ALIMENTOS GRAVÍDICOS NAS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS FEMININAS

Resumo

O presente trabalho visa esmiuçar a aplicação da Lei de alimentos gravídicos (Lei nº 11.804/2008) nas hipóteses de União estável homoafetiva feminina, com escopo no projeto de dupla maternidade, tendo como resultado a gravidez.

Busca a análise assertiva quando, após a concepção ou até mesmo o nascimento da prole, incorra em arrependimento do desejo de maternidade unilateral pela companheira não grávida e a sua escusa no dever de sustento da gestação.

Tem como objetivo a vinculação e fixação dos alimentos gravídicos à ex-companheira grávida, com o reconhecimento da união estável homoafetiva e o exercício da parentalidade não sanguínea.

Através da produção de provas, reconhecimento de união estável e, por fim, o reconhecimento da dupla maternidade e do dever de sustento com a aquisição de direito de possuir a dupla maternidade em certidão.

Artigo

ALIMENTOS GRAVÍDICOS NAS RELAÇÕES HOMOAFETIVAS FEMININAS

 

Thaís Christine Lopes de Lima[1]

Denise Borges Cintra[2]

RESUMO

O presente trabalho visa esmiuçar a aplicação da Lei de alimentos gravídicos (Lei nº 11.804/2008) nas hipóteses de União estável homoafetiva feminina, com escopo no projeto de dupla maternidade, tendo como resultado a gravidez.

Busca a análise assertiva quando, após a concepção ou até mesmo o nascimento da prole, incorra em arrependimento do desejo de maternidade unilateral pela companheira não grávida e a sua escusa no dever de sustento da gestação.

Tem como objetivo a vinculação e fixação dos alimentos gravídicos à ex-companheira grávida, com o reconhecimento da união estável homoafetiva e o exercício da parentalidade não sanguínea.

Através da produção de provas, reconhecimento de união estável e, por fim, o reconhecimento da dupla maternidade e do dever de sustento com a aquisição de direito de possuir a dupla maternidade em certidão.

Palavras-chave: União estável homoafetiva feminina; União estável; Gestação por homoafetivas; Relações homoafetivas feminina; Alimentos gravídicos; Dupla maternidade; Direito de Família; Direito de Família Contemporâneo; Abandono do projeto parental.

Introdução

Observamos atualmente a evolução do conceito de família frente aos vários arranjos familiares existentes, tais como a família nuclear, monoparental, de multiparentalidade adotiva, homoafetiva, entre outras que, apesar das divergentes peculiaridades, ambas possuem o mesmo escopo: o afeto.

Partindo-se do princípio que o vínculo afetivo é o basilar para a nova organização familiar, trataremos, em especial, das famílias homoafetivas femininas e sua estruturação e conquistas, tal qual o próprio reconhecimento de sua união.

União Homoafetiva: Seu Reconhecimento Como Estrutura Familiar

A regularização[3] dessas uniões acarretou no reconhecimento legal da união estável homoafetiva e, por conseguinte, endossou suas garantias conferindo aos homossexuais os direitos legais estabelecidos.

Ademais, a Corte reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, sujeita as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva.

Tamanha a repercussão da matéria julgada e a importância do tema que fez-se necessária a inclusão por equiparação às garantias expostas a Constituição Federal e no Código Civil, porquanto, não havia até então, qualquer menção às relações agora reconhecidas.

 Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal tomou como premissa a interpretação conforme a CF/88 ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 (CC/02) em que “o sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica”.

Contudo, embora o art. 1.723 do CC/02 que descreve a “união estável entre homem e mulher” não tenha sido modificado, o próprio Supremo afastou a vedação discriminatória entre as uniões alegando como fundamento o “direito à busca da felicidade”, reconhecendo e aplicando, claramente, a equidade entre as relações.

Como em toda conquista, os direitos sempre vêm acompanhados de deveres e, na mesma toada em que nasceu o reconhecimento das uniões homoafetivas para constituição familiar e o reconhecimento da união estável e até mesmo do casamento, surgiu ainda o direito à prole, mediante adoção ou inseminação artificial, além do reconhecimento da dupla paternidade ou maternidade na certidão.

