A FIXAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E DE COMBATE À ALIENAÇÃO PARENTAL

Resumo

A dinâmica da sociedade contemporânea tem exigido também um dinamismo do direito, o que envolve a busca por instrumentos jurídicos que tragam solução para as novas demandas sociais de forma adequada e eficiente. Uma dessas demandas é o combate à alienação parental, fenômeno que vem se intensificando nos últimos tempos e que afeta diretamente a proteção e a garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, dentre eles o direito à convivência familiar de suma importância para o seu desenvolvimento. Nesse contexto, vem a fixação da guarda compartilhada sendo apontada como um possível caminho para o enfrentamento do problema da alienação parental. Assim, revela-se como objetivo principal deste estudo, a compreensão e o esclarecimento da ideia de que o compartilhamento da guarda pode servir para permitir que filhos possam conviver de forma equilibrada com ambos os pais, garantindo-se sua proteção e evitando-se que sofram com os efeitos nocivos da alienação parental.

Artigo

A FIXAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E DE COMBATE À ALIENAÇÃO PARENTAL

 Isabella de Campos Santos

 

RESUMO

 A dinâmica da sociedade contemporânea tem exigido também um dinamismo do direito, o que envolve a busca por instrumentos jurídicos que tragam solução para as novas demandas sociais de forma adequada e eficiente. Uma dessas demandas é o combate à alienação parental, fenômeno que vem se intensificando nos últimos tempos e que afeta diretamente a proteção e a garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes, dentre eles o direito à convivência familiar de suma importância para o seu desenvolvimento. Nesse contexto, vem a fixação da guarda compartilhada sendo apontada como um possível caminho para o enfrentamento do problema da alienação parental. Assim, revela-se como objetivo principal deste estudo, a compreensão e o esclarecimento da ideia de que o compartilhamento da guarda pode servir para permitir que filhos possam conviver de forma equilibrada com ambos os pais, garantindo-se sua proteção e evitando-se que sofram com os efeitos nocivos da alienação parental.

Palavras chaves: Alienação. Compartilhamento. Convivência. Criança. Guarda.  Parentalidade.  Proteção.

1  . INTRODUÇÃO

As relações humanas na atualidade são marcadas por um dinamismo e uma liquidez que caracterizam uma sociedade em transição.

Mudanças frequentes vêm deflagrando novas realidades, valores e princípios que apontam para o surgimento de um novo cenário social.

Dentro deste contexto, observa-se que a família contemporânea também vem passando por um processo de transformações.

O modelo de família baseado no patriarcado e no casamento deixou de ser único e hoje observa-se a existência de configurações familiares variadas, dentro de uma perspectiva eudemonista de família.

E é dentro dessa perspectiva, que também são observadas de maneira crescente dissoluções de relações conjugais e novas demarcações de papéis sociais dos indivíduos que as compõem, que acabam provocando efeitos na vida dos filhos oriundos de tais relacionamentos.

O fim da conjugalidade muitas vezes tem impactado de forma prejudicial nas relações de parentalidade, evidenciando um número cada vez mais significativo de ocorrência de casos de alienação parental.

Desta forma, diante do panorama apresentado, este trabalho busca examinar como a utilização do instituto da guarda compartilhada pode contribuir para a ampliação da convivência familiar de crianças e adolescentes e para a redução destas práticas alienadoras, utilizando para isto a metodologia da pesquisa bibliográfica e um processo dedutivo, isto é, partindo-se das generalidades para as particularidades.

Assim, a apresentação do primeiro capítulo encarrega-se de traçar os aspectos fundamentais do direito à convivência, do instituto da guarda e da alienação parental.

A demonstração da relação entre estes três pontos é o objeto das considerações do segundo capítulo.

Por fim, após o exame das ideias essenciais relativas ao assunto em pauta, o presente estudo conduz à exposição das conclusões que podem dele ser retiradas, visando à facilitação do entendimento da utilidade do compartilhamento da guarda para a proteção de crianças e adolescentes em face da nefasta prática da alienação parental.

