelecendo como parâmetro de fixação do preço o menor valor praticado nas notas fiscais utilizadas para comparação.

Assim, a fabricante se viu obrigada a praticar preços que não foram validados por um perito competente, uma vez que esses valores foram estabelecidos com base em notas fiscais unilateralmente selecionadas pelas recuperandas, sem qualquer critério econômico ou estatístico.

Ainda firme em sua posição, a fabricante esclareceu que os valores indicados no referido acórdão estariam tão subavaliados que sequer cobririam os custos dos produtos precificados na decisão, sendo menores que os tributos incidentes sobre a venda do produto. Sustenta, também, que os valores estipulados pelo Relator do recurso não representam sequer a metade do preço médio de venda praticado pela fabricante em favor dos demais canais de venda e que a decisão teria sido proferida sem qualquer fundamento, por não ter levado em consideração os efeitos negativos e os prejuízos causados não só à distribuída, mas também ao mercado de bebidas em geral.

Alega-se que o prejuízo suportado, desde que os preços foram alterados judicialmente (junho de 2017), teria custado à Heineken mais de R$ 65,4 milhões de reais, que correspondem à diferença entre os preços que eram praticados até a concessão da medida e os preços praticados a partir da redução comandada pelo Tribunal.

Outra prática denunciada nos autos se dá no sentido de que as recuperandas passaram a adquirir um volume muito maior de produtos, desde a vigência da propalada decisão. Tal comportamento permite supor que as recuperandas estivessem formando estoques de produtos enquanto perduravam os efeitos da decisão que tabelou os preços. Essa postura demonstra que as Recuperandas estavam atentas à possibilidade de reforma da decisão, uma vez que é difícil cogitar que as vendas das distribuidoras tivessem, justamente naquela ocasião, crescido de forma exponencial e coincidentemente depois da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Verificando o histórico do caso, há que se admitir que a relação entre as partes se encontrava alto grau de desgaste, uma vez que nenhum conflito parecia se resolver de forma amigável.

A título de exemplo, podem se mencionar: (i) a ação de rescisão de contrato autuada sob o nº 1008032-02.2017.8.26.0286, em trâmite perante a 1ª vara cível de Itu/SP; (ii) a ação de rescisão de contrato autuada sob o nº 008830-67.2017.8.17.2001, em trâmite perante a 2ª vara cível da capital de Pernambuco; (iii) a ação de ressarcimento de danos, autuada sob o nº 1008080-58.2017.8.26.0286, em trâmite perante a 3ª vara cível de Itu/SP; todas ajuizadas pela Heineken. Além das ações ajuizadas pelo próprio Grupo Mediterrânea, quais sejam: (i) ação indenizatória atuada sob o nº 0004042-20.2017.8.26.0286; (ii) ação ordinária autuada sob o nº 0809112-49.2017.8.15.2001, em trâmite perante o fórum regional de Mangabeira/PB; (iii) ação ordinária autuada sob o nº 0001115-47.2017.8.17.2480, em trâmite perante a Comarca de Caruaru/PE; (iv) ação ordinária cumulada com tutela inibitória de prática de abuso do direito, atuada sob o nº 0001213-54.2017.8.17.2990, em trâmite perante a 4ª vara cível da Comarca de Olinda/PE.

A situação ficou a tal ponto estressada que as Recuperandas chegaram a requerer ao juízo da 4ª vara cível de Olinda/PE – nos autos do seu processo de recuperação judicial – que impedisse, de forma preventiva, que a fabricante, Heineken, votasse na assembleia de credores que deliberaria sobre seu plano de recuperação judicial, por entender que o interesse exclusivo da fabricante seria de inadmitir o plano de recuperação proposto para que a recuperação judicial convolasse em falência. Segundo sustentam as recuperandas, a Heineken seria efetiva concorrente do Grupo Mediterrânea, sendo certo que seu voto se daria em caráter abusivo.

