APONTAMENTOS DE UMA CONSELHEIRA NO PRIMEIRO CONSELHO PARITÁRIO NA OAB/RJ

Resumo

O artigo é um convite à reflexão pois apresenta algumas ponderações acerca do
machismo estruturado em sociedade e seus reflexos no âmbito da advocacia feminina. Um brevíssimo relato do passivo do mercado de trabalho da advocacia feminina causado pelo machismo ao longo dos anos. Aponta avanços das leis e das normas garantindo direitos às mulheres advogadas, especialmente com relação às Prerrogativas no exercício da profissão de advogada. E ainda, a importância de representatividade dos Conselhos Paritários no Sistema OAB incentivando as advogadas a construírem lideranças e criar uma consciência coletiva, de que a mulher tem direito de escolha, aperfeiçoando assim as relações institucionais e interpessoais.

Artigo

APONTAMENTOS DE UMA CONSELHEIRA NO PRIMEIRO CONSELHO PARITÁRIO NA OAB/RJ

 Leila Pose Sanches

RESUMO

O artigo é um convite à reflexão pois apresenta algumas ponderações acerca do machismo estruturado em sociedade e seus reflexos no âmbito da advocacia feminina. Um brevíssimo relato do passivo do mercado de trabalho da advocacia feminina causado pelo machismo ao longo dos anos. Aponta avanços das leis e das normas garantindo direitos às mulheres advogadas, especialmente com relação às Prerrogativas no exercício da profissão de advogada. E ainda, a importância de representatividade dos Conselhos Paritários no Sistema OAB incentivando as advogadas a construírem lideranças e criar uma consciência coletiva, de que a mulher tem direito de escolha, aperfeiçoando assim as relações institucionais e interpessoais.

PALAVRAS-CHAVE

Advogadas – Paridade – Prerrogativas – Mercado de Trabalho – Desenvolvimento Humano

O mês de março desde sempre foi um mês especial para mim, antes de ser oficializado o dia 08 de março como Dia Internacional da Mulher nos anos 1975, eu já comemorava a existência da mulher mais importante da minha vida, minha mãe. Uma mulher que me ensina todos os dias a lutar pela liderança feminina. Anos mais tarde, nesse mesmo mês me tornaria mãe e de outra mulher. Hoje, uma advogada feminista que muito me orgulha. Uma feliz combinação de comemorações para este mês.

No mês em que comemoramos a causa feminista é sempre bom refletir e lembrar que conseguimos a atualização e criações de leis e normas, o que por si só demonstra o reconhecimento das desigualdades e assimetrias nas relações entre homens e mulheres em nossa sociedade.

Avanços em sua maioria recentes que vêm sendo desvelados por crenças e estruturas que paulatinamente foram questionadas. Como o tratamento mais cuidadoso e protetivo, já que à mulher nunca coube um lugar de escolha.

Eu não sou a mulher que minha mãe foi, minha mãe não é a avó que ela teve e minha filha não será a mulher que sou. Somos um resumo da miscelânea geracional feminina que precisamos cuidar.

O contexto é muito poderoso em todo processo histórico. A crença de um espaço delimitado e cheio de restrições, estruturalmente restrito. A mulher tinha um lugar de subserviência, já que trabalhar era destinado àquelas menos favorecidas e que não tinham um provedor. O trabalho não era uma escolha, uma opção.  Assim, é criada uma base estrutural do lugar destinado à mulher, mantida socialmente por homens e mulheres, até os dias de hoje, o machismo.

Esse é o passivo de construção de carreira feminina, tendo o contexto atual sido modificado mediante o acesso da mulher à formação acadêmica ao longo dos anos. Entretanto, temos diversas lacunas a preencher já que a construção desse lugar de escolha da mulher não acabou e dependerá de mudanças de contexto e crenças.

Tais avanços anteriormente mencionados são o caminho infraconstitucional para fazer cumprir a Carta Magna de 1988 que acaba de comemorar 35 anos e determina em seu artigo 5º, inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (…)

São muitos os caminhos a trilhar para o equilíbrio das relações entre homens e mulheres em sociedade. E não há dúvida que a base de todos os caminhos é a estrutura educacional. Uma educação onde homens e mulheres sejam apresentados ao futuro com as mesmas perspectivas e oportunidades. Sem qualquer distinção ou mesmo restrição em razão de gênero, raça ou tipo de deficiência.

O incentivo ao desenvolvimento de características como liderança, ambição e autoestima devem ser destinados a mulheres e homens, de forma igual desde os bancos escolares, passando pelas universidades e toda a carreira profissional, ou seja, o que podemos chamar de educação escolar e a educação de seu entorno de convivência familiar e social.

O Direito é um dos principais instrumentos nesse processo, pois constituiu a forma mais democrática de regular as regras sociais. Isso traz ao Direito contemporâneo a responsabilidade de equilibrar relações humanas que sofrem de algumas deformações sociais estruturadas, várias formas de preconceito, em especial o machismo.

As mulheres advogadas são o objeto deste artigo, isso porque enfrentam grandes dificuldades no exercício da profissão, e é fundamental trazer todas as pautas de tais dificuldades para discussão no ambiente jurídico, e principalmente no âmbito do Sistema da Ordem dos Advogados do Brasil.