Com a dupla paternidade e maternidade em decorrência do reconhecimento da relação homoafetiva, por serem assuntos ainda muito recentes, por óbvio foram aparecendo lacunas legais que precisavam ser desmistificadas pelo judiciário em consonância com cada caso específico.

Mas o que mais chamou atenção são as hipóteses de desistência da maternidade ou paternidade no decorrer de uma gestação, quando há, por exemplo, o “arrependimento” de concepção da prole. Como ficam os direitos dessa prole?

Quando falamos em relação homoafetiva masculina, ainda podemos supor que exista material genético que vincule àquele homem ao direito de alimentar/cuidar e prover aquela criança, mas, e quando falamos em relação homoafetiva femina, onde o único material genético utilizado na geração da prole é o da mãe que está carregando em seu ventre a criança?

Como comprovar a vontade mútua de gerar a criança? E como trazer a responsabilidade e vinculação da outra mulher – até então integrante da união – ao sustento e reconhecimento do feto enquanto está sendo gerado (alimentos gravídicos)?

Diante desse impasse, passaremos a analisar as especificidades do tema e como os Tribunais vem se posicionando.

 

O que são considerados alimentos

Primeiramente, analisaremos o que são considerados alimentos na acepção jurídica do termo.

Os alimentos são a reunião das obrigações para com a prole – após o nascimento e, enquanto no período gestacional – o dever de alimentos é para com a gestante.

Quando dos alimentos direcionados à prole, ou seja, após o nascimento da criança, a obrigação é de subsistência mínima, não só os alimentos in natura, mas também o vestuário, educação, lazer, saúde e tudo o mais indispensável ao sustento mínimo do incapaz, proporcionando todas as garantias para manutenção de sua dignidade.

Assim a fixação dos alimentos visa suprir a necessidade mínimas daquele que os pleiteia (alimentado) diante de sua incapacidade temporária ou total de prover o seu próprio sustento.

Os alimentos são regidos pela Lei nº.: 5.478/68, de caráter personalíssimo e dotados de critérios tais quais a irrenunciabilidade, a reciprocidade, a impenhorabilidade, a imprescritibilidade, a irredutibilidade, a irretroatividade e a periodicidade.

Enquanto que os alimentos enquanto gestacionais (lei nº11.804/2008) – mais conhecidos como gravídicos, são entendidos como suplementos gestacionais e estão vinculados ao dispêndio com a gestação inclinados aos exames clínicos, vitaminas pré-natais e demais outros gastos indispensáveis à gestação, conforme será verificado adiante.

Diante dessa similaridade processual e até confusão de legitimação ao pleito alimentar, passou-se a fazer uma interpretação mais abrangente relativa à legitimidade ativa.

Há quem defenda que o nascituro possui personalidade jurídica e pode tutelar se próprio direito sendo a gestante meramente representante de seus interesses pois a Lei é para proteger o nascituro.

Por essa razão, cada vez mais os entendimentos vem se ampliando para garantir a celeridade processual e abranger todos os ato realizados até então, de forma que já vem sendo admitido a transmutação da lide prioritariamente gravídica em ação de alimentos definitivos, substituindo-se processualmente as partes – numa condição meramente pro forma.

 

Do dever dos alimentos

Pra possuir legitimidade ativa e pleitear os alimentos na forma gravídica, a genitora precisa comprovar sua condição de gestante, os dispêndios gestacionais e apresentar quem deve arcar com os alimentos (genitor da prole), ou seja, quem doou material genético para concepção daquela criança.

E quando essa condição provém de uma relação homoafetiva feminina onde não há condução genética de uma das mães?

Indubitável, primeiramente, relembrar a proveniência do dever de alimentos.

Os alimentos são devidos em decorrência do poder familiar, da relação de parentesco, em decorrência do dever de assistência mútua e a relação de reciprocidade entre pais, além de ser a obrigação alimentar também proveniente do casamento e da união estável.