Premido pela urgência do pedido, o juízo da 4ª vara cível entendeu que agir de forma preventiva importaria em providência exacerbada, mas não descartou que o voto da fabricante estivesse carregado de previsibilidade, em razão da postura beligerante com que atuou nos autos da recuperação judicial, por meio de dezenas de manifestações, algumas consideradas desrespeitosas pela magistrada, bem como pelo reiterado descumprimento de comandos judiciais. Dessa forma, foi determinada a coleta do voto da fabricante, em separado, de modo que a magistrada pudesse verificar o peso e as consequências da manifestação da fabricante para ponderar o resultado da assembleia com e sem o seu voto.

Ao comparecer na assembleia de credores, a fabricante levou consigo um plano alternativo de recuperação judicial, por meio do qual, resumidamente, sugeria alteração de gestão das recuperandas, bem como alteração no percentual de pagamento do crédito dos credores, e encurtamento dos prazos propostos no plano original apresentado pelas recuperandas.

Do seu lado, as recuperandas consideraram que a proposta da fabricante credora não era factível por ausência de duas condições fundamentais que concorreriam para o sucesso do plano apresentado em assembleia: (i) a primeira, que a fabricante propusesse nesse plano alternativo uma solução para todos os litígios instaurados entre as partes e; (ii) a segunda, que se previsse vigência mínima de 10 (dez) anos dos contratos de distribuição, uma vez que o Grupo Mediterrânea é distribuidor exclusivo da fabricante, bem como que as recuperandas não vislumbravam – no futuro próximo – a possibilidade de celebrar contratos com outros fornecedores, inclusive por força da cláusula de exclusividade que lhes impedia de fazer tal movimento. Segundo entendimento defendido pelas recuperandas, sem o concurso dessas duas condições, o plano de recuperação sugerido pela fabricante não seria exequível.

Com o veto ao seu plano alternativo, a Heineken de fato rejeitou o plano de recuperação judicial original. No cômputo de votos, o crédito detido pela Heineken tinha expressivo peso na classe III, o que importaria em convolar a recuperação judicial do Grupo Mediterrânea em falência. Nas demais classes, I e IV (não havia créditos na classe II) o plano foi aprovado de forma majoritária dos credores.

Diante desse impasse, o juízo da 4ª vara cível ponderou as complexidades envolvidas na discussão e concluiu que o voto da Heineken teria incorrido em abusividade porque teria atentado contra a boa-fé, o que restou concretizado em comportamento contraditório, que é apresentar plano alternativo de recuperação judicial – que depende da manutenção dos contratos de distribuição – e, ao mesmo tempo, manter as ações judiciais instauradas nas mais diversas instâncias “para se ver livre dos mesmos contratos” sem mostrar disposição de conciliar nesses processos.

Diante disso, o plano de recuperação judicial do Grupo Mediterrânea foi aprovado – com o reconhecimento do abuso do direito de voto por parte da fabricante Heineken, que rejeitou o plano apresentado pelas recuperandas – tendo sido concedida a recuperação judicial nos termos do art. 58 da Lei n. 11.101/2205.

O caso concreto eleito para ilustrar a discussão ora proposta faz refletir sobre a importância do direito antitruste que já impõe a obrigação de contratar para agentes econômicos dominantes. Porém, não é de se ignorar que uma legislação protecionista possa ganhar contornos agressivos no microssistema da Recuperação judicial. Exemplo disso, é o trecho da sentença que reconhece a essencialidade de manutenção dos contratos para a Recuperanda:

As empresas em questão não produzem nada, não fabricam mercadorias, não têm um parque fabril como principal ativo que lhe permitisse buscar novos fornecedores de matéria-prima. Sua atuação não é industrial e sim essencialmente comercial, de circulação de mercadorias, de modo que os contratos de revenda vêm a ser justamente seu elemento patrimonial mais valioso e necessário ao desenvolvimento de suas atividades empresariais.

