ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: UMA ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO NEGOCIAL NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL DO PARANÁ.

Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar a aplicabilidade do instituto do acordo de não persecução penal, inserido no art. 28-A do Código de Processo Penal através da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, no âmbito da Justiça Militar Estadual. A temática desperta reflexões e questionamentos, sobretudo, em razão da ausência de previsão do novel instrumento no Diploma Processual Penal Castrense, motivo pelo qual, esse estudo lançou-se ao desafio de fomentar a discussão e compreender alguns motivos legitimadores ao cabimento do acordo negocial na órbita dessa jurisdição especializada. Para isso, a partir do delito descrito no artigo 265, combinado com o art. 266 do Código Penal Militar, tendo como base o estudo empírico junto à Vara da Justiça Militar Estadual do Paraná (VAJME), através do método de pesquisa dedutivo e coleta de dados no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, verificou-se a aplicação do instituto em 34 (trinta e quatro) casos, o equivalente à metade de acordos homologados naquele interstício temporal. Os resultados indicam que, embora não livre de resistências, compreendeu-se que – na amostra analisada – a aplicação do instituto em questão não desatendia ao escopo norteador dessa jurisdição especializada.

Artigo

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL:

UMA ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO NEGOCIAL NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL DO PARANÁ.

Anne Louise Prestes Serpe[1]

RESUMO

 

O presente artigo tem por objetivo analisar a aplicabilidade do instituto do acordo de não persecução penal, inserido no art. 28-A do Código de Processo Penal através da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, no âmbito da Justiça Militar Estadual. A temática desperta reflexões e questionamentos, sobretudo, em razão da ausência de previsão do novel instrumento no Diploma Processual Penal Castrense, motivo pelo qual, esse estudo lançou-se ao desafio de fomentar a discussão e compreender alguns motivos legitimadores ao cabimento do acordo negocial na órbita dessa jurisdição especializada. Para isso, a partir do delito descrito no artigo 265, combinado com o art. 266 do Código Penal Militar, tendo como base o estudo empírico junto à Vara da Justiça Militar Estadual do Paraná (VAJME), através do método de pesquisa dedutivo e coleta de dados no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, verificou-se a aplicação do instituto em  34 (trinta e quatro) casos, o equivalente à metade de acordos homologados naquele interstício temporal. Os resultados indicam que, embora não livre de resistências, compreendeu-se que – na amostra analisada – a aplicação do instituto em questão não desatendia ao escopo norteador dessa jurisdição especializada.

 

Palavras-chave: acordo de não persecução penal; justiça militar estadual; delito militar de extravio de materiais bélicos.

1 INTRODUÇÃO

A justiça penal negociada apoia-se na tendência de desjudicialização e inserção de novos modos de resolução de conflitos. Também seguida por ordenamentos jurídicos referências para o sistema criminal brasileiro – tais como o anglo-saxônico, alemão e italiano[2], este sistema incrementa a participação concreta dos envolvidos, de maneira a legitimar o consenso como forma de efetivação – e até mesmo de recuperação do próprio sistema judicial, sem necessariamente haver marcha processual.[3]

A entrada em vigor da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, denominada popularmente de “Pacote Anticrime”, neste enfoque, ampliou os espaços consensuais com a inserção do art. 28-A no Código de Processo Penal Comum (CPP), o qual introduziu o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no ordenamento jurídico nacional.

Entretanto, não houve previsão desse instituto na seara criminal militar, haja vista o Diploma Processual Castrense não ter sido contemplado expressamente sobre a matéria, motivo pelo qual, deu azo a diferentes posicionamentos doutrinários, e jurisprudenciais. Além disso, até o momento inexiste decisão definitiva sobre o tema pela Suprema Corte Brasileira.

Evidentemente, no encalço pela concretização de uma prestação jurisdicional adequada, contemporânea aos avanços sociais, e, especialmente, em consonância aos preceitos fundamentais da Magna Carta, revela-se notória a importância de alavancar as discussões, e ampliar a compreensão sobre esse instituto consensual no específico campo jurisdicional castrense.

Nesse contexto, é preciso reconhecer: o assunto é desafiador e detém significativa complexidade, dentre os fatores, especialmente devido às diversas peculiaridades inerentes ao universo militar, este regido por regulamentos próprios, arcabouços normativos alicerçados a valores e princípios específicos existentes em razão de seu mister constitucional.

            Assim, como objetivo deste estudo, pretende-se analisar a aplicação do acordo do ANPP, especificamente no Paraná, no âmbito da Justiça Militar Estadual, perante a Vara da Justiça Militar Estadual do Paraná (VAJME), a quem compete julgar e processar os policiais e bombeiros militares integrantes da Polícia Militar Estadual Paranaense.

Para isso, observou-se a experiência protagonizada pelos titulares do Ministério Público atuantes naquele juízo especializado – na vertente da justiça penal negociada, a partir do oferecimento de ANPPs aos agentes investigados daquela Instituição como forma alternativa de resolução dos casos penais menos gravosos, quando cumpridos os pressupostos e requisitos estabelecidos em lei.

            Assim, para alçar à temática pretendida, primeiramente serão expostos, com o aporte da literatura jurídica assentada em doutrina, julgados e demais fontes bibliográficas, os contornos legais do modelo de justiça penal negociada. No capítulo subsequente serão apresentadas correntes de entendimento, posicionamentos dos estudiosos da área especializada e demais atores do sistema penal que dialogam acerca da aplicabilidade ou não do instituto negocial na seara jurisdicional castrense.

Em seguida, terá início a discussão sobre o cabimento do instrumento jurídico em benefício dos investigados pertencentes àquela Organização Castrense, à luz dos aspectos de maior relevo, compreendidos pelos motivos de política-criminal, lógica da tutela do bem jurídico na legislação militar e repercussões interna corporis.

Finalmente, pelo método de abordagem dedutivo, corroborado com a coleta de dados estatísticos, obtidos junto ao sistema institucional e informatizado da PMPR, o Sistema de Controle Processual da Corregedoria-Geral (SISCOGER) e do Poder Judiciário, Processo Eletrônico do Judiciário do Paraná (PROJUDI – TJPR), será analisado um estudo de caso retratado por um acordo de não persecução penal homologado pelo Juízo da VAJME, referente à prática do crime de desaparecimento, consunção ou extravio, tipificado no art. 265, modalidade culposa, art. 266, ambos do Código Penal Militar (CPM), com a pretensão de evidenciar as justificativas para o caminho consensual na resolução de conflitos penais no campo da justiça especializada.

2   ESPAÇOS DE CONSENSO NO PROCESSO PENAL: O MODELO DE JUSTIÇA CRIMINAL NEGOCIADA, PELO ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMUM

Extrai-se do novo dispositivo legal introduzido em nosso ordenamento que, após a fase de investigação policial, o Ministério Público, ao formar a opinio delicti – no sentido de haver indícios suficientes de autoria e provas da materialidade do delito a ensejar justa causa para a propositura de ação penal –, ao invés de oferecer a denúncia, caso preenchidos os requisitos previstos e considerá-los necessários e suficientes para a reprovação e prevenção do crime, poderá então propor o ANPP ao investigado, mediante a imposição de determinadas obrigações.

Uma vez homologado pelo Poder Judiciário, e cumpridas integralmente as condições assumidas pelo beneficiário, o acordo não constará em certidão de antecedentes criminais, exceto para fins de contagem do benefício[4], com a subsequente declaração de extinção de punibilidade do agente.

Portanto, é um mecanismo alternativo aos crimes de pequena e média complexidade. Abre-se espaço a um sistema processual mais participativo, no qual se privilegia a autonomia da vontade e a liberdade de decisão das partes[5], e a servir como mais um instrumento para a defesa sem figurar como imposição, mesmo que diante de suas especificidades [6]

Pontua-se que a referida avença penal deve ser considerada um negócio jurídico pré-processual de natureza extrajudicial operado na esfera criminal e com finalidade consensual. [7]

Rodrigo Leite Ferreira Cabral[8] destaca como importante aspecto do instituto o fato de ter sido fundado precisamente por conta de seu poder de realizar a política-criminal de persecução penal. Desse modo, o acordo de não persecução permite ao Ministério Público buscar alternativas para dar respostas mais céleres e adequadas aos casos penais de baixa e média gravidade, por meio de eleição de prioridades na persecução de delitos, nos termos do art. 28-A do CPP.

