ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SOB A PERSPECTVA DA GESTÃO INTEGRAL DO RISCO

Resumo

A atenção mundial tem se voltado para a gestão e redução do risco de desastres socionaturais, sendo que a legislação desempenha um papel muito importante nessa temática. No Brasil, em 2012, após o megadesastre da região serrana do Estado do Rio de Janeiro, foi editada a Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Em 2022, o Estado do Rio de Janeiro editou a Lei Estadual nº 9.688, de 18 de maio de 2022, que trata do Plano Integrado de Gestão de Riscos e Desastres do Estado do Rio de Janeiro, e a Lei Estadual nº 9.606, de 22 de março de 2022, que autoriza o Poder Executivo a instituir o Sistema Estadual para Emergências de Acidentes Ambientais e Iminências à Desastres que envolvam o ambiente (SEEAID). Assim, este artigo tem como objetivo realizar uma análise comparativa dos principais pontos de cada Lei sob uma perspectiva da gestão integral do risco, com ênfase nas ações legais de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Espera-se que esse trabalho possa contribuir para uma articulação entre os atores sociais envolvidos na redução do risco de desastres.

Abstract

Worldwide attention has turned to the management and reduction of the risk of socionatural disasters, and legislation plays a very important role in this area. In Brazil, in 2012, after the megadisaster in the mountainous region of the State of Rio de Janeiro, the Federal Law No. 12,608 of April 10th, 2012, was enacted, which established the National Policy for Protection and Civil Defense. In 2022, the State of Rio de Janeiro enacted State Law No. 9,688, of May 18, 2022, which deals with the Integrated Risk and Disaster Management Plan of the State of Rio de Janeiro, and State Law No. 9,606, of 22 of March 2022, which authorizes the Executive Branch to establish the State System for Emergencies of Environmental Accidents and Imminent Disasters involving the environment (SEEAID). Thus, this article aims to carry out a comparative analysis of the main points of each Law from a perspective of integral risk management, with emphasis on legal actions of prevention, mitigation, preparation, response and recovery. It is hoped that this article will contribute to an articulation between all the stakeholders that deal with the reduction of disaster risks.

Artigo

ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO SOB A PERSPECTVA DA GESTÃO INTEGRAL DO RISCO

Fernando Lúcio Esteves de Magalhães[1]

 Leandro Torres Di Gregorio[2]

Adacto Benedicto Ottoni[3]

RESUMO

A atenção mundial tem se voltado para a gestão e redução do risco de desastres socionaturais, sendo que a legislação desempenha um papel muito importante nessa temática. No Brasil, em 2012, após o megadesastre da região serrana do Estado do Rio de Janeiro, foi editada a Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Em 2022, o Estado do Rio de Janeiro editou a Lei Estadual nº 9.688, de 18 de maio de 2022, que trata do Plano Integrado de Gestão de Riscos e Desastres do Estado do Rio de Janeiro, e a Lei Estadual nº 9.606, de 22 de março de 2022, que autoriza o Poder Executivo a instituir o Sistema Estadual para Emergências de Acidentes Ambientais e Iminências à Desastres que envolvam o ambiente (SEEAID). Assim, este artigo tem como objetivo realizar uma análise comparativa dos principais pontos de cada Lei sob uma perspectiva da gestão integral do risco, com ênfase nas ações legais de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Espera-se que esse trabalho possa contribuir para uma articulação entre os atores sociais envolvidos na redução do risco de desastres.

Palavras-chave: Desastres socionaturais; Redução do risco de desastres; Legislação; Rio de Janeiro; Gestão integral do risco.

ABSTRACT

Worldwide attention has turned to the management and reduction of the risk of socionatural disasters, and legislation plays a very important role in this area. In Brazil, in 2012, after the megadisaster in the mountainous region of the State of Rio de Janeiro, the Federal Law No. 12,608 of April 10th, 2012, was enacted, which established the National Policy for Protection and Civil Defense. In 2022, the State of Rio de Janeiro enacted State Law No. 9,688, of May 18, 2022, which deals with the Integrated Risk and Disaster Management Plan of the State of Rio de Janeiro, and State Law No. 9,606, of 22 of March 2022, which authorizes the Executive Branch to establish the State System for Emergencies of Environmental Accidents and Imminent Disasters involving the environment (SEEAID). Thus, this article aims to carry out a comparative analysis of the main points of each Law from a perspective of integral risk management, with emphasis on legal actions of prevention, mitigation, preparation, response and recovery. It is hoped that this article will contribute to an articulation between all the stakeholders that deal with the reduction of disaster risks.