2  . DEFINIÇÕES ACERCA DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E DA GUARDA E OS ASPECTOS RELEVANTES DA ALIENAÇÃO PARENTAL

2.1 O direito fundamental ao convívio familiar

 Partindo-se da ideia de ser a convivência familiar um direto-dever de contato de cada indivíduo com seu núcleo familiar, se faz necessária a análise de em que medida ocorre essa caracterização.

Maria Berenice Dias, afirma se tratar de um direito de personalidade na categoria do direito à liberdade, pelo qual o indivíduo, no seu exercício, recebe as pessoas com quem quer conviver. (DIAS, 2020, p. 389)

Importante ressaltar que é um direito assegurado principalmente aos filhos, buscando-se sempre o atendimento do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

E aqui não estamos falando apenas de uma relação convivencial destes com as figuras parentais, estendendo-se também à relação com todas as pessoas com as quais a criança ou o adolescente mantenha vínculo afetivo como disposto abaixo no enunciado 333 das jornadas de direito civil:

O direito de visita pode ser estendido aos avós e a pessoas com as quais a criança ou o adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse.[1]

 Conforme enfatizam Cristiano Chaves de Farias e Conrado Paulino da Rosa:

 “ Conviver em família e na comunidade é sinônimo de segurança e estabilidade para o desenvolvimento de um ser em formação e, em contrapartida, o afastamento do núcleo familiar representa grave violação do direito à vida do infante. ” (FARIAS E ROSA, 2021, p. 316)

 Demonstra-se assim que o convívio, que pode ser traduzido como uma coexistência, é de extrema importância para a formação da personalidade e saúde psíquica da criança e do adolescente, tendo em vista que é através dele que se criam e se mantem vínculos afetivos, podendo ele por isso receber o status de componente da dignidade da pessoa humana, configurando sua privação como um tratamento negligente, desumano e cruel, sendo dever de todos combatê-la conforme preceitua o artigo 18 do Estatuto da criança e do adolescente.[2]

Dessa forma, além da caracterização como um direito que pode ser exercido contra quem o obsta, o convívio familiar também pode ser compreendido como um dever.

O artigo 227 da Constituição federal[3], atendendo à doutrina da proteção integral, traz o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar e comunitária com absoluta prioridade.

O Estatuto da criança e do adolescente em seu artigo 4°[4] também preceitua e enfatiza tal dever.

Portanto, cada membro do grupo familiar e ele em sua totalidade, a sociedade e o Estado estão legalmente obrigados a cumpri-lo.

 2.2 O instituto da guarda na contemporaneidade

  O termo “guarda” traz consigo uma conotação pejorativa, imprimindo uma ideia de coisificação que não se coaduna com a doutrina da proteção integral que vigora na atualidade e confere a crianças e adolescentes a posição de sujeitos de direitos.

O artigo 1634, II do código civil[5] estabelece que a guarda é um dos atributos do poder familiar, estando nele inserida.

Além disso, a guarda melhor se aplica também no sentido de convivência, estando mais de acordo com o melhor interesse da criança.

Os artigos 1588 e 1589 do código civil dispõem:

Art. 1.588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente.

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Parágrafo único.  O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.

 O que pode ser observado então é que, embora na prática forense ainda se faça muito uso do criticado termo em comento, ele se demonstra desnecessário, sendo mais adequado se falar apenas em exercício do poder familiar e em convivência, visto que o fato de o genitor não ter a guarda não significa a retirada de seu poder familiar nem se configura um impeditivo de convivência familiar.

 2.2.1. O significado da guarda compartilhada

 De acordo com o artigo 1583 do código civil, a guarda será unilateral ou compartilhada.

A guarda unilateral predominava no ordenamento jurídico brasileiro até 2008 quando a lei 11.698 dispôs que ela só seria verificada na inviabilidade da guarda compartilhada.

Em 2014, a lei 13.058 estabeleceu o compartilhamento da guarda como sendo obrigatório.

Importante destacar os seguintes artigos no código civil de 2002 sobre essa temática:

Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.

  • 1 o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
  • 2 o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
  • 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.

Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

  • 2 o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

Pelo que já foi dito até aqui sobre o instituto da guarda, a melhor definição sobre guarda compartilhada pode ser encontrada nas palavras de Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno:

“… guarda compartilhada física, pela qual o pai e a mãe devem dividir de forma equilibrada o tempo de permanência de cada um deles com a prole comum, coexistindo com a guarda compartilhada jurídica, de exercício conjunto do poder familiar. ” (MADALENO E MADALEMO, 2019, p. 22-23)

Assim, em síntese, quando se fala em guarda compartilhada está se falando em exercício paritário do poder familiar e convivência equilibrada da criança e do adolescente com ambos os pais, sempre visando ao atendimento de seu melhor interesse e à sua proteção integral.

Sobre os formatos que a guarda compartilhada pode apresentar esclarece Glicia Brazil:

“… levou a jurisprudência a construir duas formas de guarda compartilhada: um primeiro modelo, onde a criança tem uma casa fixada como base de moradia e alternância da convivência com os pais, em duas casas embora ambos os pais sejam titulares da guarda simultaneamente, em conjunto, mesmo não havendo diálogo ou acordo, já disse o legislador que isso é a regra. O segundo modelo fático da guarda compartilhada é aquele em que o juiz deixa de fixar base de residência, pressupondo que a criança tenha duas casas e tendo o tempo de convívio fixado visando o mais próximo do equânime ou igualitário com cada genitor. ” (BRAZIL, 2022,p. 47-48)

Sobre esse aspecto, quando se fala em residência alternada, cabe ressaltar que a guarda compartilhada com alternância no período de convivência não se confunde, como muito se pensa, com a guarda alternada que é um instituto que não é previsto na legislação brasileira.

Guarda alternada é uma guarda exclusiva em que os genitores alternam o período de detenção da guarda, também não significando a mesma coisa que residência alternada, não obstante a guarda alternada sempre pressupor a alternância de residências.

Maria Berenice Dias salienta que:

 “A expressão “residência alternada” tem sido utilizada para caracterizar um regime de distribuição igualitária do tempo de convivência doméstica dos filhos com os genitores (artigo 1583, §2° do código civil), de forma consistente e estável… “ (DIAS, 2020, p. 384)

É possível se falar em residências simultâneas de modo que o filho sinta que possui dois lares, o que lhe traz múltiplos benefícios, na medida que traz uma sensação de continuidade social e afetiva, que é o objetivo que se busca alcançar.

No site do IBDFAM há a informação de decisão nesse sentido:

 “Em decisão recente, o juízo da 3ª Vara de Família da Regional Leopoldina do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJRJ fixou guarda compartilhada com dupla residência na ação em que a mãe da criança buscava a guarda unilateral com regulamentação da convivência paterna. O entendimento é de que a convivência igualitária com ambos os genitores consolida os laços familiares e representará inestimável contribuição para o equilíbrio emocional e formação da infante, atendendo ao seu melhor interesse.”

Também pode ser encontrada no site informação a respeito de outra decisão que estabelece fixação de guarda compartilhada com alternância de residências quando os pais estão em países diferentes, de modo a garantir essa equidade no convívio, conforme se pode verificar da transcrição abaixo:

“Em decisão unânime, a 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT manteve o regime de guarda compartilhada para genitores que residem em países diferentes, com alternância bienal de residência. O pedido de ambas as partes para que a guarda fosse convertida em unilateral, para prevalecer o domicílio paternal ou maternal, foi negado pelo colegiado.

Conforme a decisão: “A alternância bienal do lar referencial, ainda que em países diferentes, garantirá equidade na convivência das crianças com os genitores, possibilitará o fortalecimento do vínculo e a manutenção de ambos como referências de afeto, solução que melhor atende aos princípios do superior interesse da criança e do adolescente, da convivência familiar, da igualdade entre pai e mãe e da paternidade responsável””.

 

2.3) O fenômeno da alienação parental

Embora presente há muito tempo na história da humanidade, nos tempos modernos tem sido observado um aumento vertiginoso da indicação da prática de atos de alienação parental.