Porém, vale dizer, antes mesmo do advento da Lei Anticrime, a figura negocial já havia sido introduzida no contexto da justiça brasileira com a edição da Resolução nº 181 de 7 de agosto de 2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); normativa que disciplinou a instauração e trâmite do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) e, nesta esteira, inseriu a possibilidade do referido benefício.

Além disso, já se contemplava o entendimento da justiça consensual como criação oriunda de política criminal, fundamentada na intervenção mínima do direito punitivo, e pautada no aspecto preventivo geral do sistema penal.[9] Por sua vez, a Resolução nº 183 de 24 de janeiro de 2018 do mesmo órgão, abrangeu as infrações penais militares, embora com ressalvas: “art. 18, §12º – As disposições deste Capítulo não se aplicam aos delitos cometidos por militares que afetem a hierarquia e a disciplina”.

Ato seguido, o Conselho Superior do Ministério Público Militar (CSMPM) lançou a Resolução nº 101 de 26 de setembro de 2018, contudo, permitiu a aplicação do ANPP somente aos delitos militares por equiparação (ou por extensão). Ou seja, para aqueles delitos previstos no Código Penal comum (CP) ou nas leis extravagantes, quando preenchidas as hipóteses do inciso II, art. 9º do Diploma Penal Castrense, em expressa alusão à Lei nº 13.491/17.

No entanto, em razão do impedimento da proposta do acordo para os militares da ativa, conforme previsão no inciso IX, § 1º, do art. 18 da referida normativa, tornou-se inexequível sua aplicação prática, a considerar que os delitos militares, quando classificados por extensão, também não poderiam ser cometidos por civis, face as circunstâncias dispostas no inciso II, art. 9º do CPM. [10]

Tais regulamentações foram objeto de impugnação das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.790, e 5.793, sobretudo devido à insegurança jurídica causada pela ausência de previsão legal e alegada usurpação da competência privativa da União.

Fato é, com a vigência da Lei nº 13.964/2019 foram supridas as arguições sobre a legitimidade dos dispositivos, que parecem ter servido de inspiração ao legislador. Todavia, não estabeleceu ou vedou possibilidade do referido instituto na justiça especializada, ora em destaque.

3   ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NA SEARA DA JUSTIÇA MILITAR: CONTEXTO INTRODUTÓRIO E CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO.

A ausência de previsão do novel instituto no rito processual penal militar suscitou entendimentos jurisprudenciais e doutrinários divergentes e, segundo Foureaux[11], surgiram ao menos três correntes interpretativas sinalizadas por estudiosos da área especializada e por demais protagonistas do sistema penal.

A primeira defende a inaplicabilidade absoluta do acordo negocial na seara castrense, pois a Lei nº 13.964/2019 promoveu diversas alterações na legislação processual penal, tanto comum como militar. No entanto, somente nesta primeira introduziu-se a nova figura de acordo penal, silenciando-se quanto à sua aplicação na esfera penal militar.

Assim, na atualização do processo penal castrense, o legislador apenas limitou-se a introduzir o Art. 16-A e garantir ao militar acusado de crime resultante de força letal a assistência de advogado já na fase inquisitorial. Isso seria a caracterização do silêncio eloquente, tese defendida por Ronaldo João Roth, Juiz de Direito da Justiça Militar Estadual do Estado de São Paulo.[12]

Por esta corrente, aponta-se como argumento a ofensa ao art. 3º do Código de Processo Penal Militar (CPPM)[13], uma vez que o acordo penal violaria a índole do processo penal militar[14] ao retirar do Conselho de Justiça, naqueles julgamentos de sua competência, a possibilidade de apreciação do grau de afetação à hierarquia e disciplina do crime praticado pelo militar.[15]

Leva-se também em consideração o art. 90-A da Lei n.º 9.099/1995, que vedou a aplicação da transação penal e da suspensão condicional do processo aos delitos militares. Assim, considera-se que admitir o benefício despenalizador do ANPP destinado aos crimes mais graves poderia ferir o princípio da proporcionalidade, como destaca Foureaux[16].

Nesta via, o autor entende a tendência da não aplicação do acordo de não persecução penal no âmbito da jurisdição castrense, porém com a ressalva de se permitir a aplicação da avença para os civis no âmbito da Justiça Militar da União, visto não estarem submetidos aos valores militares, à hierarquia e disciplina, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da aplicação dos benefícios processuais previstos pela lei dos juizados especiais.

Sob este enfoque pela impossibilidade do instituto na seara especializada, posicionou-se o Tribunal Militar do Estado de São Paulo ao denegar a ordem nos autos do Habeas Corpus nº 0900218-24.2020.9.26.0000[17]

Na mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça Militar (STM) tem se manifestado contrariamente à admissão do instituto[18], conforme se verifica da decisão nos autos do Habeas Corpus nº 7000027-36.2021.7.00.0000[19]. Dentre os fundamentos, infere à ausência de previsão legal do instrumento no CPPM, além da vedação dos benefícios despenalizadores da Lei nº 9.099/1995, ante a especialidade do ordenamento normativo, e o Enunciado nº 9 da Súmula daquela Corte.

Em contrapartida, a segunda corrente defende o cabimento do acordo negocial na integralidade da legislação castrense, pois o rol de vedação do § 2º, art. 28-A do Código de Processo Penal foi taxativo e não contemplou os crimes militares, sejam estes próprios, impróprios ou por extensão.[20]

Corrobora-se a tal entendimento, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal[21] favorável à aplicabilidade dos benefícios despenalizadores aos casos penais na esfera criminal militar enquanto não havia expressa vedação trazida pelo artigo 90-A, da Lei nº 9.099/95.

Além disso, essa premissa apoia-se, dentre outros fundamentos, na garantia constitucional da isonomia, com fulcro no art. 5º, caput, da Carta Magna, na medida em que: se um civil e outro militar cometerem um delito, em mesmo contexto fático, e ambos preencherem os pressupostos de admissibilidade ao oferecimento do benefício, poder-se-ia permitir soluções distintas e tolher direitos fundamentais ao deixar de propor o acordo ao servidor castrense unicamente por sua condição funcional.[22]

Autores como Cabral[23] assentem com a aplicação do novel no âmbito da Justiça Militar sob o ponto de vista político-criminal, diante da existência de delitos de duvidosa constitucionalidade, e até mesmo que ingressam demasiadamente na esfera pessoal do militar, de modo que a incidência do Direito Penal sem possibilidades de medidas diversas da pena poderia ser prejudicial.

Sobretudo, Martins[24] compreende a possibilidade do acordo pré-processual – não somente em relação ao CPPM, mas para toda a processualidade criminal dos microssistemas penais – como forma de suprir a lacuna derivada da inexistência de previsão de negócio jurídico voltado à desjudicialização e à atenção às vítimas como medida de efetivação das diretrizes fixadas no item 5.1 das Regras de Tóquio.

Nesta mesma vertente o Tribunal de Justiça Catarinense se pronunciou nos autos de Apelação Criminal nº 0000581-63.2018.8.24.0091, oportunidade na qual, sinalizou a possibilidade do acordo ao caso, mormente em razão da aplicação subsidiária ao Códex Processual Penal Militar.[25] Extrai-se trecho dos ensinamentos de Renato Brasileiro de Lima citado na referida decisão:

A Lei n. 13.964/19 não reproduziu semelhante vedação, do que se conclui que, pelo menos em tese, o negócio jurídico em questão pode ser celebrado em relação a crimes militares, que quando afetarem a hierarquia e a disciplina (v. g. Desrespeito a superior, abandono de posto), quer quando não colocarem em risco os pilares das Forças Armadas (v. g. Estelionato, furto etc.), mas desde que o acordo se revele necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do delito.[26]

Finalmente, a terceira corrente afirma a legitimidade do instrumento negocial em casos específicos, a depender do grau de afetação dos princípios estruturantes da hierarquia e disciplina, bem como da natureza do crime militar.[27] Defendem este posicionamento os estudiosos Bizzotto[28], Ono[29] e Assis[30], pois compreendem o cabimento do benefício de modo restritivo. Ou seja, cabível somente para os crimes militares impróprios ou por extensão para resguardar a índole dos valores castrenses.