Keywords: Socionatural disasters; Disaster risk reduction; Legislation; Rio de Janeiro; Comprehensive risk management.

INTRODUÇÃO

            Em uma frequência cada vez maior, o Estado do Rio de Janeiro, bem como a sua capital, principalmente nos meses de verão, são afetados por eventos climáticos severos que causam perdas de vidas humanas, inúmeros prejuízos econômicos e financeiros para a população, com desabamento de casas, inundação de ruas, fechamento do comércio, problemas de saúde pública como leptospirose, cólera, dentre outras doenças de veiculação hídrica, além de paralisarem a mobilidade urbana da cidade por meio de engarrafamentos que inviabilizam o deslocamento pelas principais vias expressas (PRISTO et al. 2018).

Em âmbito nacional, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgou um estudo que mostra que, Entre 01 janeiro de 2013 a 05 abril de 2022, os desastres socionaturais resultaram em R$ 341,3 bilhões de prejuízos em todo o Brasil. ao país, com 53,6 milhões de pessoas afetadas o que corresponde a 25% da população brasileira (CNM, 2018). No referido estudo, o Brasil subiu dez posições no ranking de países mais impactados por eventos climáticos extremos, apresentando a posição 79º em 2017, conforme os dados do Índice Global de Risco Climático, elaborado em dezembro de 2018 na Conferência do Clima da ONU em Katowice, na Polônia (CNM, 2018).

O IBGE (2018) afirma que dentre os municípios com mais de 500 mil habitantes, 93% foram atingidos por alagamentos e 62% por deslizamentos. O Estado do Rio de Janeiro foi o que apresentou o maior percentual de municípios atingidos por deslizamentos (57,6%). Dos 53 municípios atingidos, 44 encontravam-se em áreas de encostas e 35 em áreas de ocupações irregulares.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é fazer uma análise da legislação estadual sobre gestão integral do risco de desastres no Estado do Rio de Janeiro, propondo sugestões de aperfeiçoamento.

LEGISLAÇÃO NACIONAL

Sem a pretensão de esgotar o tema, destacam-se aspectos relevantes da Constituição Federal e da legislação de regência, no intuito de demonstrar como os instrumentos de gestão do risco estão normatizados para a promoção da sustentabilidade das cidades brasileiras.

No aspecto constitucional, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu no artigo 21, XVIII, a competência da União em planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações (BRASIL, 1988)

Outrossim, consoante estabelece o artigo 22, XXVIII, da Carta Magna, houve a inclusão das defesas territorial, aeroespacial, marítima e civil, bem como da mobilização nacional como hipóteses de competência legislativa privativa da União (BRASIL, 1988).

No âmbito infraconstitucional, após o mega desastre da região serrana do Rio de Janeiro em 2011, foi promulgada a Lei n° 12.608/2012, que trata da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC, e altera outras importantes leis, tais como as Leis nºs 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e 6.766/1979 (Parcelamento do Solo Urbano), além de citar outras providências (BRASIL, 2012). A PNPDEC, especialmente nos seus artigos 10 a 12, foi regulamentada pelo Decreto nº 10.593, de 24 de dezembro de 2020, e traz grandes contribuições para o sistema de proteção e defesa civil no Brasil, com a regulamentação da organização e o funcionamento do SINPDEC (Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil) e do CONPDEC (Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil) e sobre o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC) e o Sistema Nacional de Informações e Monitoramento de Desastres (SNIMD) (BRASIL, 2020).