Os artigos 2° e 3° da Lei 12.318/10 e o artigo 4° da lei 13.431/20 dispõem sobre tais atos:

Art. 2° Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II – dificultar o exercício da autoridade parental;

III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Art. 3° A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:

II – violência psicológica:

  1. b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;

Partindo-se do acima exposto e tomando como base os artigos citados, constata-se que a alienação parental tem natureza jurídica de coação moral e violência psicológica contra a criança e o adolescente, sendo inclusive considerada um abuso do poder parental, podendo impactar de forma maléfica não só a infância da vítima como produzir efeitos prejudiciais durante toda a sua vida, gerando danos não só para vítima e sua família como para toda a sociedade.

2.3.1) Os impactos dos atos de alienação parental em crianças e adolescentes

 Muitas vezes relações familiares podem ser conturbadas, configurando um contexto marcado por desavenças, o que pode ser observado principalmente em situações de dissoluções de relações conjugais.

Problema maior se apresenta quando, essas desavenças ocorrem e, nutridos por sentimentos ruins, familiares passam a tratar a criança e o adolescente como um objeto de vingança, utilizado para atingir o suposto inimigo.

Essa lógica adversarial pode dar origem a prática de atos de alienação parental.

A partir da leitura do artigo 2° da Lei 12.318/10 que enumera tais atos de forma exemplificativa, percebe-se que o objetivo de sua prática é o afastamento da criança e do adolescente de um dos seus genitores ou familiar promovido por outro que é motivado por ódio ou vingança.

As ferramentas utilizadas para que esse afastamento ocorra e a sua ocorrência de fato acabam não só atingindo o alvo pretendido como atingem principalmente a criança e o adolescente que fica no meio disso tudo e que por natureza já é tão vulnerável.

“O filho é utilizado como instrumento da agressividade, sendo induzido a odiar um dos genitores. Trata-se de verdadeira campanha de desmoralização. A criança é levada a afastar-se de quem ama e que também a ama.” (DIAS, 2020, p. 405)

“ Dessa forma, entre relações falseadas, sobrecarregadas, de imagens parentais distorcidas e memórias inventadas, a alienação parental vai se desenhando: pais riscam, rabiscam e apagam a imagem do outro genitor na mente da criança.” (DIAS, 2020, p. 404-405)

Durante a infância e a adolescência o ser humano se encontra em processo de formação, sendo necessária a sua convivência com ambas as linhagens parentais.

“ Os filhos têm direito à convivência com os pais, e têm a necessidade inata do afeto do seu pai e da sua mãe, porque cada genitor tem uma função específica no desenvolvimento da estrutura psíquica dos seus filhos. A criança e o adolescente necessitam do afeto de seus pais, representando não apenas pela proximidade física, mas também pela proximidade emocional. Os valores transmitidos pela família são fundamentais para o suporte psíquico e para a futura inserção social dos filhos na comunidade. E, é na vivência com o núcleo familiar e no círculo mais amplo das relações de vizinhança, de bairro e de cidade, na escola  e no lazer que a criança e o adolescente vão assimilando os valores, os hábitos, a forma de superar as dificuldades e de desenvolver o caráter.” (FARIAS E ROSA, 20121, p. 316)

A privação do convívio compromete o desenvolvimento biológico, emocional, psíquico, e social daqueles que por ela são afetados.

A criança e o adolescente passam a ter uma visão distorcida do mundo.

Assim, verifica-se um grande abalo psíquico, que pode prosperar por toda a vida desse indivíduo, manifestado por fatores como agressividade, hiperatividade, codependência, baixa autoestima, problemas de relacionamentos e depressão.

Tais fatores podem provocar consequências físicas também na medida em que podem ser observados distúrbios alimentares, automutilação, podendo em casos mais extremos e graves levar até mesmo ao suicídio.

Diante de tudo isso, pode-se afirmar que a alienação parental gera consequências maléficas para a criança vítima, para a sua família e para toda a sociedade, visto que, por exemplo, o consumo de álcool e drogas entre esses indivíduos que sofrem com seus efeitos pode se tornar excessivo, sendo assim a alienação parental pode ser considerada um problema social de saúde pública.

Por isso a necessidade da criança ter acesso ao duplo referencial de suas linhagens parentais, para que se possa ser a ela proporcionado um crescimento em um ambiente sadio onde ela possa ter interações afetivas e de aprendizagem, contando com apoio e podendo se sentir segura.