Nesse sentido, Jorge César de Assis[31] confirma seu entendimento especialmente à necessidade da legislação processual militar, com acentuada defasagem em relação ao diploma processual comum, acompanhar a evolução do próprio direito, e reconhecer os modernos institutos despenalizadores e garantistas da dignidade humana. Além disso, reforça sua tese, em razão da ampliação do rol de crimes militares sujeitos à competência da Justiça Especializada ocasionada com a edição da Lei 13.491/2017.

Alguns Estados da federação, como Rio de Janeiro[32], Santa Catarina[33], Mato Grosso[34] e Paraná[35], por intermédio de suas jurisdições castrenses, já se pronunciaram favoravelmente à aplicação do instituto negocial para a resolução de determinados crimes militares.

Ademais, inobstante os dispositivos vedatórios à incidência dos mecanismos despenalizadores nos crimes militares, através da sistemática do art. 90-A da Lei nº 9.099/95 e da Súmula nº 9 do Superior Tribunal Militar (STM), esse posicionamento ainda é discutível sob o prisma constitucional, sobretudo pelo argumento do direito fundamental à igualdade (art. 5º, caput, da CF).[36]

Conforme destaca Moreira[37], algumas auditorias militares estaduais têm admitido os institutos da transação penal e a suspensão condicional do processo aos crimes militares impróprios cometidos por policiais e bombeiros militares.

Segundo Assis[38], face às substanciais alterações trazidas pela Lei nº 13.941/2017, justifica-se a vedação dos aludidos benefícios penais, tão somente para os crimes militares próprios. E neste aspecto, tem-se como exemplo, a Vara da Justiça Militar do Paraná[39], cujo entendimento inclina-se ao cabimento dos institutos oriundos da Lei nº 9.099/1995, em determinados casos concretos, quando verificada a legalidade e conveniência da medida, nos termos propostos pelo Ministério Público.

4   FUNDAMENTOS E ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A APLICAÇÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NA JURISDIÇÃO CASTRENSE ESTADUAL DO PARANÁ

4.1 DOS ASPECTOS DA POLÍTICA-CRIMINAL

A premissa funcionalista do Direito Penal, amplamente admitida atualmente, é o que traz uma vinculação indissociável entre atuação criminal e os ideais políticos-criminais de nosso sistema, conceito este remodelado por Claus Roxin, em sua obra “Política Criminal e Sistema Jurídico Penal”, a partir das ideias precursoras de Fran von Liszt.[40]

Nesse compasso, os agentes ministeriais, com o dominus litis, titulares da ação penal pública, protagonizam este cenário uma vez que possuem prerrogativas e o dever funcional de escolher prioridades político-criminais na concretização dos objetivos da persecução penal.

Ao eleger prioridades[41], por meio do Acordo de Não Persecução Penal, o Ministério Público busca alternativas para dar mais celeridade e trazer respostas adequadas aos casos penais de baixa e média gravidade. Mas, adverte o autor, o órgão ministerial somente realizará esse acordo caso exista uma vantagem político-criminal para a persecução penal, cujos parâmetros de avaliação encontram-se previstos no art. 28-A do CPP.

Um dos benefícios ao Estado, por meio da celebração dos acordos, é a agilização da resposta aos casos penais, uma vez que evita a instauração processual e todos os seus atos decorrentes[42]. Por essa ótica, consideramos que o acordo de não persecução é, portanto, instituto concebido para “desafogar” a jurisdição (e não o sistema carcerário), pois é aplicado somente aos crimes que comportam pena mínima inferior a 4 (quatro) anos. Assim, mesmo que diante de eventual condenação, provavelmente não importará em cumprimento efetivo de medida privativa de liberdade[43].

Ao trazer esta perspectiva à realidade da Justiça Militar, Martins[44] ressalta a possibilidade de diferentes respostas para a questão da necessidade do acordo como mecanismo de redução da litigiosidade criminal dos crimes militares. Conforme aduz o autor, a Justiça Militar da União e as Justiças Militares dos Estados dotados de Tribunais próprios sentem menos impacto oriundo do excesso de litigiosidade comparado às jurisdições criminais comuns.

Embora não contem com a mesma realidade de volume de processos, certamente a aplicação do instrumento de desjudicialização poderá contribuir para a liberação de meios e recursos materiais e humanos ao enfrentamento dos crimes militares mais graves, de forma a trazer maior celeridade e qualidade da prestação jurisdicional.

Assim, nos casos das jurisdições militares que compartilham seus meios e recursos em segunda instância com a jurisdição comum, estas certamente padecem com o excesso de processos, de tal modo que não haveria qualquer razão, portanto, para afastar a aplicação do benefício.

Outro aspecto a acrescentar decorre da inovação legislativa trazida pela Lei nº 13.941, de 13 de outubro de 2017, que alterou profundamente o conceito de crime militar a partir da nova redação do inciso II, art. 9º, do Código Penal Militar. Desse modo, ampliou-se a competência da Justiça Militar, na medida em que seu raio de incidência passou a se estender a qualquer crime da legislação penal comum, sem a necessidade de idêntica previsão na norma castrense.

Vale dizer, na medida em que se permitiu incorporar à seara castrense o arcabouço jurídico penal como um todo, criou-se uma espécie de cláusula de constante atualização da definição de crime militar impróprio, trazendo reflexos imediatos à demanda das Justiças Militares, proveniente da maior atuação da polícia judiciária militar.

Assim, esta nova categorização de crimes militares por extensão, conceituada pelo Juiz de Direito Ronaldo Roth[45], alargou sobremaneira a competência da Justiça Militar da União e dos Estados ao processo e julgamento desses delitos, antes afetos à jurisdição comum.

É indiscutível, portanto, o impacto desta alteração legislativa na atividade de polícia judiciária militar, devido ao aumento de procedimentos investigatórios deslocados à sua esfera de atribuição, e consequentemente, para a processualidade das justiças especializadas.

A fim de verificar algumas das questões antes referidas, realizou-se uma consulta ao sistema de controle processual da Corregedoria-Geral da Polícia Militar do Paraná (SISCOGER), responsável por manter o cadastro de processos e procedimentos administrativos instaurados, além de demais registros criminais do efetivo daquela Corporação.

A Tabela 1 corresponde ao número de Inquéritos Policiais Militares instaurados perante a Vara da Justiça Militar Estadual.

TABELA 1     –    COMPARATIVO DE INQUÉRITO POLICIAIS MILITARES INSTAURADOS PELA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ (PMPR) POR ANO

Quantitativo de IPMs Ano-base
750 2015
831 2016
806 2017
995 2018
1.074 2019
1.235 2020
1.480 2021

   FONTE: Sistema de Controle Processual da Corregedoria-Geral da PMPR – SISCOGER (2022)[46].

Sem aprofundar a análise de outros fatores também relacionados à abertura de investigações, nota-se, após a entrada em vigor da referida lei em 13 de outubro de 2017, o aumento alarmante de inquéritos no âmbito daquela Instituição.

Como visto, o atual panorama da persecução criminal na seara militar demanda a implementação de novos mecanismos estratégicos de política-criminal, voltados à diversificação de resposta aos conflitos penais para se permitir a melhor prestação jurisdicional; a otimização de recursos ao processamento de crimes de menor lesividade, e assim, possibilitar o direcionamento de esforços ao combate das ilicitudes de maior gravidade. Delitos estes que certamente, requerem o necessário rigor ao seu processamento e julgamento perante a Corte Especializada.