Nesse sentido, após a edição da referida lei, emergiu uma relevante área do Direito no Brasil, que é o Direito dos Desastres e Defesa Civil, que têm por finalidade contribuir para a divulgação de normas legais e de práticas de prevenção, mitigação e de recuperação em caso de desastres socionaturais e tecnológicos, por exemplo, inundações, deslizamentos, acidentes rodoviários com produtos químicos etc., além de criar um espaço para o diálogo entre os profissionais da área jurídica, das engenharias, da geologia, da geografia, da química, da biologia, da sociologia, da economia e demais ciências, com os poderes públicos e seus órgãos e a sociedade civil, visando à governança dos riscos dos desastres naturais e tecnológicos. Uma importante inovação da Lei nº. 12.608/2012 é a distribuição de competências entre os entes da federação (artigos 2º e 6º ao 9º). No entanto, uma limitação presente na referida norma é que a maior parte das atribuições ficou a cargo dos municípios sem a determinação explícita de recursos para o cumprimento dessas funções.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI ESTADUAL 9688/2022

No Estado do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei Estadual n° 5.434/2022 foi convertido na Lei Estadual 9688/2022, de 18 de maio de 2022, que trada do Plano Integrado de Gestão de Riscos de Desastres no Estado do Rio de Janeiro, um assunto de vital importância para a sociedade como um todo, com impactos esperados na redução dos danos (humanos, materiais, ambientais) e prejuízos (sociais, econômicos, ambientais e organizacionais), relacionados a situações que envolvam riscos e desastres, naturais e tecnológicos. Visando ao aprimoramento desta lei, portanto, buscou-se realizar análises propositivas, na forma de comentários e sugestões, sobre os seguintes tópicos:

  • O foco da lei;
  • As ambiguidades;
  • O grau de detalhamento;
  • A abordagem da lei;
  • O foco operacional nas áreas de risco;
  • As infraestruturas críticas;
  • A compatibilização com outros planos;
  • O apoio político-administrativo.

Sobre a necessidade de ajustar o foco da lei

  • COMENTÁRIOS: O foco atual da lei é no Plano de Gestão Integrada do Risco de Desastres. No entanto, a elaboração de um plano, por si só, não tem efeitos práticos na redução do risco, a menos que seja construído e implementado de forma adequada. Também é necessário comunicar claramente o principal objetivo do plano.
  • SUGESTÕES:
    1. Ao invés de focar no plano, recomenda-se que a lei foque na gestão integral do risco, que é o plano sendo colocado em prática. Além disso, há necessidade de estabelecer claramente uma diretriz que comunique a todos os principais objetivos do plano. Sendo que o principal objetivo é reduzir ao máximo o número de mortes, a principal diretriz deve ser a política de “zero morte”, na qual as ações são desenhadas visando a máxima preservação de vidas. O conceito de “zero morte” se assemelha ao consagrado conceito de “zero defeito” na Gestão da Qualidade, ou seja, é um objetivo ideal que deve ser perseguido, mas nem sempre consegue ser alcançado. No entanto, perseguir este objetivo orienta o sistema a buscar continuamente seus melhores resultados. Deste modo, sugere-se revisar a ementa da lei para “DISPÕE SOBRE O PLANEJAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DA GESTÃO INTEGRAL DO RISCO DE DESASTRES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, COM FOCO NA DIRETRIZ DE ZERO MORTE”.
    2. Outro ponto é alterar o nome do plano para PLANO DE GESTÃO INTEGRAL DO RISCO DE DESASTRES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, ao invés de Plano Integrado de Gestão do Risco de Desastres do Estado do Rio de Janeiro. Isto é necessário porque o conceito de gestão integral do risco é bem conhecido e simboliza administrar o ciclo do risco “do início ao fim”, ou seja, uma gestão completa, integral, passando pelos macroprocessos de PREVENÇÃO, MITIGAÇÃO, PREPARAÇÃO, RESPOSTA e RECUPERAÇÃO. Por definição, a gestão integral também é integrada, pois a integração entre as partes envolvidas é um requisito para que a gestão integral aconteça na prática.

Sobre a necessidade de eliminar a ambiguidade do art. 1º.