Por força do princípio da preservação da empresa, verifica-se que argumentos de ordem subjetiva acabam sendo invocados com intuito de se preservar a atividade desenvolvida pelo devedor em recuperação judicial.

Nesse ponto, não se está aqui a defender a mera liberalidade de contratar ou não contratar por parte do agente econômico – até porque essa liberdade deve ser exercida com limites, como já se reconheceu anteriormente. Porém, o que se constata é que, ao invés de se utilizar dos instrumentos legalmente previstos na legislação, determinadas decisões judiciais acabam por adotar argumentação tergiversativa carregadas de princípios e ignorando o sistema legal e os mecanismos legais disponíveis para decidir.

A exemplo disso, pode ser mencionado o próprio tabelamento de preços dos produtos da fabricante. Tal providência causou uma distorção, sem precedentes, e acabou acarretando prejuízos milionários e mensais para a fabricante. De outro lado, tem-se o efeito de ordem subjetiva de impor ao mercado brasileiro a pecha da imprevisibilidade e volatilidade o que pode acabar se tornando elemento de fuga para futuros investimentos. Para o Tribunal que profere a ordem (de tabelar preços) e para a recuperanda, essa decisão pode ter materializado justiça. Porém, para o mercado, como um todo, a mensagem é de que não existem limites para uma decisão judicial, não importando que para salvar uma recuperação judicial – ao mesmo tempo – se malfira princípios do direito concorrencial.

Como recurso alternativo para solucionar a suposta prática abusiva por parte da fabricante, o Tribunal de Justiça de Pernambuco poderia ter, por exemplo, fixado multa por ato atentatório à dignidade da justiça[14] ou simplesmente ter ordenado o depósito da multa diária já fixada no patamar R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

Também não se pode ignorar o fato de que a própria Heineken pudesse estar, de fato, modificando sua atuação negocial de modo a minorar eventuais prejuízos sofridos com a queda das vendas, em razão do acirramento da competição no mercado de bebidas ou de eventual impacto sofrido com a crise econômica do país.

A proposta é que promova uma análise pragmática dos processos recuperacionais, sob pena de se impor às sociedades empresárias saudáveis e, que não ingressaram em recuperação judicial, um ônus insuportável o suficiente para que considerem não mais investir no mercado brasileiro

CONCLUSÃO

Conforme se pode verificar da análise do caso concreto eleito para análise, a obrigação de contratar é ferramenta fundamental para preservação da atividade de determinadas sociedades empresárias, bem como para impor ao agente econômico dominante limites que lhe impeçam de agir em abuso no exercício do seu direito ou de implementar práticas anticompetitivas.

No entanto, a obrigatoriedade de contratar deve encontrar exceção quando: (i) a contratação não atender à função econômica e social do contrato, (ii) houver racionalidade para a recusa; (iii) quando o demandante da contratação atue de má-fé ou promova pedido fora dos padrões de normalidade verificados ao longo do cumprimento do contrato, (iv) houver inadimplência, e outras desavenças comerciais, (v) for constatada a limitação da capacidade produtiva ou o comprometimento da produção; (vi) a incompatibilidade e justificativas de caráter técnico ou logístico; e (vii) alterações de estratégia empresarial e políticas de distribuição e comercialização. Dentre tantas outras razões que poderiam ser aventadas, a ponderação que sempre deve permear a recusa de contratar é a proporcionalidade, conforme orienta a doutrina e a jurisprudência.

Não por outro motivo, a proporcionalidade deve balizar, também, as decisões judiciais. E isso se pode afirmar porque não existe hierarquia entre o microssistema do direito concorrencial e o microssistema da recuperação judicial, o que somente reforça a necessidade de que decisões judiciais sempre ponderem os direitos que estão sendo suprimidos em benefício de produzir externalidades positivas e desde que essas externalidades não estejam causando, na contramão, danos graves e irreversíveis à ordem econômica, e, consequentemente à sociedade.