            Uma das medidas de resposta a este cenário adveio com a recente publicação da Resolução nº 3237/2021[47], da Procuradoria-Geral de Justiça do Paraná, através da qual, descentralizou as atribuições do Ministério Público do Paraná em primeiro grau na investigação dos crimes militares. Dentre os motivos justificantes da referida normativa baixada pelo órgão superior do Ministério Público do Estado do Paraná, destacam-se:

(…) os crimes militares, em especial os que ofendem diretamente as pessoas, desafiam uma resposta rápida, efetiva e eficiente do Estado, importando, para tanto, que o Ministério Público acompanhe, de perto e com presteza, a investigação do caso, pelo Promotor de Justiça da comarca de ocorrência dos fatos; (…) a concentração de atribuições exclusivamente em representantes do Ministério Público da Capital mostra-se medida prejudicial à atuação mais imediata e célere da Promotoria local (ou daqueles órgãos ministeriais que estejam acompanhando complexas diligências investigatórias), colocando em risco a qualidade e eficácia da apuração desses delitos; (…) a aludida concentração, além de ocasionar acúmulo de serviço, tende a impactar na qualidade das investigações em razão do distanciamento da realidade fática e local, dificultando a realização de diligências aptas a esclarecer os fatos noticiados e comprometendo, neste sentido, uma efetiva e direta investigação pelo Ministério Público e, portanto, uma atuação ministerial mais rápida e eficaz; (…) a par do indesejável acúmulo de serviço e consequente impacto na qualidade das investigações – o expressivo aumento do número de procedimentos investigatórios em decorrência da ampliação do conceito de crimes militares estabelecida pela Lei nº 13.491/2017, abarcando, assim, inúmeros ilícitos cometidos em todo o Estado; (…) a celeridade na apuração dos crimes militares pelo Ministério Público, com o rápido desencadeamento da persecução penal de seus autores, é medida que se impõe, servindo, inclusive, para o desencorajamento de comportamentos semelhantes, reforçando a disciplina como valor essencial à carreira militar; (…). [48]

Outro aspecto a ser ponderado, à luz dos dispositivos trazidos pela norma –incisos I, III, IV e V, do Art. 28-A, do CPP –, trata-se da preocupação de imediata reparação à vítima. Nota-se que o dispositivo legal suprarreferido trouxe uma série de possibilidades para que o agente ministerial estabeleça condições cumulativa e alternativamente ao investigado, com a finalidade de promover a imediata reparação dos danos causados. Segue interessante passagem de Martins[49]:

É insustentável a posição segundo a qual o sistema criminal militar deve se manter refratário aos avanços institucionais que deem protagonismo às vítimas, inclusive pelo fato de que, com a adoção das técnicas dos crimes militares por extensão, alargou-se enormemente o âmbito dos crimes que passaram para a alçada da justiça castrense, em que a vítima é o cidadão sem nenhuma interface de contato com os interesses institucionais das corporações militares.

4.2 TUTELA PROTETIVA DA LEGISLAÇÃO PENAL MILITAR

Como visto no capítulo anterior, parte da doutrina compreende não ser cabível a aplicação do acordo negocial no âmbito da jurisdição especializada por violar os princípios constitucionais da hierarquia e disciplina, estes entendidos como verdadeiras “vigas mestras” das instituições militares.

Acerca disso, é necessário expor algumas reflexões sobre a concepção dos bens jurídicos específicos tutelados pela legislação castrense, haja vista esta ser a nobre tarefa do direito penal.

Nas lições de Roxin[50], os bens jurídicos compreenderiam todos os dados pressupostos para o convívio livre e pacífico dos cidadãos, fundado na liberdade e igualdade.

Jorge de Figueiredo Dias, citado por Bechara[51], conceitua bem jurídico como a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e, por isso, juridicamente reconhecido como valioso.

Transportadas essas percepções à lógica da tutela penal militar, Fernando A. N. Galvão da Rocha[52] assevera que, embora àqueles que compreendam a limitação do Direito Penal Militar à proteção dos princípios da hierarquia e disciplina militares, o escopo do referido diploma legal não estaria restrito a esses pilares organizacionais.

Segundo o autor, estes conceitos constituem os meios organizacionais específicos para se conferir maior eficiência aos serviços públicos prestados pelas instituições militares com vistas a realização de suas missões constitucionais (fins). Portanto, a referida legislação especializada destina-se não apenas a proteger o interesse imediato das corporações, mas sim, todos os bens jurídicos que possam ser afetados pela realização inadequada dos serviços militares.

Na mesma vertente segue o entendimento do doutrinador Ronaldo João Roth, citado por Ono [53], ao destacar que o bem jurídico é o limitador e a cláusula de garantia de que um tipo penal se diferencie de outro, de acordo com a classificação adotada pelo Código Penal Militar. Em suas palavras: “(…) incorre em equívoco se advogar que todo crime militar ofende aos princípios de hierarquia e disciplina militares tutelados naquele Códex. (…)”.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal[54], ao decidir sobre a aplicação do princípio da insignificância em caso de peculato, utilizou-se com um dos argumentos favoráveis, nos termos do voto do Ministro Menezes Direito, a possibilidade de aplicação quando se trata de crime militar que não ofenda os pilares da hierarquia e disciplina.

            A própria Constituição Federal, em seu art. 125, parágrafo 5º, diferenciou o processamento e julgamento dos crimes militares, quando definiu a competência singular do Magistrado em face dos delitos cometidos contra vítima civil e, para as demais infrações, a competência do Conselho de Justiça, composto por quatro Juízes Militares sob a presidência do Juiz togado.

            Na maioria restante dos delitos militares – como exemplo os crimes contra a pessoa, a liberdade, a honra, o patrimônio, a liberdade sexual, a saúde pública etc. –, em razão do bem jurídico penalmente tutelado, não haveria violação aos valores da hierarquia e disciplina. Afasta-se, portanto, o argumento da inaplicabilidade do acordo de não persecução penal em face destes crimes.[55]

            No entanto, a doutrina não é unânime sobre o assunto. Para Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger[56], os princípios da hierarquia e disciplina estariam sempre, de forma direta ou indireta, a tutelar a regularidade das instituições militares, e, portanto, no escopo de proteção da justiça penal militar.

Na mesma linha, segue o entendimento de Guilherme de Souza Nucci[57] segundo o qual, estes valores estariam presentes em todas as figuras típicas, mantendo-se em escalas, de modo principal ou secundário, e, como regentes da carreira militar, estariam a conferir legitimidade à existência do direito penal militar e da Justiça Militar (arts. 122 a 124, CF).

Todavia, o alcance da tutela do Direito Penal Militar, para além do binômio hierarquia e disciplina mostra-se como posição mais compatível à nova conjuntura apresentada pela Lei nº 13.491/17, especialmente, devido à ampliação da competência da Justiça Militar  aos delitos também previstos na legislação comum, quando preenchidas as hipóteses previstas no art. 9º, inciso II, do CPM.

Vale recordar o entendimento similar observado à época da edição da Resolução 181/17 do Conselho Nacional do Ministério Público (alterada pela Resolução 183/18)[58], pois, com a limitação da possibilidade do ANPP aos crimes militares que não violassem a hierarquia e disciplina, presumiu-se que, para os demais, não haveria tal violação.

Assim, ao vislumbrar que certas circunstâncias, mesmo convergentes a delitos militares não impliquem na ofensa aos princípios da hierarquia e disciplina, não há qualquer razão para refutar a aplicação do instituto negocial por ser contrária à índole processual, nos termos do art. 3º, alínea a), do CPPM.

4.3 REFLEXOS “INTERNA CORPORIS”

À vista do assentado escólio doutrinário e jurisprudencial[59], os militares no exercício de suas funções estão sujeitos à tríplice responsabilidade. Soma-se ainda, ao disposto no §2º, art. 14[60], do Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) [61], com aplicação no âmbito da Corporação Policial Militar do Paraná.