  • COMENTÁRIOS: O art. 1º menciona que o poder executivo fica autorizado a fazer o Plano Integrado de Gestão de Riscos do Estado do Rio de Janeiro e o art. 3º parágrafo 2º menciona que o plano será elaborado no prazo de 1 ano. No entendimento dos autores, esta forma de redação apresenta uma lacuna que acarreta uma ambiguidade indesejável, pois não define claramente o marco de início da contagem do prazo de 1 ano. Ou seja, considerando que o art. 1º não explicita a obrigatoriedade do Poder Executivo do Estado do RJ em fazer o plano, mas apenas autoriza sua elaboração, a redação atual permite que o Poder Executivo adie indefinidamente o marco de início da contagem deste prazo.
  • SUGESTÕES: Alterar a redação do art. 1º para refletir a obrigatoriedade do Estado do RJ em fazer o plano. Alterar a redação do art. 3º parágrafo 2º para determinar o marco de contagem do prazo de um ano como sendo a promulgação desta lei. Ideal seria também estender esta obrigação (de elaborar um plano de gestão integral do risco de desastres) aos municípios do Estado do Rio de Janeiro que possuem histórico de desastres.

Sobre a necessidade de especificar melhor o que o plano deve ter

  • COMENTÁRIOS: A Lei estabelece a necessidade de um plano, mas não especifica, ainda que genericamente, as informações que o plano deve ter, o que limita sua efetividade.
  • SUGESTÕES: Sem entrar em pormenores, é desejável que a lei especifique, de forma genérica, as informações que um plano deve ter. Para isto, sugere-se o emprego da técnica 5W+2H associada aos macroprocessos da gestão integral do risco de desastres, em uma estrutura matricial. Ou seja, para cada macroprocesso da gestão integral do risco (PREVENÇÃO, MITIGAÇÃO, PREPARAÇÃO, RESPOSTA e RECUPERAÇÃO), é necessário especificar: O QUE DEVE SER FEITO (as ações e atividades que serão desenvolvidas); A JUSTIFICATIVA (os motivos que levaram à escolha das ações); QUEM DEVE FAZER (a definição de responsabilidades e autoridades sobre as atividades); ONDE DEVE SER FEITO (os locais onde as ações e atividades devem ser implementadas); COMO DEVE SER FEITO (os procedimentos e protocolos necessários); QUANDO DEVE SER FEITO (o cronograma de execução); QUANTO VAI CUSTAR (o orçamento e a origem dos recursos). É ainda necessário que a lei estabeleça uma estrutura de gestão que permita a melhoria contínua, ou seja, estabelecer claramente que após o PLANEJAMENTO deve-se seguir de forma cíclica e contínua a EXECUÇÃO MONITORADA (executar as atividades do plano medindo-se os indicadores de desempenho definidos no Plano), as VERIFICAÇÕES DE DESEMPENHO (verificação se as medições encontram-se dentro de padrões previamente definidos como aceitáveis e a identificação de  não-conformidades), o TRATAMENTO DE NÃO-CONFORMIDADES (a identificação das causas reais e potenciais das não-conformidades e das medidas para corrigir os problemas e evitar suas causas), e a ANÁLISE CRÍTICA COM IMPLEMENTAÇÃO DE MELHORIAS (analisar todo o processo, ver como pode melhorar o desempenho, incorporar as melhorias nos procedimentos e protocolos, e implementá-las com o apoio da alta administração).

Sobre a necessidade de determinar uma abordagem por cenários de risco

  • COMENTÁRIOS: Um plano de gestão integral do risco deve ter como base os diferentes cenários de desastres capazes de ocorrer. Se o plano é construído sem prever determinados cenários, as medidas do plano não alcançam a efetividade prática. Por exemplo, no caso do megadesastre da Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, a Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro tinha planos de contingência, porém para cenários significativamente inferiores ao evento extremo que acabou ocorrendo. Como estes eventos extremos são uma realidade cada vez mais frequente, é necessário que o plano contemple também estes cenários, que devem incluir ameaças combinadas.
  • SUGESTÕES: A lei deve mencionar que o plano de gestão integral do risco deve ser construído tendo em consideração diferentes cenários e ameaças, desde os mais frequentes e menos intensos, até os mais raros e extremos, incluindo combinações de diferentes ameaças (naturais e tecnológicas). Estes cenários devem ser abordados em cada uma das fases da gestão integral do risco, ou seja, PREVENÇÃO, MITIGAÇÃO, PREPARAÇÃO, RESPOSTA e RECUPERAÇÃO. O plano também deve estabelecer claramente qual é o risco residual, ou seja, quais cenários o plano não atende e quais as medidas a serem tomadas nestes casos.