Logo o dever de sustento cabe primordialmente aos pais em relação aos filhos menores para garantir sua subsistência preservando sua dignidade humana. O deve de sustento tem presunção absoluta pois se presume sua necessidade e dispensa provas.

Já a obrigação de prestar alimentos está vinculada ao direito de assistência familiar e ao princípio da solidariedade, tem presunção relativa pois há a necessidade de comprovar sua necessidade e a possibilidade do réu.

 

Dos subsídios gestacionais

Os alimentos podem ser classificados quanto a sua finalidade nas seguintes espécies: alimentos provisionais, alimentos provisórios, alimentos definitivos e alimentos gravídicos (ou subsídios gestacionais).

Os alimentos gravídicos foram introduzidos na ordem jurídica pela Lei 11.804/2008 onde por meio desta se verificou uma maior assistência à mulher grávida impondo ao genitor a prestação de alimentos para a garantia de uma gestação saudável.

Passados 13 anos de sua publicação pouco se tem visto sua aplicação no cenário jurídico e sobretudo às relações homoafetivas femininas, fez necessária sua adequação no tempo.

A finalidade dos alimentos gravídicos é para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Para a fixação dos alimentos gravídicos – diferente dos alimentos à prole – não há análise do poder econômico daquele que os custeará, levando em consideração os dispêndios médios exercidos pela gestante, desde que indispensáveis a manutenção da gestação.

 Critério de fixação dos subsídios gestacionais nas relações homoafetivas – intenção como meio de reconhecimento da parentalidade

Quando tratamos de relações heteroafetivas, basta trazer aos autos indícios da relação e para que o juiz convencido da paternidade fixe alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança.

No entanto, conforme acima esmiuçado, na condição de relações homoafetivas femininas não há qualquer prova genética que as vincule ou as vinculará à prole, de forma que a análise do magistrado para fins de fixação dos alimentos será minuciosa e versará acerca da intenção de gerar a criança, de construir a família, da publicidade da união.

Conforme preceitua a lei, são levados em consideração os indícios de paternidade não sendo necessária a comprovação definitiva da paternidade/parentalidade, a comprovação de vínculo matrimonial e nem da existência duradoura, os alimentos gravídicos são devidos independentemente da existência de casamentos e uniões estáveis.

Nos termos do artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) em 20/10/2020, Conrado Paulino da Rosa é citado por exemplificar provas e indícios considerados para fixação dos referidos alimentos “Assim, atentos as influências das novas tecnologias em nosso dia a dia em que os encontros amorosos (ou simplesmente sexuais) são combinados por e-mail, Facebook, mensagens de texto ou whatsApp, esses dados serão essenciais para o atendimento desse requisito.”.

Utilizando desse paradigma, nos novos arranjos familiares não há mais que se fazer a distinção entre pai e mãe, homem e mulher pois, o que prevalece são os princípios da afetividade e da dignidade humana, razão disso não poder ter mais distinção entre os casais homoafetivos que desejarem formarem família protegendo seus filhos com os mesmos direitos dos filhos concebidos de uma relação heteroafetiva.

Assim como nas relações contemporâneas, nas homoafetivas femininas em que se estabelece a intenção de gerar um filho e, após a concepção e a gravidez de uma delas a outra opta por “desistir” da gestação, haverá o dever de custeio dos alimentos.

Portanto, nasce para a gestante o direito de pleitear de sua ex-companheira os alimentos gravídicos.

Embora a lei de alimentos gravídicos indique um gênero – masculino – para fins de custeios gestacionais, imprescindível que haja a analogia aos gêneros diante dos avanços e reconhecimentos da sociedade de fato, de forma que permita a aplicação por equiparação às relações homoafetivas, considerando que estão devidamente amparadas nos princípios da afetividade e dignidade da pessoa humana.

 

Conclusão

Com o avançar dos tempos, se mostra cada vez mais necessária a adequação e reequilíbrio nas relações através de leis mais abrangentes e inclusivas para que haja estabilização nas relações.