Hely Lopes Meirelles[62] esclarece sobre a distinta natureza da punição disciplinar e criminal, de maneira que dessa substancial diversidade resulta a possibilidade da aplicação conjunta das duas penalidades sem que ocorra bis in idem. Assim, segundo o autor, a mesma infração pode ensejar a punição administrativa (disciplinar) e penal (criminal), porque aquela é sempre um minus em relação a essa.

Por esta concepção, conclui-se, caso o representante do Ministério Público opte por ofertar o acordo de não persecução a um militar indiciado, não haverá qualquer prejuízo de concomitante responsabilização perante à Organização Militar, devido ao residual administrativo, face a eventual violação às normas e valores institucionais.[63]

Além disso, os benefícios oriundos do acordo de não persecução podem permitir a readequação disciplinar dos investigados que tenham pela primeira vez infringido as regras do sistema penal.[64]

            Eliezer Pereira Martins remete à possibilidade de um desfecho condenatório culminar na perda do posto, patente ou graduação do militar, com a consequente exclusão das fileiras da Corporação, seja pela via penal ou administrativa. Ressalvados os distintos regramentos destinados às Forças Armadas e das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, os integrantes estarão sujeitos a um julgamento ético perante o tribunal competente.[65]

Sob o viés administrativo disciplinar, o Comandante-Geral da Polícia Militar do Paraná poderá instaurar um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), com fulcro no art. 5º, inciso V, da Lei nº16.544/2010[66] em face do militar estadual condenado por crime de natureza dolosa a pena privativa de liberdade superior a dois anos, com trânsito em julgado, e cuja solução poderá resultar na perda do posto ou patente do militar, com a consequente exclusão das fileiras da Corporação.

Nesta perspectiva, ao optar-se pela via consensual na resolução dos casos penais nos limites permitidos do art. 28-A do CPP, a deflagração do rito processual penal ou administrativo que poderá culminar na exclusão dos militares se vê afastada, com a possibilidade do restabelecimento aos ditames da vida castrense, mediante pronta responsabilização do investigado num quadro de consequências, e obrigações, por vezes, mais efetiva que a resultante de eventual sentença penal condenatória.

Destarte, outro aspecto a ser ressaltado infere-se às imediatas repercussões negativas à carreira daqueles servidores castrenses quando denunciados em uma ação penal. Pois, com a deflagração do processo criminal comum ou militar, automaticamente passam à condição sub judice[67].

            Com fulcro nas legislações vigentes que estabelecem os critérios de promoção de Praças e Oficiais da Polícia Militar do Paraná[68], os militares que se encontrem nesta situação são retirados dos quadros de acesso da Corporação, e ficam impedidos de concorrer a promoção ao posto ou graduação imediatos, como também permanecem vedados à participação em concursos internos ou convocação para cursos de formação e de aperfeiçoamento no âmbito da Instituição[69].

Outra consequência prevista pelo RDE, conforme o §6º, art. 51, depreende-se que a praça que tenha sido condenada terá imediata classificação para o comportamento “mau”, circunstância esta que também poderá repercutir negativamente na carreira do agente.

Deste modo, a opção pelo instrumento negocial nos casos penais, verificada a legalidade e conveniência da medida, possibilita a imediata responsabilização do investigado, com nova oportunidade de permanecer nas fileiras da Instituição, inclusive, em reforço à disciplina e desencorajamento a novas condutas delituosas.

Afinal, o infrator estará comprometido ao cumprimento integral das cláusulas impostas, sob pena de deflagração da ação penal competente. Além disso, importará na contagem do interstício de 5 (cinco) anos, sem que possa usufruir do mesmo benefício caso venha a reincidir em prática delitiva[70].

 

5   ESTUDO DE CASO: CELEBRAÇÃO DO INSTITUTO NEGOCIAL NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL DO PARANÁ PARA OS CRIMES DE EXTRAVIO DE ARMAS E MUNIÇÕES, PREVISTO NO ART. 265, MODALIDADE CULPOSA, DO CÓDIGO PENAL MILITAR.

O estudo de caso analisado a seguir retrata um acordo de não persecução penal homologado pelo juízo da VAJME referente à prática tipificada no art. 265, modalidade culposa, art. 266, ambos do Código Penal Militar (desaparecimento, consunção ou extravio), com a pretensão de evidenciar os diversos aspectos justificadores do instrumento negocial no contexto da Justiça Castrense, conforme abordagem do capítulo anterior.

            O recorte proposto foi resultante de pesquisas obtidas junto aos sistemas institucionais e informatizados da PMPR e do Poder Judiciário, sendo estes respectivamente: Sistema de Controle Processual da Corregedoria-Geral (SISCOGER) e Processo Eletrônico do Judiciário do Paraná (PROJUDI – TJPR).

Nesta vertente, para mensurar a atuação daquela jurisdição, delimitou-se a pesquisa dos registros de ANPPs homologados a partir da vigência do Pacote Anticrime, 23 de janeiro de 2020, até o mês de dezembro de 2021.

            De acordo com os números do relatório extraído do sítio eletrônico do PROJUDI, constatou-se que naquele período, 68 (sessenta e oito) acordos foram apreciados pela Corte Castrense e distribuídos ao juízo de execução penal para o cumprimento das medidas alternativas impostas pelo Ministério Público.

Metade das avenças celebradas, ou seja, 34 (trinta e quatro) eram correspondentes ao delito de desaparecimento, consunção e extravio[71], previsto no art. 265, do Código Penal Militar, in verbis: “Fazer desaparecer, consumir ou extraviar combustível, armamento, munição, peças de equipamento de navio ou de aeronave ou de engenho de guerra motomecanizado: Pena – reclusão, até três anos, se o fato não constitui crime mais grave”.

            Com relação aos dados estatísticos fornecidos pela Corporação Policial Militar, foram observados os seguintes registros de inquéritos policiais militares instaurados para apurar a infração citada, entre os anos de 2015 e 2021:

GRÁFICO 1 – ESTATÍSTICAS DE INQUÉRITOS POLICIAIS MILITARES INSTAURADOS POR EXTRAVIO DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES

FONTE:  Sistema de Controle Processual da Corregedoria-Geral da PMPR, – SISCOGER (2022)[72].

Obs.: Os números incluem tanto o indiciamento pelo Art. 256, CPM, quanto pela prática de furto de armas e munições.

Colocado esse panorama, inicia-se a apresentação do estudo de caso[73] escolhido, cujo desfecho consistiu na celebração do acordo negocial, nos termos do art. 28-A do CPP em face do militar estadual investigado pelo crime previsto no art. 265, modalidade culposa, art. 266 do CPM.

De acordo com os fatos narrados no termo do ANPP proposto pelo Ministério Público, o integrante da Corporação Policial Militar comunicou à Administração Castrense o extravio de uma caixa contendo 19 (dezenove) munições da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), calibre .40, previamente lhe acauteladas.

Conforme consta nos autos, o agente recorda ter mantido aquelas cápsulas sobre o guarda-roupas de seu quarto. No entanto, em determinado período o cômodo foi reformado e, em razão das obras, o militar se deu conta da ausência do referido material bélico. Mesmo efetuadas buscas e diligências para encontrá-lo, não obteve êxito. Em seguida, registrou boletim de ocorrência e informou o fato aos seus superiores hierárquicos.

Nestes termos, verificou-se que estavam preenchidos os requisitos previstos no art. 28-A do CPP, e ainda, em virtude do reconhecimento do delito praticado pelo agente, não sendo motivo de arquivamento, o Parquet propôs como condição o ressarcimento dos bens extraviados à Administração Militar, bem como a obrigação de pagar 1 (um) salário mínimo nacional vigente para entidade pública ou de interesse social.

Seguidos os ritos legais previstos, na audiência de homologação, conforme o mandamento do §4º, art. 28-A do CPP, aquela Corte Especializada firmou o entendimento segundo o qual, em regra, não caberia o acordo de não persecução por tratar-se de crime militar próprio[74]. No entanto, naquela circunstância analisada, compreendeu-se que a conduta praticada pelo agente castrense não atentou contra a disciplina e hierarquia militar[75], razão pela qual, o benefício foi homologado, com todos os efeitos jurídicos e legais cabíveis.