Sobre a necessidade de estabelecer as áreas de risco alto e muito alto como unidades operacionais de proteção e defesa civil

  • COMENTÁRIOS: As áreas de risco correspondentes aos diferentes processos e cenários de desastres representam uma delimitação do espaço urbano que é muito importante para fins de direcionar as ações de proteção e defesa civil. É lá que os danos e prejuízos dos desastres se manifestam em maior intensidade, apesar de não estarem restritos a elas. Por este motivo, as áreas de risco alto e muito alto devem funcionar como unidades operacionais, sobre as quais as ações de MITIGAÇÃO, PREPARAÇÃO, RESPOSTA e RECUPERAÇÃO devem ser planejadas e implementadas, numa abordagem em nível de comunidade.
  • SUGESTÕES: É importante que a lei estabeleça que o Plano de Gestão Integral do Risco de Desastres deve ser elaborado considerando TODAS as áreas de risco alto e muito alto como unidades operacionais de proteção e defesa civil, numa abordagem comunitária de proximidade. Isso implica que o plano maior deve ser desmembrado em planos de ação menores para estas áreas, considerando as peculiaridades de cada uma, as capacidades e necessidades de preparação necessárias. Nesta abordagem, é preciso conhecer muito bem cada área em risco e suas características, cadastrar e conhecer seus moradores, organizar / fortalecer os sistemas de resposta em nível de comunidade, com pontos de apoio, sirenes / letreiros para alarme, e rotas de fuga seguras pré-definidas. Isso implica em organizar grupos de apoio à resposta comunitária (Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil), criar conjuntamente com a comunidade protocolos de ações integradas com a defesa civil, realizar treinamentos e simulados periodicamente. Cabe ao Estado do Rio de Janeiro incentivar e apoiar os municípios a desenvolverem esta abordagem em seus territórios, além de liderar esta abordagem no caso de áreas de risco intermunicipais, de forma articulada com as instituições dos demais níveis federativos. Em nosso entendimento, dadas as responsabilidades envolvidas, é necessário que os voluntários que sirvam como pontos focais da Defesa Civil nas comunidades recebam algum tipo de ajuda de custo, visando aumentar o engajamento e a efetividade do sistema.

Sobre a necessidade de incluir neste plano a atividade de manutenção e conservação de infraestruturas críticas para fins de redução do risco de desastres, com monitoramento e controle periódicos.

  • SUGESTÕES: Devem ser analisadas quais as infraestruturas existentes e essenciais para a gestão do risco de desastres em suas diversas fases (sistemas de micro e macrodrenagem, redes de abastecimento de água, equipamentos comunitários para abrigo e socorro dos afetados pelo desastre, estruturas de estabilização de encostas, cobertura vegetal, pontes e vias de acesso de veículos prioritários, instalações e equipamentos da defesa civil e corpo de bombeiros, pontos de apoio para desocupação emergencial, sistemas de sirenes, dentre outros), quais são as medidas para manutenção e conservação destas estruturas, e o estabelecimento de um plano de trabalho com marcos de controle.

Sobre a necessidade de compatibilizar e integrar o plano estadual com outros planos intrafederativos e interfederativos

  • COMENTÁRIOS: O plano estadual de gestão integral do risco de desastres deve ser construído em harmonia com outros planos setoriais dos níveis estadual, municipal e federal, visando à integração operacional nos três níveis federativos.
  • SUGESTÕES: Estabelecer na lei a obrigatoriedade de compatibilizar e integrar os planos que façam interface ao plano em questão em nível estadual, municipal e federal, principalmente o Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana, as Cartas Geotécnicas de Aptidão à Urbanização, os Planos Municipais de Contingência de Proteção e Defesa Civil, os Planos Municipais de Redução do Risco de Desastres, obrigatórios para os municípios monitorados conforme art. 22 da Lei Federal 12608/2012, que alterou a redação da Lei Federal 12340/2010. A integração dos planos deve avançar para a articulação e o estabelecimento de protocolos operacionais entre os três níveis da federação.