Como advogada militante há 30 anos posso compartilhar vivências sobre as mulheres advogadas, e é esse o direcionamento deste artigo. Não cabe apresentar teorias sociológicas porque o nosso espaço é do exercício da advocacia, e não a amplitude da sociedade brasileira contemporânea, muito embora grande parte do processo social global se replique no ambiente jurídico.

O machismo na advocacia atua de diversas formas, o que decorre da sua posição estruturante. Destacaremos 2 (duas) formas de atuação que nominaremos de: (i) simbólica e (ii) técnica. A primeira pode ser entendida como os conceitos e as ideias do machismo, que atuam na consciência de forma limitadora do desenvolvimento da advogada, e a segunda, a técnica, é o ato, o movimento propriamente dito do preconceito, que resulta diretamente em violações de prerrogativas das advogadas.

Ambas atuam de forma nefasta e às vezes estagnante do desenvolvimento pessoal e profissional da mulher advogada. Desta forma, precisamos agir e colaborar para mudar esse quadro. Este é um papel muito importante de apoio à advocacia feminina.

Neste sentido, é importante destacar que a garantia de paridade de gênero em todos os Conselhos Seccionais da OAB foi uma grande vitória para a advocacia feminina, e mais uma vez a nossa entidade mostrou pioneirismo, pois somente com equidade na participação em Conselhos de classe a perspectiva de gênero poderá ser observada e aplicada.

Uma entidade que tem como princípio defender compromissos democráticos constitucionalmente impostos às relações sociais, não poderia continuar a ignorar esses mesmos compromissos.

Desta forma, com a atuação combativa de advogadas de todo o país[2] foi aprovada a Resolução 05/2020 que altera o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB estabelecendo a paridade de gênero (50%) e a política de cotas raciais para negros (pretos e pardos), no percentual de 30%, nas eleições do Sistema OAB.

Especialmente com relação à paridade de gênero, nada mais representativo uma vez que no Rio de Janeiro as mulheres advogadas representam 52% da totalidade da advocacia Fluminense, incluindo neste rol a advocacia regularmente cadastrada, inscrições regulares, suplementares e consultores estrangeiros[3]. Todas são representadas pela Diretoria e pelas 80 conselheiras efetivas e suplentes desta Seccional[4].

Representatividade as mulheres advogadas têm, entretanto continuamos a precisar de mais, precisamos trabalhar para corrigir os equívocos da trajetória e pensar em preparar o futuro da advocacia feminina. E só com representação conseguiremos atuar em pautas relevantes voltadas à advocacia feminina.

Precisamos discutir e apoiar o mercado de trabalho da mulher advogada com recortes etários, raciais, de acessibilidade para pessoas com deficiência, desde a jovem advocacia até o momento da aposentadoria, com especial atenção ao momento da maternidade, ou seja, ao longo de toda a vida profissional da mulher advogada.

É papel do Conselho Seccional apoiar a advocacia em seu desenvolvimento profissional, atento às necessárias mudanças e aperfeiçoamento da categoria. E nesse contexto de sociedade estruturada sob o conceito e prática do machismo, o desenvolvimento pessoal passa a ser uma necessidade básica quase que de sobrevivência para a advocacia feminina.

As escolhas das advogadas devem ser sem culpa e sem modelagem imposta pela sociedade machista. O desenvolvimento pessoal de cada advogada deve ser incentivado como forma de estabelecer uma linguagem do seu espaço feminino, sem o modelo que foi e ainda é apresentado, onde é cobrado das advogadas uma postura masculina, na forma de lidar com clientes e membros do sistema de Justiça.

É como se ser feminina no ambiente de trabalho fosse um pecado capital, uma demonstração de fraqueza que deve ser expurgada, algo que desqualifica a advogada profissionalmente. E o pior é que há quem diga que isso não existe. Acredito que há quem não enxergue, o que é bem diferente.

A advocacia feminina foi forjada em um ambiente de linguagem compreendida como masculina e masculinizante, e há quem pense que para assumir um posto de liderança na carreira é necessário adotar e seguir essas condutas de agressividade, influência, impacto, competição excessiva, entendidas como masculinas.

Entretanto, atualmente, as organizações especialmente as empresas passaram a valorizar a linguagem compreendida como feminina, mediante condutas de escuta, colaboração, comunicação, equidade, criatividade e intuição.

Na verdade, as advogadas precisam se legitimar como ser humano que possui características femininas e masculinas, sem estereotipar, pois, tudo isso opera no conteúdo profissional e pessoal de forma ampla, e que podem e devem conviver em harmonia.

Como já mencionado o machismo na advocacia atua de diversas formas, já mencionamos atuação simbólica que decorre da posição estruturante. E passamos a descrever a ação técnica diretamente ligada a violações de prerrogativas das advogadas.

Cabe apontar que as prerrogativas da advocacia não constituem privilégio. As prerrogativas são um instrumento de pleno exercício do trabalho da advogada e do advogado e garantia do exercício de cidadania do cidadão.