Ao final, foram cumpridas integralmente as condições acordadas entre o Ministério Público e o investigado, e então, julgada extinta sua punibilidade, com base no art. 28-A, §13º, do CPP.

Desse modo, de acordo com a fundamentação adotada por aquele Juízo, não se vislumbrou qualquer ofensa relevante ao bem jurídico tutelado,[76] e ainda, restou suficientemente cumprida a função do ANPP.

Nota-se que o bem jurídico a ser tutelado pelo art. 265 do CPM contempla, essencialmente, o patrimônio das Instituições Militares e, portanto, permite-se reconhecer a incidência do instrumento negocial sem afronta diretamente aos princípios da hierarquia e disciplina, constituintes da índole processual do rito castrense.

Ao dimensionar os requisitos do benefício (necessidade e suficiência), Bizzotto[77] consubstancia-os como critérios moderadores para a fixação de determinada medida penal, levando-se ainda em consideração a própria exequibilidade do acordo, fatores estes, também observados no presente caso.

Neves e Streifinger[78] inclinam-se pela atipicidade da conduta quando praticada na modalidade culposa, devendo esta, segundo os autores, ser tratada somente nas esferas cível e disciplinar; posição, todavia, minoritária.[79]

Dessa maneira, o mecanismo alternativo adotado como resposta ao conflito penal estudado mostrou ser medida adequada ante a necessária reprovação na esfera criminal, e também, proporcional ao grau de ofensividade causado ao bem jurídico tutelado.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Certamente o mecanismo consensual do acordo de não persecução penal introduzido pela Lei nº 13.964/2019, é mais uma oportunidade para a ressignificação do sistema criminal militar, todavia, a ausência de previsão legal na órbita da jurisdição castrense deu azo aos divergentes posicionamentos.

Nesse contexto, a atuação da Vara da Justiça Militar Estadual do Paraná permitiu explorar e compreender aspectos justificadores da aplicação do instrumento, através dos motivos voltados à política-criminal; nuances da tutela da lei penal militar; e, ainda, repercussões no âmbito interno da Corporação Policial Militar Paranaense.

Ao final, com base no estudo de caso abordado, verificou-se que a finalidade da avença restou suficientemente demonstrada, com a otimização dos recursos da justiça através da abreviação da persecução penal, e a pronta responsabilização do investigado, mediante o cumprimento das condições acordadas com o Ministério Público.

Além disso, o resultado do acordo foi eficiente e efetivo ao titular do bem jurídico ofendido, e cujo proveito foi adquirido em benefício da sociedade, através da prestação pecuniária à entidade pública ou de interesse social, sem prejuízo de outras condições que poderiam também ser ajustadas, como a prestação de serviços comunitários.

E mais, a opção pela via consensual afastou os inúmeros efeitos deletérios e estigmatizantes do processo criminal e de eventual sentença condenatória em face do indiciado. Evitaram-se as diversas repercussões negativas que incidiriam na carreira do militar, sem impedimento à concomitante responsabilização administrativa disciplinar pela conduta praticada, em razão da independência das esferas.

Por esses motivos, não obstante os argumentos a contrario sensu do cabimento do instituto jurídico na via da Justiça Militar, evidenciou-se que o acordo de não persecução penal, enquanto medida alternativa para a resolução de conflitos nos limites do art. 28-A do CPP, permitiu a maximização de ganhos no palco da persecução criminal, sem conflitar com o necessário rigor do regime jurídico atribuído à esta especial categoria.

Frisa-se que a abordagem deste estudo se restringiu às circunstâncias do caso em concreto, sem vincular ou prescindir da interpretação e decisões proferidas anteriormente ao advento do Pacote Anticrime ou subsequentes à alteração legislativa.

Outrossim, por estar inserida no campo de discricionariedade regrada do órgão ministerial, quando a opção consensual não se mostrar necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, ou que haja risco aos valores estruturantes impostos aos militares, esta não deverá figurar como o instrumento adequado.

            Certamente esse relevante tema continuará no centro de debates. No entanto, à luz dos fundamentos e observações delineadas, verifica-se existirem, por ora, razões convincentes para considerar a aplicação do instrumento negocial como um dos caminhos consensuais pelos quais a jurisdição militar poderá trilhar, sem desatender seu importante escopo norteador.

 REFERÊNCIAS

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NOTAS:

VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2015.

[1]1º Tenente da Polícia Militar do Estado do Paraná. Bacharel no Curso de Formação de Oficiais Policiais-Militares, pela Escola Superior de Segurança Pública. Graduada no Curso de Direito da Universidade Federal do Paraná. Pós-graduada no Curso de Gestão em Segurança Pública, pela Faculdade Unyleya.

[2]        BRANDALIZE, Rodrigo da Silva. Justiça penal negociada: negociação de sentença criminal e princípios processuais relevantes. Curitiba: Juruá, 2016, p. 20.

[3]        Ibid, p. 19.

[4]        Cf. BRASIL, 1941. Art. 28-A, III, §2.

[5]        Alguns conceitos civilistas são trazidos ao analisar a tônica do instrumento de negociação. Conforme se dedicam os autores Alexandre, Luísa e André ao compreenderem a mesma lógica negocial dos contratos, (planos da existência, validade e eficácia), oriundos do Código Civil, deduzem que o ANPP também pode se tratar de um negócio jurídico. Cf. ROSA, Alexandre Morais da. ROSA, Luisa Walter da. BERMUDEZ, André Luiz. 2021.

[6]        Ibid. p. 27-28.

[7]        SILVA, Marcelo Oliveira da. O Acordo de Não Persecução Penal. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 261-285, set./dez. 2020. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista_v22_n3/revista_v22_n3_261.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2021.

[8]        CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira, 2021, p. 89.

[9]        ROTH, Ronaldo João. A inovação do acordo de não persecução penal e sua incidência aos crimes militares. Observatório da Justiça Militar Estadual, Belo Horizonte, 26 abr. 2020b. Disponível em: <https://www.observatoriodajusticamilitar.info/single-post/2020/04/26/a-inova%C3%A7%C3%A3o-do-acordo-de-n%C3%A3o-persecu%C3%A7%C3%A3o-penal-e-sua-incid%C3%AAncia-aos-crimes-militares>. Acesso em: 20 jun. 2021.

[10]       ASSIS, Jorge César de. O acordo de não persecução penal, sua evolução a partir de Resolução do CNMP, e sua possibilidade de aplicação na Justiça Militar. Jus Militaris. Curitiba, 27 jan. 2020. Disponível em: <https://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/ANPP_E_JUSTI%C3%87A_MILITAR.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2021.

[11]       FOUREAUX, Rodrigo. O acordo de não persecução penal na Justiça Militar. Observatório da Justiça Militar Estadual, Belo Horizonte, 29 jan. 2020. Disponível em: <https://www.observatoriodajusticamilitar.info/single-post/2020/01/29/o-acordo-de-não-persecução-penal-na-justiça-militar>. Acesso em: 25 ago. 2021.

[12]       ROTH. Ronaldo João, 2020b, passim.

[13]       Art. 3º: Os casos omissos neste Código serão supridos: a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto, sem prejuízo da índole do processo penal militar. (grifo nosso). Cf. BRASIL. Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 21 out. 1969b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1002.htm>. Acesso em: 1 jun. 2021.

[14]       Segundo Rodrigo Foureaux (op. cit.): “a índole do processo penal militar refere-se à essência, às qualidades e características específicas do processo penal de natureza militar, que não pode ser alterada, deturpada, modificada em caso de aplicação das regras do processo penal de natureza comum” (grifo nosso). Neste aspecto, Jorge César de Assis apud Foureaux diz: “Portanto, tem-se que a índole do processo penal militar é preservada quando valores inerentes às instituições militares, bem como as prerrogativas, direitos e deveres dos militares são observados ao se aplicar a legislação processual penal comum” (p. única).