No caso em questão, verificou-se que a decisão de tabelar preços de produtos da fabricante pareceu extremada, mas concomitantemente, na análise do caso concreto, pareceu remediar a burla ao cumprimento da decisão judicial originalmente proferida. Ousa-se registrar que uma alternativa possível ao tabelamento de preços, como de fato tabelou o Tribunal de Justiça de Pernambuco, teria sido utilizar de ferramentas que a própria legislação oferece, como, por exemplo, aplicar e exigir o depósito da multa pelo descumprimento do comando judicial, em razão da clara prática de ato atentório à dignidade da justiça. Tal medida serviria para inibir o descumprimento da medida judicial e ao mesmo tempo evitaria que se fizesse necessária a adoção da medida que acabou – de forma transversa – por promover um tabelamento de preços praticado pelo Poder Judiciário de forma unilateral.

O caso analisado prova que a compatibilização do direito da concorrência com a preservação da empresa em crise é palco de discussões e complexidades sui generis que demandam extremo cuidado no endereçamento de soluções judiciais para que não incorram em ativismo judicial e, de outro lado, não se sustentam na legalidade extremada a ponto de se tornarem obstáculo à própria recuperação perseguida pelo empresário em crise.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Pedido de Tutela Provisória n. 1.554/PE. Terceira Turma. Min. Marco Aurélio Bellizze. Brasília, concluso para julgamento em 10 de setembro de 2018. Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 25 set. 2018.

BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

FORGIONI, Paula A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

GONÇALVES, Priscila Brolio. A obrigatoriedade de contratar no direito antitruste. São Paulo: 2010.

GRAU, Eros. A ordem econômica na constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

SAMPAIO, Patricia Regina Pinheiro. Direito da concorrência e obrigação de contratar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

PERNAMBUCO (Estado). Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 0004149-64.2017.8.17.9000. Sexta Câmara Cível. Rel.: Desembargador Stênio José de Souza Neiva Coelho. Recife, 19 de dezembro de 2017. Disponível em https://pje.tjpe.jus.br/2g/Processo/

Notas:

[1]Professora Substituta da Faculdade Nacional de Direito – FND/UFRJ; Sócia do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados; doutoranda em Direito Empresarial pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ; [email protected]

[2] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

[3]Disponível em: http://origemdapalavra.com.br/pergunta/concorrencia/ Acesso em 06.out.2021.

[4] Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/concorrencia Acesso em 06.out.2021.

[5] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

[6] § 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

[7] § 2o  Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.

[8] Um contrato de distribuição sem cláusula de exclusividade certamente não gera a dependência econômica que se pretende demonstrar, mas ainda que sem a restrições e deveres impostos pela exclusividade, o contrato de distribuição é objeto de interesse da doutrina.

[9] Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

[10] Referida decisão foi concedida em caráter liminar nos autos do referido agravo, por meio de decisão interlocutória veiculada em 20 de junho de 2017, da qual se pode colher, da parte dispositiva, o trecho específico que tratou do tabelamento de preço: “Fixo, provisoriamente, o preço máximo dos produtos vendidos pela agravada e adquiridos pela agravante, nos valores indicados na coluna “CMV para mediterrânea” da tabela anexada como documento 01 (ID 2330483), devendo a agravada se abster de realizar qualquer majoração de preço até ulterior deliberação deste Juízo”.

[11] A distribuição do pedido de recuperação judicial data de 23/10/2015.

[12] Não faremos qualquer juízo de valor acerca do elemento deflagrador da crise econômico-financeira do GRUPO MEDITERRÂNEA, por não ser esse o objetivo do trabalho.

[13] Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: […] § 3o  As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: […] IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços; X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços; XI – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais; XII – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;

[14] Art. 77.  Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; § 2o A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

Palavras Chaves

Defesa da concorrência. Lei n. 12.529/2011. Obrigação de contratar, interdependência econômica. Lei nº 11.101/2005. Recuperação judicial.