A advocacia é reconhecida pela Constituição da República como indispensável à administração da justiça, nos termos de seu artigo 133, tendo a sua importância confirmada pelo legislador no artigo 2° da Lei Federal n° 8.906/1994, o Estatuto da Advocacia e da OAB

O Estatuto da Advocacia e da OAB dedicou capítulo especial ao tema das prerrogativas, no Título I, Capítulo II: “Dos Direitos dos Advogados”, em seus artigos 6°e 7°, abrangendo temas que em resumo são: A ausência de hierarquia e subordinação entre advogados; magistrados e membros do Ministério Público; liberdade do exercício profissional; sigilo profissional; inviolabilidade dos escritórios; imunidade profissional; direito à comunicação com o cliente preso; livre acesso do advogado e uso da palavra; acesso aos autos; desagravo público; direito de se retirar do recinto, e ainda o crime de violação de prerrogativas.

VIOLAR PRERROGATIVAS É CRIME!

Entretanto, as mulheres advogadas ainda precisavam de direitos com perspectiva de gênero que foram concretizados pela Lei Júlia Matos, Lei n°13.363/2016 que alterou o Estatuto da Advocacia para incluir o art. 7°-A e, com ele prever novos direitos, direcionados para as advogadas gestantes, adotantes e lactantes.

É verdade que a Lei é inspirada no episódio ocorrido à época com a advogada Daniela Teixeira[5]. Após sofrer complicações em sua gravidez de 29 semanas, ela solicitou preferência em sua sustentação oral no Conselho Nacional de Justiça, o que foi negado. Esperou durante toda a manhã e parte da tarde, fez a sustentação, saiu de lá direto para o hospital com complicações, e sua filha nasceu prematura, com pouco mais de um quilo, ficando 61 dias na UTI.

E é chocante que tenha sido necessário acontecer um episódio extremo como esse relatado, para a aprovação de uma lei que prevê garantias expressas para as advogadas gestantes, lactantes ou adotantes exerçam suas atividades com dignidade e respeito à sua condição. Estamos falando do Princípio Constitucional de dignidade da pessoa humana.

A lei permite para a gestante a entrada em tribunais sem ser submetida a detectores de metais e aparelhos de Raio-X, além da reserva de vaga em garagens dos fóruns dos tribunais.

No que se refere às audiências e sustentações orais, a lei é expressa e garante ordem de preferência para gestantes, lactantes, adotantes ou aquelas que deram à luz, desde que seja comprovada a sua condição.

Em situações em que a for a única patrona da causa, é garantido o direito à suspensão dos prazos processuais durante 30 dias, mas para a concessão, deverá haver a prévia notificação ao cliente, além da apresentação dos documentos exigidos no art. 313, §6º do CPC.

Da mesma forma, é assegurado os mesmos direitos ao advogado que se tornar pai e se for o único patrono da causa.

São muitas as conquistas, mas continuamos a lutar inclusive pelo cumprimento da Lei Julia Matos, tendo sido necessário anos depois, a expedição de uma Recomendação 128/2022, pelo Ministro Luiz Fux, ex-presidente do CNJ, a qual propõe a adoção do “Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero”[6].

A vivência na atribuição de 1ª Vice-Presidência da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ demonstra que as violações à Lei Júlia Matos persistem, mas, atuamos fortemente desde o trabalho educacional, mediante a Escola de Prerrogativas até a atuação processual de nossa Procuradoria Especializada, tudo com o apoio de uma coordenadoria especializada.

Seguindo um modelo de sucesso de atuação da Escola de Prerrogativas junto às instituições públicas e integrantes do sistema de justiça, temos um modelo especial de atuação educacional, voltado exclusivamente para a garantia das prerrogativas das mulheres advogadas.

Diante de todas as razões, reiteramos ser fundamental que os Conselhos Paritários do Sistema OAB, atuem incentivando as advogadas a construir lideranças e criar uma consciência coletiva, de que a mulher tem direito de escolha, aperfeiçoando assim as relações institucionais e interpessoais.

 

[1] Leila Pose Sanches. Advogada com Especialização em Direito Ambiental pela PUC-Rio. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Conselheira efetiva da OAB/RJ e 1ª Vice-Presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ. Diretora Cultural do IAB e Diretora da Escola Superior do IAB. Sócia Fundadora do Escritório Neves Pose Consultoria Jurídica Ambiental.

[2] Especialmente as Dras. Daniela Borges, Marina Gadelha, Silvia Cerqueira, Valentina Jungmann, e no Rio de Janeiro, Marisa Gaudio.

[3] Acesso em 29 de janeiro de 2024.https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados

[4] Acesso em 29 de janeiro de 2024. https://www.oabrj.org.br/conselho-seccional

[5] A Dra. Daniela Teixeira foi empossada como Ministra no STJ em 22 de novembro de 2023. Indicada à vaga destinada à advocacia pelo quinto constitucional.

[6] Acesso em 30 de janeiro de 2014. https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4377

Palavras Chaves

Advogadas – Paridade – Prerrogativas – Mercado de Trabalho - Desenvolvimento Humano