[15]       ROTH, Ronaldo João. A inaplicabilidade da inovação do acordo de não persecução penal aos crimes militares. In: ______ (Coord.). Acordo de Não Persecução Penal: Estudos no Processo Penal Comum e Militar. São Paulo: Dia a Dia Forense, 2020a. p. 32 e 33.

[16]       FOUREAUX, Rodrigo, 2020.

[17]       SÃO PAULO. Tribunal de Justiça Militar. HC: Habeas Corpus 0900218-24.2020.9.26.0000 SP. Relatoria: Min. José Coêlho Ferreira, 15 set. 2020. Diário da Justiça Militar do Estado de São Paulo (DJMSP). São Paulo, 2020. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/317440640/djmsp-18-09-2020-pg-1>. Acesso em: 2 jul. 2021.

[18]       BRASIL. Superior Tribunal Militar (Pleno). HC: Habeas Corpus 7000374-06.2020.7.00,0000 RJ. Relatoria: Min. José Coêlho Ferreira, 26 ago. 2020. Justiça Militar da União. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <https://stm.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/926703503/habeas-corpus-hc-70003740620207000000/inteiro-teor-926703514?ref=serp>. Acesso em: 2 jul. 2021.

[19]       BRASIL. Superior Tribunal Militar. HC: Habeas Corpus 7000027-36.2021.7.00.0000 RS. HABEAS CORPUS. DPU. Relatoria: Min. Francisco Joseli Parente Camelo, 21 maio 2021. Justiça Militar da União. Bagé, Rio Grande do Sul, 2021. Disponível em: <https://stm.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1221596717/habeas-corpus-hc-70000273620217000000/inteiro-teor-1221596728>. Acesso em: 12 set. 2021.

[20]       FOUREAUX, Rodrigo, 2020.

[21]    Brasil. Supremo Tribunal Federal. (2 turma). RHC: Recurso em Habeas Corpus nº 74606. RECURSO EM HABEAS CORPUS. Relatoria: Min. Maurício Corrêa, 8 de abril de 1997. Supremo Tribunal Federal. Mato Grosso do Sul, 1997. Disponível em:<https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&pesquisa_inteiro_teor=false&sinonimo=true&plural=true&radicais=false&buscaExata=true&page=1&pageSize=10&queryString=RHC%2074606&sort=_score&sortBy=desc.>. Acesso em: 24 mar. 2022.

[22]       FOUREAUX, Rodrigo, 2020.

[23]       CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira, 2021, p. 231.

[24]       MARTINS, Eliezer Pereira. Acordo de Não Persecução Penal na Jurisdição Criminal Militar: Cabimento e benefícios para a hierarquia e disciplina no Direito Penal orientado pelas consequências e a superação do paradoxo do summum ius, summa iniuria na justiça castrense. In: ROTH, Ronaldo João. (Coord.). 2020a, p. 105.

[25]       SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Criminal APR 0000581-63.2018.8.24.0091 SC. APELAÇÃO CRIMINAL. Relator D. Sérgio Rizelo, 16 jun. 2020. Segunda Câmara Criminal. Santa Catarina, 2020. Disponível em: <https://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1105743815/apelacao-criminal-apr-5816320188240091-capital-0000581-6320188240091/inteiro-teor-1105743893?ref=feed>. Acesso em: 15 set. 2021.

[26]       LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 217.

[27]       FOUREAUX, Rodrigo, 2020.

[28]       BIZZOTTO, Alexandre; SILVA, Denival Francisco. 2020, p. 82.

[29]       ONO, Sylvia Helena. O Direito subjetivo do infrator ao acordo de não persecução penal nos crimes comuns e nos crimes militares e suas consequências processuais. In: ROTH, Ronaldo João. (Coord.). 2020a, p. 124.

[30]       ASSIS, Jorge César de. 2020.

[31]    Ibid.

[32]     4ª PJM Rio de Janeiro celebra acordo de não persecução penal com investigado militar. Ministério Público Militar, Brasília, DF, 21 jul. 2021. Disponível em: <https://www.mpm.mp.br/4a-pjm-rio-de-janeiro-celebra-acordo-de-nao-persecucao-penal-com-investigado-militar/>. Acesso em: 21 ago. 2021.

[33]       ASSIS, Jorge César de. O acordo de não persecução penal e o Ministério Público Militar. Jusbrasil. 16 out. 2019. Disponível em: <https://j1c2a3.jusbrasil.com.br/artigos/769604349/o-acordo-de-nao-persecucaopenal-e-o-ministerio-publico-militar>. Acesso em: 12 mar. 2021.Segundo o autor Jorge Cesar de Assis é possível verificar a homologação de acordos pela Vara de Direito Militar do Estado de Santa Catarina.

[34]       MPMT celebra 1º acordo de não persecução penal na Justiça Militar. CircuitoMT, Cuiabá, 4 out. 2019. Disponível em: <http://circuitomt.com.br/editorias/juridico/145932-mpmt-celebra-1-acordo-de-nao-persecucao-penal-na-justica-militar.html>. Acesso em: 21 ago. 2021.

[35]       Registros obtidos junto ao sistema de Processo Eletrônico do Judiciário do Paraná – TJPR (PROJUDI) pertinentes aos acordos homologados na Vara da Justiça Militar Estadual do Paraná.

[36]       MOREIRA, Jeferson. Aplicabilidade da lei 9.099/95 aos crimes militares impróprios. Jusbrasil. 24 maio 2016. Disponível em: <https://jeffersonmoreirarocha.jusbrasil.com.br/artigos/341125922/aplicabilidade-da-lei-9099-95-aos-crimes-militares-improprios>. Acesso em: 5 set. 2021.

[37]       Ibid.

[38]    ASSIS, Jorge César de. 2020.

[39] Referenciam-se os Autos nº 773-53.2021.8.16.0013; nº 19071-30.2020.8.16.0013; nº 5171-          77.2020.8.16.0013; nº 13627-16.2020.8.16.0013; nº 11191-84.2020.8.16.0013; e nº 13143-35.2019.8.16.0013, dentre outros com trâmite na Vara da Justiça Militar Estadual do Paraná.

[40]       CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira, 2020, p. 87.

[41]       Ibid. Conforme leciona o Professor Cabral: “O Ministério Público ao abrir mão da persecução penal, realiza uma eleição de prioridades, ou seja, estará priorizando a persecução penal em juízo dos crimes mais graves” p. 89.

[42]     Ibid.

[43]       Art. 44: As penas restritivas de direito são autônomas e substituem as penas de liberdade quando: I – Aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (…). Cf. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União: Rio de Janeiro, 7 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 15 set. 2021.

[44]       MARTINS, Eliezer Pereira. 2020, p. 86.

[45]       ROTH, Ronaldo João. Os delitos militares por extensão e a nova competência da justiça militar (Lei 13.491/17). Revista da Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais, ano 10, n. 126, set./dez. 2017. Disponível em: <https://dspace.stm.jus.br/bitstream/handle/123456789/131917/OS%20DELITOS%20MILITARES%20POR%20EXTENS%C3%83O.pdf?sequence=6&isAllowed=y>. Acesso em: 15 set. 2021.

[46]     Os dados foram disponibilizados pela Corregedoria-Geral da PMPR, através do Sistema de Controle Processual – SISCOGER, conforme Termo de Responsabilidade de Acessos a Sistemas para Pesquisa Acadêmica, bem como Informativo Estatístico nº 006/2022.

[47]       PARANÁ. Resolução nº 3.237, de 28 de junho de 2021. Define e consolida, em âmbito estadual, as atribuições do Ministério Público do Paraná em primeiro grau, na investigação, processo e julgamento dos crimes militares ou cometidos por militares, na realização de visitas de inspeção nas carceragens de unidades militares e nas visitas de controle externo da atividade policial judiciária militar. Diário Oficial: Poder executivo, 28 jun. 2021. Disponível em: <https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/1843_3237-21-Crimes_Militares_ambito_Estadual.pdf>. Acesso em: 20 set. 2021.