Sobre a necessidade de determinar explicitamente o apoio da alta administração do Governo do Estado do Rio de Janeiro aos órgãos envolvidos na gestão integral do risco de desastres

  • COMENTÁRIOS: Dentre as fases da gestão integral do risco, há uma que possui impacto sobre todas as demais e que normalmente é negligenciada: trata-se da fase de PREPARAÇÃO. O macroprocesso de PREPARAÇÃO envolve a estruturação de todo o sistema para funcionar de forma adequada, contando com provisão de recursos financeiros, pessoal qualificado, materiais, equipamentos, software, infraestrutura, conhecimento, estabelecimento de protocolos, condições de trabalho adequadas e, principalmente, o apoio político-administrativo necessário. A maior parte das iniciativas de proteção e defesa civil não é executada de forma adequada por problemas na fase de PREPARAÇÃO.
  • SUGESTÕES: Incluir explicitamente na lei que a alta administração do Governo do Estado do Rio de Janeiro deverá apoiar os órgãos envolvidos na gestão integral do risco de desastres na estruturação adequada de todo o sistema de proteção e defesa civil, inclusive em nível de comunidade. Este apoio deverá ser concretizado por meio da provisão e manutenção continuada de recursos financeiros, pessoal qualificado para as funções a serem desempenhadas, materiais, equipamentos, software, infraestrutura, conhecimento, estabelecimento de protocolos, condições de trabalho adequadas e, principalmente, o apoio político-administrativo necessário.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI ESTADUAL 9606/2022

A Lei nº 9.606, de 22 de março de 2022 autoriza o Poder Executivo a instituir o Sistema Estadual para Emergências de Acidentes Ambientais e Iminências à Desastres que envolvam o Ambiente (SEEAID). Sobre esta lei, entende-se que há necessidade de ser aprimorada no sentido de envolver as empresas licenciadas por órgãos da administração pública, os órgãos de proteção e defesa civil e a população, como parte integrante do SEEAID, dentre outras providências.

A lei envolve no SEEAID apenas órgãos públicos, o que é insuficiente para administrar o risco de forma integral. Tome-se como base o caso da empresa SAMARCO, responsável pelo desastre de ruptura de barragem na cidade de Mariana, MG. O papel da empresa não pode ser apenas comunicar a ocorrência do desastre, mas atuar em conjunto com as instituições em todas as fases da gestão integral do risco (prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação), que deve ser a abordagem adotada. Isto é necessário, uma vez que a empresa detém (ou deveria deter) um bom conhecimento sobre a ameaça, o risco, as informações sobre o sinistro, dentre outras, e possui recursos (financeiros, humanos, materiais, equipamentos) que devem ser colocados a serviço da gestão do risco e de uma eventual emergência, caso haja. A presença dos órgãos de proteção e defesa civil neste arranjo é fundamental, assim como o envolvimento da população.

Desta forma, é necessário envolver as empresas licenciadas pelos órgãos em todas as operações da gestão integral do risco, ou seja, nas atividades das fases de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Todas as medidas e protocolos devem envolver as empresas licenciadas de forma integrada com os órgãos públicos e a população, definindo os papéis de cada um. Também é necessário dar mais ênfase à atividade de monitoramento, alerta, desocupação emergencial e contenção do sinistro, com protocolos de preparação interinstitucional, preparação das comunidades, sua implementação, treinamento e operação. Há também a necessidade de definir a obrigatoriedade de um plano de contingências para os diversos cenários e ameaças possíveis, e os papéis de cada instituição. Os órgãos de proteção e defesa civil também devem estar nominalmente envolvidos no SEEAID, em conjunto com os órgãos de gestão ambiental. É necessário maior ênfase na proteção da população e na participação desta no processo. Também é necessário determinar que as informações do SEEAID sejam adequadamente publicizadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a complexidade crescente das atividades humanas, as alterações no meio ambiente e no clima, a continuada exploração de recursos naturais interagindo com um crescente número de pessoas expostas, socioeconomicamente vulneráveis em cenários fragilizados à ocorrência de acidentes com significativos danos humanos, materiais e ambientais nos impele, com urgência, a evoluirmos nos mais diversos mecanismos de redução de riscos e enfrentamentos a desastres.