3 A BUSCA DA GARANTIA DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR ATRAVÉS DO ESTABELECIMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA COMO UM MECANISMO DE COMBATE À ALIENAÇÃO PARENTAL

 O artigo 3° da lei 12.318/10 preceitua que alienação parental é um fenômeno que fere o direito fundamental da criança e do adolescente de ter uma convivência familiar harmoniosa como previsto no artigo 227 da constituição federal.

Levando-se em consideração que os atos de alienação parental, incluindo como mencionado os que ferem o direito à convivência familiar, podem ser tão danosos, se faz imperioso em muitos casos uma busca de mecanismos inibitórios que possibilitem uma atuação mais eficaz do poder judiciário no enfrentamento desse problema.

A guarda compartilhada desponta então como um desses mecanismos inibitórios, atuando como abaixo explica Glicia Brazil:

“ A guarda compartilhada tem uma função simbólica para os pais. Significa que o estado-juiz diga aos pais que o filho não é “guardado” por apenas um deles, porque filho não é objeto e que pai e mãe são figuras igualmente essenciais para o desenvolvimento do filho, enquanto pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Quando o estado-juiz fixa a guarda compartilhada, mesmo na ausência de diálogo dos pais, ele está auxiliando a que os pais se esforcem para exercer a autoridade parental sem ter que recorrer ao Estado para que eles parem com a lógica de atacar-se mutuamente e incrementem e tentem se esforçar para que o arranjo de convivência com o filho funcione. ” (BRAZIL, 2022, p. 49)

Complementa Carlos Montaño:

“Isso porquanto a “Guarda Compartilhada” tende a diminuir substantivamente a desigualdade parental criada pela “Guarda Unilateral” que transfere para o “guardião único” todo poder exclusivo, com o único limite de uma dita “supervisão” do “não guardião”, constituindo, assim, a “Guarda Unilateral” uma ferramenta que estimula e permite a prática da “Alienação Parental”, enquanto a “Guarda Compartilhada” a inibe. (MONTAÑO, 2020, p. 126)

Também esclarece sobre o tema o especialista em matéria da revista do IBDFAM:

“Ao garantir o tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai dividido de forma equilibrada, a lei consegue romper esses pressupostos: nem o filho terá um laço e convivência exclusivos com o genitor-alienador, nem o outro genitor estará ausente ou sendo uma mera visita esporádica na vida dos filhos.

O filho, tendo acesso ao duplo referencial parental garantido pela guarda compartilhada nos termos da lei, não só terá seu direito à convivência e à formação da identidade e personalidade preservados como também os eventuais atos de alienação parental de um poderão ser compensados e revertidos a partir do carinho, dedicação e os laços de afeto e confiança estabelecidos na convivência com o outro.

A guarda compartilhada não acaba necessária e diretamente com a intenção de quem quer promover alienação parental, mas esvazia os pressupostos para a sua efetivação.

Se a alienação parental visa afastar o filho do genitor-alienado, rompendo o laço de parentalidade, a guarda compartilhada impede o sucesso de tal propósito. É desta forma que constitui um mecanismo de inibição e um antídoto da alienação parental. (IBDFAM, 2021, p.10)

 Nesse sentido:

DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA DE FILHO. PRETENSÃO DE GUARDA FORMULADA PELA GENITORA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS, DETERMINANDO A GUARDA COMPARTILHADA ENTRE OS GENITORES, PAUTADA NO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. IRRESINGAÇÃO DO GENITOR, VISANDO À NULIDADE DO JULGADO, SOB ARGUMENTO DE CERCEAMENTO DE DEFESA OU, AINDA, NO MÉRITO, A REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA, PARA QUE LHE SEJA DEFERIDA A GUARDA UNILATERAL, FIXANDO-SE O LAR PATERNO COMO O DE REFERÊNCIA PARA O MENOR RESIDIR. 1) Defende o genitor, Réu da presente demanda, que as provas constantes dos autos militam a seu favor, atendendo ao princípio do melhor interesse do menor, sob o argumento de que restaram demonstradas a prática de alienação parental e maus-tratos pela mãe, além do desejo do menor em residir no lar paterno. Por fim, alega que reside em um condomínio fechado, com boa infraestrutura e segurança, enquanto a genitora reside em comunidade dominada pelo tráfico de drogas. 2) Preliminar que se rejeita. Ausência de cerceamento de defesa. 3) No mérito, melhor sorte não assiste ao apelante. A guarda dos filhos, nos termos da legislação cível, pode ser unilateral ou compartilhada, resultando a forma aplicada de requerimento de quaisquer dos genitores, de ambos ou de decretação do juiz em observância às necessidades do filho. Com efeito, a criança tem interesse próprio e indisponível de conviver com ambos os genitores, sendo certo que o relacionamento entre pais e filhos não deve sofrer abalos pelas agruras entre os genitores. 3.1) Como bem salientado no d. parecer ministerial, não há nos autos fatos concretos que possam evidenciar temor pela integridade física ou moral da criança, nem que evidenciam o suposto prejuízo alegado pelo pai. Ao revés, a guarda compartilhada se mostra como a melhor opção, na medida em que permite maior contato e participação na educação dos filhos. 3.2) A guarda unilateral se revela uma medida excepcional, uma vez que a guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. (REsp 1251000/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 31/08/2011). 4) RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJRJ –  Apelação Cível  0001189-42.2018.8.19.0207  , Relator(a): Des.(a) Werson Franco Pereira Rêgo, 25ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/08/2020, publicação da súmula em 12/08/2020)

Preceituando na mesma esteira:

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO INICIADA EM 2015, POSTULANDO PELA GUARDA UNILATERAL DE FILHO ADOLESCENTE. ESTUDOS PSICOLÓGICO E SOCIAL DEMONSTRANDO FORTE INFLUÊNCIA DO GENITOR E DA MADRASTA SOBRE AS ATITUDES DO FILHO COM INDÍCIOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL. ADOLESCENTE QUE HOJE OSTENTA A IDADE DE 17 ANOS E SE MANTÉM AFASTADO DA GENITORA. SENTENÇA DETERMINANDO A GUARDA UNILATERAL DO GENITOR REFORMADA. GUARDA COMPARTILHADA QUE SE IMPÕE. – Laudo psicológico realizado em 15.08.2016, destacando relação obsessiva do adolescente com a madrasta, com possibilidade de alienação em relação à genitora, o mesmo sendo apontado no estudo social realizado em 17.08.2017. – O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a proteção integral se dê até os 18 anos, entendendo a norma que até esta idade faz-se necessária a assistência do Estado, da família e da sociedade. – Ainda que com a maioridade cesse o poder familiar, parece mais coerente que o Poder Judiciário permita que a genitora participe da vida do filho até os 18 anos, pois após esta data, dependerá da anuência do mesmo. – A guarda unilateral do genitor deve ser afastada, possibilitando que a genitora participe, de alguma forma, da vida do filho. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRJ –  Apelação Cível  0002150-81.2015.8.19.0079 , Relator(a): Des.(a) Flávia Romano Rezende, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/11/2020, publicação da súmula em 17/11/2020)

4 CONCLUSÃO

 Após a pesquisa desenvolvida, entende-se pertinente destacar os pontos tidos como fundamentais dentre os abordados pois, desta forma, será possível identificar a relevância do tema dentro da sistemática jurídica de proteção dos direitos de crianças e adolescentes.

Nas palavras de Glicia Brazil:

“ A ideia do legislador ao prever como regime legal a guarda compartilhada foi ajudar a família a organizar os papéis parentais, porque rememora os pais que ambos são pais, ambos detêm igual poder e igual dever em face dos filhos, e que o filho não se separa dos pais, quem se separou foi o casal, mas aquele casal continuará sendo pai e mãe daquela criança. ” (BRAZIL, 2022, p. 52-53)

Verifica-se assim que se a alienação parental objetiva afastar o filho do genitor alienado, rompendo os vínculos, os laços entre eles, a fixação da guarda compartilhada tem como objetivo justamente o oposto, podendo constituir uma garantia da convivência equilibrada da criança e do adolescente com ambos os pais, convivência esta tão necessária para seu desenvolvimento biopsicossocial.

Ocorre que na prática a guarda compartilhada ainda se demonstra de difícil implementação, muitas vezes como reflexo da animosidade existente entre os genitores.