Diante dos diversos escopos familiares endossados e reconhecidos, há cada vez mais necessidade de adequação das leis para maior abrangência da sociedade, de forma que ampare as diversas relações existentes trazendo garantia igualitária às novas famílias.

A garantia dos subsídios gestacionais deve não só ser garantido à gestante e convertidos à prole, mas também deve ter por objetivo a vinculação e responsabilização daquele que proferiu intenção ao deslinde do resultado.

Referências Bibliográficas:

1   GARCIA, Felícia Zuardi Spinola. A evolução das famílias e a condução de seus conflitos: novos desafios para a sociedade. Disponível em:

https://ibdfam.org.br/artigos/1273/A+evolu%C3%A7%C3%A3o+do+direito+das+fam%C3%ADlias+e+da+condu%C3%A7%C3%A3o+de+seus+conflitos:+novos+desafios+para+a+sociedade. Acesso em 28/03/2021

2   PEREIRA, Rodrigo da Cunha e Dias, Maria Berenice, Direito de Família e o Novo Código Civil, 3aed. Atual e ampl., Belo Horizonte, 2003.

3   COSTA, Hélio de Sousa; FILHO, Francisco Edilson Loiola. A união homoafetiva e sua regulamentação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4361, 10 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39874. Acesso em: 28 mar. 2021.

4   CONTARINI, Gabriel Gomes. Dez anos do julgamento da ADPF 132 e ADI 4277. Como anda a aplicação do direito à busca da felicidade no direito de família pelo STF ? publicado no site do IBDFAM em 23/03/2021. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1668/Dez+anos+do+julgamento+conjunto+da+ADPF+132+e+ADI+4277.+Como+anda+a+aplica%C3%A7%C3%A3o+do+direito+%C3%A0+busca+da+felicidade+no+direito+de+fam%C3%ADlia+pelo+STF%3F. Acesso em 28/03/2021

5   Notícias do STF. Disponível em:

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=398482. Acesso em 28/03/2021.

6  CASTRO, Marilene Santos. O Instituto dos alimentos no ordenamento jurídico pátrio e o cabimento da prestação alimentar aos filhos que atingiram a maioridade civil. publicado no site Âmbito Jurídico publicado em 01/05/2020. Disponível em : https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-de-familia/o-instituto-dos-alimentos-no-ordenamento-juridico-patrio-e-o-cabimento-da-prestacao-alimentar-aos-filhos-que-atingiram-a-maioridade-civil/ Acesso em30/03/2021

7  SAID CAHALI, Yussef. Dos alimentos. 6aedição, ver, atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

8  REBUZZI, Tatiana Coimbra. Análise crítica da lei de alimentos gravídicos e sua aplicação nas relações homoafetivas. Monografia EMERJ/2007

9 SANTOS, Danielle. Alimentos gravídicos. Publicado no site do IBDFAM em 20/10/2020.

Disponível

https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1581/Alimentos+grav%C3%ADdicos#:~:text=Os%20alimentos%20grav%C3%ADdicos%20permanecem%20at%C3%A9,caso%20de%20negativa%20de%20paternidade. Acesso em 20/03/2021

10 Site Migalhas, notícia vinculada em 19/11/2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/336634/mulher-que-terminou-namoro-pagara-auxilio-durante-gravidez-de-ex-companheira. Acesso em 15/04/2021

NOTAS:

[1] Advogada, pós-graduada em Direito Civil e Empresarial, Direito Imobiliário. Membro da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da ABA/RJ. Mentora no Projeto de Mentoria da OAB/RJ

[2] Advogada, Mentorada do Projeto de Mentoria da OAB/RJ.

[3] Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277/DF ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR) e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ proposta pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro – julgados em Maio de 2011.

Palavras Chaves

União estável homoafetiva feminina; União estável; Gestação por homoafetivas; Relações homoafetivas feminina; Alimentos gravídicos; Dupla maternidade; Direito de Família; Direito de Família Contemporâneo; Abandono do projeto parental.