O arcabouço legal para gestão do risco de desastres no Estado do Rio de Janeiro recebeu importantes e recentes contribuições, nomeadamente na Lei Estadual 9688/2022, de 18 de maio de 2022, que trata do Plano Integrado de Gestão de Riscos de Desastres no Estado do Rio de Janeiro, e na Lei nº 9.606, de 22 de março de 2022, que autoriza o Poder Executivo a instituir o Sistema Estadual para Emergências de Acidentes Ambientais e Iminências à Desastres que envolvam o Ambiente (SEEAID). Não obstante a evolução destas ferramentas legislativas, há necessidade de aprimoramento tempestivo da legislação visando o aumento da efetividade nas medidas de redução do risco de desastres.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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BIOGRAFIA

Fernando Lúcio Esteves de Magalhães

Possui graduação em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2005), pós-graduação em Direito Ambiental pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (2017), MBA em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (2021), mestrado em Ciências do Meio Ambiente pela Universidade Veiga de Almeida (2021), e atualmente faz doutorado em Engenharia Ambiental na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Advogado e Subprocurador do município de Belford Roxo-RJ, Presidente da Comissão de Direito dos Desastres e Defesa Civil da OAB-RJ e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RJ.

Leandro Torres Di Gregorio

Professor do Departamento de Construção Civil, do Programa de Engenharia Urbana e do Programa de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2003), mestrado (2009) e doutorado (2013) em Engenharia Civil pela Universidade Federal Fluminense, especialização lato sensu em Gestão de Emergências e Desastres pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (2012) e pós-doutorado em Engenharia Civil pela Universidade de Aveiro, Portugal (2022 e 2023). Atuou no setor privado da construção civil de 2002 a 2011 e como pesquisador / gerente de projetos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN-MCTI) de 2011 a 2013. Seus interesses de pesquisa são relacionados aos temas de gestão de riscos de desastres socionaturais, resiliência institucional e sistemas urbanos (incluindo smart cities). É membro consultor técnico da Comissão de Direito dos Desastres e Defesa Civil da OAB-RJ.

Adacto Benedicto Ottoni

Possui Graduação em Engenharia Civil – ênfase em Engenharia Sanitária, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1982); Pós-Graduação em Engenharia Civil Marítima, pela Universidade Trondheim, na Noruega (1985); Mestrado em Engenharia Oceânica (sub área de Engenharia Costeira), pela COPPE/UFRJ (1986); e Doutorado em Saúde Pública (sub área de Saneamento Ambiental), pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ/MS) (1996). Atualmente é Professor Associado do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da UERJ (DESMA/FEN/UERJ), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Engenharia Sanitária, com ênfase em Planejamento Integrado dos Recursos Hídricos, atuando principalmente nos seguintes temas: Desenvolvimento Sustentável, Monitoramento Ambiental, Gestão de Bacias Hidrográficas, Saúde Pública, Mitigação de Impactos Ambientais, Economia Circular e Saneamento Básico. É membro consultor técnico da Comissão de Direito dos Desastres e Defesa Civil da OAB-RJ.

[1] Advogado (UNESA), Pós-graduado em Direito Ambiental (EMERJ), MBA em Gestão Ambiental (UFPR), Mestre em Ciências do Meio Ambiente (UVA), Doutorando em Engenharia Ambiental (UFRJ), [email protected]

[2] Engenheiro Civil (UFRJ), Especialista em Gestão de Emergências e Desastres (Faculdade Integrada da Grande Fortaleza), Mestre e Doutor em Engenharia Civil (UFF), Pós-doutorado em Engenharia Civil (Universidade de Aveiro), [email protected]

[3] Possui Graduação em Engenharia Civil (UFRJ), Pós-Graduação em Engenharia Civil Marítima (Universidade Trondheim), Mestrado em Engenharia Oceânica (COPPE/UFRJ), Doutorado em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ/MS), [email protected]

Palavras Chaves

Desastres socionaturais; Redução do risco de desastres; Legislação; Rio de Janeiro; Gestão integral do risco.