A guarda compartilhada inclusive pode ser inviabilizada quando obtida e utilizada por aquele que a pleiteou como um troféu em uma disputa de ego, de busca de aprovação social, atendendo necessidades do genitor e não as do filho.

Além disso, a fixação da base de moradia materna ainda se demonstra predominante, o que pode ser apontado como vestígio de uma cultura patriarcal, sendo necessário um processo de reconstrução da sociedade através da incorporação de novos paradigmas que permitam uma flexibilização da convivência, para que se atenda ao melhor interesse do filho.

Esse processo de reconstrução passa também pela capacitação dos agentes que atuam nessa área, sendo necessário um trabalho conjunto entre os operadores do direito e profissionais de outras áreas do conhecimento como psicólogos e assistentes sociais, para que a aplicação da guarda compartilhada seja realmente efetiva quanto aos objetivos pretendidos pelo legislador que a estabeleceu.

Não são raros os casos de alienação parental que prosperam por falta de uma intervenção precoce e eficiente do poder judiciário.

Processos se arrastam por anos sem um tratamento apropriado da questão pois a violência psicológica ainda não recebe a atenção devida, sendo considerada erroneamente menos grave que a física.

Se fossem conduzidos de maneira diligente por pessoas capacitadas barrariam o gozo dos pais que objetificam os filhos, garantido-lhes um convívio bom.

Finalizando, a conclusão a que se chega é que a opção pela fixação da guarda compartilhada, se estabelecida na prática de maneira apropriada, pode sim ser um bom caminho para a proteção de crianças e adolescentes, mas é importante frisar que a decisão de guarda deve visar sempre atender aos interesses dos filhos e a análise deve ser também sempre casuística porque cada família tem suas especificidades.

  

THE ESTABLISHMENT OF SHARED CUSTODY AS A INSTRUMENT FOR           EFFECTIVENESS OF THE RIGHT TO FAMILY COEXISTENCE OF CHILDREN AND ADOLESCENTS AND TO FIGHT PARENTAL ALIENATION

 

ABSTRACT

 The dynamics of contemporary society has also required a dynamism of law, which involves the search for legal instruments that bring a solution to the new social demands in an adequate and efficient way. One of these demands is the fight against parental alienation, a phenomenon that has intensified in recent times and that directly affects the protection and guarantee of fundamental rights of children and adolescents, including the right to family life, which is of paramount importance for their development. In this context, the establishment of shared custody is being pointed out as a possible way to face the problem of parental alienation. Thus, the main objective of this study is the understanding and clarification of the idea that sharing custody can serve to allow children to live in a balanced way with both parents, ensuring their protection and thus avoiding who suffer the harmful effects of parental alienation.

Keywords: Alienation. Sharing. Living together. Child. Guard. Parenting. Protection.

REFERÊNCIAS

 BRAZIL, Glicia Barbosa de Mattos. Psicologia jurídica: a criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça. São Paulo: Editora Foco, 2022.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSA, Conrado Paulino da. Teoria Geral do afeto. 2ª. ed. rev., atual. E ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.

MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental: importância da detecção: aspectos legais e processuais. 6ª. ed. Rio de janeiro: Forense, 2019.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias13ª.ed. rev. ampl. e atual. Salvador, Editora JusPodivm, 2020.

MONTAÑO, Carlos. Alienação Parental E Guarda Compartilhada. 2ª Ed. –, Lumen Juris, 2020

Revista IBDFAM. Ed. 57. Junho/julho 2021. www.ibdfam.org.br

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, Código Civil.

BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

BRASIL,Lei Nº 12.318, de 26 de agosto de 2010.

BRASIL, Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.

BRASIL, Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008.

BRASIL, Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014.

Enunciados das jornadas de direito civil.

Notas:

[1] Importante frisar que o uso da terminologia “visita” se encontra hoje ultrapassado pois visitar representa algo protocolar, um contato esporádico e reduzido, incapaz de propiciar a formação e manutenção de vínculos afetivos como ocorre quando se convive.

[2] Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

[3] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[4] Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

[5] Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

Palavras Chaves

Alienação. Compartilhamento. Convivência. Criança. Guarda. Parentalidade. Proteção.