[48]       PARANÁ, 2021, passim.

[49]      MARTINS, 2020, p. 90.

[50]      ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Tradução Luís Greco. Renovar. Rio de Janeiro, 2006. p. 35.

[51]      BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O rendimento da teoria do bem jurídico no direito penal atual. Revista Liberdade, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 1, p. 16-29, maio/ago. 2009. Disponível em: <https://www.ibccrim.org.br/media/posts/arquivos/1/artigo1.pdf> Acesso em: 20 set. 2021.

[52]      ROCHA, Fernando Galvão da. Incompreensão sobre o bem jurídico tutelado nos crimes militares. Empório do direito, São Paulo, 27 nov. 2017. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/incompreensao-sobre-o-bem-juridico-tutelado-nos-crimes-militares-por-fernando-a-n-galvao-da-rocha>. Acesso em: 20 set. 2021.

[53]       ONO, Sylvia Helena. 2020, p. 143.

[54]       BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1 turma). HC: Habeas Corpus 92.634 PE. HABEAS CORPUS. Relatoria: Min. Cármen Lúcia, 27 nov. 2007. Lex: Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de Pernambuco. Pernambuco, v. 30, n. 353, p. 489-498, 2008.

[55]       ONO, Sylvia Helena. 2020, p. 143.

[56]       NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de Direito Penal Militar: volume único. 5. ed. Salvador: JusPodivm. 2021, p. 62.

[57]       NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Militar comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 16.

[58]       Cf. CNMP, 2017, Art. 18: (…) § 12 As disposições deste Capítulo não se aplicam aos delitos cometidos por militares que afetem a hierarquia e a disciplina.

[59]       BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1 turma). HC: Habeas Corpus 148.391 PR. Relatoria: Min. Luiz Fux, 23 fev. 2018. Supremo Tribunal Federal. Paraná, 2018. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/768115501/agreg-no-habeas-corpus-agr-hc-148391-pr-parana-0010948-1920171000000/inteiro-teor-768115511>. Acesso em: 20 set. 2021.

[60]       Ibid., Art. 14, §2: As responsabilidades nas esferas cível, criminal e administrativa são independentes entre si e podem ser apuradas concomitantemente.

[61]       BRASIL. Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002. Aprova o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1. Brasília, DF, p. 5-13, 27 ago. 2002.

[62]       MEIRELLES, Hely Lopes; FILHO, José Emmanuel Burle. Direito administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016. p. 147 e 614.

[63]       Ibid. p. 145-146.

[64]      MARTINS, Eliezer Pereira. 2020, p. 93.

[65]    À luz dos dispositivos constitucionais do §4º do art.125 e 142, incisos VI e VII da CF –, senão mesmo de outras circunstâncias específicas, como as previstas no art. 98 do Diploma Penal Castrense.

[66]       PARANÁ. Lei nº 16.544, de 14 de julho de 2010. Processo Disciplinar da PMPR – Dispõe que o processo disciplinar, na Polícia Militar do Estado do Paraná (PMPR), será regulado na forma que especifica e adota outras providências. Diário Oficial: Poder executivo, n. 8262, p. 4, 14 jul. 2010. (…) Art. 5º. Será submetido a processo disciplinar o militar estadual que: (…) V – for condenado por crime de natureza dolosa a pena privativa de liberdade superior a dois anos, com trânsito em julgado (…).

[67]       O termo sub judice encontra disposição tanto na Lei de Promoção de Oficiais, (Lei n° 5.944, de 21 de maio de 1969) em seu art. 41, inciso VIII, como na Lei de Promoção de Praças (Lei n° 5.940, de 8 de maio de 1969), art. 39, inciso VII: “estar sub judice, por responder a processo criminal comum ou militar, por ato de improbidade administrativa, ou ter contra si qualquer tipo de prisão provisória, em razão de crimes dolosos em geral, que atentem contra os valores éticos e morais da Corporação ou que afetem a honra militar, o pundonor militar ou o decoro da classe, competindo exclusivamente à Comissão de Promoções de Praças, obedecidos aos critérios a serem estabelecidos por ato do Comandante-Geral, proceder à avaliação do caso concreto, manifestando-se, mediante decisão fundamentada irrecorrível, sobre a incidência ou não das referidas restrições quanto à exclusão da praça do quadro de acesso. (…)” .

[68]       PARANÁ. Lei nº 5.940, de 08 de maio de 1969 (Lei de Promoções de Praças). Estabelece os princípios, requisitos e processamento, para promoções de Praças de Pré da Polícia Militar do Estado. Diário Oficial: Poder executivo, 8 maio 1969ª. PARANÁ. Lei n° 5.944, de 21 de maio de 1969 (Lei de Promoção de Oficiais). Estabelece princípios, requisitos e processamento para promoções de Oficiais da Polícia Militar do Estado. Alterada pela Lei nº 18.659, de 22 de dezembro de 2015, e Lei Estadual n° 5.940, de 8 de maio de 1969 (Lei de Promoções de Praças), alterada pela Lei Estadual n° 15.946, de 9 de setembro de 2008. Diário Oficial: Poder executivo, 21 maio 1969b.

[69]       Estes critérios são regulados internamente, por intermédios das Portarias do Comando-Geral nº 769, de 1° de novembro de 2011 e nº 505, de 29 de abril de 2009, e estabelecem os procedimentos a serem adotados quando formalmente citados do recebimento de denúncia ou queixa em seu desfavor, sob pena de responsabilização disciplinar.

[70]       Cf. BRASIL, 1941, Art. 28-A, § 2º, III.

[71]    Segundo Célio Lobão apud Neves e Streifinger: “Os bens protegidos são combustível, armamento, munição, peças de navio, de avião, de engenho de guerra motomecanizado, todos, evidentemente, integrando o patrimônio militar federal ou sob essa administração. Caracteriza-se o delito independentemente do local onde se encontrem. Integram o patrimônio da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militares ou estão sob administração dessas instituições militares estaduais, o combustível, o armamento, a munição, a peça de embarcação, de aeronave, excluindo-se o engenho de guerra motomecanizado, que é privativo das Forças Armadas.” NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. 2021, p. 1.516

[72]     Os dados foram disponibilizados pela Corregedoria-Geral da PMPR, através do Sistema de Controle Processual – SISCOGER, conforme Termo de Responsabilidade de Acessos a Sistemas para Pesquisa Acadêmica, bem como Informativo Estatístico nº 006/2022.

[73]       Autos do Inquérito Policial Militar registrado sob o nº 0000987-44.2021.8.16.0013, tramitado na Vara da Justiça Militar Estadual do Paraná, conforme informações disponibilizadas através do sítio eletrônico do PROJUDI/TJPR.

[74]       Segundo Nucci (2021, p. 63) “são próprios os crimes que exigem sujeito ativo especial ou qualificado, isto é, somente podem ser praticados por determinadas pessoas. É exatamente o caso da maior parte dos crimes militares, que exigem a qualidade de militar (da ativa, da reserva ou reformado, dependendo do caso) para figurar como agente”.

[75]       Tal acepção corrobora a tese defendida pelos Magistrados Ronaldo Roth e Fernando A. N. Galvão da Rocha, segundo a qual, a lógica da tutela penal militar não estaria restrita à proteção dos princípios da hierarquia e disciplina militares.

[76]     NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. 2021, p. 1.516.

[77]       BIZZOTTO, Alexandre; SILVA, Denival Francisco, 2020. p. 61.

[78]       NEVES, Cícero Robson Coimbra, STREIFINGER, Marcello, 2021, p. 1.516.

[79]       PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR – Apelação Crime: ACR 5129777 PR 0512977-7. Relatoria: Min. Luiz Osorio Moraes Panza, 04 de dezembro de 2008. 1ª Câmara Criminal. Paraná, 2008. Disponível em https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6178763/apelacao-crime-acr-5129777-pr-0512977-7 Acesso em: 2 dez. 2021.

Palavras Chaves

acordo de não persecução penal; justiça militar estadual; delito militar de extravio de materiais bélicos.